Bolsonaro criou dicionário próprio para cruzadinhas: ‘Eu tinha dificuldade em Português’


Em entrevista exclusiva, presidente eleito fala do tempo em que enviava cruzadinhas para o jornal

Por Edmundo Leite
Atualização:
Jair Bolsonaro teve 21 palavras cruzadas de sua autoria publicadas no Estadão entre 1971 e 1976. Veja todas e leia a entrevista: "Eu tinha dificuldade em Português".  Foto: Acervo Estadão

Manhã de sexta-feira. Pouco depois do café da manhã e das primeiras conversas com assessores em sua casa no Rio de Janeiro, Jair Bolsonaro atende o telefone passado a ele às 8h38 para conversar com o Acervo Estadão. Solícito e bem humorado, o presidente eleito relembrou como fazia e enviava os problemas para serem publicados na seção de palavras cruzadas do Estadão, alimentada por materiais enviados pelos leitores do jornal.

De cara, revelou que um dos motivos para fazer palavras cruzadas foi melhorar o Português, matéria na qual tinha dificuldade na escola. Com o tempo, se aperfeiçoou, gostou da coisa e tornou-se um especialista, ao ponto de criar um dicionário próprio, emplacando 21 problemas de palavras cruzadas publicadas no jornal de 1971, quando tinha 16 anos, a 1976, já adulto e na academia militar. Leia a íntegra da entrevista:

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Como o senhor começou a fazer palavras cruzadas?

Jair Bolsonaro: “Bem, eu sempre gostei de estudar. E tinha dificuldade em Português. Então, o primeiro passo, foi fazer o Instituto Universal Brasileiro por correspondência, de Português. E eu entregava também o jornal O Estado de S.Paulo em Eldorado Paulista. Se eu me lembro, eram 32 exemplares que chegavam uma da tarde, todo dia, exceto segunda-feira, se não me engano, segunda-feira não tinha jornal. E sempre eu lia os jornais, né? Bastante. E era muito interessado sobre a guerrilha de Angola, lembro muito bem disso. E a parte de esportes e entretenimento. Em entretenimento eu vi as palavras cruzadas e comecei a fazer, já com conhecimento de português melhorando e resolvi, então, ser colaborador.

Que que eu fazia? Eu fazia os quadradinhos, que já tinha seus modelos, com as formas geométricas definidas e preenchia obviamente, né? E botava embaixo o significado da palavra, botava embaixo, lá, a descrição da palavra que dava aquele sinônimo. E mandava por carta, botava no correio. E o Correio que mandava para São Paulo. E, depois, em geralmente, em média, 15 dias, era publicado. E quando era publicado, eu era... sem ver... eu sempre vivia na ansiedade lá em Eldorado, de ser publicado. E, então, quando era publicado eu demorava mais para entregar o jornal. Eu levava umas três horas para entregar. Porque eu batia na porta de todo mundo e falava “olha na página tal tem matéria de Eldorado Paulista, aí, tá certo?” (risos)

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Isso deu uma certa notoriedade para o senhor lá em Eldorado?

Ah, deu. Em Eldorado, deu notoriedade, sim. A cidade ainda hoje em dia continua pequena, não cresceu, até diminuiu um pouquinho o tamanho lá. Deve ter na cidade toda, na parte urbana, ali, uns dois mil, dois mil e quinhentos habitantes, está certo? Agora, independente disso, todo mundo era conhecido, você sabia quem era todo mundo lá. Pelo fato de eu entregar o jornal, entregava de bicicleta, inclusive, eu era mais conhecido ainda. E o pessoal, às vezes reclamava “Olha, o jornal atrasou”. E eu: “Se atrasou foi o ônibus, não fui eu, pô!” (risos)

Entregava só o Estadão ou chegavam outros jornais lá também?

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Não, não. Era único jornal que eu lembro aqui, não tinha mais nenhum jornal lá, não. Mais nenhum. Era apenas O Estado de S.Paulo que chegava lá. Você pode ver pela quantidade de assinantes, é complicado de ter uma entrega de jornal lá. Eu recebia um dinheirinho, não lembro quanto é que era. Eu recebia um dinheirinho todo mês, em função disso, de uma pessoa lá, que agenciava O Estado de S.Paulo.

Do agente de assinaturas?

É de um agente. Eu entregava para ele. Não lembro quanto é que era. Mas era… me satisfazia o que eu recebia naquela época. Eu tinha outros empregos também. Eu pescava, eu tirava palmito no mato, eu tinha outras atividades lá, tá certo?

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As palavras cruzadas eram um hobby. Tinha algum outro hobby além desse?

Não, não. Eu não gostava de pedir dinheiro para o meu pai. Meu pai era pobre, quer dizer, mas não era tão pobre assim. Era dentista prático. Geralmente aos sábados, meu pai tinha mais dinheiro no bolso. E tudo era... não tinha cheque... era tudo à vista. E ele fazia dentadura, arrancava dentes, então, o sábado era o dia de maior movimento do consultório dele e ele podia até nos ajudar financeiramente, ajudar um pouco. Dava o equivalente a uns vinte reais por filho. Que já era dinheiro pra caramba. Mas eu tinha vergonha, e não pedia dinheiro para ele. Eu ia no cinema com o meu dinheiro, que entregava o jornal, que tirava palmito, que tirava maracujá, que pescava, era dessas atividades. E estudava também. Eu era, que eu lembro, era o único aluno da escola, do grupo lá do Ginásio, que frequentava a biblioteca da cidade. Ninguém mais frequentava. Isso eu me lembro muito bem também.

Como preparava as cruzadas?

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Eu fazia, olha só. A primeira coisa que você tem que fazer em primeiro lugar. Você prepara o modelo que você quer, que é o quadriculado ali. Depois você fica, à lápis, bolando palavras pra dar o cruzamento, vertical e horizontal. Depois que você bolava as palavras e botava, encaixava, daí você ia, eu ia no dicionário e tinha palavra difícil, por exemplo, que eu não sabia o significado, e buscava um sinônimo. Eu ia ao dicionário, pegava o sinônimo mais adequado e botava embaixo. Número um. Uma palavra qualquer, tá certo? Produto do cafezal. Café. Botava uma coisa assim. Aí botava e mandava. E mandava prontinha para o jornal O Estado de S.Paulo. E O Estado de S.Paulo publicava.

Eu estou com uma aqui na mão. O diagrama era copiava na mão ou já tinha um molde?

Não... não... não, não. Eu bolava. O diagrama você bolava. Tinha que ser uma figura geométrica. Tá certo? E a gente bolava isso daí e mandava. Não tinha, não tinha mistério. Logicamente, quanto mais você faz um diagrama para menos palavras, o tamanho é o mesmo. Mas de acordo com a fonte, para as palavras curtas é mais fácil. O problema do jornal O Estado de S.Paulo, de certa forma, é que é diferente. Você pega hoje em dia uma palavra-cruzada qualquer de revista na rua, ali, não tem uma forma geométrica. Então, é fácil você fazer palavras cruzadas. Até bolar, é muito fácil, tá certo? E naquele tempo não. E não tinha, naquele tempo também, não lembro direito, mas, tinha umas regras. Você não podia botar, por exemplo, botar abreviatura de nome de pessoa que você bota hoje.

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Tem uma advertência ao senhor na seção de cruzadas no jornal por ter proposto uma resposta com três iniciais de uma pessoa desconhecida. [veja]

Eu lembro que tinha algumas regras. Não é como hoje em dia tão aberto como os coquetéis por aí.

Fazia em papel sulfite ou folha de caderno?

Não. Deixa eu ver aqui. Era folha de caderno. Se eu não me engano, era folha de caderno. Não tinha esse papel A4 que você compra hoje em dia, A4, era no caderno mesmo. E eu aproveitava. Porque as linhas do caderno eram mais ou menos 7 milímetros na horizontal e eu também fazia 0,7 na vertical para ficar um quadrado, um quadrado... um quadrado é perfeito. Um quadrado.

As primeiras palavras cruzadas foram publicadas em 1971, quando tinha 16 anos. Já estava se preparando para a carreira militar?

