Rita Lee compôs ‘Amor e Sexo’ inspirada em artigo de Arnaldo Jabor no Estadão

Cantora leu ‘O amor atrapalha o sexo’ no jornal, selecionou algumas frases, acrescentou rimas e Roberto de Carvalho musicou a parceria improvável

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Foto do author Edmundo Leite
Atualização:
Arnaldo Jabor e Rita Leeno lançamento do livro do escritor em 2004. Foto: Acervo Estadão

Uma canção saída das páginas do jornal. Foi assim que Rita Lee compôs um de seus últimos sucessos. Lançada em 2003 no disco “Balacobaco”, a música “Amor e Sexo” nasceu depois que a cantora e compositora leu o artigo “O amor atrapalha o sexo”, de Arnaldo Jabor, publicado em 17 de dezembro de 2002.

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Rita Lee ficou tão empolgada e inspirada que compôs a música “Amor e Sexo”, como contou em entrevista à repórter Adriana Del Ré em 2003. Disse que um dia estava lendo um texto de Jabor sobre o amor e o sexo, gostou do que leu e selecionou algumas frases, acrescentado rimas aqui e acolá. “Lá estava um esqueleto de letra pra armário nenhum botar defeito. Joguei nas mãos de Roberto de Carvalho e pimba.”

Com o sucesso da música, que emocionou Arnaldo Jabor, conforme escreveu em outros artigos sobre a inesperada parceria, a canção inspirou o título de seu livro “Amor é Prosa. Sexo é Poesia”, no qual reuniu crônicas sobre amor e sexo, ou “crônicas afetivas”, como preferia definir.

“A música é linda, estou emocionado, não mereço tão subida honra, quem sou eu, quase enxuguei uma furtiva lágrima com minha “gélida manina” por estar num disco, girando na vitrola sem parar com Rita, aquela hippie florida com consciência crítica, aquela hippie paródica, aquela mulher divinamente dividida, de noiva mutante ou de cartola e cabelo vermelho que, em 67, acabou com a caretice de Sampa e de suas lindas “minas” pálidas.”

Em 2004, a pedido do Estadão, Rita e Arnaldo se reuniram no estúdio de Rita Lee, na região do Brooklin Novo, e a repórter Adriana del Ré testemunhou. “Arnaldo Jabor, Rita e Roberto de Carvalho, juntos, novamente?”, escreveu Adriana.

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“O encontro não poderia render outra coisa senão novas promessas de parceria. “Cada coluna que ele escreve é uma nova letra de música”, derreteu-se a cantora. Jabor ficou entusiasmado com a sugestão e a postos para novas parcerias. Algo que, na verdade, Rita já confabulava dentro da própria cabeça e com o marido Roberto antes mesmo desse encontro.”

“Numa entrevista anterior, por e-mail, ela admitiu já estar copidescando uma ”idéia de letra para propor ao mestre”. “O cara tem o dom da palavra, aquela visão de que o mundo de hoje está travesti é genial. Outra pérola é quando ele descreve o que sentiu antes, durante e depois de avistar a bunda de Juliana Paes na Playboy”.”

Estadão - 17/12/2002

Artigo"O amor atrapalha o sexo"de, Arnaldo Jabor, publicado em 17/12/2002 Foto: Acervo Estadão

O amor atrapalha o sexo

Arnaldo Jabor

Sábado, fui andar na praia em busca de inspiração para meu artigo de jornal. Encontro duas amigas no calçadão do Leblon. “Teu artigo sobre amor deu o maior auê...” – me diz uma delas. “Aquele das mulheres raspadinhas também... Aliás, que que você tem contra as mulheres que barbeiam’ as partes?” – questiona a outra. “Nada... – respondo – acho lindo, mas não consigo deixar de ver ali nas ‘partes’ dessas moças um bigodinho sexy... não consigo evitar... Penso no bigodinho do Hitler, do Sarney – lembram um sarneyzinho vertical nas modelos nuas... Por isso, acho que vou escrever ainda sobre sexo...”

