“Confinado à Terra e a uma cadeira de rodas, como poderia experimentar a majestade do espaço a não ser mediante minha imaginação e meu trabalho em física teórica?”, pergunta o físico britânico Stephen Hawking (1942-2018) em um dos dez ensaios inéditos que compõem seu livro póstumo Breves Respostas para Grandes Questões, lançado pela Intrínseca. Diagnosticado com esclerose lateral amiotrófica, Hawking desafiou os prognósticos médicos e viveu até os 76 anos, tendo contribuído para nossa compreensão sobre a origem do universo e a natureza dos buracos negros – morto no ano passado, sua lápide está exatamente entre as de Charles Darwin e Isaac Newton. O título de seu livro dá a entender que Hawking oferece soluções fáceis, mas o físico usa todo seu embasamento teórico para deixar o leitor a par da atual compreensão humana do universo. Suas não tão breves – porém saborosas – respostas nos deixam, ao fim da leitura, com ainda mais grandes questões.
A respeito da origem do universo, Hawking retoma Kant, que identificava um paradoxo: “Se o universo teve um início, por que esperou um tempo infinito antes de começar? (...) Se o universo existira desde sempre, por que levou um tempo infinito para chegar ao estágio atual?” Essa dúvida, explica Hawking, cai por terra com a relatividade geral, pois Einstein demonstrou que tempo e espaço não são absolutos. “Assim não tinha sentido falar em um tempo anterior ao nascimento do universo. Seria como perguntar por um ponto ao sul do polo Sul.”
Hawking afirma que “o universo foi criado espontaneamente, do nada, segundo as leis da ciência”, pois o próprio tempo surgiu com o Big Bang e, portanto, não poderia haver nada anterior para criá-lo. Ele admite que é contraintuitivo pensar que “um universo inteiro e fantasticamente imenso de espaço e energia pode se materializar do nada”, mas parte para uma explicação densa e bem embasada sobre a energia negativa, demonstrando como a física quântica prova que partículas como prótons “podem aparecer ao acaso, existir por algum tempo e voltar a sumir para reaparecer em outro lugar”. “Como sabemos que o universo já foi muito pequeno – menor que um próton –, o significado disso é assombroso. (...) As leis da natureza nos dizem que não só o universo pode ter surgido sem ajuda, como um próton, e não ter exigido nada em termos de energia, como também é possível que nada tenha causado o Big Bang. Nada.”
Cosmologia não é o único tema do livro. Hawking se debruça sobre áreas que até pouco tempo atrás eram da seara da ficção científica, como a existência de vida inteligente fora da Terra. Para isso, começa definindo o que é vida (um sistema que resiste à tendência à desordem do universo, ou entropia, e se reproduz). Por meio dessa definição inicial, ele chega a um insight inquietante: “Acho que os vírus de computador deveriam ser considerados seres vivos. Talvez isso revele algo sobre a natureza humana: a única forma de vida que criamos até hoje é puramente destrutiva.” A partir daí, Hawking oferece algumas possibilidades para a questão dos ETs: 1) a probabilidade de a vida surgir espontaneamente é tão baixa que a Terra é o único planeta na galáxia em que isso ocorreu. 2) Há uma probabilidade razoável, mas a maioria das formas de vida não desenvolve inteligência. 3) Há uma probabilidade grande para o surgimento de vida inteligente, mas ela acaba por se autodestruir – talvez por guerras. 4) O universo está apinhado de vida, mas ainda não temos os meios para detectá-la à distância.
O escritor de ficção científica Arthur C. Clarke, autor de '2001: Uma Odisseia no Espaço' e 'O Fim da Infância', entre outros livros, postulou: “Quando um cientista distinto e experiente diz que algo é possível, é quase certeza que tem razão. Quando ele diz que algo é impossível, ele está muito provavelmente errado.” Quanto à possibilidade de viagens espaciais acima da velocidade da luz e viagens no tempo, Hawking informa que os conceitos desafiam as leis da física mas não podem ser completamente descartados, embora causem graves problemas de lógica. Ele mesmo já fez uma festa para viajantes espaciais, em 2009. Ninguém compareceu, mas quem quiser se deslocar ao passado para brindar com ele está convidado.
As questões terrenas são algumas das mais urgentes do livro. Hawking é enfático quanto à chance de a inteligência artificial ultrapassar a nossa: “Se a Lei de Moore continuar vigorando sobre a evolução dos computadores, dobrando sua velocidade e capacidade de memória a cada dezoito meses, o resultado é que as máquinas superarão os humanos em inteligência em algum momento nos próximos cem anos.” Para Hawking, as principais ameaças de extinção que a humanidade enfrenta hoje são uma eventual guerra nuclear, as mudanças climáticas e um choque com um asteroide. O cientista e cosmólogo é categórico quanto à necessidade a longo prazo de se explorar o espaço em busca de outros planetas habitáveis, mas acredita na capacidade humana adaptação.
Há muitas diferenças entre ciência e arte, mas uma delas é expressa pelo biólogo Richard Dawkins em um dos textos de seu livro Ciência na Alma (Companhia das Letras): “Ao contrário das obras de arte, as verdades científicas não mudam de natureza conforme os indivíduos que as descobrem (...) Se Shakespeare não tivesse existido, ninguém mais teria escrito Macbeth. Se Darwin não tivesse existido, outra pessoa teria descoberto a seleção natural.” Ou seja, um jovem cientista se apoia sobre os ombros de gigantes, parafraseando Newton, enquanto um jovem artista está submetido ao peso da obra de gigantes sobre seus ombros. Embora constate que “a vida após a morte não passa de ilusão”, com seu último livro, Stephen Hawking não apenas mostra que soube se equilibrar sobre esses ombros, mas nos ergue sobre os seus para que possamos também vislumbrar o esplendor do universo: “Este não é o fim da história, mas apenas o começo de bilhões de anos de vida florescendo no cosmos.”
Os comentários são exclusivos para assinantes do Estadão.