Já, já tava. O Lamarca passou na minha cidade em 1970. Quando eu conheci o Exército. E um militar me deu um documento, um papel chamado ICAM, Instrução de Concurso, Admissão e Matrícula. E, então, naquele ICAM, tinha ali, algumas matérias. E, eu comecei a me interessar mais por isso tudo aí, porque eu queria passar no concurso para a escola de cadetes do Exército. Também digo que o Português, o fato de você fazer palavras-cruzadas, né, ajuda, e muito no seu raciocínio, no desenvolvimento, na sua bagagem cultural.

E como eu disse à você, eu tinha dificuldade em Português, e em Eletricidade. Também fiz o IUB, o Instituto Universal Brasileiro por correspondência de Eletricidade. Você quando fazia essas provinhas, esse concurso, eu lembro, tinham poucas pessoas que faziam em Eldorado, minha cidade, e chegavam as provas para você. Chegavam as provas de Português. A gente fazia as provas e mandava de volta para São Paulo. Sem colar! Então, de vez em quando, tirava uns oito e meio, nove, não tirava dez. Então a gente firma a responsabilidade de não colar na sua via do Instituto Universal Brasileiro.

Uma exigência pessoal?

Até porque, pode ver. Tanto na escola preparatória de cadetes quanto na Academia Militar de Resende, o aluno que cola, que for flagradao colando, ele é desligado. Eu não tive essa preocupação, porque eu nunca colei na minha vida. Então, nunca tive essa preocupação.

Em 1971 estava em que série?

Em 1971 eu estava cursando… é... chamava de Científico, naquela época, né? Tinha o Grupo , por 4 anos, Ginásio, 4 anos, e Científico, 3 anos. Era assim.... e depois ia para o Curso superior, era assim o ensino naquela época. É … eu estava no Científico quando comecei, quando comecei a escrever para O Estado de S.Paulo.

Se formou no Científico em 1971 ou 1972 ?

Deixa eu ver aqui. Deixa eu pegar... 72, 72 eu concluí o Científico. Em 72, eu concluí o Científico. No final do Científico eu prestei concurso para a Escola Preparatória dos Cadetes do Exército, e fui aprovado. Mas o que acontece... eu tinha um desconhecimento. Eu tinha que ter prestado concurso para a Academia Militar das Agulhas Negras. Então, eu passei, cheguei na Escola Preparatória dos Cadetes do Exército e tive que repetir o primeiro ano. Então no final do primeiro ano da escola preparatória de Cadetes do Exército, lá eu prestei concurso para a Academia em Resende, e fui aprovado.

1972 foi o ano que você mais produziu, foram 9 palavras cruzadas publicadas naquele ano, e mais algumas no comecinho de 73. Emplacou em média uma por mês.

Eu já estava em Campinas em 73.

Em 1974 não tem nenhuma. Aí em 1975 tem uma só.

Veja a data que foi, que mês foi?

Foi em 25 de março de 1975.

É, quando eu voltei de Resende, quer dizer, alguma coisa aconteceu.

E aí, em 76, você consegue emplacar 5 palavras-cruzadas.

Em 76, eu estava no 3º ano da Academia em Resende. Agora você falou as datas, mas eu não estou lembrando dessas datas Eu não sei qual foi meu motivo em 76. Devo ter me inspirado ali. Não sei. Não sei como eu arranjei folga para fazer isso daí, porque você demora, às vezes você demora aí umas 5 horas para fazer uma palavra-cruzada. (risos)

Cinco horas?

Para você ver como é complicado, tem que dar um fecho. No começo é fácil, duro é lá embaixo, quando tem que fechar no canto qualquer. Você tem que pesquisar para encontrar uma palavra que caiba naquele fecho ali.

Quando pesquisava, usava só dicionário ou tinha outras fontes também?

Dicionário, de papel. Porque não existia internet lá nesse tempo, não, tá? Era apenas o dicionário. Tinha um dicionário pretão, eu lembro, parecia uma Bíblia, bem altona que eu tinha, né? E era todo marcado, todo judiado. E tinha meu dicionário particular, que eu escrevia as palavras pequenas, fazia fichamento, e depois eu ia aprendendo. Depois não precisava mais. Mas eu fazia o meu dicionário particular com a própria mão, com palavras pequenas, de até 5 letras, para colaborar no fechamento.

Tinha um caderno específico para isso?

Tinha, tinha. Eu fiz um caderno particular. Porque você procura uma palavra difícil, quatro letras, no dicionário, uma palavra difícil, e não dá para você decorar, guardar. Daí eu anotava do lado. Meu caderno tinha um índice de a a z. Então, quando eu procurava uma palavra com a letra L, eu ia no meu caderno na letra L, e encontrava rapidamente essa palavra. E podia encaixar no fechamento.

Um banco de dados próprio?

Tinha, tinha. Eu comecei a internet naquela época (risos)

Ainda existe alguma lembrança disso, algum papel guardado?

Não, não guardei, não guardei. O que eu lembro, que uma vez chegou em casa pelo reembolso, uns oito livros. Deixa ver se eu lembro o nome dele aqui. Era de um escritor do interior de São Paulo, e eu havia botado nas palavras-cruzadas o nome desse escritor. Autor do livro tal, ou o contrário, eu dava o nome dele e entrava o nome do livro, era “Açaí”. O nome do livro era “Açaí”. E esse escritor, por coincidência, correu atrás, deve ter ligado para vocês em São Paulo, deram o endereço, ele me mandou pelo reembolso um montão de livros de autoria dele, tendo em vista eu ter lembrado dele numa palavra cruzada.

Ainda faz palavras cruzadas?

Bolsonaro: Não, não, nem no avião. Quando eu tô no avião eu tô lendo alguma coisa do nosso interesse. Não dá mais tempo, não tenho mais tempo. Faz muito tempo que eu não tenho oportunidade de fazer palavras-cruzadas. É coisa rara. Se já fiz no avião, foi uma ou duas vezes, por ano.

Aí faz com aquelas revistinhas?

Bolsonaro: Não, não, não. No jornal que está na minha frente. Há muito tempo que eu não compro um passatempo, como que chama? O "Coquetel".

> GALERIA: Palavras cruzadas do jovem Jair Bolsonaro

> Palavras cruzadas de Jair Bolsonaro

Estadão - 2 de março de 1973

Palavras cruzadas do jovem Jair Bolsonaro

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Palavras Cruzadas de Jair Bolsonaro

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Estadão - 30 de setembro de 1971

Página de 30/9/1971 com palavras cruzadas enviadas por Jair Bolsonaro. Foto: Acervo Estadão

Estadão - 11 de novembro de 2018

Versão impressa da reportagem e entrevista sobre as palavras cruzadas enviadas por Jair Bolsonaro ao jornal quando era jovem publicada na página A-12 da edição SP do jornal O Estado de S. Paulo [Estadão] de 11 de novembro de 2018.  Foto: Acervo Estadão

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ACERVO ESTADÃO

Jair Bolsonaro teve 21 palavras cruzadas de sua autoria publicadas no Estadão entre 1971 e 1976. Veja todas e leia a entrevista: "Eu tinha dificuldade em Português".  Foto: Acervo Estadão

Manhã de sexta-feira. Pouco depois do café da manhã e das primeiras conversas com assessores em sua casa no Rio de Janeiro, Jair Bolsonaro atende o telefone passado a ele às 8h38 para conversar com o Acervo Estadão. Solícito e bem humorado, o presidente eleito relembrou como fazia e enviava os problemas para serem publicados na seção de palavras cruzadas do Estadão, alimentada por materiais enviados pelos leitores do jornal.

De cara, revelou que um dos motivos para fazer palavras cruzadas foi melhorar o Português, matéria na qual tinha dificuldade na escola. Com o tempo, se aperfeiçoou, gostou da coisa e tornou-se um especialista, ao ponto de criar um dicionário próprio, emplacando 21 problemas de palavras cruzadas publicadas no jornal de 1971, quando tinha 16 anos, a 1976, já adulto e na academia militar. Leia a íntegra da entrevista:

Como o senhor começou a fazer palavras cruzadas?