Uma delas (solteira e lírica) me diz: “Sexo e amor são a mesma coisa...” A outra (casada e prática) retruca: “Não são a mesma coisa não...” “Sim, não, sim, não” – nasceu a doce polêmica ali à beira-mar. Continuei meu cooper e deixei as duas lindas discutindo e bebendo água-de-coco. E resolvi escrever sobre essa antiga dualidade: sexo e amor.

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Comecei perguntando a amigos e amigas sua opinião. Ninguém sabe direito. As duas categorias se trepam, tendendo ou para a hipocrisia ou para o cinismo; ninguém sabe onde a galinha e onde o ovo. Percebo que os mais “sutis” defendem o amor, como algo “superior”. Para os mais práticos, sexo é a única coisa concreta.

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Assim sendo, meto aqui minhas próprias colheres nesta sopa. O amor tem jardim, cerca, projeto. O sexo invade tudo. Sexo é contra a lei, no fundo de tudo. O amor depende de nosso desejo, é uma construção que criamos. Sexo não depende de nosso desejo; nosso desejo é que é tomado por ele. Ninguém se masturba por amor. Ninguém sofre sem tesão. O sexo é um desejo de apaziguar o amor. O amor é uma espécie de gratidão à posteriori pelos prazeres do sexo. O amor vem depois. O sexo vem antes. No amor, perdemos a cabeça, deliberadamente. No sexo, a cabeça nos perde. O amor precisa do pensamento. No sexo, o pensamento atrapalha; só as fantasias ajudam. O amor sonha com uma grande redenção. O sexo só pensa em proibições; não há fantasias permitidas. O amor é um desejo de atingir a plenitude. Sexo é o desejo de se satisfazer com a finitude.

O amor vive da impossibilidade sempre deslizante para a frente. O sexo é um desejo de acabar com a impossibilidade. O amor pode atrapalhar o sexo. Já o contrário não acontece. Existe amor com sexo, claro, mas nunca gozam juntos. Amor é propriedade. Sexo é posse. Amor é a lei; sexo é invasão de domicílio. Amor é o sonho por um romântico latifúndio; já o sexo é o MST. O amor é mais narcisista, mesmo quando fala em “doação”. Sexo é mais democrático, mesmo vivendo no egoísmo. Amor e sexo são como a palavra farmakon em grego: remédio ou veneno. Amor pode ser veneno ou remédio. Sexo também – tudo dependendo das posições adotadas.

Amor é um texto. Sexo é um esporte. Amor não exige a presença do “outro”; o sexo, no mínimo, precisa de uma “mãozinha”. Certos amores nem precisam de parceiro; florescem até mais sozinhos, na solidão e na loucura. Sexo, não – é mais realista. Nesse sentido, amor é uma busca de ilusão. Sexo é uma bruta vontade de verdade. Amor muitas vezes é uma masturbação. Sexo, não. O amor vem de dentro, o sexo vem de fora, o amor vem de nós. O sexo vem dos outros. Não somos vítimas do amor; só do sexo. “O sexo é uma selva de epilépticos” (Nelson Rodrigues) ou “o amor, se não for eterno, não era amor” (NR). O amor inventou a alma, a eternidade, a linguagem, a moral. O sexo inventou a moral também do lado de fora de sua jaula, onde ele ruge.

O amor tem algo de ridículo, de patético, principalmente nas grandes paixões. O sexo é mais quieto, como um caubói – quando acaba a valentia, ele vem e come. Eles dizem: “Faça amor, não faça a guerra.” Sexo quer guerra. O ódio mata o amor, mas o ódio pode acender o sexo. Amor é egoísta; sexo é altruísta. O amor quer superar a morte. No sexo, a morte está ali, nas bocas... O amor fala muito. O sexo grita, geme, ruge, mas não se explica. O sexo sempre existiu – das cavernas do paraíso até as saunas relax for men.

