Quem é o cavaleiro símbolo do Estadão? Conheça a história da nossa logomarca

Jornaleiro francês percorria cidade a cavalo, tocando uma corneta para promover o jornal em 1876

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Foto do author Edmundo Leite
Evolução do ex-libris do Estadão a partir do desenho original de José Wasth Rodrigues Foto: Acervo/Estadão

A Província de São Paulo, nome do Estadão em seus primórdios, acabava de comemorar um ano de circulação do jornal em janeiro de 1876 quando uma peculiar figura bateu à porta de sua sede na esquina das ruas do Palácio e do Comércio, no coração da cidade.

Exibindo medalhas de honra e certificados de serviços prestados a outros veículos de imprensa em Paris e no Rio de Janeiro, o homem de nacionalidade francesa chamado Bernard Gregoire chegara a São Paulo uns dias antes vindo da então capital do Império, onde no último dia do ano anterior anunciava que vinha contabilizando calotes na venda de assinaturas de jornais nos trens de subúrbios cariocas.

Bernard Gregoire em foto de Militão Augusto de Azevedo e no ex-libris do Estadão Foto: Reprodução
Anúncios do jornaleiroBernard Gregoireno Estadão de 1876 Foto: Acervo/Estadão

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Os planos para o novo ano, dizia Gregoire em um vistoso anúncio na 'Gazeta', da qual era "vendedor principal", seria trabalhar a partir de 1º de janeiro apenas com assinaturas semanais e suprimir as assinaturas por mês e por quinzena, "salvo sendo pagas adiantadas". "A começar do 1º  do anno, expede pelo trem das 5 horas da manhã as folhas para as estações do Engenho Novo e Cascadura", finalizava o comunicado à sua "numerosa clientella".

Não há registros conhecidos sobre o que teria ocorrido a Gregorie - pronuncia-se Gregôár - para mudar seus planos nos dias após a virada do ano até a sua chegada à capital paulista. Mas o que aconteceu com ele a partir da manhã de domingo daquele 23 de janeiro entraria para a história da cidade de São Paulo, então com cerca de 30 mil habitantes, do Estadão e da imprensa brasileira.

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Com seu estilo único, conforme relatos publicados no jornal naqueles mesmos dias e outros que vieram à luz anos depois, monsieur Gregorie causaria um abalo estético e de costumes na pacata cidade. Até então, jornais não eram distribuídos em vários pontos de venda, mas sim comprados diretamente pelos leitores na porta do local onde era feito seu periódico de preferência, ou recebido em casa se fosse assinante.

O desafio da empreitada de Bernard Gregoire e d' A Província de S. Paulo foi antecipado pelo jornal antes mesmo do francês iniciar seu trabalho pioneiro.

No dia em que monsieur Bernard  saiu vendendo os jornais pela primeira vez em sua montaria com sua pequena trombeta, seu embornal e suas medalhas, a Província publicou uma nota intitulada  'Venda de jornaes nas ruas' informando que o veículo fora escolhido pelo estrangeiro recentemente chegado a esta capital para exercer "a profissão de vender jornaes pelas ruas."

"Mr. Bernard encontra uma cidade ainda não habituada ao facto. Vae por assim dizer crear o costume e abrir brecha ao seu negócio, contando com a practica e largo tirocinio que tem na profissão. "

Se havia algum temor de resistência dos paulistanos à novidade não demorou para o receio virar encantamento. Uma semana depois do início das cavalgadas, A Província dedicou uma coluna inteira ao peculiar jornaleiro.

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"O cidadão francez, Bernard Gregoire, é no seu gênero um vulto originalíssimo, e nem é novidade condensar os traços geares de sua vida em um esboço biographico, pois já conta elle a honraria de um 'perfil', honroso attestado de patriotismo e dedicação humanitária, em um livro publicado em Paris, 1872, que contêm os annaes dos serviços recompensados pela Societé Nacionale d'Encoragement au Bien".

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Após descrever os atestados dos feitos humanitários de Gregoire em guerras na Europa e na Argentina, o jornal terminava a coluna com uma exaltação, em francês, ao colaborador que rapidamente expandiu os limites da leitura do jornal na cidade.

