Pan de 1963 em São Paulo: abertura no Pacaembu, jogos no Parque Antártica e vila olímpica na USP

Jornalista Luiz Carlos Ramos, na época um estudante, relembra a emoção de assistir à “Olimpíada das Américas” na cidade

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O início dos Jogos Pan-Americanos em Santiago, no Chile, leva a memória de alguns paulistanos há 60 anos: em 1963, a competição foi realizada na capital paulista. Uma cidade bastante diferente, como relembra o jornalista Luiz Carlos Ramos, na época um estudante de 19 anos de idade.

Pacaembu lotado prestigiou a cerimônia de abertura do Pan de São Paulo, em 1963 Foto: Arquivo/Estadão

Um esporte menos profissional, uma cidade mais humana

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Por Luiz Carlos Ramos

Naquela tarde de 20 de abril de 1963, ocupei, orgulhoso, meu lugar entre os 50 mil espectadores do Estádio do Pacaembu. O mesmo gramado de tantos grandes jogos de futebol estava, então, invadido por atletas e bandeiras de 22 países e colônias: era a abertura da quarta edição dos Jogos Pan-Americanos. São Paulo, então uma cidade de pouco mais de 3 milhões de habitantes, de bondes e de vida tranqüila, recebia a Olimpíada das Américas e tinha motivos para tanto entusiasmo.

Para mim, estudante de 19 anos que ainda não esperava ser jornalista, aquele Pacaembu colorido era muito especial. Por alguns dias, o Brasil, bicampeão mundial de futebol de 1958 e 1962, abriria espaço para outras modalidades esportivas. Foi a primeira vez em que o País promoveu o Pan, espetáculo que só voltaria ao País em 2007, com sede no Rio de Janeiro, que anos depois, em 2016, também receberia uma Olimpíada.

O mundo de 60 anos atrás era bem diferente. Tempo dos Beatles, de Brigitte Bardot, dos Fuscas, da minissaia, da pílula anticoncepcional, de Garrincha e Pelé. Alguns meses depois, em 22 de novembro, o presidente americano, John Kennedy seria assassinado.

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Aprendi a melodia do Hino dos Estados Unidos, naquele ano. Nem poderia ser de outra forma: meu pai, o engenheiro Luiz Gonzaga Ramos, fanático pelo atletismo, levou-me ao Pacaembu durante toda a última semana de abril para ver corridas, saltos e arremessos. Isso mesmo.

Página do Estadão de 21/4/1963 sobre a abertura dos Jogos Pan-Americanos de São Paulo. Foto: Acervo Estadão
Abertura dos Jogos Pan-americanos de 1963 no estádio do Pacaembu Foto: Estadão

O Estádio Municipal, inaugurado em 1940, tinha uma pista de atletismo, usada no Campeonato Sul-Americano de 1954 e, é claro, no Pan de 1963. Uma vez que os atletas americanos ganharam quase todas as provas disputadas, as cerimônias de entrega de medalhas entraram numa rotina, com a banda da Polícia Militar de São Paulo impondo os acordes do hino de Tio Sam.

Cuba já era dominada por Fidel Castro e ainda não se tornara potência esportiva. Mesmo assim, a ilha de Fidel acabou ficando em sexto lugar no total de medalhas, graças principalmente aos seus ágeis heróis de corridas de curta distância.

O panorama geográfico e político das Américas, entretanto, era diferente do atual. Além de Cuba, vários países estavam sob ditadura. O Caribe tinha poucas nações independentes, entre as quais Cuba, Haiti e República Dominicana. Assim, o Pan de São Paulo recebeu atletas de colônias britânicas, holandesas e francesas, assim como as delegações mais numerosas, que acabaram ficando com a maior parte das medalhas.

Os Estados Unidos levaram 187 medalhas, sendo 101 de ouro, 51 de prata e 35 de bronze. O Brasil, com a vantagem de disputar todas as modalidades esportivas, apareceu em segundo lugar, com 52 medalhas: 15 de ouro, 20 de prata e 17 de bronze. Em seguida, na classificação, apareceram Canadá, Argentina, Venezuela, Cuba, Uruguai, México, Chile, Trinidad-Tobago, Guiana, Antilhas Holandesas, Porto Rico, Jamaica, Guatemala, Panamá, Peru e Barbados.

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Cartazes alusivos a realização dos Jogos Pan-americanos de 1963. Foto: Estadão

Vila Olímpica na Cidade Universitária

Onde alojar os 1.771 atletas inscritos? O Comitê Organizador do Pan, comandado pelo então presidente do Comitê Olímpico Brasileiro (COB), major Sylvio de Magalhães Padilha, conseguiu do Governo do Estado um apoio importante: foram aceleradas as obras dos edifícios destinados a estudantes, na Cidade Universitária da USP, surgindo a Vila Pan-Americana. Cada atleta ganhou uma lembrança simples: um pequeno broche dourado e prateado com o símbolo dos Jogos de 1963.

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Se o atletismo usava o Estádio do Pacaembu, o torneio de futebol do Pan ficava com o Parque Antártica. O Brasil, com um time de jovens, ganhou o ouro. Uma outra boa lembrança daqueles dias foi a ocasião em que, no Fusca do meu pai, com o meu amigo Roberto Avallone, que faria carreira brilhante no jornalismo, dei carona a um juiz de futebol do Pan. O árbitro americano acabava de sair do Parque Antártica e estava meio perdido para tomar um táxi. Oferecemos levá-lo ao hotel no centro da cidade e ele aceitou. Como agradecimento, o juiz nos presenteou com broches da equipe americana.