Jair Bolsonaro: “Bem, eu sempre gostei de estudar. E tinha dificuldade em Português. Então, o primeiro passo, foi fazer o Instituto Universal Brasileiro por correspondência, de Português. E eu entregava também o jornal O Estado de S.Paulo em Eldorado Paulista. Se eu me lembro, eram 32 exemplares que chegavam uma da tarde, todo dia, exceto segunda-feira, se não me engano, segunda-feira não tinha jornal. E sempre eu lia os jornais, né? Bastante. E era muito interessado sobre a guerrilha de Angola, lembro muito bem disso. E a parte de esportes e entretenimento. Em entretenimento eu vi as palavras cruzadas e comecei a fazer, já com conhecimento de português melhorando e resolvi, então, ser colaborador.

Que que eu fazia? Eu fazia os quadradinhos, que já tinha seus modelos, com as formas geométricas definidas e preenchia obviamente, né? E botava embaixo o significado da palavra, botava embaixo, lá, a descrição da palavra que dava aquele sinônimo. E mandava por carta, botava no correio. E o Correio que mandava para São Paulo. E, depois, em geralmente, em média, 15 dias, era publicado. E quando era publicado, eu era... sem ver... eu sempre vivia na ansiedade lá em Eldorado, de ser publicado. E, então, quando era publicado eu demorava mais para entregar o jornal. Eu levava umas três horas para entregar. Porque eu batia na porta de todo mundo e falava “olha na página tal tem matéria de Eldorado Paulista, aí, tá certo?” (risos)

Isso deu uma certa notoriedade para o senhor lá em Eldorado?

Ah, deu. Em Eldorado, deu notoriedade, sim. A cidade ainda hoje em dia continua pequena, não cresceu, até diminuiu um pouquinho o tamanho lá. Deve ter na cidade toda, na parte urbana, ali, uns dois mil, dois mil e quinhentos habitantes, está certo? Agora, independente disso, todo mundo era conhecido, você sabia quem era todo mundo lá. Pelo fato de eu entregar o jornal, entregava de bicicleta, inclusive, eu era mais conhecido ainda. E o pessoal, às vezes reclamava “Olha, o jornal atrasou”. E eu: “Se atrasou foi o ônibus, não fui eu, pô!” (risos)

Entregava só o Estadão ou chegavam outros jornais lá também?

Não, não. Era único jornal que eu lembro aqui, não tinha mais nenhum jornal lá, não. Mais nenhum. Era apenas O Estado de S.Paulo que chegava lá. Você pode ver pela quantidade de assinantes, é complicado de ter uma entrega de jornal lá. Eu recebia um dinheirinho, não lembro quanto é que era. Eu recebia um dinheirinho todo mês, em função disso, de uma pessoa lá, que agenciava O Estado de S.Paulo.

Do agente de assinaturas?

É de um agente. Eu entregava para ele. Não lembro quanto é que era. Mas era… me satisfazia o que eu recebia naquela época. Eu tinha outros empregos também. Eu pescava, eu tirava palmito no mato, eu tinha outras atividades lá, tá certo?

As palavras cruzadas eram um hobby. Tinha algum outro hobby além desse?

Não, não. Eu não gostava de pedir dinheiro para o meu pai. Meu pai era pobre, quer dizer, mas não era tão pobre assim. Era dentista prático. Geralmente aos sábados, meu pai tinha mais dinheiro no bolso. E tudo era... não tinha cheque... era tudo à vista. E ele fazia dentadura, arrancava dentes, então, o sábado era o dia de maior movimento do consultório dele e ele podia até nos ajudar financeiramente, ajudar um pouco. Dava o equivalente a uns vinte reais por filho. Que já era dinheiro pra caramba. Mas eu tinha vergonha, e não pedia dinheiro para ele. Eu ia no cinema com o meu dinheiro, que entregava o jornal, que tirava palmito, que tirava maracujá, que pescava, era dessas atividades. E estudava também. Eu era, que eu lembro, era o único aluno da escola, do grupo lá do Ginásio, que frequentava a biblioteca da cidade. Ninguém mais frequentava. Isso eu me lembro muito bem também.

Como preparava as cruzadas?

Eu fazia, olha só. A primeira coisa que você tem que fazer em primeiro lugar. Você prepara o modelo que você quer, que é o quadriculado ali. Depois você fica, à lápis, bolando palavras pra dar o cruzamento, vertical e horizontal. Depois que você bolava as palavras e botava, encaixava, daí você ia, eu ia no dicionário e tinha palavra difícil, por exemplo, que eu não sabia o significado, e buscava um sinônimo. Eu ia ao dicionário, pegava o sinônimo mais adequado e botava embaixo. Número um. Uma palavra qualquer, tá certo? Produto do cafezal. Café. Botava uma coisa assim. Aí botava e mandava. E mandava prontinha para o jornal O Estado de S.Paulo. E O Estado de S.Paulo publicava.

Eu estou com uma aqui na mão. O diagrama era copiava na mão ou já tinha um molde?

Não... não... não, não. Eu bolava. O diagrama você bolava. Tinha que ser uma figura geométrica. Tá certo? E a gente bolava isso daí e mandava. Não tinha, não tinha mistério. Logicamente, quanto mais você faz um diagrama para menos palavras, o tamanho é o mesmo. Mas de acordo com a fonte, para as palavras curtas é mais fácil. O problema do jornal O Estado de S.Paulo, de certa forma, é que é diferente. Você pega hoje em dia uma palavra-cruzada qualquer de revista na rua, ali, não tem uma forma geométrica. Então, é fácil você fazer palavras cruzadas. Até bolar, é muito fácil, tá certo? E naquele tempo não. E não tinha, naquele tempo também, não lembro direito, mas, tinha umas regras. Você não podia botar, por exemplo, botar abreviatura de nome de pessoa que você bota hoje.

Tem uma advertência ao senhor na seção de cruzadas no jornal por ter proposto uma resposta com três iniciais de uma pessoa desconhecida. [veja]

Eu lembro que tinha algumas regras. Não é como hoje em dia tão aberto como os coquetéis por aí.

Fazia em papel sulfite ou folha de caderno?

Não. Deixa eu ver aqui. Era folha de caderno. Se eu não me engano, era folha de caderno. Não tinha esse papel A4 que você compra hoje em dia, A4, era no caderno mesmo. E eu aproveitava. Porque as linhas do caderno eram mais ou menos 7 milímetros na horizontal e eu também fazia 0,7 na vertical para ficar um quadrado, um quadrado... um quadrado é perfeito. Um quadrado.

As primeiras palavras cruzadas foram publicadas em 1971, quando tinha 16 anos. Já estava se preparando para a carreira militar?

Já, já tava. O Lamarca passou na minha cidade em 1970. Quando eu conheci o Exército. E um militar me deu um documento, um papel chamado ICAM, Instrução de Concurso, Admissão e Matrícula. E, então, naquele ICAM, tinha ali, algumas matérias. E, eu comecei a me interessar mais por isso tudo aí, porque eu queria passar no concurso para a escola de cadetes do Exército. Também digo que o Português, o fato de você fazer palavras-cruzadas, né, ajuda, e muito no seu raciocínio, no desenvolvimento, na sua bagagem cultural.

E como eu disse à você, eu tinha dificuldade em Português, e em Eletricidade. Também fiz o IUB, o Instituto Universal Brasileiro por correspondência de Eletricidade. Você quando fazia essas provinhas, esse concurso, eu lembro, tinham poucas pessoas que faziam em Eldorado, minha cidade, e chegavam as provas para você. Chegavam as provas de Português. A gente fazia as provas e mandava de volta para São Paulo. Sem colar! Então, de vez em quando, tirava uns oito e meio, nove, não tirava dez. Então a gente firma a responsabilidade de não colar na sua via do Instituto Universal Brasileiro.

Uma exigência pessoal?

Até porque, pode ver. Tanto na escola preparatória de cadetes quanto na Academia Militar de Resende, o aluno que cola, que for flagradao colando, ele é desligado. Eu não tive essa preocupação, porque eu nunca colei na minha vida. Então, nunca tive essa preocupação.

