Tim Maia em fotos inéditas com Rita Lee, Arnaldo Baptista e Cassiano

Imagens arquivadas no Acervo Estadão mostram encontro dos artistas num estúdio em 1970

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Foto do author Edmundo Leite
Atualização:
Tim Maia vê Rita Leeem estúdio em 1970. Foto: Luís Fernandes/Estadão

Cinco décadas depois de uma sessão fotográfica para captar imagens de Tim Maia quando ele ainda era uma novidade, fotos nunca antes publicadas mostram o jovem cantor e compositor num encontro com outros artistas cultuados da música brasileira num estúdio de gravação no centro de São Paulo.

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Na seqüência de imagens inéditas, Tim Maia, então com 27 anos, aparece olhando para Rita Lee através do vidro da sala técnica do estúdio, conversando com o também mutante Arnaldo Baptista, e acompanhado de Cassiano, compositor que tocou guitarra no primeiro disco de Tim e autor de um de seus primeiros sucessos, "Primavera (Vai chuva)".

Os registros foram feitos pelo fotógrafo Luís Fernandes para uma reportagem sobre o primeiro disco de Tim Maia que seria publicada no Jornal da Tarde em 16 de julho de 1970. Os fotogramas inéditos foram localizados durante as pesquisas de rotina do Acervo Estadão no seu gigantesco arquivo fotográfico para publicar imagens não aproveitadas originalmente nas reportagens dos jornais O Estado de S. Paulo e Jornal da Tarde.

Digitalizadas a partir dos negativos fotográficos originais, as imagens mostram Tim Maia vestindo uma jaqueta do exército americano batendo no vidro para chamar atenção dos amigos e abrindo um sorrisão após ser reconhecido. Em seguida, o fotógrafo, cujo reflexo pode ser visto no vidro na imagem de Rita, ajustou a sua câmara para fazer imagens do papo dos músicos com uma lente grande angular, que deixa os fotografados dentro de uma esfera. A sequência com imagens da sessão pode ser vista abaixo e na galeria de fotos.

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Tim Maia no estúdio Scatena em 1970. Foto: Luís Fernandes/Estadão
Tim Maia no estúdio Scatena em 1970. Foto: Luís Fernandes/Estadão
Tim Maia, Cassiano e Arnaldo Baptista em sala do estúdio Scatena em 1970. Foto: Luís Fernandes/Estadão

O local do encontro dos artistas em 1970 é o estúdio Scatena, um dos mais requisitados na época pelas gravadoras para gravar os discos de seus contratados em São Paulo. Foi ali que Tim gravou uma parte de seu disco de estreia, sem título, que trás apenas seu nome e seu retrato na capa. Nas imagens feitas no Scatena é possível ver Tim usando no pescoço a mesma corrente com que aparece na capa do LP.

Naqueles dias de julho de 1970, Rita Lee e Arnaldo Baptista, já consagrados com os Mutantes, também davam expediente no estúdio localizado nos números 172 e 180 da rua Dona Veridiana, em Santa Cecília. De folga do conjunto que tinham com Sérgio Dias, irmão de Arnaldo, o casal preparava ali o primeiro show e o disco solo de Rita Lee, o Build Up. Tim não participou do disco de Rita, mas no mês seguinte cantou no musical estrelado pela amiga no auditório da Rhodia na Fenit [Feira Nacional da Indústria Têxtil] no Ibirapuera.

Envelopecomnegativos fotográficosde Tim Maia arquivados no Acervo Estadão. Foto: Edmundo Leite/Acervo Estadão

Reações - Mostradas para Rita Lee, Arnaldo Baptista, Sérgio Dias e para o técnico de som Gunther Kibelkstis, que aparece em algumas das imagens, as fotos inéditas despertaram lembranças da época em que conviveram com o cantor.

"Tim tinha uma voz de trovão e um senso de humor inigualável", escreveu Rita em mensagem ao Acervo Estadão após ver as imagens.

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Arnaldo Baptista, por telefone, também relembrou do amigo com alegria. "Tim é Soul Soul", festejou, contando várias histórias, como a vez em que vendeu um amplificador Leslie para o Tim e que, de brincadeira, colocou uma cueca com estampa de girafa dentro do equipamento. E falou das obsessões técnicas de Tim Maia quando ia gravar e falava dos amplificadores e microfones que não captavam o seu som visceral. Mas que também dizia para ele que havia estúdios com a mesma qualidade dos Beatles por aqui.

