Volkswagen: conheça a história da empresa de pecuária da montadora acusada de trabalho escravo

Companhia Vale do Rio Cristalino, subsidiária da Volkswagen para criação extensiva de gado no Pará, enfrentou denúncias de queimadas ilegais, desmatamento e trabalho escravo durante a ditadura militar

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Foto do author Edmundo Leite
Por Edmundo Leite e Liz Batista

Em vez de carros, bois. Durante as décadas de 1970 e 1980, a fabricante de automóveis Volkswagem, montadora alemã presente no País desde os anos 50, apostou numa grande fazenda de criação de gado na Amazônia como meio de diversificar seus empreendimentos no Brasil.

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O investimento no novo negócio aconteceu através da subsidiária Companhia Vale do Rio Cristalino Agropecuária, Comércio e Indústria - empresa criada com incentivos fiscais de programas governamentais no âmbito do projeto criado pelo regime militar para desenvolver a região - um ambiocioso investimento na área do agronegócio que previa a criação, em regime extensivo, de “117 mil cabeças de gado” em Santana do Araguaia, Sul do Pará.

Décadas depois, neste domingo, 29 de maio, a imprensa alemã noticiou que a Volkswagen responderá na Justiça do Trabalho à acusação de ter cometido práticas “escravagistas” na sua subsidiária Companhia Vale do Rio Cristalino.

Chamada na capa do de Estadão 17/7/1983 Foto: Acervo/Estadão

Uma denúncia sobre as condições  de trabalho na fazenda do empreendimento agropastoril da Volkswagen foi feita em 1983. Na época, o Estadão noticiou e acompanhou a denúncia feita por um padre da Comissão Pastoral da Terra de trabalho escravo na gigantesca fazenda da Volkswagen na cidade de Santana do Araguaia, no Pará.

Na reportagem com a chamada de capa "VW nega denúncia sobre escravização" os enviados especiais José Aparecido Miguel (textos) e Clóvis Sobrinho Cranchi (fotos), mostraram as histórias que apuraram na região. 

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>> Estadão - 17/7/1983

>> Estadão - 17/7/1983 Foto: Acervo/Estadão

"A Volkswagen do Brasil não aceita, de jeito nenhum, que haja trabalho escravo na Companhia Vale do Rio Cristalino, sua fazendo no Pará. E não quer que reste dúvidas sobre isso, tanto que o grupo que aqui veio contou com total liberdade e apoio operacional, para ir aonde quisesse, ouvir quem quer que fosse sobre o nosso trabalho. Nunca houve problemas com trabalhadores da Cristalino. Não temos vínculos com os 'gatos' - empreiteiras -  que prestm serviço na fazenda e são empresas registradas, sujeitas à fiscalização do Ministério do Trabalho." 

"Esta é a reação da diretoria da Volkswagen ao tratar da denúncia feita recentemente pelo padre Ricardo Rezende Figueira, da Comissão Pastortal da Terra (CPT) Araguaia Tocantins, e que repercurtiu principalemente na Alemanha, onde está a matriz da empresa" [leia a íntegra da reportagem]

O projeto, desenvolvido com incentivos fiscais e aprovado pela Sudam (Superintendência do Desenvolvimento da Amazônia), recebeu denúncias de crimes e irregularidades durante os anos em que esteve em atividade. Queimadas ilegais, desmate de madeiras nobres e trabalho escravo, foram algumas das queixas que ganharam o noticiário.

>> Estadão 15/7/1975

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>> Estadão 15/7/1975 Foto: Acervo/Estadão

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O Estadão acompanhou a investigação que seguiu à denúncia de trabalho escravo na fazenda da Volks no Sul do Pará. A reportagem, publicada na edição de 17 de setembro daquele ano, conversou com os chamados “gatos” que atuavam como empreiteiros na área de desmate e eram responsáveis por conter a fuga de “peões”. 

