“É preciso, pois, que apparecçam os projectos de reforma administrativa e do regime tributário.”
Rangel Pestana em A Província de São Paulo, 15/6/1883
A grafia antiga das palavras acima dá a dimensão de quão longínqua é a questão da reforma tributária no Brasil. O País ainda vivia sob o regime imperial quando o Estadão, naquela época chamado ‘A Província de São Paulo’, publicou em 15 de junho de 1883 a frase acima num texto de Rangel Pestana em que a questão dos impostos inconstitucionais estabelecidos pelas províncias era discutida por deputados na câmara federal:
“Quando se discutiu a emenda dos 10% addicionaes que depois foi formulada em projecto especial, tivemos a occasião de mostrar o perigo que se creava à união das províncias forçando uma a sustentar as despesas de outras. Parecia-nos preferível deixar que cada uma se arranjasse como pudesse mantendo os taes impostos ou revogando-os para substituil-os por outros na medida de suas forças tributárias”
Rangel Pestana, em A Província de São Paulo, 15/6/1883
Com a proclamação da República em 1889 e a instituição de eleições para escolha dos governantes, a barafunda de impostos que assola o País passou a ser pauta cada eleição para desaparecer em seguida. Passados os pleitos, nunca seria concretizada na amplitude pretendida, limitando-se a mudanças pontuais cada vez que um presidente conseguia colocar o assunto em votação.
Mesmo em períodos ditatoriais a reforma do sistema de cobrança de impostos era um tema de atenção. Em 27 de setembro de 1931, sob o título “A commissão da reforma tributária”, o jornal publicava o que o governo provisório de Getúlio Vargas cobrava dos interventores estaduais dados sobre a origem de determinadas rendas, “para verificar quaes as rendas deverão ficar com os Estados e quaes poderão pertencer a União.”
Além da questão política do tamanho das cotas de receita estadual e federal, questões técnicas como a proporcionalidade das alíquotas sobre os produtos entravam em debate.
Prometendo concluir a reforma tributária em 1 de março daquele ano, o ministro da Fazenda, Souza Costa, declarou em 30 de janeiro de 1938:
“Até aqui uma garrafa de álcool de custo não supérior a 2 réis pagava e paga o mesmo selo de consumo que uma garrafa de whisky. O mesmo erro de política fiscal que se observa noutro gênero ou produto de indústria, como nos cigarros, nos charutos”.
Souza Costa, ministro da Fazenda
Estadão - 23 de janeiro de 1985
No período da ditadura militar [1964-1985], em várias ocasiões a reforma tributária foi discutida pelo governos dos generais, com a mesma premissa das anteriores: uniformização da legislação e coordenação do sistema de controle do Imposto de Circulação de Mercadorias (atual ICMs)”.
Por envolver tributação de um mesmo produto em estados diferentes, esse imposto é um dos maiores problemas em todas as tentativas de reforma, já que o consenso esbarra em interesses e forças de bancadas estaduais.
“O princípio do ICM parece bom e de fato a reforma tributária é uma das coisas mais importantes que já se fez nesse país. O que resta fazer agora é colocar a reforma tributária em condições de ser operada, isto é, tornar viável realmente o imposto de vendas”, declarou o ministro da Fazenda Delfim Netto ao jornal em 1967.
Como ministro, parlamentar ou consultor econômico, Delfim Netto estaria presente em propostas de reforma tributária de outros governos que viriam a seguir, no regime militar e nas três décadas posteriores. Mas seria como opositor que ele assistiria à proposta de reforma tributária de Tancredo Neves.
Poucos dias após ser eleito presidente, o político mineiro prometeu em 22 de janeiro de 1985 que faria uma reforma tributária profunda, “para que Estados e municípios possam cumprir suas finalidades, deixando de ser mendigos de mãos estendidas à porta do Tesouro Nacional.”
Tancredo não assumiria o cargo e o seu sucessor, José Sarney, cumpriria em parte a promessa. Em 23 de outuro de 1985, a chamada minireforma tributária de emergência era aprovada no Congresso, com aumento de 1% nas cotas dos Estados e municípios na arrecadação do IR, IPI e ICM, além de poderem instituir impostos estaduais sobre propriedade de carros.
A percepção de que as reformas tributárias só se preocupavam com a arrecadação e não com o contribuintes foi tema de uma entrevista do deputado Ulysses Guimarães, então presidente nacional do MDB, ao Estado em 23 de movembro de 1986. “Vamos fazer a reforma tributária e estabelecer a mudança no rumo da justiça social”. Mas com a data das eleições presidenciais indefinidas, o tema só voltaria a ganhar fôlego na disputa de 1989.
Eleito Fernando Collor, o novo presidente coseguiria aprovar outra reforma tributária de emergência antes de cair em desgraça por causa das denúncias de corrupção. No último dia de 1991, Collor sancionaria o projeto de lei da reforma que adicionaria o equivalente a US$ 10,5 bilhões de arrecadação de impostos, com mudança da alíquota do IR.
Para aprovar a reforma, o governo teve que fazer um acordo que as dívidas dos Estados e municípios fossem roladas por 20 anos. Com a queda de Collor, Itamar Franco optou por não tocar no assunto na continuidade de seu mandato.
Estadão - 14 de fevereiro de 1995
A pauta voltaria com força nos dois mandatos de Fernando Henrique Cardoso, mas as propostas mais abrangentes foram desacartadas quando percebia-se que o governo não conseguiria a maioria para a aprovação no Congresso Nacional por causa do amplo arco de interesses das alianças no legislativo.
Os dois primeiros governos de Lula e os de Dilma Rousseff também seriam marcados pela mesma dificuldade junto ao Congresso, não conseguindo votar um projeto contra as distorções do sistema de impostos brasileiro.
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