Mesmo não estando presente no dia das fotos, pois não era um trabalho do grupo, Sérgio Dias, em entrevista presencial no estúdio onde ensaia para a próxima turnê dos Mutantes, indicou que era o seu irmão nas fotos, deu o nome e o endereço do estúdio Scatena, explicou o que eram os equipamentos de gravações com quatro canais, o nome do técnico e até cantarolou lembrando como Tim cantava quando se conheceram na TV Bandeirantes. "Toda vez que ele cantava a gente fazia backing vocals para ele. A gente ficou muito, muito amigos. Vivíamos juntos, três quatro dias da semana. O Tim começou a decolar maravilhosamente e sempre foi amigo até a vida."

Presente em várias fotos da sessão com Tim Maia no Scatena, Gunther Kibelkstis falou de como era Tim no estúdio. "Essa fase das fotos era gravação em quatro canais, o que realmente não era muito fácil. O Tim sempre gostou de gravar voz sobre voz. E ele dizia que ficava mais bonito pro gosto dele e evitava algumas desafinações que eventualmente aparecessem. Trabalhar com o Tim na dobra de voz era complicado, mas a gente conseguia."

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Qualquer letra - A reportagem do Jornal da Tarde, sem identificação do autor do texto e crédito para o fotógrafo, usou duas fotos da sessão. Com o título "Som e sonho de Tim Maia", que futuramente seria o nome de um show de Tim, o texto mostra o artista na aurora de sua carreira discográfica e testemunha o surgimento do novo ídolo.

Em meio às declarações de Tim sobre o início da carreira, os perrengues com os amigos Roberto Carlos e Erasmo, o texto mostra que Tim tem um amplo entendimento do funcionamento do mercado musical brasileiro e revela sua maneira de compor, sem grandes preocupações com as letras.

"A gente não sabe aproveitar nada. Por isso eu só faço o que me interessa. Beethoven, Chopin, um bando dêsses grandes compositores, nunca se preocuparam com letra de música. Também não me preocupo. O importante mesmo é a harmonia e o ritmo, qualquer letra serve. Minha harmonização é muito fácil. Se coloco letra fácil em cima, a música parece medíocre. Se colocar letra difícil, não vende. Então, penso na letra só como som."

E termina com a declaração de Tim sobre a esperança de algum dia fazer sucesso fora do Brasil. "Talvez êles ouçam e gostem. Aí a gente vai para lá. Não há pressa. Tenho 27 anos, me sinto como se tivesse 21 com a experiência de 36. Vou pesquisando."

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Leia a íntegra:

Reportagem sobre Tim Maia noJornal da Tardede 16 de julho de 1970. Foto: Acervo Estadão

Jornal da Tarde - 16 de julho de 1970

SOM E SONHO DE TIM MAIA

Quem êle era, pouca gente sabia. Mas sua voz estava lá — rouca, tremida, quase gutural — fazendo fundo para as gravações de Claudette Soares, de Antonio Marcos. Depois, seu nome apareceu como compositor de um sucesso de Roberto Carlos, Não Vou Ficar. Até que a voz anônima e o compositor quase desconhecido apareceram juntos numa faixa do LP de Elis Regina, These are the song. Tim Maia, baixo, gordo, cara de menino com bigode e barba, jeito tímido e linguagem carregada de gíria. começava a fazer sucesso, a ser conhecido. Agora, um LP todo seu acaba de sair.

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These are the songs, êle já gravara em 67, num compacto da Formata. Meu país e Sentimento foram gravados na CBS logo depois. Tim Mala estava no meio artístico desde os catorze anos.


— Mas não acontecia nada, nunca aconteceu nada, até que a turma dos Mutantes me disse que o Midani — da Philips — queria falar comigo. Só aí comecei a aparecer. Gravou um compacto, com Primavera e Jurema, logo depois um LP. — Depois que Elis colocou meu nome na contracapa do seu disco, apresentando-me como compositor e cantor-parceiro em These Are the Songs as pessoas passaram a me ajudar, me incentivar. Por isso fiz questão de agradecer no meu disco. A ela, ao Eduardo Araújo, ao Antonio Marcos.