Negando as acusações de abusos e violências, os “gatos” argumentavam que conseguiam convencer os que fugiam do trabalho a retornarem: “ - A gente dá um jeito nele... quer dizer, agente conversa, pajeia. A 20 (espingarda de calibre 20 é só para intimidar. Não, nunca dei couro. Tenho fiscais na mata porque é perigoso. Agora, se a pessoa não quer voltar, eu apresento à Polícia, que dá uma prensa e faz voltar”, contou um dos empreiteiros. Em outro relato, um empregado confessa uma violência cometida “ (…) é verdade que um fiscal meu cortou um rapaz com facão. Mas eu mandei ele embora (...)”. 

Retrato do "peão" Antonio dos Reis um dos fugitivos dos "gatos" da Companhia Vale do Rio Cristalino, Julho de 1983, Santana do Araguaia, PA. Foto: Clóvis Cranchi/Estadão

 

Comissão formada por deputados, sindicalistas e repórteres na fazendada Companhia Vale do Rio Cristalino,Julho de 1983, Santana do Araguaia, PA. Foto: Clovis Cranchi/ Estadão

Sobre o caso, a Volkswagen rechassava sua implicação na denúncia de trabalho escravo. “ (…) Não temos vínculos com os “gatos” - empreiteras- que prerstam serviços na fazenda e são empresas registradas, sujeitas a fiscalização do Ministério do Trabalho.”>> Estadão 15/8/1976  

>> Estadão 15/8/1976 Foto: Acervo/Estadão

Queimada e a maior fogueira do Mundo - Em 1975, durante reunião da SociedadeBrasileira para o Progresso da Ciência, cientistas americanos e alemães acusaram a Companhia Vale do Rio Cristalino, e por extensão a Volkswagen do Brasil, de demastar uma área maior que a autorizada, devastando a floresta, ateando no Vale do rio Cristalino “a maior fogueira do mundo”. A queimada foiregistrada por satélites. O caso também ganhou as páginas do jornais. A empresa alegou que o desmate seguira os planos e a extensão aprovados pela Sudam. >> Estadão 05/9/1976

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>> Estadão 05/9/1976 Foto: Acervo/Estadão

A venda da fazenda. Em 1986, a Volks decidiu vender a Companha Vale do Rio Cristalino. Sem lucros e com sucessivas denúncias de práticas ilegais, a fazenda de criação de gado, com 139.392 hectares na Amazônia, havia se transformado numa fonte de publicidade negativa para a montadora alemã. O empreendimento, avaliado entre 25 a 30 milhões de dólares foi comprado pelo grupo Matsubara.

>> Estadão 13/11/1986

>> Estadão 13/11/1986 Foto: Acervo/Estadão

>> Estadão - 26/3/1971

Anúncio da Sudam publicado no Estadão de 26/3/1971 Foto: Acervo/Estadão

Leia a íntegra da reportagem publicada em 1983

Estadão – 17/7/1983

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Empresa nega denúncia de 'escravidão'

De um lado, diretores da Volkswagen do Brasil e da Companhia do Vale do Rio Cristalino, a fazenda da empresa no Pará. De outro, o padre Ricardo Rezende, da Comissão Pastoral da Terra, que denunciou a existência de “trabalho escravo” na propriedade do grupo empresarial, baseado em depoimento de trabalhadores e sindicalistas, sem antes conhecer a fazenda ou procurar sua direção. E mais: deputados, dirigentes sindicais e jornalistas que, em grupo, estiveram na Cristalino para verificar, com inteira liberdade, as condições de trabalho no projeto da Volkswagen.

O encontro, na segunda semana deste mês, foi considerado “histórico”, tanto pelo diretor-adjunto da Volks, Paulo Dutra de Castro, como pelo deputado estadual Tonico Ramos, do PMDB paulista. Um “avanso”, na opinião de outros integrantes do grupo, para quem há, porém, uma responsabilidade indireta da empresa frente à denúncia. A Volkswagen recusa-se a aceitar a acusação, mas seus empreiteiros, ou “gatos”, são muito criticados. Consequentemente, a admimistração da fazenda garante que fará uma fiscalização “mais rígida” sobre os “gatos”, que também atuam em outros grandes projetos agropecuários da Amazônia.

