Danificar ou atacar uma obra de arte é um ato criminoso. Em se tratando de Van Gogh ou Monet, então, é incompreensível. Ambos lutaram para renovar a linguagem artística de seu tempo. A obra dos dois é um patrimônio cultural da humanidade. Quem atenta contra Van Gogh, escrevi aqui no dia 14, pratica não só um injustificável ato de terrorismo contra uma peça de arte, mas contra a humanidade. As duas jovens ativistas do grupo Just Stop Oil, que jogaram, no dia 14, um pacote de sopa de tomate na tela Girassóis, do pintor holandês, protestando para pressionar o governo do Reino Unido a decretar o fim do uso de combustíveis fósseis, cometeram um crime. Contra o artista, contra a National Gallery, contra a cultura. E contra o meio ambiente, algo paradoxal para ambientalistas.
Não é a primeira vez que isso acontece – e provavelmente não será a última. Ontem mesmo, quase dez dias depois, uma obra de Monet, o pioneiro do movimento impressionista, foi atacada em Potsdam, na Alemanha, perto de Berlim. Trata-se de uma tela de 1890, Les Meules, o turning point da vida do pintor, que, aos 50 anos, atingia sua maturidade artística. Por sorte, a pintura estava protegida por um vidro no Museum Barberini.
Quando do ataque a Van Gogh, classifiquei o ato de histeria juvenil de ativistas sem direção, que querem culpar a arte por todos os males. No lugar de criticar os que estão fora dos museus, confabulando em gabinetes do poder, ele jogam sopa de tomate ou purê de batata nos artistas, justificando seus atos terroristas – se é que isso é possível – como um protesto contra as pessoas que “estão morrendo de fome ou de frio”, como disseram os militantes da organização Letzte Generation (Última Geração), que investiram contra Monet.
Foi um atentando idiota que compromete a causa ambientalista. Dizer que os homens que produzem ou comercializam petróleo “estão mais preocupados com a proteção de uma obra de arte do que com a vida das pessoas”, como justificou o ato contra Van Gogh uma das ativistas, é estúpido. O Just Stop Oil, vale lembrar, protestou, em julho, contra novas licenças de petróleo e gás do governo britânico, colando as mãos numa réplica da pintura A Última Ceia, de Leonardo Da Vinci, em exposição na Royal Academy, em Londres. No mesmo mês, na National Gallery, atentaram contra uma pintura clássica do pintor John Constable, um dos maiores paisagistas ingleses.
Os exemplos são inúmeros. Outros integrantes do grupo de ativismo ambiental a Letzte Generation colaram há algum tempo as mãos na pintura A Primavera, de Botticelli. Ontem atacaram a tela Les Meules, de Monet, uma das obras canônicas do século 19 – e também por isso uma das mais valiosas, algo em torno de R$ 580 milhões, segundo a cotação alcançada em 2019 num leilão da Sotheby’s.
A pintura não foi danificada durante a ação, “ao contrário do sofrimento imensurável que as inundações, tempestades e secas já nos trazem hoje como prenúncio da catástrofe iminente”, acrescentaram os ambientalistas. Outro argumento contestável. Ainda que estivesse protegida por vidro, seu autor, Monet, sofreu uma humilhação pública. Não se pode comparar uma obra de arte ao mundo real. É por ele ser insuportável que os artistas criam. Se fosse um paraíso, não haveria motivo para pintar.
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