E a Roberto Carlos, Simonal, Carlos Imperial, seus antigos amigos? — Sabe, eu tinha catorze anos. Tínhamos um conjunto, Roberto e eu. E o Imperial, um programa do meio-dia na televisão, o Clube do Rock. Nele, nós tocávamos, o Simonal cantava. Depois, Roberto resolveu deixar o conjunto, tentar carreira sozinho. Foi nessa época que começou uma rivalidade escondida entre nós. Éramos amigos, nos cumprimentávamos, mas êle não queria se apresentar onde eu também me apresentava, Amigos, sabe, mas carreiras à parte.


Tim não se importava muito. Só pensava em televisão. Resolveu tentar a sorte em Nova York. Foi para lá, estudar TV.

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— Fiz um curso universitário sem crédito, intensivo, de seis semanas. Mas, no fundo, meu negócio sempre foi som. E fui morar em Grenvvich Village, conheci aquela turma que vivia para tocar e cantar. Logo deixei de lado a televisão. Foi em 59, se não me engano.


No Brasil, a época da bossa nova. Um grupo de brasileiros foi para os Estados Unidos, para o famoso show de bossa nova no Carnegie Hall, para a famosa apresentação no programa de Ed Sullivan. Tim formou um conjunto — The Ideais — e começou a gravar com êle sambas estilizados.


— Negócio para americano, sabe? Até eu fazia sambas junto com o Roger Bruno, outro rapaz do conjunto. Isso em 62 e 63. Mas, para variar, eu não dava sorte, o conjunto só ficou conhecido depois de 64, quando voltei ao Brasil.


Já não estava tão interessado em música. Já havia brigado bastante e não tinha conseguido nada. Aproveitou o conhecimento do inglês e foi trabalhar como guia turístico, no Rio. Era free lancer e trabalhou para quase todas as agências turísticas.

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— O negócio era passear por aí com os estrangeiros, mostrando coisas.


Só três anos depois voltou à música. O compacto com These Are The Songs e um contrato por um ano na TV Bandeirantes. Depois, um compacto na CBS.


— Meus amigos estavam mandando. O Roberto, o Simonal, o Erasmo. Eu vivia na casa do Roberto, pedindo uma ajudazinha, para aparecer no programa dele e nada. Dizia que não tinha culpa, o produtor — Carlos Manga — é que não me queria no programa. O Simonal também não era muito diferente.


Até que Miéle e Bôscoli — produtores do programa do Simonal — resolveram escalar o Tim.

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— Foi a primeira ajuda. Depois, com muito custo, consegui aparecer no programa do Roberto. Mesmo assim, quando o programa já não estava tão em moda. Tôda vez que precisavam esquentar um pouco, chamavam os dois negrões.

Ele e Gerson. Gerson até hoje continua desconhecido. Tim acha que era só por causa das palhaçadas que eles faziam no palco que chamavam os dois.


— O Gerson fazia aqueles negócios, a gente cantava uma musiquinha e recebia Cr$ 150,00 de cachê. Não dava nem para o táxi.


E acabou sendo ajudado por outras pessoas: os Mutantes o levaram ao presidente da Philips, gravou duas músicas junto com Antônio Marcos, o Eduardo Araujo encorajava Tim a gravar — e sempre deixou sua casa á sua disposição quando ele estava sem dinheiro. Também gravou com Claudete, fazendo fundo em Não Quero Saber, uma versão.


— A Elis gostou de minhas músicas, pediu uma, me convidou para gravar com ela. O Eduardo Araújo fez questão que eu produzisse o disco dele — só que depois apareceu o nome de Milton Miranda como produtor. Mas foi culpa da Guanabara, não do Eduardo.


Roberto acabou gravando uma música dele que fez sucesso. E Tim acabou mesmo fazendo seu LP.


Agora a coisa é séria. Meu LP precisa vender. Então, preferi gravar muitas músicas românticas, que é o que realmente vende no Brasil. Só algumas mais quentes, para mostrar um pouquinho do melhor.