"Eis ahi a curiosa individualidade que hoje está em S. Paulo e d'aqui assinalamos ao publico.Mr. Bernard Gregoire, entre nós, é um verdadeiro acontecimento.Podem definil-o: - la lapage dans les jornaux el pour les journaux. ["o alvoroço nos jornais e pelos jornais"]Em S. Paulo faltava-nos esse volante na engrenage exterior da imprensa, n'esta nossa imprensa provinciana, ainda manca, ainda mal apreciada.Temol-o agora:É mr. Bernard, - "sa tourbine avec." ["com sua corneta"]

Entrada triunfal - Já outro relato sobre a façanha difusora de Gregoire - este publicado na primeira página do jornal cinco décadas depois do início da venda avulsa pelo francês - dá a dimensão de como foi a reação do público paulistano àquela figura. Sob o título de duas colunas com o nome do francês em destaque no alto da capa, o jornalista e escritor Affonso Schimidt descreveu como foi a "entrada triunfal na cidade" de Bernard Gregoire na visão de frequentadores da Cervejaria literária "O Corvo":

"Reboou neste cenário o escândalo de que vamos falar.

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- O homem parece recortado de um romance folhetim!

- Sir Jack Falstaff!

- E aquela touca?

- E a buzina?

- E o pangaré?

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- Vender jornal como quem vende quitanda, é hediondo!

- É a perdição dos bons costumes, o descalabro, a anarquia!

Tudo isto foi porque na manhã de 23 de janeiro de 1876, quando o comércio abria suas portas e os caldeireiros da Rua de S. Bento entravam de martelar nos tachos, monsieur Bernard Gregoire fizera a sua entrada triunfal na cidade. A Paulicéia sonolenta daquela manhã viu-o como ele, um dia, há de comparecer ao chamado da história: rechonchudo, de touca branca com folhos, engarfado no lombo de uma pileca, soprando numa buzina e com um pacote de jornais debaixo do braço. O povo rodeara-o. Ele, no passo lerdo da alimária, vendia para a direita e para a esquerda exemplares de A Provincia de S. Paulo.

Monsieur Gregoire, que já havia vendido o Petit Journal, de Paris, e a Gazeta de Noticias, do Rio, aproveitou o escândalo e iniciou daquela maneira um comércio que já enriqueceu muita gente.

Durante muito tempo, o conservantismo dos paulistanos não viu com bons olhos o gazeteiro. Os próprios jornalistas mostravam-se escandalizados, segundo conta um cronista da época. Foi um "caso".

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Por isso, nas quatro noites seguintes, lá no "Corvo", teve o velho Schemburg de chamar os discutidores à ordem. E os rapazes obedeciam, porque lá em cima, loiras e tranquilas, dormiam quatro bonecas de Nuremberg." [Leia a íntegra]

O fotógrafo da cidade - As lembranças da marcante presença do francês nas estreitas das ruas do centro e outros arrabaldes, como eram chamado os bairros do além centro, não ficariam apenas nos jornais que ele distribuiu e em relatos de escritores memorialistas. Rapidamente tornado um personagem famoso da cidade, Bernard Gregoire seria retratado por outra importante figura inovadora da São Paulo do Século 19, o fotógrafo Militão Augusto de Azevedo.

Responsável pelo fantástico trabalho documental de fotografar os mesmos pontos da cidade com 25 anos de diferença entre os dois registros [1862-1887], Militão, também proprietário de um popular estúdio fotográfico no centro da cidade, retratou o Gregoire com a sua exótica indumentária, as medalhas e a buzina que ficaria eternizada no ex-libris desse jornal a partir dos anos 30.

EX-LIBRIS

Foi baseado em registros jornalísticos, literários e fotográficos como esses acima que surgiu o "ex-libris" do jornal O Estado de S. Paulo. Expressão vinda do latim - que em português significa "dos livros de" -  "ex-libris é uma etiqueta com desenhos e palavras que identifica a biblioteca à qual determinados livros pertencem.

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A ilustração com a figura do jornaleiro a cavalo com sua corneta foi desenhada pelo pintor e artista plástico José Wasth Rodrigues a pedido do Estadão, em algum momento da década de 1930, para identificar os livros da biblioteca do jornal. Na década de 1950, a direção do jornal decidiria fazer do cavaleiro francês o símbolo oficial da empresa.