Em 1971 estava em que série?

Em 1971 eu estava cursando… é... chamava de Científico, naquela época, né? Tinha o Grupo , por 4 anos, Ginásio, 4 anos, e Científico, 3 anos. Era assim.... e depois ia para o Curso superior, era assim o ensino naquela época. É … eu estava no Científico quando comecei, quando comecei a escrever para O Estado de S.Paulo.

Se formou no Científico em 1971 ou 1972 ?

Deixa eu ver aqui. Deixa eu pegar... 72, 72 eu concluí o Científico. Em 72, eu concluí o Científico. No final do Científico eu prestei concurso para a Escola Preparatória dos Cadetes do Exército, e fui aprovado. Mas o que acontece... eu tinha um desconhecimento. Eu tinha que ter prestado concurso para a Academia Militar das Agulhas Negras. Então, eu passei, cheguei na Escola Preparatória dos Cadetes do Exército e tive que repetir o primeiro ano. Então no final do primeiro ano da escola preparatória de Cadetes do Exército, lá eu prestei concurso para a Academia em Resende, e fui aprovado.

1972 foi o ano que você mais produziu, foram 9 palavras cruzadas publicadas naquele ano, e mais algumas no comecinho de 73. Emplacou em média uma por mês.

Eu já estava em Campinas em 73.

Em 1974 não tem nenhuma. Aí em 1975 tem uma só.

Veja a data que foi, que mês foi?

Foi em 25 de março de 1975.

É, quando eu voltei de Resende, quer dizer, alguma coisa aconteceu.

E aí, em 76, você consegue emplacar 5 palavras-cruzadas.

Em 76, eu estava no 3º ano da Academia em Resende. Agora você falou as datas, mas eu não estou lembrando dessas datas Eu não sei qual foi meu motivo em 76. Devo ter me inspirado ali. Não sei. Não sei como eu arranjei folga para fazer isso daí, porque você demora, às vezes você demora aí umas 5 horas para fazer uma palavra-cruzada. (risos)

Cinco horas?

Para você ver como é complicado, tem que dar um fecho. No começo é fácil, duro é lá embaixo, quando tem que fechar no canto qualquer. Você tem que pesquisar para encontrar uma palavra que caiba naquele fecho ali.

Quando pesquisava, usava só dicionário ou tinha outras fontes também?

Dicionário, de papel. Porque não existia internet lá nesse tempo, não, tá? Era apenas o dicionário. Tinha um dicionário pretão, eu lembro, parecia uma Bíblia, bem altona que eu tinha, né? E era todo marcado, todo judiado. E tinha meu dicionário particular, que eu escrevia as palavras pequenas, fazia fichamento, e depois eu ia aprendendo. Depois não precisava mais. Mas eu fazia o meu dicionário particular com a própria mão, com palavras pequenas, de até 5 letras, para colaborar no fechamento.

Tinha um caderno específico para isso?

Tinha, tinha. Eu fiz um caderno particular. Porque você procura uma palavra difícil, quatro letras, no dicionário, uma palavra difícil, e não dá para você decorar, guardar. Daí eu anotava do lado. Meu caderno tinha um índice de a a z. Então, quando eu procurava uma palavra com a letra L, eu ia no meu caderno na letra L, e encontrava rapidamente essa palavra. E podia encaixar no fechamento.

Um banco de dados próprio?

Tinha, tinha. Eu comecei a internet naquela época (risos)

Ainda existe alguma lembrança disso, algum papel guardado?

Não, não guardei, não guardei. O que eu lembro, que uma vez chegou em casa pelo reembolso, uns oito livros. Deixa ver se eu lembro o nome dele aqui. Era de um escritor do interior de São Paulo, e eu havia botado nas palavras-cruzadas o nome desse escritor. Autor do livro tal, ou o contrário, eu dava o nome dele e entrava o nome do livro, era “Açaí”. O nome do livro era “Açaí”. E esse escritor, por coincidência, correu atrás, deve ter ligado para vocês em São Paulo, deram o endereço, ele me mandou pelo reembolso um montão de livros de autoria dele, tendo em vista eu ter lembrado dele numa palavra cruzada.

Ainda faz palavras cruzadas?

Bolsonaro: Não, não, nem no avião. Quando eu tô no avião eu tô lendo alguma coisa do nosso interesse. Não dá mais tempo, não tenho mais tempo. Faz muito tempo que eu não tenho oportunidade de fazer palavras-cruzadas. É coisa rara. Se já fiz no avião, foi uma ou duas vezes, por ano.

Aí faz com aquelas revistinhas?

Bolsonaro: Não, não, não. No jornal que está na minha frente. Há muito tempo que eu não compro um passatempo, como que chama? O "Coquetel".

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Estadão - 2 de março de 1973

Palavras cruzadas do jovem Jair Bolsonaro

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Foto: Acervo Estadão
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Palavras Cruzadas de Jair Bolsonaro

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Estadão - 30 de setembro de 1971

Página de 30/9/1971 com palavras cruzadas enviadas por Jair Bolsonaro. Foto: Acervo Estadão

Estadão - 11 de novembro de 2018

Versão impressa da reportagem e entrevista sobre as palavras cruzadas enviadas por Jair Bolsonaro ao jornal quando era jovem publicada na página A-12 da edição SP do jornal O Estado de S. Paulo [Estadão] de 11 de novembro de 2018.  Foto: Acervo Estadão

> Linha do tempo Acervo Estadão

ACERVO ESTADÃO

Jair Bolsonaro teve 21 palavras cruzadas de sua autoria publicadas no Estadão entre 1971 e 1976. Veja todas e leia a entrevista: "Eu tinha dificuldade em Português".  Foto: Acervo Estadão

Manhã de sexta-feira. Pouco depois do café da manhã e das primeiras conversas com assessores em sua casa no Rio de Janeiro, Jair Bolsonaro atende o telefone passado a ele às 8h38 para conversar com o Acervo Estadão. Solícito e bem humorado, o presidente eleito relembrou como fazia e enviava os problemas para serem publicados na seção de palavras cruzadas do Estadão, alimentada por materiais enviados pelos leitores do jornal.

De cara, revelou que um dos motivos para fazer palavras cruzadas foi melhorar o Português, matéria na qual tinha dificuldade na escola. Com o tempo, se aperfeiçoou, gostou da coisa e tornou-se um especialista, ao ponto de criar um dicionário próprio, emplacando 21 problemas de palavras cruzadas publicadas no jornal de 1971, quando tinha 16 anos, a 1976, já adulto e na academia militar. Leia a íntegra da entrevista:

Como o senhor começou a fazer palavras cruzadas?

Jair Bolsonaro: “Bem, eu sempre gostei de estudar. E tinha dificuldade em Português. Então, o primeiro passo, foi fazer o Instituto Universal Brasileiro por correspondência, de Português. E eu entregava também o jornal O Estado de S.Paulo em Eldorado Paulista. Se eu me lembro, eram 32 exemplares que chegavam uma da tarde, todo dia, exceto segunda-feira, se não me engano, segunda-feira não tinha jornal. E sempre eu lia os jornais, né? Bastante. E era muito interessado sobre a guerrilha de Angola, lembro muito bem disso. E a parte de esportes e entretenimento. Em entretenimento eu vi as palavras cruzadas e comecei a fazer, já com conhecimento de português melhorando e resolvi, então, ser colaborador.

Que que eu fazia? Eu fazia os quadradinhos, que já tinha seus modelos, com as formas geométricas definidas e preenchia obviamente, né? E botava embaixo o significado da palavra, botava embaixo, lá, a descrição da palavra que dava aquele sinônimo. E mandava por carta, botava no correio. E o Correio que mandava para São Paulo. E, depois, em geralmente, em média, 15 dias, era publicado. E quando era publicado, eu era... sem ver... eu sempre vivia na ansiedade lá em Eldorado, de ser publicado. E, então, quando era publicado eu demorava mais para entregar o jornal. Eu levava umas três horas para entregar. Porque eu batia na porta de todo mundo e falava “olha na página tal tem matéria de Eldorado Paulista, aí, tá certo?” (risos)

Isso deu uma certa notoriedade para o senhor lá em Eldorado?

