Real: a história da moeda estável do Brasil nas páginas do ‘Estadão’

Moeda começou a circular em 1 de julho de 1994, controlou a inflação e inaugurou uma realidade econômica até então inédita no País

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Foto do author Liz Batista
Atualização:


“O real submete 150 milhões de brasileiros a um curso intensivo de alfabetização econômica: do mendigo ao banqueiro, do novelista ao doleiro, do advogado ao sindicalista, do deputado ao jornalista.”

Joelmir Betting, jornalista econômico

Uma enorme transformação econômica, financeira e social. Como bem definiu Joelmir Betting, colunista de Economia do Estadão na frase acima, o Real chegava para introduzir uma nova realidade para o País. Dando sequência a série de reformas políticas, orçamentárias e econômicas que sustentaram o Plano Real, em 1 de julho de 1994 o Brasil realizou a décima troca de moeda de sua história.

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Após dez trocas de padrão monetário e sete nomes diferentes, os brasileiros foram introduzidos ao real (R$), moeda longeva para os padrões nacionais. Começava uma inédita confluência de estabilidade econômica e política que já dura três décadas.

Colocado em circulação por força da Medida Provisória 542, equivalente ao dólar (graças à sua âncora cambial), forte frente a inflação (graças à âncora nominal) e com imagens de animais da flora nacional, a nova moeda nasceu com a promessa de estabilidade econômica.

Estadão - 1 de julho de 1994

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Estadão - 01/7/1994 Foto: Acervo Estadão

Estadão - 1 de julho de 1994

Estadão - 01/7/1994 Foto: Acervo Estadão - 01/07/1994

O desafio que se apresentava era muito maior que a troca de todo o dinheiro em circulação, o real precisava vencer a hiperinflação. Cobrindo essas duas frentes, o jornal publicou um Guia Especial para orientar seus leitores em questões práticas do dia a dia e manteve seu noticiário aquecido com as últimas medidas, ajustes e posicionamentos da equipe econômica do governo. Trouxe entrevistas com os principais agentes econômicos e análises com renomados especialistas renomados.

Estadão - 1 de julho de 1994

Estadão – 01/7/1994 Foto: Acervo Estadão

Infográficos, tabelas de conversão e matérias que orientavam sobre a “vida no real”. O Estadão mostrou como a troca das notas de cruzeiros poderiam ser feitas, os horários de funcionamento dos bancos, como os cheques deveriam ser preenchidos, como ficava o cálculo do aluguel, a fatura do cartão de crédito, as mensalidades da escola, os seguros, o Plano de Saúde.

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Uma lista com preços de itens básicos que iam do pãozinho na padaria, a passagem de metrô, entrada do cinema e fixa telefônica para orelhão foi publicada. Nela constava também o preço do maço de cigarro das marcas mais compradas pelos brasileiros, Hollywood, Marlboro e Galaxy.

Estadão - 1 de julho de 1994

Estadão – 01/7/1994 Foto: Acervo Estadão

Intensivo do real

Como definiu o jornalista Joelmir Beting, em sua coluna publicada no Estadão em 6 de julho de 1994, o real submeteu “150 milhões de brasileiros a um curso intensivo de alfabetização econômica: do mendigo ao banqueiro, do novelista ao doleiro, do advogado ao sindicalista, do deputado ao jornalista.”

Estadão - 1 de julho de 1994

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Estadão - 01/7/1994 Foto: Acervo Estadão

Ponto de partida

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De olho na macroeconomia e na condução técnica e política do plano, o jornal publicou análises diárias.

Na sua coluna de 02 de julho de 1994, Joelmir Beting , lembrava que o lançamento da nova moeda era uma etapa e não um fim em si: “Para o programa de estabilização da economia, o lançamento do real não é uma fita de chegada; é um tiro de partida. A partir do real, vamos tentar corrigir, em três anos e não em três meses, um desvio de rota que já dura 30 anos. Desvio que patrocina uma relação incestuosa entre gastança pública e ganância privada”, escreveu.

No mesmo espaço, trouxe uma entrevista com o Ministro da Fazenda, Rubens Ricúpero, onde o ministro defendia o plano e admitia que ele transportava riscos. O colunista concluía mencionando a gestão necessária à médio prazo e os efeitos à longo, uma vez que o plano havia sido implementado em um ano eleitoral. “O importante, doravante, é gerenciar o plano- que passa da fase do plantio para a fase do cultivo. A colheita é do próximo governo.”

