Uma noite em 1875: primeiro número do Estadão foi festejado com mesa de doces, champanhe e discursos

Paginador da primeira edição do jornal, que nasceu com o nome “A Província de São Paulo”, contou como foi a noite de 3 para 4 de janeiro de 1875 no sobrado onde ficavam a redação e a oficina gráfica desta publicação que completa 150 anos

PUBLICIDADE

PUBLICIDADE

Por Acervo Estadão
Atualização:
Ilustração de Marcos Müller a partir de relato de Hilario Pereira Magro Jr sobre a noite em que foi impresso o primeiro número do jornal 'A Província de São Paulo', hoje Estadão, em 4 de janeiro de 1875. Foto: Marcos Müller/Estadão

“Há 59 annos passados, na noite de hoje, paginava, o que estas linhas subscreve, o primeiro número da “Provincia de São Paulo”, hoje “O Estado de São Paulo”. Foi uma noite esplendida, de alegria: officinas engalanadas, muitas visitas, muitas felicitações, muitos bons desejos de victoria e prosperidade, a indeficitiva “lauta mesa de doces”, espipocar da champanha, discursos, discurso do dr. Francisco Rangel Pestana, discurso dos collaboradores, discurso dos convidados, discurso do representante da corporação typographica.” (Hilario Pereira Magro Júnior, Estadão, 4/1/1934)

PUBLICIDADE

Responsável pela diagramação do primeiro número do jornal, em 4 de janeiro de 1875, Hilario Pereira Magro Júnior, que era irmão materno do gerente José Maria Lisboa, não se limitou a descrever em suas memórias o ambiente dentro do “casarão velho, assobradado, com sacadas de madeira pintadas de verde” no número 14 da rua de Palácio, primeira sede do jornal.

Seu relato intitulado ‘Reminiscencias do paginador do primeiro número da “Provincia de São Paulo’ permite fazer uma viagem no tempo ao centro de São Paulo naqueles dias de 1875, com uma descrição da atmosfera e do “perfume delicioso e provocante” de içás torrados na “rua das Casinhas”, antigo nome da pequena via que é a mãe das feiras livres de São Paulo, e como ele sempre se refere ao endereço do jornal no texto publicado no aniversário de 59 anos do jornal, em 1934.

Ilustração mostra o sobrado da rua de Palácio, 14, esquina com a rua do Comércio (Palácio é a atual Rua do Tesouro e a do Comércio é a Rua Álvares Penteado), onde ficavam a redação, administração e oficinas do jornal em 1875.  Foto: Acervo Estadão

“A rua das Cazinhas! A rua das Cazinhas era apenas um quarteirão entre a rua 15 de Novembro de hoje, e a rua Alvares Penteado… Os bellos tempos da rua das Cazinhas! Que saudades dos fidalgos almoços que alli, nas escapadellas das officinas, saboreavamos com 40 réis de cu’scu’s e um bolinho de 20 réis!, nos conta o paginador após descrever que mulheres com colares e pulseiras de coral “vendiam hortaliças, doces, cu’scu’s, pés de moleque e, evolando um perfume delicioso e provocante, içás torrados.”

Publicidade

Voltando a memória para dentro do casarão, Hilário descreve como funcionava manualmente a tração da máquina de impressão Alauzet e a necessidade de contratar operários livres que ofereciam seus serviços no Largo da Misericórdia e na Caixa D’Água como força motriz.

“O trabalho era ás vezes de horas seguidas” (...) Os meus collegas de hoje, bem instalados, bella iluminação ellectrica e lynotipos, devem até ter inveja dos seus collegas de antanho. Ficam distanciados”.

O Lisboa, para illuminação, nos dava duas velas de sebo!

Para o serviço de composição da materia espetavamos taes velas nos versaes das caixas, enroladas em bases de papel, á guisa de castiçal!”

Publicidade

A corporação typographica era supimpa! Havia músicos, poetas amadores dramaticos e até dansarinos.” (...)

Da redacção, dos auxiliares, dos typographos daquella época, apenas sobreviveram Antonio Forster e o signatario desta.

