Autor mostra como o Censo dos EUA excluiu negros, latinos e índios-americanos

Novo livro mostra os bastidores e as políticas que nortearam a contagem de habitantes do país e como questões atuais, como a transição de gênero, devem ser levadas em consideração

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Por Alexandra Jacobs
Atualização:

O censo dos Estados Unidos inspirou uma quantidade surpreendente de poesia, observa Dan Bouk em seu novo e comoventemente nerd Democracy’s Data. E duvido que seja porque, em inglês, “censo” rime com tantas palavras relevantes: cercas, defesas, Mike Pence. Além de um bardo anônimo que advertiu “Tal como evitas o coveiro, senhora, evites o recenseador”, Bouk cita Alberta K. Johnson, do poema “Madam and the Census Man”, de Langston Hughes (1944), uma mulher negra que insiste que seu nome do meio não seja K-A-Y, como o agente sugere, mas sim a inicial escolhida por sua mãe. (“Deixe meu nome em paz!”)

Na interpretação de Bouk e de outros estudiosos, é um poderoso protesto contra séculos de pessoas negras erroneamente identificadas, subestimadas e completamente apagadas do registro público. Historiador que também estudou matemática computacional, ele acredita apaixonadamente nos ideais do censo, mas revela em detalhes muitas vezes impressionantes quanto o censo errou com a sociedade. Os nativos americanos foram por muito tempo excluídos, e a classificação étnica incitou, entre outros horrores, o aprisionamento de nipo-americanos em campos de internação e a deportação de imigrantes mexicanos.

O poeta, escritor e agitador cultural Langston Hughes, em seu apartamento no Harlem, em Nova York  Foto: Acervo Estadão

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Em teoria, contar a população parece uma atividade bem básica, bem neutra: um problema de matemática, ainda que seja “um trabalho árduo”. Mas o numérico é político, porque põe em jogo a representação e os recursos. Bouk mostra como, desde o início, o censo esteve sujeito a interesses partidários: anos atrás, com supervisores distribuindo trabalhos censitários para “amigos” inclinados a maquiar os números (”o viés do ‘amigo’, escreve ele, “é muito mais antigo que o Facebook”). Mais recentemente, o governo de Donald Trump tentou, sem sucesso, inserir na pesquisa uma pergunta sobre o status de cidadania, o que os defensores dos direitos civis argumentaram que desencorajaria a participação.

Embora se especialize em burocracias e quantificação, ou como ele diz, “coisas modernas envoltas em mantos de tédio”, Bouk tem talento de poeta para jogos de palavras. Seu primeiro livro, sobre seguro de vida, chamava-se How Our Days Became Numbered (2015) e pode ter sido a melhor coisa que aconteceu às tabelas atuariais desde que Barbara Stanwyck exibiu sua tornozeleira no filme ‘Double Indemnity’. Bouk escreve sobre a fofa história de amor de seus avós e explica como o censo “criou buracos estatísticos junto com todos os dados estatísticos”.

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Ele se concentra no censo de 1940, em parte porque foi o mais recente em que conseguiu pôr as mãos: desde a legislação aprovada em 1978, os registros são mantidos em sigilo por 72 anos, a expectativa de vida média à época. (O relatório de 1950 foi publicado em abril, e você pode conferi-lo em sites como o ancestry.com.)

Imigrantes japoneses nos EUA também sofreram com a política do censo da época Foto: Reuters

A versão de 1940 era textualmente rica, com mais de 30 questões (o censo de 2020 tinha apenas 10) e contextualmente prolífica, com bastante material publicitário incentivando o público a participar. Esse trabalho de relações públicas era necessário em uma época de ditadura europeia, embora o medo de que o governo estivesse compilando “dossiês” agora pareça ingênuo em uma era de violações e vazamentos de dados.

Naquela época, também havia muito potencial para grandes e pequenos dramas, já que o censo era conduzido por “enumeradores” que iam de porta em porta e coletavam respostas em sua caligrafia de legibilidade variável. Os dados então eram enviados de volta para os questionadores e perfuradores de cartão (sobretudo mulheres) trabalhando em casa, formando um proto-Big Data. Esse processo era inimaginável em 2020, por causa da pandemia e porque os nativos digitais nunca atendem o telefone, muito menos uma batida na porta.

Uma das preocupações centrais de Bouk é a perda desse “encontro na porta de casa” – o recenseador recebendo um convite para um café, ganhando uma caixa de ovos ou sendo ferozmente confrontado e expulso – e a maneira como tais interações afetaram o censo em casos particulares ou em aglomerados perceptíveis. “Negociações e ajustes não são irrelevantes”, escreve ele, “fazem parte dos dados”. Ao que parece, contar a população dos Estados Unidos é como reger uma sinfonia.

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Manifestante usa máscara com as cores da bandeira no dia do Movimento Transgênero Foto: OSCAR DEL POZO/AFP

Bouk está tão interessado no que os dados oficiais registraram quanto no que ocultaram, por projeto ou erro. O censo, lembra ele, não conta indivíduos, mas famílias – e cada uma deve ter um “chefe”. Então, o que acontece se sua casa for embaixo de uma tenda ou no meio da rua? E se você não se sentir à vontade para explicar seu relacionamento com as pessoas que moram com você? (A própria família de Bouk é uma que o censo de 1940 teria dificuldade de captar: sua parceira, anteriormente chamada Liz, passou por uma transição de gênero há pouco tempo e agora se chama Lucas.)

A tolerância a diferentes arranjos pode ter crescido, mas a maior parte da pompa física do censo – os mapas, as máquinas, os folhetos cobertos de caligrafia, os livros encadernados em couro, todos ilustrados aqui – está desgastado para sempre. A fragilidade dos dados digitais e a crescente desconfiança no governo deixaram Bouk preocupado com o futuro de toda a operação, mas ele está otimista. O título sisudo do livro não faz jus a seu conteúdo divertido. Democracy’s Data é rico e meditativo; faz do censo maçante um banquete para os sentidos.

Este artigo foi originalmente publicado no New York Times. / TRADUÇÃO DE RENATO PRELORENTZOU

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