Ah, deu. Em Eldorado, deu notoriedade, sim. A cidade ainda hoje em dia continua pequena, não cresceu, até diminuiu um pouquinho o tamanho lá. Deve ter na cidade toda, na parte urbana, ali, uns dois mil, dois mil e quinhentos habitantes, está certo? Agora, independente disso, todo mundo era conhecido, você sabia quem era todo mundo lá. Pelo fato de eu entregar o jornal, entregava de bicicleta, inclusive, eu era mais conhecido ainda. E o pessoal, às vezes reclamava “Olha, o jornal atrasou”. E eu: “Se atrasou foi o ônibus, não fui eu, pô!” (risos)

Entregava só o Estadão ou chegavam outros jornais lá também?

Não, não. Era único jornal que eu lembro aqui, não tinha mais nenhum jornal lá, não. Mais nenhum. Era apenas O Estado de S.Paulo que chegava lá. Você pode ver pela quantidade de assinantes, é complicado de ter uma entrega de jornal lá. Eu recebia um dinheirinho, não lembro quanto é que era. Eu recebia um dinheirinho todo mês, em função disso, de uma pessoa lá, que agenciava O Estado de S.Paulo.

Do agente de assinaturas?

É de um agente. Eu entregava para ele. Não lembro quanto é que era. Mas era… me satisfazia o que eu recebia naquela época. Eu tinha outros empregos também. Eu pescava, eu tirava palmito no mato, eu tinha outras atividades lá, tá certo?

As palavras cruzadas eram um hobby. Tinha algum outro hobby além desse?

Não, não. Eu não gostava de pedir dinheiro para o meu pai. Meu pai era pobre, quer dizer, mas não era tão pobre assim. Era dentista prático. Geralmente aos sábados, meu pai tinha mais dinheiro no bolso. E tudo era... não tinha cheque... era tudo à vista. E ele fazia dentadura, arrancava dentes, então, o sábado era o dia de maior movimento do consultório dele e ele podia até nos ajudar financeiramente, ajudar um pouco. Dava o equivalente a uns vinte reais por filho. Que já era dinheiro pra caramba. Mas eu tinha vergonha, e não pedia dinheiro para ele. Eu ia no cinema com o meu dinheiro, que entregava o jornal, que tirava palmito, que tirava maracujá, que pescava, era dessas atividades. E estudava também. Eu era, que eu lembro, era o único aluno da escola, do grupo lá do Ginásio, que frequentava a biblioteca da cidade. Ninguém mais frequentava. Isso eu me lembro muito bem também.

Como preparava as cruzadas?

Eu fazia, olha só. A primeira coisa que você tem que fazer em primeiro lugar. Você prepara o modelo que você quer, que é o quadriculado ali. Depois você fica, à lápis, bolando palavras pra dar o cruzamento, vertical e horizontal. Depois que você bolava as palavras e botava, encaixava, daí você ia, eu ia no dicionário e tinha palavra difícil, por exemplo, que eu não sabia o significado, e buscava um sinônimo. Eu ia ao dicionário, pegava o sinônimo mais adequado e botava embaixo. Número um. Uma palavra qualquer, tá certo? Produto do cafezal. Café. Botava uma coisa assim. Aí botava e mandava. E mandava prontinha para o jornal O Estado de S.Paulo. E O Estado de S.Paulo publicava.

Eu estou com uma aqui na mão. O diagrama era copiava na mão ou já tinha um molde?

Não... não... não, não. Eu bolava. O diagrama você bolava. Tinha que ser uma figura geométrica. Tá certo? E a gente bolava isso daí e mandava. Não tinha, não tinha mistério. Logicamente, quanto mais você faz um diagrama para menos palavras, o tamanho é o mesmo. Mas de acordo com a fonte, para as palavras curtas é mais fácil. O problema do jornal O Estado de S.Paulo, de certa forma, é que é diferente. Você pega hoje em dia uma palavra-cruzada qualquer de revista na rua, ali, não tem uma forma geométrica. Então, é fácil você fazer palavras cruzadas. Até bolar, é muito fácil, tá certo? E naquele tempo não. E não tinha, naquele tempo também, não lembro direito, mas, tinha umas regras. Você não podia botar, por exemplo, botar abreviatura de nome de pessoa que você bota hoje.

Tem uma advertência ao senhor na seção de cruzadas no jornal por ter proposto uma resposta com três iniciais de uma pessoa desconhecida. [veja]

Eu lembro que tinha algumas regras. Não é como hoje em dia tão aberto como os coquetéis por aí.

Fazia em papel sulfite ou folha de caderno?

Não. Deixa eu ver aqui. Era folha de caderno. Se eu não me engano, era folha de caderno. Não tinha esse papel A4 que você compra hoje em dia, A4, era no caderno mesmo. E eu aproveitava. Porque as linhas do caderno eram mais ou menos 7 milímetros na horizontal e eu também fazia 0,7 na vertical para ficar um quadrado, um quadrado... um quadrado é perfeito. Um quadrado.

As primeiras palavras cruzadas foram publicadas em 1971, quando tinha 16 anos. Já estava se preparando para a carreira militar?

Já, já tava. O Lamarca passou na minha cidade em 1970. Quando eu conheci o Exército. E um militar me deu um documento, um papel chamado ICAM, Instrução de Concurso, Admissão e Matrícula. E, então, naquele ICAM, tinha ali, algumas matérias. E, eu comecei a me interessar mais por isso tudo aí, porque eu queria passar no concurso para a escola de cadetes do Exército. Também digo que o Português, o fato de você fazer palavras-cruzadas, né, ajuda, e muito no seu raciocínio, no desenvolvimento, na sua bagagem cultural.

E como eu disse à você, eu tinha dificuldade em Português, e em Eletricidade. Também fiz o IUB, o Instituto Universal Brasileiro por correspondência de Eletricidade. Você quando fazia essas provinhas, esse concurso, eu lembro, tinham poucas pessoas que faziam em Eldorado, minha cidade, e chegavam as provas para você. Chegavam as provas de Português. A gente fazia as provas e mandava de volta para São Paulo. Sem colar! Então, de vez em quando, tirava uns oito e meio, nove, não tirava dez. Então a gente firma a responsabilidade de não colar na sua via do Instituto Universal Brasileiro.

Uma exigência pessoal?

Até porque, pode ver. Tanto na escola preparatória de cadetes quanto na Academia Militar de Resende, o aluno que cola, que for flagradao colando, ele é desligado. Eu não tive essa preocupação, porque eu nunca colei na minha vida. Então, nunca tive essa preocupação.

Em 1971 estava em que série?

Em 1971 eu estava cursando… é... chamava de Científico, naquela época, né? Tinha o Grupo , por 4 anos, Ginásio, 4 anos, e Científico, 3 anos. Era assim.... e depois ia para o Curso superior, era assim o ensino naquela época. É … eu estava no Científico quando comecei, quando comecei a escrever para O Estado de S.Paulo.

Se formou no Científico em 1971 ou 1972 ?

Deixa eu ver aqui. Deixa eu pegar... 72, 72 eu concluí o Científico. Em 72, eu concluí o Científico. No final do Científico eu prestei concurso para a Escola Preparatória dos Cadetes do Exército, e fui aprovado. Mas o que acontece... eu tinha um desconhecimento. Eu tinha que ter prestado concurso para a Academia Militar das Agulhas Negras. Então, eu passei, cheguei na Escola Preparatória dos Cadetes do Exército e tive que repetir o primeiro ano. Então no final do primeiro ano da escola preparatória de Cadetes do Exército, lá eu prestei concurso para a Academia em Resende, e fui aprovado.

1972 foi o ano que você mais produziu, foram 9 palavras cruzadas publicadas naquele ano, e mais algumas no comecinho de 73. Emplacou em média uma por mês.

Eu já estava em Campinas em 73.

Em 1974 não tem nenhuma. Aí em 1975 tem uma só.

Veja a data que foi, que mês foi?

Foi em 25 de março de 1975.