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Por outro lado, o amor foi inventado pelos poetas provençais do século 12 e, depois, revitalizado pelo cinema americano da direita cristã. Amor é literatura. Sexo é cinema. Amor é prosa; sexo é poesia. Amor é mulher; sexo é homem – o casamento perfeito é do travesti consigo mesmo. O amor domado protege a produção, sexo selvagem é uma ameaça ao bom funcionamento do mercado. Por isso, a única maneira de controlá-lo é programá-lo, como faz a indústria das sacanagens. O mercado programa nossas fantasias. Não há “saunas relax” para o amor, onde o sujeito entre e se apaixone. No entanto, em todo bordel, finge-se um “amorzinho” para iniciar. O amor está virando um hors-d’oeuvre para o sexo.

O problema do amor é que dura muito, já o sexo dura pouco. Amor busca uma certa “grandeza”. O sexo sonha com as partes baixas. O perigo do sexo é que você pode se apaixonar. O perigo do amor é virar amizade. Com camisinha, há “sexo seguro”, mas não há camisinha para o amor.

O amor sonha com a pureza. Sexo precisa do pecado. Amor é a lei. Sexo é a transgressão. Amor é o sonho dos solteiros. Sexo o sonho dos casados. A (O) amante sacia nossa fome de verdade, mata nossa nostalgia da animalidade. Sexo precisa da novidade, da surpresa. O grande amor só se sente no ciúme (Proust). O grande sexo sente-se como uma tomada de poder. Amor é de direita. Sexo de esquerda (ou não, dependendo do momento político. Atualmente, sexo é de direita. Nos anos 60, era o contrário. Sexo era revolucionário e o amor era careta). E, por aí, vamos. Sexo e amor tentam mesmo é nos afastar da morte. Ou não; sei lá... e-mails de quem souber para a redação.

Estadão - 23/9/2003

Amor vem antes e sexo vem depois, ou não

Arnaldo Jabor

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Quando contei, na semana passada, que a Rita Lee tinha feito uma música com letra de um artigo que escrevi sobre “amor e sexo”, choveram e-mails pedindo o texto. Fiquei feliz com a música (que é linda) e porque me senti coadjuvante dessa luz que ela acendeu na cultura brasileira. Rita é um caso sério. Ela brilha, purpurina, avermelha, cintila, se traveste, cresce e diminui, incha e emagrece mas, no fundo, ela é um caso sério. Ela faz essa visagem toda para nos fazer engolir uma dourada pílula: sua importância cultural e política no País. Rita tirou São Paulo da caretice, foi a guerreira da alegria durante a ditadura pois, em 68, ela estava de noiva, florida, com caras e bocas, mutante, provando que, marchassem ou não os soldados, sua metamorfose continuaria e que sua alegria, alegria, era mesmo a prova dos noves.

Rita não é só para ser ouvida; seus shows são um comício. A liberdade fica ali na cena, de back vocal, enquanto a Pátria, de botas e cabelo punk, dança rock, seguindo-a pelo palco como um Pluft. Eu não entendo de música, mas vejo a Rita aprontando há 30 anos, menina teimosa, sozinha, atacando o óbvio. Mas, seu protesto nunca foi chato, sua superficialidade é profunda. Como Rita é original... ninguém é como ela no Brasil... Me lembro quando ela criou uma marca no braço, sei lá, “ritalee”, como um Chevrolet, Shell, pois ela sabe que não somos um “sujeito único”, muito antes dessas pós-modernidades aí. Ela é uma pré-Björk. Ela nunca cantou de um só ponto de vista, porque Rita são várias; no palco, ela parece um conjunto.

Rita é a “mina” das “minas” de Sampa, frágil e corajosa, do balacobaco. Por isso, orgulhoso, atendendo aos e-mails que pedem explicação sobre esses estranhos tremores, gemidos e espumas que chamamos de amor-sexo, “copidesquei” o antigo texto e o republico, com petulante jeito de quem sabe das respostas – ai de mim, pobre pierrô fingindo de arlequim!...

