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Pesquisadora investiga as raízes do incidente das bruxas de Salem

'As Bruxas', de Stacy Schiff, oferece informações preciosas para se compreender a extensão da irracionalidade da época

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Por Bruna Meneguetti
Atualização:

Um homem que era a “autoridade judicial mais confiável da Nova Inglaterra” fez parte do grande júri de Salem, na Baía de Massachusetts, que condenou, em 1692, 19 pessoas e dois cachorros. Na época, a conceituada Harvard, onde muitos dos pastores se formavam, tornou-se o palco de discussões sobre bruxaria. Filósofos e cientistas como Robert Boyle, Isaac Newton e John Locke acreditavam em bruxas. 

O sabá das bruxas retratado por Goya 

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É destacando a irracionalidade dessa figuras que Stacy Schiff, autora do recém-lançado As Bruxas, mostra como a crença no sobrenatural unia todas as camadas da sociedade. Nada menos que 55 pessoas confirmaram suspeitas e 185 foram citadas como bruxas nos julgamentos. A primeira enforcada em Salem foi Bridget Bishop, foi também a última perdoada pela condenação, no Halloween de 2001, 309 anos após sua morte. 

Assim, As Bruxas é uma investigação profunda sobre esse período da história que muitos já ouviram falar, mas poucos sabem como começou: com um grupo de adolescentes consideradas enfeitiçadas, que foram as principais responsáveis por apontar as primeiras supostas bruxas que as “atormentavam” com convulsões, sufocamentos, beliscões e mordidas. A primeira acusada foi uma mulher sem família, que incomodava ao pedir doações; a segunda estava envolvida em uma disputa judicial com a principal família da aldeia. Já a primeira a confessar bruxaria foi uma índia escrava, que, com seu relato, duplicou o número de suspeitos e deu urgência à investigação. 

Denúncias e confissões levavam a outras, permitindo que as “enfeitiçadas” fizessem verdadeiros shows de convulsões e desmaios nos tribunais, e dessa forma contribuíssem como provas para as condenações. Em pouco tempo, fora instalado um “tribunal especial para julgar os casos de Salem”. A bruxaria demonstrava como a região era um local escolhido, “pois Satanás se empenhava em destruí-lo” e também provava a importância do clero para a comunidade.

Ser acusado era corriqueiro. Os motivos, inúmeros: bastava ter alguma inimizade, poucas posses, tratar mal esposas, negar a bruxaria ou ter o nome em voga. Não era raro se aproveitarem das prisões para confiscar bens e invadir fazendas, o que também explicaria certas acusações. Além disso, acusar alguém e fingir ser afligido passou a se tornar uma forma de estar seguro: “John deve ter pensado que seria de bom alvitre começar a citar nomes antes que alguém mencionasse o seu”. Dentro dos tribunais, as pessoas também eram levadas a isso através da violência. 

As bruxas “poderiam ser briguentas e resmungonas, ou inexplicavelmente fortes e inteligentes” – por “tradição” elas também eram “marginais, isoladas, intratáveis e coléricas”, ou seja, o contrário daquelas que as acusavam. As primeiras enfeitiçadas eram justamente muito jovens, privadas de direitos, órfãs ou empregadas. “Isso as deixava instáveis quanto ao casamento e à herança, quando não famintas de atenção masculina”, informa Schiff, “educadas para ficarem quietas, as bem comportadas Betty e Abigail convulsionavam. Não conseguiam desabafar, como as espalhafatosas e intrigantes Abigail Hobbs e Mary Lacey [condenadas por bruxaria]”. Já Elizabeth, e talvez muitas outras mulheres, viram nas bruxas uma oportunidade de se livrarem das pesadas tarefas domésticas: “ninguém castigava uma moça afligida, nem mandava catar lenha”.

De modo geral, as pessoas acusadas começaram a confessar. Em Salem, o juiz Stoughton “poupou bruxas confessas, condenando apenas aquelas que se recusavam a admitir a culpa. A confissão era fácil para um povo que acreditava ser o caminho da salvação”. O magistrado era, no geral, uma figura autoritária e poderia fazer pessoas revelarem “coisas extraordinárias”, como ocorreu com uma menina de cinco anos, que, após testemunhar contra e ver a própria mãe morrer enforcada, ficou louca. 

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O caso de Salem foi peculiar. Tanto vítimas quanto opressores eram em sua maioria mulheres – embora alguns homens também tenham sido condenados à forca, entre eles um pastor. O que As Bruxas faz é mostrar todos os possíveis lados do episódio, que é citado também no livro História da Bruxaria (Goya), escrito por Jeffrey B. Russell e Brooks Alexander, reeditado no Brasil. “Por que” torna-se a pergunta que nem sempre é respondida de forma clara. Quando olhamos para os casos mais recentes, como o de Fabiane Maria de Jesus – morta por espancamento no Guarujá, em São Paulo, após uma fake news acusá-la de ter sequestrado crianças e praticado bruxaria em 2014 – nos deparamos com a mesma pergunta. Os motivos de 1692 ainda ecoam.*BRUNA MENEGUETTI É AUTORA DOS ROMANCES ‘O ÚLTIMO TIRO DA GUANABARA’ E ‘O CÉU DE CLARICE’ E COAUTORA DO LIVRO-REPORTAGEM ‘CORAÇÕES DE ASFALTO’

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