Por exemplo: Padre Cícero e Coronel Antônio Bento foram gravadas exatamente para fazer sucesso também no nordeste. Flamengo porque é um tema bem popular. Só uma escapa ao esquema que Tim usou para tentar vender bem seu disco: Azul da Côr do Mar:


— Essa música eu gravei porque quis, sem qualquer outra intenção. O nosso grande problema, aqui no Brasil, são as deficiências técnicas, sempre muito grandes. Não se consegue gravar como a gente acha que deve ser. Mas Tim já decidiu seu caminho: o soul. Como ele diz, uma música mais moderna, feita por gente que não tem preconceitos e aceita influências de músicas que vêm de fora.


— Essas músicas têm muito de estrangeiro e muito de brasileiro. A influência é mútua, não somos só nós que copiamos. Veja a influência rítmica dos brasileiros na música americana de hoje. Eles usam tudo o que podem da gente. E não há nada de mal se a gente roubar um bluezinho de vez em quando.


Para ele, quem quiser ouvir som no Brasil, tem que ouvir o soul americano. E então ficam visíveis as influências: o americano aderiu ao baião.


— Luís Gonzaga é consumido por todo o mundo. Nós fazemos a mesma coisa com a música dêles.


E dá outros exemplos. Jorge Ben é sambista, mas foi criado, aprendeu a fazer música cantando rock. Tem influência de música estrangeira. O mesmo ele diz de Roberto Carlos e Milton Nascimento.


— É isso, meu amigo. Acho que eu copio muito. Cantor é o Johnny Mathis, compositor é o Bacharach. Eu apenas procuro harmonizar o que sei de harmonia, sentindo as coisas. Nada mais.


Gravou músicas românticas porque essas músicas é que vendem aqui. Sempre compõe em inglês, mas tem que traduzir tudo para o português porque é o que vende aqui.


— O Brasil não exporta discos. Tenho que pensar na realidade brasileira para existir. Componho sempre em inglês porque é mais fácil para mim pensar em inglês. Mas se não vende, faço a tradução. Outro problema: o brasileiro tem ritmo, sente ritmo e não é esclarecido ritmicamente.


Tim acha graça e lembra que o americano não tem ritmo e acaba gravando músicas com muito mais ritmo.


— A gente não sabe aproveitar nada. Por isso eu só faço o que me interessa. Beethoven, Chopin, um bando dêsses grandes compositores, nunca se preocuparam com letra de música. Também não me preocupo. O importante mesmo é a harmonia e o ritmo, qualquer letra serve.


Tim está muito mais preocupado com o som das palavras do que com aquilo que elas significam. Explica que é porque o português tem palavras com muitas sílabas, o som muito aberto.


— Minha harmonização é muito fácil. Se coloco letra fácil em cima, a música parece medíocre. Se colocar letra difícil, não vende. Então, penso na letra só como som.


Mas sua principal preocupação é que leu em uma revista que dos 96 milhões de brasileiros, muito poucos se preocupam com música, que apenas cinco milhões têm vitrola.


— E isso. Que adianta a gente fazer música aqui? O que eu quero é um dia poder fazer um showzinho em Amsterdam, no Greenwich Village, na Califórnia. Mostrar lá fora tudo o que temos aqui. E, infelizmente, artista brasileiro só é reconhecido quando faz sucesso lá fora.


Acaba achando que só vai poder partir se deixar alguma coisa feita aqui, uma base já construída. Por isso gravou esse disco, sem maiores preocupações. Agora quer gravar um compacto com músicas mais agressivas — Chocolate e Eliana — como teste para o próximo LP.


— Esse próximo vai ser o estouro da boiada. Eu não podia entrar agressivamente de uma hora para outra. E depois, pensar em trabalhar fora do Brasil.


Fala dos compositores brasileiros que estão lá fora. para êle os melhores.


— E os que ainda estão aqui, é só por falta de iniciativa.


Enquanto isso, gravar, pesquisar. Junto com o pessoal que pensa como êle; Cassiano, Ivan Lins, Dom e Ravel. Êsses que "têm mais soul, mais alma, mais sentimento."


— E, quem sabe, êles lá de fora escutem uma música como Jurema (da Bôca da Mata) com tema de folclore, de macumba. Talvez êles ouçam a gostem. Aí a gente vai para lá. Não há pressa. Tenho 27 anos, me sinto como se tivesse 21 com a experiência de 36. Vou pesquisando.

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