“Se ocorreu algo, foi com as empreiteiras”

“A Volkswagen do Brasil não aceita, de jeito nenhum, que haja trabalho escravo na Companhia Vale do Rio Cristalino, sua fazenda no Pará. E não quer que reste dúvidas sobre isso, tanto que o grupo que aqui veio contou com totai liberdade e apoio operacional, para ir aonde quisesse, ouvir quem quer que fosse, sobre o nosso trabalho. Nunca houve problemas com trabalhadores da Cristalino. Não temos vínculos com os “gatos! — empreiteiras — que prestam serviços na fazenda e são empresas registradas, sujeitas a fiscalização do Ministério do Trabalho.”

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Esta é a reação da diretoria da Volkswagen ao tratar da denúncia feita recentemente pelo padre Ricardo Rezende Figueira, da Comissão Pastoral da Terra (CPT) Araguaia-Tocantins, e que repercutiu principalmente na Alemanha, onde está a matriz da empresa. Uma denúncia que foi reproduzida, na Assembléia Legislativa do Estado de São Paulo, pelo deputado Expedito Soares, do PT, convidado pela Cristalino a conhecer o projeto, que emprega diretamente 328 pessoas e conta com um rebanho de aproximadamente 37 mil cabeças de gado.

O deputado Expedido Soares, então, formou um grupo para ir ao Pará. Convidou os deputados Manoel Moreira e Tonico Ramos, ambos do PMDB, o então diretor-secretário do Sindicato dos Metalúrgicos de São Bernardo do Campo e Diadema, Humberto Aparecido Domingues, o economista Cesar Concone, do Departamento Intersindical de Estatistica e Estudos Sócio-Econômicos, e dois jornalistas.

"O padre Ricardo Rezende reuniu, então no distrito de Barreira do Campo, sindicalistas e trabalhadores, todos com denúncias contra empreiteiros, ou “gatos”, algumas até apontando casos de morte em áreas de diferentes empresas. Seis trabalhadores vieram de Canabrava, município de Luciara, no Mato Grosso, - quatro deles para contar que só conseguiram sair da mata de propriedade da Volks, onde trabalhavam para “gatos” , depois de mostrar que precisavam tratar do alistamento miliar. Com eles estava o dirigente sindical rural de Luciara, Ataíde da Silva.

O presidente do Sindicato dos Trabalhadores Rurais de Santana do Araguaia, Natal Viana Ribeiro, admitiu que já trabalhou corno “gato”, ao dizer que a Volkswagen não o pagou por uma empreitada, denúncia repelida pela administração da fazenda em sua presença. É que o padre Ricardo Rezende, que já fez várias denúncias contra a empresa “mas que, agora, pela primeira vez esteve na Cristalino, os dois sindica listas rurais e os deputados paulistas reuniram-se com diretores da empre a, para tratar caso por caso as deúncias da CPT.

A posição da Cristalino, em cada denúncia, era explicada especialmente pelo diretor adjunto de Relações Públicas e Contatos Governamentais da Volkswagen, Paulo Dutra de Castro, acompanhado do diretor-executivo da fazenda, Friedrich George Brilgger, e de advogados. Há “situações, apresentadas há pouco, relativas a 1975. A equipe da Cristalino, porém, desmentiu todas, apresentando documentos sobre cada caso.

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Casos mais recentes, também denunciados pelo padre Rezende, foram analisados. Um deles refere-se à morte de um peão, doente de malária, que teria ficado sem a assistência prometida pelo “gato” que atua na Volks. Entretanto, a administração da fazenda apresentou dados mostrando que o trabalhador entrou na área da Cristalino no dia 23 de janeiro passado e saiu no dia 25, morto por hepatite. A morte de duas pessoas no Rio Cristalino, explicaram os diretores da empresa, era apresentada como violência, enquanto o que ocorreu, de fato, foi um acidente de carro, que caiu nas águas. “Seus ocupantes não tinham ligação com a fazenda.”