Estadão - 2 de julho de 1994

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Estadão- 02/7/1994 Foto: Acervo Estadão

A citação escolhida para expressar o momento, publicada logo abaixo do título da coluna, era de um peso pesado da política nacional, o ex-governador da Bahia, Antônio Carlos Magalhães: “Com a economia passando a funcionar em real, temos de zerar o taxímetro de todas as pesquisas eleitorais

Estadão - 1 de julho de 1994

Lula, Ricúpero e FHC aparecem em charge publicada no Estadão de 02/7/1994 . Copa do Mundo, eleições presidenciais e introdução do real foram os grandes eventos daquele ano.  Foto: Acervo Estadão

A volta da concorrência

Em editorial publicado em 7 de julho de 1994, após a prova de fogo da inicial subida dos preços, o Estadão traçava um cenário promissor, mas lembrava dos riscos envolvidos na retomada de velha práticas malsucedidas, como congelamento dos preços e financiamento da dívida pública através de emissão de moeda.

Sobre a queda dos preços, diante da notícia que a cesta básica registrava a primeira redução em quatro anos, escreveu: “estamos com certeza diante de uma tendência natural que só poderá ser frustrada pela atuação do Planalto. Riscos de retomar velhos hábitos como, por exemplo o tabelamento”.

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Estadão - 4 de julho de 1994

Estadão - 04/7/1994 Foto: Acervo Estadão

Estadão - 6 de julho de 1994

Estadão- 06/7/1994 Foto: Acervo Estadão

Estadão - 6 de julho de 1994

Estadão - 06/7/1994 Foto: Acervo Estadão

Planos anteriores desindexaram a economia por decreto e falharam. Mesmo com preços, tarifas, contratos e salários congelados – e até confisco da poupança- as medidas aplicadas não sanaram o problema inflacionário do País. Do Plano Cruzado em 1986 ao Plano Real, cinco planos de estabilização foram tentados, mesmo assim o acumulo da inflação foi de 51 bilhões por cento nesse período

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No mesmo editorial, sobre a momentânea alta dos preços vivida nos primeiros dias da aurora do real e a subsequente queda, afirmou :”os preços podem baixar, hoje, porque ontem subiram demais, seja pela cobiça, como dissemos, seja pelo receio do congelamento. Não se está, porém, diante de situação que possa produzir efeitos duradouros. Isso não significa, contudo, que os preços não possam baixar ainda mais. Em primeiro lugar, impõe-se avaliar a atitude dos consumidores.

Estadão - 7 de julho de 1994

Estadão- 07/7/1994 Foto: Acervo Estadão

O texto apontou também as diferenças do Plano Real em relação às tentativas passadas: “ao contrário do que ocorreu no passado, quando o governo se limitava a eliminar três zeros das cédulas que continuariam em circulação- mudou “fisicamente” o valor da moeda. No passado, com menos três zeros, os consumidores tinham a impressão de que houvera uma baixa e ficavam menos impressionados com o preço de uma mercadoria que valia mil em lugar do milhão no dia anterior à mudança da moeda(...)

(...)Hoje, a situação é diferente. Ao comprar, os consumidores recorrem à tabela de conversão em cruzeiros reais, e com isso evitam cair na ilusão de que os preços caíram. O que nos parece importante é que, da perspectiva de uma moeda estável, os consumidores, por um lado, não têm pressa em comprar (amanhã o preço será o mesmo), podendo, por outro, memorizar o valor de uma mercadoria e fazer comparações entre uma loja e outra. Reintroduz-se, assim, a concorrência, a que muitos de nós nos desacostumamos...

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Tratamento “holístico”

No Espaço Aberto no jornal de 3 de julho de 1994, o economista e deputado federal Roberto Campos também apontou para o componente socio-comportamental do plano: “O fracasso de sucessivos planos no Brasil torna o componente psicológico extremamente importante. O aspecto favorável, hoje, é o cansaço da população com a corrida de preços; e um certo grau de vergonha por sermos hoje, na América Latina, o país com a mais alta inflação e a pior moeda...

E abordou os diferentes aspectos que o plano deveria atacar : “a primeira observação a fazer é que qualquer combate eficaz à inflação exige um tratamento “holístico”, que abrange ações de contenção da procura monetária, estímulos à oferta, mudança de expectativas e reformas estruturais. Na matemática, a ordem dos fatores não altera o produto...”

“(...) Na economia, sim, pela importância das expectativas seria indispensável colocar a reforma monetária num contexto mais abrangente: reforma do sistema fiscal, reestruturação da Previdência Social, privatização, desregulamentação e liberalização comercial. As duas primeiras mudanças de comportamento permissivo do governo, dando-lhes condições objetivas de resistir a pressões de emissão. As três últimas objetivariam aumentar a oferta de bens. Todas ajudariam na criação de confiança na estabilização...”

Estadão- 1 de julho de 1994

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Estadão – 01/7/1994 Foto: Acervo Estadão

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