A ideia de que a economia deve crescer sempre, infinitamente, é tão arraigada que chega a parecer tão natural quanto a lei da gravidade. Faz parte do discurso dos políticos, dos economistas e da expectativa das pessoas comuns. Não por acaso, foi no momento em que a industrialização avançava a todo vapor (literalmente), no século 18, que a economia começou a se tornar uma disciplina científica. E a ideia do crescimento, com pensadores como Adam Smith (1723-90) e David Ricardo (1772-1823), ocupou desde o início um papel central. Ao longo do tempo, consolidou-se o entendimento de que a contínua expansão da economia seria até mesmo uma garantia para a sobrevivência do capitalismo, pois os trabalhadores poderiam ganhar mais sem que o capital perdesse. Ou, como afirmou Delfim Netto quando foi ministro no regime militar, o projeto era crescer o bolo para depois dividi-lo. Mas não há nada de “natural” no crescimento infinito. Civilizações do passado ora se expandiam, ora encolhiam, e estabilidade era mais desejável que crescimento.
Será o crescimento inevitável? Nos últimos anos, cada vez mais vozes têm questionado essa ideia. Deixando de lado pioneiros como Alexandre von Humboldt (1769-1859), que já no começo do século 19 alertava sobre o delicado equilíbrio planetário, podemos estabelecer 1971 como o ano zero da crítica ao crescimento sem limites, pois foi quando o economista romeno-americano Nicholas Georgescu-Roegen publicou A Lei da Entropia e o Processo Econômico. Neste livro, ele mostrou que nosso planeta não poderia nos abastecer, infinitamente, de recursos naturais não renováveis. Para muita gente, na época, as ideias do pensador romeno pareceram pura excentricidade. Não mais. Até mesmo Robert Solow, Nobel de economia de 1987 e célebre defensor do crescimento, já admitiu que, se os limites biológicos da natureza forem levados em conta, as teorias do crescimento econômico ilimitado se tornam inviáveis. Hoje, quando a crise climática nos atinge com intensidade cada vez maior, os críticos do crescimento passaram a ser ouvidos. Como disse o documentarista inglês David Attenborough, “quem defende crescimento infinito num planeta finito ou é louco ou é economista”.
É amplo o espectro de críticos ao crescimento descontrolado. De um lado, mais palatáveis a governos e empresas, estão os “green-growthers” (desenvolvimentistas verdes), que defendem o crescimento sustentável e ecologicamente responsável. É nesse campo que vicejam propostas mitigatórias, como, por exemplo, a dos negócios com créditos de carbono, criados em Kyoto em 1997 (quem libera compra créditos de quem sequestra, sem que a emissão seja necessariamente reduzida). Um dos nomes mais conhecidos desse grupo é o norueguês Per Espen Stoknes. Em seu mais recente livro, A Economia do Amanhã – Um Guia para a Criação do Crescimento Verde e Saudável (em tradução livre, 2021), há um belo apanhado de tudo que se tem falado, criticado e sugerido a respeito das possibilidades do crescimento sustentável: mais energias limpas, educação, inclusão e reciclagem, menos consumo de carne, etc. Mas Stoknes admite, na conclusão, que mesmo que todas as boas práticas venham a ser globalmente adotadas, não se pode ter certeza de que conseguirão salvar o planeta.
Na extremidade oposta estão os defensores da tese do decrescimento. Herdeiros diretos de Georgescu, eles acreditam que, por mais que se recicle, reutilize e otimize, o problema é apenas adiado, pois, no fim, a conta não vai fechar. Um dos pioneiros dessa turma, o economista e filósofo francês Serge Latouche, resumiu muito bem a questão, dizendo que, se você embarca num trem e, no meio do caminho, descobre que está indo para a cidade errada, não adianta diminuir a velocidade do trem, pois ainda estará indo na direção errada. Para ele, não existe crescimento sustentável, mas, simplesmente, crescimento insustentável mais lento.
A humanidade levou 300 mil anos para chegar a 1 bilhão de pessoas, marca atingida por volta do ano 1800, com a Revolução Industrial a pleno vapor. De lá para cá, em meros dois séculos, chegamos aos 8 bilhões. Nosso planeta, explorado para além de qualquer limite, é obrigado a nos entregar proteína animal da terra e do mar, minérios, petróleo, áreas cultivadas (25% para nós e 75% para pastagens e grãos para os bichos), energia, água corrente, resfriamento no calor e aquecimento no frio. Além disso, a Terra precisa lidar com volumes estratosféricos de poluição (por mais que se filtre), de lixo (por mais que se recicle), de esgoto humano e dos animais dos quais nos servimos (por mais que tratado) e, finalmente, de liberação de carbono na atmosfera.
