Durante o Show do Dia do Trabalho, na noite de 30 de abril de 1981, duas bombas explodiram no centro de convenções Riocentro. E o que deveria ser apenas um dia de festa transformou-se num dos mais misteriosos episódios da nossa história recente, marcando profundamente os anos finais do regime militar e o processo de reabertura política do País.
O atentado. Cerca de 20 mil pessoas, na sua maioria estudantes, estavam reunidas no espaço Riocentro para assistir o showpromovido pelo Centro Brasil Democrático, entidade ligada ao PCB. O público aguardava a apresentação de artistas, como, Chico Buarque de Holanda, Milton Nascimento Ivan Lins e Gonzaguinha, quando, por volta das 21 horas, uma bomba explodiu no estacionamento. Dentro do carro, de onde partiu a explosão, estavam dois militares. O sargento Guilherme Pereira do Rosário, que estava no banco de passageiro e carregava o artefato no colo, morreu na hora, o capitão Wilson Dias Machado, o motorista, feriu-se gravemente. Ambos os militares pertenciam ao Departamento de Operações Internas - Centro de Operações para a Defesa Interna (DOI-Codi).>> Estadão - 03/5/1981
Momentos depois, uma segunda bomba detonou na caixa de força da estação elétrica. Sem conseguir cortar a luz, a explosão não chamou muita atenção e o show não foi interrompido. Caso as bombas cortassem a força no Riocentro, o pânico dos milhares de espectadores, com a escuridão e o barulho das explosões, poderia ter provocado uma tragédia.
O momento político. Em 6 de maio de 1981, o presidente Figueiredo foi a público acalmar os temores de que o ato terrorista pudesse prejudicar o processo de abertura política. Em sua declaração, reafirmou o compromisso político de redemocratizar o País. Dirigindo-se a grupos radicais dentro das Forças Armada, declarou que “apesar de soldado” não aceitava a guerra em tempos de paz, disse, também, que compreendia apenas o combate de “ideias”, e que condenava qualquer ato de terror, fosse de direita ou de esquerda.
O inquérito. Um mês após as explosões do Riocentro, o Inquérito Policial Militar (IPM) concluiu que os militares estavam no local em missão de informações, e que foram “vítimas” de uma armadilha. O inquérito não negava que o crime era de competência militar, mas dizia que não era possível identificar sua autoria, uma vez que havia “vários grupos radicais - de esquerda e direita - interessados em provocar o descrédito dos órgãos de informações." Segundo o IPM, as bombas teriam sido obra de “terroristas de esquerda ou de um grupo de direita chamado Comando Delta”.
> > Estadão - 1/7/1981
Em 2 de outubro de 1981, o Supremo Tribunal Militar, por maioria de votos, 9 a 4, decidiu arquivar o processo. Fortes indícios apontavam o envolvimento de oficiais das Forças Armadas no atentado. O arquivamento do processo gerou grande indignação nacional.
Novas revelações. Após a redemocratização, militares e políticos começaram a revelar novas informações obre o caso. O ex-presidente João Baptista Figueiredo, declarou em entrevista, que o resultado do processo Riocentro não havia convencido ninguém, porque “não chegou a nada”. Na mesma entrevista, Figueiredo afirmou ter havido participação de militares no planejamento do atentado.
Em 1999, o general do Exército Newton Cruz, antigo chefe do Serviço Nacional de Informações (SNI), disse à Comissão de Direitos Humanos da Câmera, que foi informado, momentos antes das explosões, que agentes do governo realizariam “um protesto” no estacionamento do Riocentro. E que os agentes tinham planejado colocar apenas “uma bombinha vagabunda”, sem a intenção de “matar”. A ação seria apenas para "marcar presença".
O caso é reaberto. Dezoito anos depois, o processo foi reaberto. Novas provas levaram a instauração de um novo inquérito policial-militar (IPM) . A nova investigação trouxe à tona fatos que o inquérito original ocultou. Foram indiciados e apontados como responsáveis: o coronel Wilson Machado, o general de reserva Newton Cruz, o sargento Guilherme do Rosário, morto na explosão, e o coronel Freddie Perdigão, antigo chefe do SNI do Rio, morto em 1997. O caso foi levado ao Supremo Tribunal Militar (STM).
Mas, em maio de 2000 o Supremo Tribunal Militar voltou a arquivar o caso. O ministro do Supremo Tribunal Militar, Carlos Alberto Marques entendeu que o crime foi enquadrado em 1988 na Lei de Anistia, impedindo uma nova ação penal.
Comissão da Verdade. Em 2013, a Comissão Estadual da Verdade do Rio de Janeiro, braço da Comissão Nacional da Verdade (CNV)retomou as investigações sobre o caso Riocentro. Em fevereiro de 2014, uma nova confissão levou o Ministério Público Federal no Rio de Janeiro a denunciar à Justiça seis pessoas por envolvimento no caso. São eles : os generais reformados Nilton Cerqueira, então comandante da Polícia Militar do Rio; Edson Sá Rocha, chefe de seção do Destacamento de Operações de Informações (DOI); o ex-delegado capixaba Cláudio Antônio Guerra, que trabalhava no Departamento de Ordem Política e Social (Dops); o major reformado Divany Barros; o general reformado Newton Cruz, que chefiava a Agência Central do Serviço Nacional de Informações (SNI); e Wilson Luiz Chaves Machado, que era capitão na época e dono do carro onde a bomba explodiu.
Entre as novas informações está o depoimento do major reformado Divany Carvalho Barros, que contou ter sido enviado por seus superiores ao local com a missão de apagar provas que pudessem incriminar os militares envolvidos na operação. Em 2019, o STF analisou e descartou um recurso do MPF para reabrir o processo criminal sobre o atentado que o qualificava como crime contra a humanidade. Por por 5 votos a 2, a Terceira Seção do Superior Tribunal de Justiça rejeitou o recurso.
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