Suplementos temáticos, como o Agrícola, o Literário e o turismo passariam a trazer em seus cabeçalhos a ilustração do cavalinho, como muitos passaram a chamar o ex-libris. Em 1971 o símbolo, que passaria por sutis adaptações ao longo dos anos, passaria a aparecer diariamente no expediente da página 3 e, a partir de 1990, como selo do artigo principal da seção Notas & Informações, onde são publicados os editoriais do jornal.

A PAISAGEM

Para compor o cenário da São Paulo de 1876, o artista, também autor do brasão da cidade de São Paulo, junto com o poeta Guilherme de Almeida, usou antigas fotos da cidade feitas por Militão e também quadros de sua própria autoria com pinturas feitas a partir de cenas registradas pelo fotógrafo. Olhando os pequenos detalhes ao fundo da ilustração é possível ver pequenos vultos semelhantes aos de pessoas presentes em  fotografias do mesmo local feitas por Militão.

O lugar escolhido por Wasth para a cavalgada do francês foi o Largo central da cidade, com as antigas igrejas da Sé e de São Pedro dos Clérigos, ambas demolidas no constante processo de transformação da cidade.

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Largo da Sé em fotografias de Militão Augusto de Azevedo, empinturas de JoséWasth Rodrigues e no Ex-libris do Estadão Foto: Reprodução

A vista desenhada pelo artista seria a partir de um observador no ponto em que a atual rua XV de Novembro desemboca na Praça da Sé. Gregoire estaria então, aproximadamente, na faixa de pedestres na borda de baixo da atual praça, pois a antiga Igreja da Sé ficava ali, à direita, e a dos Clérigos onde é hoje o edifício de mármore escuro da Caixa Cultural São Paulo.

Mapa do Largo da Sé, Centro de São Paulo, no século 19 Foto: Reprodução
Ponto atual onde seria o antigo Largo da Sé Foto: Google Maps

O CACHORRO

Outro detalhe que mostra a ação do tempo na cidade desde 1876 é o cachorro que aparece junto às pernas traseiras da montaria de Bernard Gregoire. Com a presença do cão, Wasth Rodrigues representava a fuzarca que uma numerosa cachorrada que ficava livre nas ruas da cidade por aqueles dias fazia quando o francês passava, aumentando ainda mais o alvoroço provocado pela sua buzina e o movimento em torno dele para comprar jornais.

CAMPINAS

Com o sucesso na expansão das vendas da Província, Bernard Gregoire expandiu também suas atividades, acrescentando os outros jornais que inicialmente o criticaram em seu trabalho. Um mês depois de causar o impacto na capital paulista, Gregoire anunciava no jornal que iria expandir o alcance de seu trabalho para Campinas. Em anúncio publicado em 20 de fevereiro, Gregoire comunicava que iria à cidade de trem para vender exemplares d'A Província e outras publicações avulsas na cidade interiorana e nas estações do caminho.

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Gregoire, no entanto, não encontrou a mesma sorte na cidade campineira. Poucos dias depois, no começo de março, o  jornal noticiava, sob o título 'Prohibição contra a imprensa', que o "conhecido vendedor de jornais nesta capital foi para Campinas vender publicacões como fazia diariamente na capital, mas não o pode fazer porque o "senhor delegado daquela cidade o proibiu".

ESTAÇÃO DA LUZ

Gregoire volta a aparecer numa página do jornal em março, não anunciando que iria vender suas publicações, mas contando a história de um rapaz bastante debilitado encontrado por ele na Estação da Luz e que morreu em seus braços antes que pudesse ser socorrido no hospital. Ainda um terminal ferroviário comum, sem a imponência que teria futuramente, a Estação da Luz seria a partir de 25 de março o local de mais um emprendimento de Gregorie, com a instalação de sua "bibliotheca", aparentemente uma banca com jornais, folhetos e romances.

AGRADECIMENTO

Em setembro, Bernard Gregorie, agora identificado como "vendedor de jornaes em Campinas",  publica na Província uma nota onde comunica que saiu do hospital onde estava internado em Campinas e que agradece a um médico e às irmãs francesas que ali trabalham o tratamento que lhe dispensaram. Um anúncio em 10 de outubro informa que Gregoire está de volta às atividades em São Paulo e que espera "continuar a merecer o mesmo acolhimento com que sempre foi distinguido".

A partir daí, não há no jornal registros originais conhecidos sobre o jornaleiro francês e seu destino.

Últimos registros sobre Bernard Gregoire em 1876 Foto: Acervo Estadão

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