O estresse do planeta não é questão acadêmica, nem mesmo de opinião, a não ser que você seja um terraplanista convicto, decidido a ignorar as evidências das mudanças climáticas, até mesmo quando o telhado de sua casa sai voando. Além da comunidade científica, a ONU, grande parte dos governos e um número crescente de empresas globais admitem a urgência do problema.
Alguns povos, como os antigos habitantes da Ilha de Páscoa, exauriram o ecossistema em que viviam até que a mera subsistência se tornou impossível
Como escreveu o economista britânico Tim Jackson, mais crescimento significa mais impacto, mais impacto significa menos planeta, e o crescimento sem-fim – verde ou não – vai acabar resultando em crescimento nenhum, pois não se faz nada num planeta sem vida. Que é o que aconteceu em escala menor, segundo o geógrafo norte-americano Jared Diamond em seu livro Colapso, com alguns povos, como os antigos habitantes da Ilha de Páscoa, que exauriram o ecossistema em que viviam até que a mera subsistência se tornou impossível. Mas, se o diagnóstico parece fácil, a cura é bem menos. O ponto é: como decrescer sem que ainda mais gente passe fome, sem que as empresas demitam e sem que os governos deixem de pagar por aposentadorias, educação, saúde, segurança e até mesmo pelas demandas da proteção ambiental?
Jason Hickel, no livro Mais É Menos – Como o Descrescimento Salvará o Mundo (em tradução livre, 2020), critica a obsessão capitalista por crescimento, mas não defende redução de PIB, e sim que seus fundamentos sejam repensados, extrapolando a frieza dos números. Um vazamento de óleo no mar, ainda que ecologicamente catastrófico, aumenta o PIB, porque os gastos com a limpeza são computados como atividade econômica, enquanto uma eventual distribuição de livros grátis não faz diferença. Nos países desenvolvidos, consomem-se, em média, assustadoras 28 toneladas de matérias-primas por pessoa, por ano. É muito mais do que se consumiu no passado e, pior, num regime de crescimento infinito, isso só tende a aumentar. Temos mais conforto material do que nossos antepassados, mas a qualquer momento esse conforto poderá sair voando com furacões ou se afogando no mar.
Capitalismo implica, por definição, lucro e acúmulo de capital. Mas isso não é uma lei da gravidade. Se, por um lado, mercados existem há milhares de anos, por outro a obsessão por lucros crescentes não tem mais de 500 anos. No livro O Caso do Decrescimento (em tradução livre, 2020), os autores Giorgos Kallis, Susan Paulson, Giacomo D’Alisa e Federico Demaria, todos eles decrescentistas conhecidos, argumentam que não se trata apenas de aumentar a produtividade e melhorar a sustentabilidade (fazer mais com menos de maneira menos danosa), e sim de repensar a ideia de que o “mais” é obrigatório. Mas o que fazer com a ideia da prosperidade, tão cara a nós? Este o tema central de Tim Jackson em Prosperidade Sem Crescimento – Fundamentos de uma Economia do Amanhã (em tradução livre, de 2010, com prefácio do príncipe Charles).
Para Jackson, um decrescimento próspero poderá vir, além de uma mudança de hábitos e de visão de mundo, da tecnologia, que permitirá que sejamos mais produtivos enquanto consumimos menos. E tudo isso passa também, naturalmente, pela interrupção do aumento populacional. Se o planeta já não está dando conta de alimentar 8 bilhões de pessoas, o que poderá fazer com 15, 20 ou 50 bilhões? Em resumo, pode-se dizer que o decrescimento, longe de ser uma apologia moralista da miséria, é a ideia de que nos daremos melhor se formos mais comedidos, e que esse comedimento é urgente.
O político francês Georges Clemenceau (1841-1920) disse que a guerra era importante demais para ficar nas mãos dos generais. Podemos parafraseá-lo, afirmando que a economia é importante demais para ficar na mão dos CEOs e dos acionistas das grandes empresas, em sua maior parte viciados em crescimento. Alguma coisa precisa ser feita, porque não dá mais para seguirmos em frente, sem medo do amanhã, como temos feito desde o século 18.
No livro Ideias para Adiar o Fim do Mundo (2019), no qual defende uma relação entre seres humanos e natureza em que esta não seja vista como simples mercadoria (uma montanha deve ser bem mais do que um estoque de minérios), o líder indígena Ailton Krenak lembra uma conversa que teve quando o atual governo foi eleito. A pessoa perguntou: “Como os indígenas vão sobreviver a tudo isso?”. Ao que ele respondeu: “Tem 500 anos que os indígenas estão resistindo, eu estou preocupado mesmo é como é que os brancos vão escapar dessa”. Muito além de etnias ou dos governos da ocasião, todos nós estamos viajando na mesma velha e exaurida nave. Será que não temos a capacidade de viver, nos alimentar e nos divertir, reduzindo, um pouco, nossa voracidade? l
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