É, quando eu voltei de Resende, quer dizer, alguma coisa aconteceu.

E aí, em 76, você consegue emplacar 5 palavras-cruzadas.

Em 76, eu estava no 3º ano da Academia em Resende. Agora você falou as datas, mas eu não estou lembrando dessas datas Eu não sei qual foi meu motivo em 76. Devo ter me inspirado ali. Não sei. Não sei como eu arranjei folga para fazer isso daí, porque você demora, às vezes você demora aí umas 5 horas para fazer uma palavra-cruzada. (risos)

Cinco horas?

Para você ver como é complicado, tem que dar um fecho. No começo é fácil, duro é lá embaixo, quando tem que fechar no canto qualquer. Você tem que pesquisar para encontrar uma palavra que caiba naquele fecho ali.

Quando pesquisava, usava só dicionário ou tinha outras fontes também?

Dicionário, de papel. Porque não existia internet lá nesse tempo, não, tá? Era apenas o dicionário. Tinha um dicionário pretão, eu lembro, parecia uma Bíblia, bem altona que eu tinha, né? E era todo marcado, todo judiado. E tinha meu dicionário particular, que eu escrevia as palavras pequenas, fazia fichamento, e depois eu ia aprendendo. Depois não precisava mais. Mas eu fazia o meu dicionário particular com a própria mão, com palavras pequenas, de até 5 letras, para colaborar no fechamento.

Tinha um caderno específico para isso?

Tinha, tinha. Eu fiz um caderno particular. Porque você procura uma palavra difícil, quatro letras, no dicionário, uma palavra difícil, e não dá para você decorar, guardar. Daí eu anotava do lado. Meu caderno tinha um índice de a a z. Então, quando eu procurava uma palavra com a letra L, eu ia no meu caderno na letra L, e encontrava rapidamente essa palavra. E podia encaixar no fechamento.

Um banco de dados próprio?

Tinha, tinha. Eu comecei a internet naquela época (risos)

Ainda existe alguma lembrança disso, algum papel guardado?

Não, não guardei, não guardei. O que eu lembro, que uma vez chegou em casa pelo reembolso, uns oito livros. Deixa ver se eu lembro o nome dele aqui. Era de um escritor do interior de São Paulo, e eu havia botado nas palavras-cruzadas o nome desse escritor. Autor do livro tal, ou o contrário, eu dava o nome dele e entrava o nome do livro, era “Açaí”. O nome do livro era “Açaí”. E esse escritor, por coincidência, correu atrás, deve ter ligado para vocês em São Paulo, deram o endereço, ele me mandou pelo reembolso um montão de livros de autoria dele, tendo em vista eu ter lembrado dele numa palavra cruzada.

Ainda faz palavras cruzadas?

Bolsonaro: Não, não, nem no avião. Quando eu tô no avião eu tô lendo alguma coisa do nosso interesse. Não dá mais tempo, não tenho mais tempo. Faz muito tempo que eu não tenho oportunidade de fazer palavras-cruzadas. É coisa rara. Se já fiz no avião, foi uma ou duas vezes, por ano.

Aí faz com aquelas revistinhas?

Bolsonaro: Não, não, não. No jornal que está na minha frente. Há muito tempo que eu não compro um passatempo, como que chama? O "Coquetel".

> GALERIA: Palavras cruzadas do jovem Jair Bolsonaro

> Palavras cruzadas de Jair Bolsonaro

Estadão - 2 de março de 1973

Palavras cruzadas do jovem Jair Bolsonaro

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Palavras Cruzadas de Jair Bolsonaro

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Estadão - 30 de setembro de 1971

Página de 30/9/1971 com palavras cruzadas enviadas por Jair Bolsonaro. Foto: Acervo Estadão

Estadão - 11 de novembro de 2018

Versão impressa da reportagem e entrevista sobre as palavras cruzadas enviadas por Jair Bolsonaro ao jornal quando era jovem publicada na página A-12 da edição SP do jornal O Estado de S. Paulo [Estadão] de 11 de novembro de 2018.  Foto: Acervo Estadão

> Linha do tempo Acervo Estadão

ACERVO ESTADÃO

Jair Bolsonaro teve 21 palavras cruzadas de sua autoria publicadas no Estadão entre 1971 e 1976. Veja todas e leia a entrevista: "Eu tinha dificuldade em Português".  Foto: Acervo Estadão

Manhã de sexta-feira. Pouco depois do café da manhã e das primeiras conversas com assessores em sua casa no Rio de Janeiro, Jair Bolsonaro atende o telefone passado a ele às 8h38 para conversar com o Acervo Estadão. Solícito e bem humorado, o presidente eleito relembrou como fazia e enviava os problemas para serem publicados na seção de palavras cruzadas do Estadão, alimentada por materiais enviados pelos leitores do jornal.

De cara, revelou que um dos motivos para fazer palavras cruzadas foi melhorar o Português, matéria na qual tinha dificuldade na escola. Com o tempo, se aperfeiçoou, gostou da coisa e tornou-se um especialista, ao ponto de criar um dicionário próprio, emplacando 21 problemas de palavras cruzadas publicadas no jornal de 1971, quando tinha 16 anos, a 1976, já adulto e na academia militar. Leia a íntegra da entrevista:

Como o senhor começou a fazer palavras cruzadas?

Jair Bolsonaro: “Bem, eu sempre gostei de estudar. E tinha dificuldade em Português. Então, o primeiro passo, foi fazer o Instituto Universal Brasileiro por correspondência, de Português. E eu entregava também o jornal O Estado de S.Paulo em Eldorado Paulista. Se eu me lembro, eram 32 exemplares que chegavam uma da tarde, todo dia, exceto segunda-feira, se não me engano, segunda-feira não tinha jornal. E sempre eu lia os jornais, né? Bastante. E era muito interessado sobre a guerrilha de Angola, lembro muito bem disso. E a parte de esportes e entretenimento. Em entretenimento eu vi as palavras cruzadas e comecei a fazer, já com conhecimento de português melhorando e resolvi, então, ser colaborador.

Que que eu fazia? Eu fazia os quadradinhos, que já tinha seus modelos, com as formas geométricas definidas e preenchia obviamente, né? E botava embaixo o significado da palavra, botava embaixo, lá, a descrição da palavra que dava aquele sinônimo. E mandava por carta, botava no correio. E o Correio que mandava para São Paulo. E, depois, em geralmente, em média, 15 dias, era publicado. E quando era publicado, eu era... sem ver... eu sempre vivia na ansiedade lá em Eldorado, de ser publicado. E, então, quando era publicado eu demorava mais para entregar o jornal. Eu levava umas três horas para entregar. Porque eu batia na porta de todo mundo e falava “olha na página tal tem matéria de Eldorado Paulista, aí, tá certo?” (risos)

Isso deu uma certa notoriedade para o senhor lá em Eldorado?

Ah, deu. Em Eldorado, deu notoriedade, sim. A cidade ainda hoje em dia continua pequena, não cresceu, até diminuiu um pouquinho o tamanho lá. Deve ter na cidade toda, na parte urbana, ali, uns dois mil, dois mil e quinhentos habitantes, está certo? Agora, independente disso, todo mundo era conhecido, você sabia quem era todo mundo lá. Pelo fato de eu entregar o jornal, entregava de bicicleta, inclusive, eu era mais conhecido ainda. E o pessoal, às vezes reclamava “Olha, o jornal atrasou”. E eu: “Se atrasou foi o ônibus, não fui eu, pô!” (risos)

Entregava só o Estadão ou chegavam outros jornais lá também?

Não, não. Era único jornal que eu lembro aqui, não tinha mais nenhum jornal lá, não. Mais nenhum. Era apenas O Estado de S.Paulo que chegava lá. Você pode ver pela quantidade de assinantes, é complicado de ter uma entrega de jornal lá. Eu recebia um dinheirinho, não lembro quanto é que era. Eu recebia um dinheirinho todo mês, em função disso, de uma pessoa lá, que agenciava O Estado de S.Paulo.

Do agente de assinaturas?