Hilário cita apenas alguns outros nomes da equipe pioneira da feitura do jornal neste texto de 1934, mas um outro texto, publicado no centenário do Estadão em 1975, conta que ele, “que ainda vive”, “conservou em suas notas a lista completa de todos os primitivos servidores d’ “A Provincia”, colaboradores obscuros, mas indispensáveis, do seu aparecimento diário e da sua prosperidade. É ato de justiça estampar, nesta página de informações os seus nomes esquecidos:

Paginador: Hilario Pereira Magro Junior

Publicidade

Impressor: Euclides Saturnino Siqueira

Tipógrafos: Antonio Pinto Correa Junior,

Antonio Forster, Heitor, Henrique e Carlos Goulart Penteado,

Francisco Oppermann, Diego José Machado, Antonio e Artur Correa Vasques,

Publicidade

Joaquim Monteiro Soares, Claudino Santa’Anna, Manoel Correa de Moraes,

Jaime Gonçalves dos Reis,Pedro Braga.

Aprendizes: José Lino e Manoel Rocha.

Revisores: Joaquim Taques, José Constâncio

Publicidade

Abilio Marques. Lucio de Mendonça, então estudante de direito, era o redator do noticiário.

Os redatores principais, cujos nomes ilustres a história conserva, como todos sabem foram

Américo de Campos e Francisco Rangel Pestana, Americo Brasiliense e Antonio Carlos.

Hilario termina seu texto publicado em 1934 falando da “saudade infinda” daqueles dias pioneiros e dos colegas do jornal, especialmente de Antonio Forster, responsável por deliciosos bailes e festanças na longínqua Santo Amaro de então:

Publicidade

“59 annos decorridos! 59 annos! Respeitável montanha que tive a suprema ventura de escalar; mas ao chegar ao cume, que saudade infinda me invade a alma! Que profunda, que amarga tristeza me confrange o coração! Que immensa, que profunda, que horrível desolação! Vejo tomados pela encosta todos os redactores! Vejo tombados pelas encostas todos os collaboradores, vejo tombados pelas encostas tantas affeições, só restando o Forster!

Forster em Santo Amaro (ou onde estiver, como se diz no radio), meu caro amigo, remanescente da gloriosa jornada e dos inesquecíveis dias de luta, receba um longo e afectuso abraço do seu Hilario Pereira Magro Jr.

1875 E 2025

Primeiro exemplar original do jornal Estadão, que nasceu' como "A Província de São Paulo", em 4 de janeiro de 1875 e caderno especial dos 150 anos publicado em 4 de janeiro de 2025. Foto: Edmundo Leite/Estadão

ALAUZET - A PRIMEIRA IMPRESSORA

Preservada no saguão de entrada do jornal nos dias atuais, a máquina francesa Alauzet foi comprada usada no fim de 1874 pela ‘A Província de São Paulo’. Máquinas, tipos e demais pertences da tipografia foram adquiridos da empresa Bouchaud, de fundição e artigos de imprensa do Rio de Janeiro, que tinha uma filial em São Paulo, na rua da Ajuda. Ela foi utilizada por vários anos, inicialmente com força manual, depois substituída por tração a vapor e energia elétrica, até ser vendida para o jornal “Cidade de Bragança”, de Bragança Paulista. Anos depois, ciente de seu valor histórico, o Estadão a readquiriu para ficar exposta sem sua sede no Bairro do Limão.

Máquina impressora Alauzet, que imprimiu a primeira edições do jornal "A Província de São Paulo, em 4 de janeiro de 1875" Foto: Acervo Estadão
Impressora Alauzet utilizada para imprimir a primeira edicão do jornal "A Provincia de S. Paulo" em 4/1/1875 no saguão de entrada do Estadão Foto: Amanda Perobelli/Estadão

REMINISCÊNCIAS

Publicidade

Estadão - 4 de janeiro de 1934

Página do Estadão de 4 de janeiro de 1934 com relato de Hilario Pereira Magro Junior, primeiro paginador do jornal sobre o primeiro dia do jornal em 4 de janeiro de 1875. Foto: Acervo Estadão

4 DE JANEIRO DE 1875

Leia os princípios do jornal publicados na primeira edição

Primeiro exemplar do jornal "A Província de São Paulo", primeiro nome do Estadão [O Estado de S. Paulo a partir de 1890] preservado no Acervo Estadão. Foto: Edmundo Leite/Estadão

Acervo Estadão: Andrio Lino Feijó, Carlos Eduardo Entini, Cristal da Rocha, Edmundo Leite, Gil Bonfim, Liz Batista e Rose Saconi.

ACERVO

Publicidade

Comentários

Os comentários são exclusivos para assinantes do Estadão.