Da mistura de um brinquedo infantil com um pulverizador a motor contra mosquitos nascia em 1988 um novo veículo de transporte: o Walk Machine, a máquina de andar. Criado a partir de uma ideia de funcionários da fábrica de equipamentos agrícolas Hatsuta e vendido em lojas como o Mappin por cerca de cinco mil reais, o Walk Machine não chegou a ser uma febre como a dos atuais patinetes elétricos. Mas causou um certo alvoroço em São Paulo na época por ser uma novidade, e também porque o prefeito Jânio Quadros decidiu testar o patinete motorizado como veículo dos guardas civis no Parque do Ibirapuera, apesar de ter proibido os frequentadores de usarem bicicletas no mesmo local.
Sob o título de 'A máquina de andar', a capa do caderno MOTO do Jornal do Carro de 3 de fevereiro de 1988 apresentou em primeira mão a seus leitores a novidade que ainda seria lançada comercialmente. A dualidade de servir como um item de lazer e uma alternativa séria de locomoção dava o tom do texto escrito pelo repórter Sílvio A. Nascimento: "Crescer sem perder a inocência. Criar soluções para os problemas urbanos. Foi com essa filosofia que a Hatsuta, fabricante paulista de equipamentos agrícolas, desenvolveu um patinete motorizado batizado de walk-machine", dizia a abertura do texto, que depois trazia detalhes técnicos do patinete, como guidão dobrável, peso de 20 quilos, motor estacionário de 37 cm cúbicos e 1 cavalo de potência.
A reportagem testou três patinetes motorizados, levados no bagageiro de um Monza, na Avenida Paulista e despertou a curiosidade de pedestres e motoristas. "Não houve quem não olhasse e no mínimo soltasse uma exclamação. Alguns mais desinibidos perguntavam quando estaria à disposição no mercado e o apelo maio ficou por conta das crianças..."
" O que é isso? Tão grande e parece criança?", reclamaram duas senhoras que passaram apressadamente perto da aglomeração de pessoas em torno dos patinetes.
"A molecada vai ficar louca com este patinete", fala um vendedor de bilhetes, também querendo saber onde pode comprar um modelo."
A mesma dificuldade atual de integrar os patinetes com pedestres e veículos já podia ser vista no teste de trinta anos atrás, quando o repórter narra que dá um pouco de medo de atropelar as pessoas pelas calçadas e que a sensação de andar pela rua não é muito agradável, com a proximidade de carros e ônibus mais velozes.
"Em outra área da Paulista, arborizada e bem mais tranquila que as calçadas, o esquema muda. Com menos pessoas circulando, fica-se à vontade para acelerar - nunca no máximo - e fazer pequenas evoluções."
Apesar dos problemas narrados pelo repórter, o presidente da empresa fabricante, Takeshi Imai, diz na reportagem de trinta anos atrás acreditar que o patinete possa ser uma alternativa no trânsito urbano para percorrer pequenas distâncias. "Ele chega a sonhar com compartimentos no Metrô, onde o usuário guaradiaria seu patinete e pegasse o trem ao seu destino. Sonho ou não, a verdade é que no trânsito de grandes centros a situação é um tanto ameaçadora ao patinete."
Cinco meses depois da reportagem, quando o Walk Machine era vendido por Cr$ 83.500,00 no Mappin [R$ 5.218,75 atualizados pelo índice jornal], o prefeito de São Paulo Jânio Quadros conheceu os patinetes, apresentados pessoalmente pelo empresário no Parque do Ibirapuera, onde ficava a sede da Prefeitura naquela época. Takeshi aproveitou uma cerimônia de entrega de novos ônibus de dois andares para tentar convencer o ex-presidente conhecido por suas excentrecidades a fazer um teste no policiamento do parque. Como sempre acontecia com Jânio, a cena foi folclórica, como descreveu o Jornal da Tarde:
- Procure o diretor do parque, disse o prefeito, e se a experiência der certo será adotado em todos. Ao mesmo tempo em que dava a ordem, o prefeito pedia para que um guarda do parque fizesse uma demosntração. Disse, depois, que gostou do aparelho e autorizou o teste de cinco unidades por dois fins de semana, já a partir de hoje. "Mas o senhor proibiu o uso de biclicletas no parque nos fins de semana", alguém lhe lembrou. "Eu ainda não liberei o patinete", respondeu. "Ele primeiro será experimentado por dois sábados e dois domingos". "É uma máquina segura?", perguntaram os jornalistas. "Não sei se é seguro, mas é baixinho e dá para pular".
A situação deixou o chefe da assessoria militar de Jânio, Aristides Trevisan, numa saia justa por ter dito pouco antes da cerimônia que o patinete motorizado não era conveniente no parque por causa da proibição do uso de bicicletas. "Talvez o prefeito tenha se confundido. Mais tarde terei uma reunião com ele. O prefeito deve ter esquecido que amanhã é sábado."
Informado que Jânio autorizara o experimento, o assessor respondeu que "é proibido andar de bicicleta no parque nos sábados e domingos, mas, por outro lado, o policiamento é obrigação da guarda, dando a entender que, para tal fim, o patinete motorizado poderia ser usado."
E assim foi. Na segunda-feira, o Jornal da Tarde mostrava as reações das pessoas ao teste: "Parece piada"."Não sei se é possível alcançar um trombadinha a 30 quilômetros por hora. Pode até acontecer. Mas o que fazer com o patinete na hora de agarrar o sujeito?", queria saber outra pessoa. Inviável também para Jorge Nogueira, que acredita que a solução é contratar mais policiais e motocicletas, em vez de deixá-los "brincando".
Brincadeira. Era assim que as reportagens anteriores ao lançamento do Walk Machine sempre tratavam o patinete.
Dois anos antes, em 1986, os patinetes ganharam a capa da edição do Estadão de 5 de outubro. Numa página interna, a reportagem contava como os garotos do condomínio Portal do Morumbi estavam “redescobrindo o patinete”. O grupo de adeptos contava com 20 membros de idades entre 9 e 14 anos e havia trocado o skate pelo novo brinquedo radical.
O caráter lúdico dos patinetes também podia ser visto nos anúncios publicitários de época passadas, sempre os associando a atividades de lazer infantil ou juvenil.
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