É de um agente. Eu entregava para ele. Não lembro quanto é que era. Mas era… me satisfazia o que eu recebia naquela época. Eu tinha outros empregos também. Eu pescava, eu tirava palmito no mato, eu tinha outras atividades lá, tá certo?

As palavras cruzadas eram um hobby. Tinha algum outro hobby além desse?

Não, não. Eu não gostava de pedir dinheiro para o meu pai. Meu pai era pobre, quer dizer, mas não era tão pobre assim. Era dentista prático. Geralmente aos sábados, meu pai tinha mais dinheiro no bolso. E tudo era... não tinha cheque... era tudo à vista. E ele fazia dentadura, arrancava dentes, então, o sábado era o dia de maior movimento do consultório dele e ele podia até nos ajudar financeiramente, ajudar um pouco. Dava o equivalente a uns vinte reais por filho. Que já era dinheiro pra caramba. Mas eu tinha vergonha, e não pedia dinheiro para ele. Eu ia no cinema com o meu dinheiro, que entregava o jornal, que tirava palmito, que tirava maracujá, que pescava, era dessas atividades. E estudava também. Eu era, que eu lembro, era o único aluno da escola, do grupo lá do Ginásio, que frequentava a biblioteca da cidade. Ninguém mais frequentava. Isso eu me lembro muito bem também.

Como preparava as cruzadas?

Eu fazia, olha só. A primeira coisa que você tem que fazer em primeiro lugar. Você prepara o modelo que você quer, que é o quadriculado ali. Depois você fica, à lápis, bolando palavras pra dar o cruzamento, vertical e horizontal. Depois que você bolava as palavras e botava, encaixava, daí você ia, eu ia no dicionário e tinha palavra difícil, por exemplo, que eu não sabia o significado, e buscava um sinônimo. Eu ia ao dicionário, pegava o sinônimo mais adequado e botava embaixo. Número um. Uma palavra qualquer, tá certo? Produto do cafezal. Café. Botava uma coisa assim. Aí botava e mandava. E mandava prontinha para o jornal O Estado de S.Paulo. E O Estado de S.Paulo publicava.

Eu estou com uma aqui na mão. O diagrama era copiava na mão ou já tinha um molde?

Não... não... não, não. Eu bolava. O diagrama você bolava. Tinha que ser uma figura geométrica. Tá certo? E a gente bolava isso daí e mandava. Não tinha, não tinha mistério. Logicamente, quanto mais você faz um diagrama para menos palavras, o tamanho é o mesmo. Mas de acordo com a fonte, para as palavras curtas é mais fácil. O problema do jornal O Estado de S.Paulo, de certa forma, é que é diferente. Você pega hoje em dia uma palavra-cruzada qualquer de revista na rua, ali, não tem uma forma geométrica. Então, é fácil você fazer palavras cruzadas. Até bolar, é muito fácil, tá certo? E naquele tempo não. E não tinha, naquele tempo também, não lembro direito, mas, tinha umas regras. Você não podia botar, por exemplo, botar abreviatura de nome de pessoa que você bota hoje.

Tem uma advertência ao senhor na seção de cruzadas no jornal por ter proposto uma resposta com três iniciais de uma pessoa desconhecida. [veja]

Eu lembro que tinha algumas regras. Não é como hoje em dia tão aberto como os coquetéis por aí.

Fazia em papel sulfite ou folha de caderno?

Não. Deixa eu ver aqui. Era folha de caderno. Se eu não me engano, era folha de caderno. Não tinha esse papel A4 que você compra hoje em dia, A4, era no caderno mesmo. E eu aproveitava. Porque as linhas do caderno eram mais ou menos 7 milímetros na horizontal e eu também fazia 0,7 na vertical para ficar um quadrado, um quadrado... um quadrado é perfeito. Um quadrado.

As primeiras palavras cruzadas foram publicadas em 1971, quando tinha 16 anos. Já estava se preparando para a carreira militar?

Já, já tava. O Lamarca passou na minha cidade em 1970. Quando eu conheci o Exército. E um militar me deu um documento, um papel chamado ICAM, Instrução de Concurso, Admissão e Matrícula. E, então, naquele ICAM, tinha ali, algumas matérias. E, eu comecei a me interessar mais por isso tudo aí, porque eu queria passar no concurso para a escola de cadetes do Exército. Também digo que o Português, o fato de você fazer palavras-cruzadas, né, ajuda, e muito no seu raciocínio, no desenvolvimento, na sua bagagem cultural.

E como eu disse à você, eu tinha dificuldade em Português, e em Eletricidade. Também fiz o IUB, o Instituto Universal Brasileiro por correspondência de Eletricidade. Você quando fazia essas provinhas, esse concurso, eu lembro, tinham poucas pessoas que faziam em Eldorado, minha cidade, e chegavam as provas para você. Chegavam as provas de Português. A gente fazia as provas e mandava de volta para São Paulo. Sem colar! Então, de vez em quando, tirava uns oito e meio, nove, não tirava dez. Então a gente firma a responsabilidade de não colar na sua via do Instituto Universal Brasileiro.

Uma exigência pessoal?

Até porque, pode ver. Tanto na escola preparatória de cadetes quanto na Academia Militar de Resende, o aluno que cola, que for flagradao colando, ele é desligado. Eu não tive essa preocupação, porque eu nunca colei na minha vida. Então, nunca tive essa preocupação.

Em 1971 estava em que série?

Em 1971 eu estava cursando… é... chamava de Científico, naquela época, né? Tinha o Grupo , por 4 anos, Ginásio, 4 anos, e Científico, 3 anos. Era assim.... e depois ia para o Curso superior, era assim o ensino naquela época. É … eu estava no Científico quando comecei, quando comecei a escrever para O Estado de S.Paulo.

Se formou no Científico em 1971 ou 1972 ?

Deixa eu ver aqui. Deixa eu pegar... 72, 72 eu concluí o Científico. Em 72, eu concluí o Científico. No final do Científico eu prestei concurso para a Escola Preparatória dos Cadetes do Exército, e fui aprovado. Mas o que acontece... eu tinha um desconhecimento. Eu tinha que ter prestado concurso para a Academia Militar das Agulhas Negras. Então, eu passei, cheguei na Escola Preparatória dos Cadetes do Exército e tive que repetir o primeiro ano. Então no final do primeiro ano da escola preparatória de Cadetes do Exército, lá eu prestei concurso para a Academia em Resende, e fui aprovado.

1972 foi o ano que você mais produziu, foram 9 palavras cruzadas publicadas naquele ano, e mais algumas no comecinho de 73. Emplacou em média uma por mês.

Eu já estava em Campinas em 73.

Em 1974 não tem nenhuma. Aí em 1975 tem uma só.

Veja a data que foi, que mês foi?

Foi em 25 de março de 1975.

É, quando eu voltei de Resende, quer dizer, alguma coisa aconteceu.

E aí, em 76, você consegue emplacar 5 palavras-cruzadas.

Em 76, eu estava no 3º ano da Academia em Resende. Agora você falou as datas, mas eu não estou lembrando dessas datas Eu não sei qual foi meu motivo em 76. Devo ter me inspirado ali. Não sei. Não sei como eu arranjei folga para fazer isso daí, porque você demora, às vezes você demora aí umas 5 horas para fazer uma palavra-cruzada. (risos)

Cinco horas?

Para você ver como é complicado, tem que dar um fecho. No começo é fácil, duro é lá embaixo, quando tem que fechar no canto qualquer. Você tem que pesquisar para encontrar uma palavra que caiba naquele fecho ali.

Quando pesquisava, usava só dicionário ou tinha outras fontes também?

Dicionário, de papel. Porque não existia internet lá nesse tempo, não, tá? Era apenas o dicionário. Tinha um dicionário pretão, eu lembro, parecia uma Bíblia, bem altona que eu tinha, né? E era todo marcado, todo judiado. E tinha meu dicionário particular, que eu escrevia as palavras pequenas, fazia fichamento, e depois eu ia aprendendo. Depois não precisava mais. Mas eu fazia o meu dicionário particular com a própria mão, com palavras pequenas, de até 5 letras, para colaborar no fechamento.

Tinha um caderno específico para isso?