Aí vai o flash-back: “Amor é propriedade. Sexo é posse. Amor é a lei; sexo é invasão. O amor é uma construção do desejo. Sexo não depende de nosso desejo; nosso desejo é que é tomado por ele. Ninguém se masturba por amor. Ninguém sofre com tesão. Amor e sexo são como a palavra farmakon em grego: remédio ou veneno – depende da quantidade ingerida. O sexo vem antes. O amor vem depois. No amor, perdemos a cabeça, deliberadamente. No sexo, a cabeça nos perde. O amor precisa do pensamento. No sexo, o pensamento atrapalha. O amor sonha com uma grande redenção. O sexo sonha com proibições; não há fantasias permitidas. O amor é o desejo de atingir a plenitude. Sexo é a vontade de se satisfazer com a finitude.

O amor vive da impossibilidade – nunca é totalmente satisfatório. O sexo pode ser, dependendo da posição adotada. O amor pode atrapalhar o sexo. Já o contrário não acontece. Existe amor com sexo, claro, mas nunca gozam juntos. O amor é mais narcisista, mesmo na entrega, na ‘doação’. Sexo é mais democrático, mesmo vivendo do egoísmo. Amor é um texto. Sexo é um esporte. Amor não exige a presença do ‘outro’. O sexo, mesmo solitário, precisa de uma ‘mãozinha’. Certos amores nem precisam de parceiro; florescem até na maior solidão e na saudade. Sexo, não – é mais realista. Nesse sentido, amor é uma busca de ilusão. Sexo é uma bruta vontade de verdade. O amor vem de dentro, o sexo vem de fora. O amor vem de nós. O sexo vem dos outros. ‘O sexo é uma selva de epilépticos’ (N. Rodrigues). O amor inventou a alma, a moral. O sexo inventou a moral também, mas do lado de fora de sua jaula, onde ele ruge.

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O amor tem algo de ridículo, de patético, principalmente nas grandes paixões. O sexo é mais quieto, como um cowboy – quando acaba a valentia, ele vem e come. Eles dizem: ‘Faça amor, não faça a guerra.’ Sexo quer guerra. O ódio mata o amor, mas o ódio pode acender o sexo. Amor é egoísta; sexo é altruísta. O amor quer superar a morte. No sexo, a morte está ali, nas bocas. O amor fala muito. O sexo grita, geme, ruge, mas não se explica. O sexo sempre existiu – das cavernas do paraíso até as ‘saunas relax for men’.

Por outro lado, o amor foi inventado pelos poetas provençais do século 12 e, depois, relançado pelo cinema americano da moral cristã. Amor é literatura. Sexo é cinema. Amor é prosa; sexo é poesia. Amor é mulher; sexo é homem – o casamento perfeito é do travesti consigo mesmo. O amor domado protege a produção; sexo selvagem é uma ameaça ao bom funcionamento do mercado. Por isso, a única maneira controlá-lo é programá-lo, como faz a indústria da sacanagem. O mercado programa nossas fantasias.

Não há ‘saunas relax’ para o amor, onde o sujeito entre e se apaixone. No entanto, em todo bordel, finge-se um ‘amorzinho’ para iniciar. O amor virou um estímulo para o sexo. O problema do amor é que dura muito, já o sexo dura pouco. Amor busca uma certa ‘grandeza’. O sexo é mais embaixo. O perigo do sexo é que você pode se apaixonar. O perigo do amor é virar amizade. Com camisinha, há ‘sexo seguro’, mas não há camisinha para o amor. O amor sonha com a pureza. Sexo precisa do pecado. Amor é a lei. Sexo é a transgressão. Amor é o sonho dos solteiros. Sexo é o sonho dos casados. Amor precisa do medo, do desassossego. Sexo precisa da novidade, da surpresa. O grande amor só se sente na perda. O grande sexo sente-se na tomada de poder. Amor é de direita. Sexo, de esquerda – ou não, dependendo do momento político. Atualmente, sexo é de direita. Nos anos 60, era o contrário. Sexo era revolucionário e o amor era careta.”

E, por aí, vamos. Sexo e amor tentam mesmo é nos fazer esquecer a morte. Ou não; sei lá... E-mails de quem souber para a redação.

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