“Há 59 annos passados, na noite de hoje, paginava, o que estas linhas subscreve, o primeiro número da “Provincia de São Paulo”, hoje “O Estado de São Paulo”. Foi uma noite esplendida, de alegria: officinas engalanadas, muitas visitas, muitas felicitações, muitos bons desejos de victoria e prosperidade, a indeficitiva “lauta mesa de doces”, espipocar da champanha, discursos, discurso do dr. Francisco Rangel Pestana, discurso dos collaboradores, discurso dos convidados, discurso do representante da corporação typographica.” (Hilario Pereira Magro Júnior, Estadão, 4/1/1934)
Responsável pela diagramação do primeiro número do jornal, em 4 de janeiro de 1875, Hilario Pereira Magro Júnior, que era irmão materno do gerente José Maria Lisboa, não se limitou a descrever em suas memórias o ambiente dentro do “casarão velho, assobradado, com sacadas de madeira pintadas de verde” no número 14 da rua de Palácio, primeira sede do jornal.
Seu relato intitulado ‘Reminiscencias do paginador do primeiro número da “Provincia de São Paulo’ permite fazer uma viagem no tempo ao centro de São Paulo naqueles dias de 1875, com uma descrição da atmosfera e do “perfume delicioso e provocante” de içás torrados na “rua das Casinhas”, antigo nome da pequena via que é a mãe das feiras livres de São Paulo, e como ele sempre se refere ao endereço do jornal no texto publicado no aniversário de 59 anos do jornal, em 1934.
“A rua das Cazinhas! A rua das Cazinhas era apenas um quarteirão entre a rua 15 de Novembro de hoje, e a rua Alvares Penteado… Os bellos tempos da rua das Cazinhas! Que saudades dos fidalgos almoços que alli, nas escapadellas das officinas, saboreavamos com 40 réis de cu’scu’s e um bolinho de 20 réis!, nos conta o paginador após descrever que mulheres com colares e pulseiras de coral “vendiam hortaliças, doces, cu’scu’s, pés de moleque e, evolando um perfume delicioso e provocante, içás torrados.”
Voltando a memória para dentro do casarão, Hilário descreve como funcionava manualmente a tração da máquina de impressão Alauzet e a necessidade de contratar operários livres que ofereciam seus serviços no Largo da Misericórdia e na Caixa D’Água como força motriz.
“O trabalho era ás vezes de horas seguidas” (...) Os meus collegas de hoje, bem instalados, bella iluminação ellectrica e lynotipos, devem até ter inveja dos seus collegas de antanho. Ficam distanciados”.
O Lisboa, para illuminação, nos dava duas velas de sebo!
Para o serviço de composição da materia espetavamos taes velas nos versaes das caixas, enroladas em bases de papel, á guisa de castiçal!”
A corporação typographica era supimpa! Havia músicos, poetas amadores dramaticos e até dansarinos.” (...)
Da redacção, dos auxiliares, dos typographos daquella época, apenas sobreviveram Antonio Forster e o signatario desta.
Hilário cita apenas alguns outros nomes da equipe pioneira da feitura do jornal neste texto de 1934, mas um outro texto, publicado no centenário do Estadão em 1975, conta que ele, “que ainda vive”, “conservou em suas notas a lista completa de todos os primitivos servidores d’ “A Provincia”, colaboradores obscuros, mas indispensáveis, do seu aparecimento diário e da sua prosperidade. É ato de justiça estampar, nesta página de informações os seus nomes esquecidos:
Paginador: Hilario Pereira Magro Junior
Impressor: Euclides Saturnino Siqueira
Tipógrafos: Antonio Pinto Correa Junior,
Antonio Forster, Heitor, Henrique e Carlos Goulart Penteado,
Francisco Oppermann, Diego José Machado, Antonio e Artur Correa Vasques,
Joaquim Monteiro Soares, Claudino Santa’Anna, Manoel Correa de Moraes,
Jaime Gonçalves dos Reis,Pedro Braga.
Aprendizes: José Lino e Manoel Rocha.
Revisores: Joaquim Taques, José Constâncio
Abilio Marques. Lucio de Mendonça, então estudante de direito, era o redator do noticiário.
Os redatores principais, cujos nomes ilustres a história conserva, como todos sabem foram
Américo de Campos e Francisco Rangel Pestana, Americo Brasiliense e Antonio Carlos.
Hilario termina seu texto publicado em 1934 falando da “saudade infinda” daqueles dias pioneiros e dos colegas do jornal, especialmente de Antonio Forster, responsável por deliciosos bailes e festanças na longínqua Santo Amaro de então:
“59 annos decorridos! 59 annos! Respeitável montanha que tive a suprema ventura de escalar; mas ao chegar ao cume, que saudade infinda me invade a alma! Que profunda, que amarga tristeza me confrange o coração! Que immensa, que profunda, que horrível desolação! Vejo tomados pela encosta todos os redactores! Vejo tombados pelas encostas todos os collaboradores, vejo tombados pelas encostas tantas affeições, só restando o Forster!
Forster em Santo Amaro (ou onde estiver, como se diz no radio), meu caro amigo, remanescente da gloriosa jornada e dos inesquecíveis dias de luta, receba um longo e afectuso abraço do seu Hilario Pereira Magro Jr.
ESTADÃO 150 ANOS
1875 E 2025
ALAUZET - A PRIMEIRA IMPRESSORA
Preservada no saguão de entrada do jornal nos dias atuais, a máquina francesa Alauzet foi comprada usada no fim de 1874 pela ‘A Província de São Paulo’. Máquinas, tipos e demais pertences da tipografia foram adquiridos da empresa Bouchaud, de fundição e artigos de imprensa do Rio de Janeiro, que tinha uma filial em São Paulo, na rua da Ajuda. Ela foi utilizada por vários anos, inicialmente com força manual, depois substituída por tração a vapor e energia elétrica, até ser vendida para o jornal “Cidade de Bragança”, de Bragança Paulista. Anos depois, ciente de seu valor histórico, o Estadão a readquiriu para ficar exposta sem sua sede no Bairro do Limão.
REMINISCÊNCIAS
Estadão - 4 de janeiro de 1934
4 DE JANEIRO DE 1875
Leia os princípios do jornal publicados na primeira edição
Acervo Estadão: Andrio Lino Feijó, Carlos Eduardo Entini, Cristal da Rocha, Edmundo Leite, Gil Bonfim, Liz Batista e Rose Saconi.
ACERVO
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