O diretor adjunto da Volkswagen, Paulo Dutra, destacou que a denúncia de trabalho escravo na Cristalino é inaceitável, porque a empresa desenvolve um trabalho sério do ponto de vista social com seus empregados e há, na mata, acompanhando o trabalho dos empreiteiros, uma equipe da Sucam— Superintendência do Controle da Malária — que é um órgão neutro. “Nós tivemos aqui, de janeiro a junho, mais de 600 trabalhadores de empreiteiras. É certo que, se houvesse tanta violência, como quer a denúncia, haveria rebelião, saberíamos e não permitiríamos, de forma alguma. Mas, se algo aconteceu, isso foi com os 'gatos', os empreiteiros”, explícou.

Junto aos diretores da Volkswagen, almoçando, os deputados acabaram recebendo uma reclamação de um ex-boiadeiro da Cristalino, demitido por justa causa há dois meses, mas que reside na propriedade. Eliseo Batista de Oliveira não aceitou, por uma semana, a determinação da administração para retirar a “decoração” do animal que utilizava, um burro. A decoração, junto ao peito do animal, é formada por argolas que, juntas, pesam aproximadamente 26 quilos, “o que sacrifica o burro”, de acordo com o médico veterinário da fazenda. Entretanto, o diretor executivo da Cristalino revelou que reconsiderará o caso, “embora o funcionário tenha sido advertido várias vezes”.

“Esta situação — frisou Paulo Dutra, da Volkswagen — mostra que aqui há inteira liberdade de ação, tanto que o trabalhador pode chegar aqui para reclamar. A diretoria da Volks espera, agora, uma visita constante tanto de sindicatos, como da Igreja, que se deve fazer presente também na parte religiosa”.

“Gatos” e peões, em regime semi-escravo

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Abilão e Chicó são nomes muito conhecidos em pensões dos Municípios de Santana do Araguaia e de Conceição do Araguaia, no Sul do Pará. E mais ainda no interior da selva amazônica. Eles são os “gatos”, ou empreiteiros de mão-de-obra braçal, contratados para desmatamentos em projetos como o da Companhia Vale do Rio Cristalino.

Abílio Dias de Araújo, o Abilão, e Francisco Andrade Chagas, o Chicó, são pessoas temidas pelos peões, principalmente os que procuram fugir do local de desmatamento. E violentos, dizem. Abilão, atendendo a um sinal do chefe de segurança da fazenda da Volks, pára na estrada de terra, margeada por densa mata, para conversar com os deputados paulistas e o repórter. Na sua camioneta, alguns novos peões, um deles Antonio Andrade dos Reis, de 37 anos e aparência de 50, trazido da fuga.

— A gente vai nas pensões em Redenção (distrito de Conceição do Araguaia), Barreira do Campo e Nova Barreira (Santana) e pega 30, 40 peões, pagando um abono, porque eles estão devendo onde moram. Nós combinamos o serviço, mas depois alguns chegam no mato, o trabalho é ruim, eles fogem. Daí a gente vai atrás, pega ele e volta.

O “gato” vacila para explicar como consegue convencer o fugitivo a retornar ao trabalho:

— A gente dá um jeito nele... quer dizer, a gente conversa, pajeia. A 20 (espingardas de calibre 20) é só para intimidar. Não, nunca dei couro. Tenho fiscais na mata porque é perigoso. Agora, se a pessoa não quer voltar, eu apresento à Polícia, que dá uma prensa e faz voltar.

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Abilão explica que o peão, muitas vezes, fica um mês longe da família. “Então, eu dou assistência na casa dele. Olha, dos 408 que trabalharam comigo na Volkswagen este ano, até junho, só 16 fugiram. E dos 184 que levei para outra obra, de uma empresa de Maceió, fugiram 25. Pode contar aí pra eles por que você está voltando", diz o empreiteiro.

Antonio Andrade dos Reis, peão maranhense que trabalha para Abilão há oito meses, em diferentes locais, não explica por que tentou fugir. Apático, afirma que “deve e tem acerto” com o gato.

SÓ SOLTEIROS

Francisco Andrade Chagas, o Chicó, conta porque os peões são procurados. “Às vezes, pegam Cr$ 8 mil de abono para pagar a pensão e depois, já no trabalho, ficam devendo Cr$ 30 mil, porque há desconto de compra de serviço (machado, rede, lanterna, sandália ...). Tem peão que receberá Cr$ 180 mil depois de quatro meses de serviço. O trabalho é tanto por tarefa, em turma que desmata um alqueire goiano (48.400 metros quadrados), como por dia: Cr$ 4.000,00 para quem trabalha com moto-serra e Cr$ 1.500,00 no machado."