Outras modalidades esportivas recorriam ao ginásio e às piscinas do complexo do Pacaembu e dos clubes Pinheiros e Paulistano. O vôlei, ainda não tão popular, assegurou ao Brasil as medalhas de ouro do masculino e do feminino. O Ginásio do Ibirapuera, inaugurado em 1957, chegou a receber mais de 12 mil pessoas nos grandes jogos de basquete masculino e feminino.

Os Estados Unidos ficaram com a medalha de ouro tanto no torneio de homens quanto no de mulheres. O time masculino do Brasil perdeu o título do Pan para os americanos, em 4 de maio, mas acabou sendo bicampeão mundial logo depois, em 25 de maio, no Rio. Tendo como técnico o agitado Togo Renan Soares, o Kanela (tio de Jô Soares), a equipe brasileira era excelente: Wlamir, Amaury, Rosa Branca, Victor e Sucar. Naquele tempo, Corinthians, Palmeiras, Sírio e a cidade de Franca disputavam o predomínio no basquete masculino. Oscar Schmidt era, então, um garoto de 6 anos de idade, em Natal.

Atleta salta de trampolim no clubePalmeiras nas provasclassificatórias de saltos ornamentaispara os Jogos Pan-americanos de 1963, realizados em São Paulo Foto: Domício Pinheiro/Estadão

Vi alguns jogos de basquete do Pan no Ibirapuera, sem precisar pagar: na tentativa de garantir público em todas as disputas, o Comitê Organizador fez um acordo com a Secretaria da Educação do Estado, pelo qual os estudantes paulistanos receberam carnês que davam direito a assistir várias provas e jogos.

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Também foi gratuitamente que vi um jogo de beisebol pela primeira vez em minha vida. E era um verdadeiro clássico: Cuba contra Venezuela. Os cubanos foram os campeões do Pan. O torneio foi disputado no Estádio Municipal de Beisebol do Bom Retiro, ao lado da Marginal do Tietê e do lugar onde hoje existe a sede da Gaviões da Fiel. Esporte popular nos Estados Unidos, no Caribe e em alguns países da América Central, o beisebol do Brasil era praticamente restrito à colônia japonesa. Não entendi direito as regras, mas valeu a pena.

Maria Esther Bueno

No tênis, a campeã do Pan foi a brasileira Maria Esther Bueno, uma das melhores jogadoras do mundo em todos os tempos. Em 1959, ela havia conquistado pela primeira vez o título de simples do lendário torneio de Wimbledon, que voltaria a ganhar nos anos 60. No masculino, outra medalha de ouro para o Brasil, garantida por Ronald Barnes. Tempos em que a avó de Gustavo Kuerten era moça.

Maria Esther Buenoganhadora de três medalhas no IV Jogos Pan-Americanos de 1963 realizado em São Paulo. Esther Bueno ganhou ouro na simples de tênis e prata de dupla feminina e prata de dupla mista, maio de 1963. Foto: Acervo/ Estadão

As provas de remo não usaram o Rio Tietê, então já bastante poluído: construiu-se a Raia Olímpica, ao lado da Cidade Universitária e da Marginal do Pinheiros. O ciclismo de pista utilizou o Velódromo do Ibirapuera, que não existe mais: ficava onde hoje surge o Estádio de Atletismo, ao lado do ginásio. A Represa de Guarapiranga recebeu o iatismo, a Sociedade Hípica Paulista e o Clube Hípico de Santo Amaro ficaram com o hipismo.

A cerimônia de encerramento do Pan de 1963 também foi no Pacaembu, onde havia uma concha acústica e não as arquibancadas do “tobogã”. Em 5 de maio, a mensagem foi “Até Winnipeg, em 1967″. Winnipeg, no Canadá, tornou-se uma das duas únicas cidades a abrigar o Pan duas vezes: o de 1967 e o de 1999. A outra foi a Cidade do México, com as disputas de 1955 e 1975. Na verdade, São Paulo poderia ter promovido também o Pan de 1975, mas desistiu da sede alegando oficialmente a existência de um “surto de meningite”.

A meningite, de fato, preocupava às autoridades. Entretanto, o motivo real da desistência seria mais tarde revelado pelo presidente do COB, major Sylvio de Magalhães Padilha: uma vez que os governos federal e estadual não garantiam dinheiro para obras básicas de infra-estrutura, os dirigentes brasileiros abriram mão da sede, que acabou ficando com a Cidade do México. O Pan de 1975, aliás, mudou de mãos duas vezes. A sede original era Santiago do Chile, mas, com o golpe militar que provocou a destituição e a morte do presidente Salvador Allende, os chilenos desistiram, surgindo a chance de São Paulo, mais tarde transferida aos mexicanos.

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O primeiro Pan foi realizado em Buenos Aires, de 25 de fevereiro a 8 de março de 1951. A Argentina, dominada pelo populismo de Juan Domingo Perón e Evita, teve sua quinzena de potência esportiva, terminando a competição em primeiro lugar, com 147 medalhas. Os Estados Unidos ganharam 84. O Brasil ficou em quinto lugar, com 31. Depois do Pan de 1955 na Cidade do México, foi a vez da americana Chicago, em 1959. No decorrer destes anos, o Pan tem crescido, apesar de os americanos não usarem nele a força máxima, geralmente reservada para as Olimpíadas.

Para os paulistanos de 60 anos de idade ou mais, os Jogos de 1963 remetem à saudade de um esporte menos profissionalizado e de uma cidade mais humana.

Luiz Carlos Ramos, jornalista, trabalhou por 40 anos no Estadão e no Jornal da Tarde e acaba de lançar o livro “Vida de Jornalista”.

[Texto publicado originalmente no Estadao.com.br em 2003]

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