Chicó só pega peão solteiro, depois que, no meio da mata de uma fazenda, a Harpa, do Grupo Somepa, dois peões fizeram confusão. “Eles tomaram umas pingas e queriam pegar umas mulheres. É verdade que um fiscal meu, o Wilson, cortou um rapaz com fação, provocando ferimentos. Mas eu mandei ele embora. Todas as acusações são por inveja, porquê a gente fica fazendo negócios aqui e ali, comprando alimentos para a obra. Então, falam que a gente está roubando.”

O sargento Nonato, de Nova Barreira do Campo, “resolve” casos de fuga ne delegacia local:

— Por que cinco peões conseguem tirar saldo em uma tareia e outros, ao lado, não? Tem alguns que não querem trabalhar no sábado e no domingo, então tentam fugir. Mas não há violência aqui. Existe, sim, energia, porque se um vai embora, outro acha que tá mole e vai também. É preciso de certas energias, porque pode sair qualquer movimento. Eles não podem sair de livre e espontânea vontade, o que é justo, porque têm um compromisso com esse homem, o “gato”. Na rua (cidade), eles não usam arma. Não deixo. O Chicó mesmo eu prendi por 24 horas porque estava bêbado e armado, completa o PM paraense.

O começo de uma mudança

O encontro de deputados paulistas, sindicalistas rurais e representante da Igreja Católica com diretores da Companhia Vale do Rio Cristalino certamente repercutirá em outros empreendimentos agropecuários de grupos empresariais na Amazônia, também envolvidos com o trabalho de empreiteiros. Esta é uma posição comum do grupo que visitou a fazenda no Pará, onde a Volkswa gen anunciou que “exercerá uma fiscalização mais rígida sobre os empreiteiros, para evitar o envolvimento da empresa em denúncias”, como explicou seu diretor adjunto Paulo Dutra.

O deputado estadual Expedito Soares, do PT, afirma que o interesse em conhecer a fazenda da Volks e sua região vizinha torna o trabalho do parlamentar mais concreto. “Fomos lá, ao invés de fazer discurso. Deu para sentir um aspecto do entreguismo ao estrangeiro, pelo grande latifúndio que está nas mãos da Volks, embora eu reconheça que seu projeto é interessante, avançado, com grande aproveitamento da terra e que pode ser exportado para outras regiões. O aspecto social, porém, é mais importante, porque percebemos que houve conivência diante do problema dos trabalhadores, contratados pelos 'gatos' ou empreiteiros.”

Soares adianta que os deputados deverão preparar um relatório, a ser enviado à Câmara Federal, governo do Pará e outras instituições, para chamar a atenção das autoridades sobre os problemas da Amazônia, “Gostaria que outros projetos da região acompanhassem a atitude da Volkswagen, para acabar com a violência na região”, frisou.

Manoel Moreira, deputado do PMDB, critica as formas de relações de trabalho transferidas para a região. “São relações capitalistas, obviamente selvagens, onde o peão é o bóia-fria que se conhece em São Paulo, por exemplo. E um sistema que reproduz as condições subumanas que os 'gatos' impõem aos trabalhadores, aplicando a lei do gatilho para 'pajear' pessoas. A bem da verdade, porém, não posso dizer que a direção da Volkswagen concorda com o tratamento dado pelos empreiteiros. Só lamento que o governo não se preocupe com o futuro dos homens que trabalham na região."

Outro deputado, Tônico Ramos, também do PMDB, considerou que o projeto agropecuário da Volkswagen é sério e busca o desenvolvimento do Pará. “Fiquei impressionado com a abertura dada à nossa delegação e saí de lá consciente de que o problema é com o empreiteiro, que tem métodos e cultura diferentes do nosso mundo. Entendo que os “gatos”, hoje, formam empresas que devem ser controladas, porque representam o único canal de sobrevivência do sistema atual de trabalho braçal, porque lá é um sertão.”

O padre Ricardo Rezende, da Comissão Pastoral da Terra, entende que o encontro foi proveitoso, porque possibilitou uma ponte entre os representantes dos trabalhadores rurais e a empresa, que promete criar mecanismos de controle do que se passa nas derrubadas em relação aos empreiteiros e fiscais. “Mas a Igreja mantém a crítica ao modelo de projeto fundiário que o governo tem para a Amazônia, concentrando terras pa-a grandes grupos, que não absorvem mão-de-obra relevante. É preciso, ainda, que se respeite a cultura do homem da região, que entra em conflito com a do Sul do País. Exemplo típico é o caso do homem que foi demitido porque insístia em não tirar a decoração do burro”, comentou.

O então dirigente do Sindicato dos Metalúrgicos de São Bernardo do Campo e Diadema, Humberto Domingues, destaca que a Volkswagen, pelo menos indiretamente, está envolvida nas críticas, porque funcionários da fazenda conhecem a atuação dos “gatos”. O economista César Concone, do Dieese, também considera que houve omissão da empresa em alguns casos, “mas o que deve ser destacado é o importante passo dado com o encontro realizado no Pará”.

Na fazenda, escolas, estradas e carna subsidiada

A fazenda da Volkswagen do Brasil no Pará ocupa uma área de 139.392 hectares, ou 1.393 km2, no município de Santana do Araguaia, a 2.200 quilômetros de São Paulo, 280 deles por estrada de terra. Da área total, que já conta com 148 quilômetros de estradas internas e 1.027 de cercas, 53.730 hectares serão destinados a pastos e 85.662, mantidos como reserva florestal, segundo a administração da fazenda.

O rebanho atual, de aproximadamente 37 mil cabeças de gado, distribuídas em 350 pastos, tem manejo controlado por computador. A derrubada de mata para a formação de pastagem — hoje com 32 mil hectatros de estradas internas e 1.027 deres e 6 mil em preparação — será completada no próximo ano. Um ano depois, a Cristalino terá um rebanho de 47 mil cabeças de gado, num projeto que somente será consolidado em 1986, com 106 mil bovinos.

O diretor-executivo da fazenda, Friedrich Georg Brugger, enfatiza que não existe, na região, nenhum projeto que leve com tanta seriedade o aspecto social. “Temos 328 empregados e vivem aqui 912 pessoas no total, considerando seus dependentes, Todos recebem casa de alvenaria ou de madeira, têm leite gratuito e carne subsidiada, assistência médica e todas as garantias legais, além do salário. Nossas peruas andam, diariamente, 300 quilômetros para buscar as crianças em suas casas, distribuídas em doze retiros, e trazê-las para a escola de 1º Grau, reconhecida oficialmente pelo Estado do Pará”, sintetiza.

A entrada de trabalhadores de empreiteiras na fazenda é controlada.'Não podem entrar com bebida alcoólica ou armas. As que existem, com o pessoal dos empreiteiros, são controladas, Temos pessos da fazenda que, diariamente, vão à área de derrubada. É natural que exista arma, porque pode ocorrer o ataque de onças. E todos passam por exame de controle de malária,”

O menor salário pago ao empregado diretamente contratado pela Cristalino é de Cr$ 47.716,00, enquanto o salário mínimo regional é de Cr$ 30.600,00. A Companhia Vale do Rio Cristalino, que mantém convênio de pesquisas com a Escola Superior de Medicina Veterinária de Hanoover,

da Alemanha, e com a Escola Superior de Agricultura “Luiz de Queiroz”, de Piracicaba, é um empreendimento que já envolve em investimento total de 7 bilhões, 141 milhões e 868 cruzeiros, dos quais 4,3 bilhões em incentivos fiscais, com aplicação aprovada pela Superintendência do Desenvolvimento da Amazônia.

José Aparecido Miguel (texto) e Clóvis Crancho Sobrinho (fotos), enviados especiais

>> Leia mais sobre a Fazenda da Companhia Vale do Rio Cristalino, da Volkswagen

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