Tinha, tinha. Eu fiz um caderno particular. Porque você procura uma palavra difícil, quatro letras, no dicionário, uma palavra difícil, e não dá para você decorar, guardar. Daí eu anotava do lado. Meu caderno tinha um índice de a a z. Então, quando eu procurava uma palavra com a letra L, eu ia no meu caderno na letra L, e encontrava rapidamente essa palavra. E podia encaixar no fechamento.

Um banco de dados próprio?

Tinha, tinha. Eu comecei a internet naquela época (risos)

Ainda existe alguma lembrança disso, algum papel guardado?

Não, não guardei, não guardei. O que eu lembro, que uma vez chegou em casa pelo reembolso, uns oito livros. Deixa ver se eu lembro o nome dele aqui. Era de um escritor do interior de São Paulo, e eu havia botado nas palavras-cruzadas o nome desse escritor. Autor do livro tal, ou o contrário, eu dava o nome dele e entrava o nome do livro, era “Açaí”. O nome do livro era “Açaí”. E esse escritor, por coincidência, correu atrás, deve ter ligado para vocês em São Paulo, deram o endereço, ele me mandou pelo reembolso um montão de livros de autoria dele, tendo em vista eu ter lembrado dele numa palavra cruzada.

Ainda faz palavras cruzadas?

Bolsonaro: Não, não, nem no avião. Quando eu tô no avião eu tô lendo alguma coisa do nosso interesse. Não dá mais tempo, não tenho mais tempo. Faz muito tempo que eu não tenho oportunidade de fazer palavras-cruzadas. É coisa rara. Se já fiz no avião, foi uma ou duas vezes, por ano.

Aí faz com aquelas revistinhas?

Bolsonaro: Não, não, não. No jornal que está na minha frente. Há muito tempo que eu não compro um passatempo, como que chama? O "Coquetel".

> GALERIA: Palavras cruzadas do jovem Jair Bolsonaro

> Palavras cruzadas de Jair Bolsonaro

Estadão - 2 de março de 1973

Palavras cruzadas do jovem Jair Bolsonaro

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Palavras Cruzadas de Jair Bolsonaro

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Estadão - 30 de setembro de 1971

Página de 30/9/1971 com palavras cruzadas enviadas por Jair Bolsonaro. Foto: Acervo Estadão

Estadão - 11 de novembro de 2018

Versão impressa da reportagem e entrevista sobre as palavras cruzadas enviadas por Jair Bolsonaro ao jornal quando era jovem publicada na página A-12 da edição SP do jornal O Estado de S. Paulo [Estadão] de 11 de novembro de 2018.  Foto: Acervo Estadão

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ACERVO ESTADÃO

Jair Bolsonaro teve 21 palavras cruzadas de sua autoria publicadas no Estadão entre 1971 e 1976. Veja todas e leia a entrevista: "Eu tinha dificuldade em Português".  Foto: Acervo Estadão

Manhã de sexta-feira. Pouco depois do café da manhã e das primeiras conversas com assessores em sua casa no Rio de Janeiro, Jair Bolsonaro atende o telefone passado a ele às 8h38 para conversar com o Acervo Estadão. Solícito e bem humorado, o presidente eleito relembrou como fazia e enviava os problemas para serem publicados na seção de palavras cruzadas do Estadão, alimentada por materiais enviados pelos leitores do jornal.

De cara, revelou que um dos motivos para fazer palavras cruzadas foi melhorar o Português, matéria na qual tinha dificuldade na escola. Com o tempo, se aperfeiçoou, gostou da coisa e tornou-se um especialista, ao ponto de criar um dicionário próprio, emplacando 21 problemas de palavras cruzadas publicadas no jornal de 1971, quando tinha 16 anos, a 1976, já adulto e na academia militar. Leia a íntegra da entrevista:

Como o senhor começou a fazer palavras cruzadas?

Jair Bolsonaro: “Bem, eu sempre gostei de estudar. E tinha dificuldade em Português. Então, o primeiro passo, foi fazer o Instituto Universal Brasileiro por correspondência, de Português. E eu entregava também o jornal O Estado de S.Paulo em Eldorado Paulista. Se eu me lembro, eram 32 exemplares que chegavam uma da tarde, todo dia, exceto segunda-feira, se não me engano, segunda-feira não tinha jornal. E sempre eu lia os jornais, né? Bastante. E era muito interessado sobre a guerrilha de Angola, lembro muito bem disso. E a parte de esportes e entretenimento. Em entretenimento eu vi as palavras cruzadas e comecei a fazer, já com conhecimento de português melhorando e resolvi, então, ser colaborador.

Que que eu fazia? Eu fazia os quadradinhos, que já tinha seus modelos, com as formas geométricas definidas e preenchia obviamente, né? E botava embaixo o significado da palavra, botava embaixo, lá, a descrição da palavra que dava aquele sinônimo. E mandava por carta, botava no correio. E o Correio que mandava para São Paulo. E, depois, em geralmente, em média, 15 dias, era publicado. E quando era publicado, eu era... sem ver... eu sempre vivia na ansiedade lá em Eldorado, de ser publicado. E, então, quando era publicado eu demorava mais para entregar o jornal. Eu levava umas três horas para entregar. Porque eu batia na porta de todo mundo e falava “olha na página tal tem matéria de Eldorado Paulista, aí, tá certo?” (risos)

Isso deu uma certa notoriedade para o senhor lá em Eldorado?

Ah, deu. Em Eldorado, deu notoriedade, sim. A cidade ainda hoje em dia continua pequena, não cresceu, até diminuiu um pouquinho o tamanho lá. Deve ter na cidade toda, na parte urbana, ali, uns dois mil, dois mil e quinhentos habitantes, está certo? Agora, independente disso, todo mundo era conhecido, você sabia quem era todo mundo lá. Pelo fato de eu entregar o jornal, entregava de bicicleta, inclusive, eu era mais conhecido ainda. E o pessoal, às vezes reclamava “Olha, o jornal atrasou”. E eu: “Se atrasou foi o ônibus, não fui eu, pô!” (risos)

Entregava só o Estadão ou chegavam outros jornais lá também?

Não, não. Era único jornal que eu lembro aqui, não tinha mais nenhum jornal lá, não. Mais nenhum. Era apenas O Estado de S.Paulo que chegava lá. Você pode ver pela quantidade de assinantes, é complicado de ter uma entrega de jornal lá. Eu recebia um dinheirinho, não lembro quanto é que era. Eu recebia um dinheirinho todo mês, em função disso, de uma pessoa lá, que agenciava O Estado de S.Paulo.

Do agente de assinaturas?

É de um agente. Eu entregava para ele. Não lembro quanto é que era. Mas era… me satisfazia o que eu recebia naquela época. Eu tinha outros empregos também. Eu pescava, eu tirava palmito no mato, eu tinha outras atividades lá, tá certo?

As palavras cruzadas eram um hobby. Tinha algum outro hobby além desse?

Não, não. Eu não gostava de pedir dinheiro para o meu pai. Meu pai era pobre, quer dizer, mas não era tão pobre assim. Era dentista prático. Geralmente aos sábados, meu pai tinha mais dinheiro no bolso. E tudo era... não tinha cheque... era tudo à vista. E ele fazia dentadura, arrancava dentes, então, o sábado era o dia de maior movimento do consultório dele e ele podia até nos ajudar financeiramente, ajudar um pouco. Dava o equivalente a uns vinte reais por filho. Que já era dinheiro pra caramba. Mas eu tinha vergonha, e não pedia dinheiro para ele. Eu ia no cinema com o meu dinheiro, que entregava o jornal, que tirava palmito, que tirava maracujá, que pescava, era dessas atividades. E estudava também. Eu era, que eu lembro, era o único aluno da escola, do grupo lá do Ginásio, que frequentava a biblioteca da cidade. Ninguém mais frequentava. Isso eu me lembro muito bem também.

Como preparava as cruzadas?

Eu fazia, olha só. A primeira coisa que você tem que fazer em primeiro lugar. Você prepara o modelo que você quer, que é o quadriculado ali. Depois você fica, à lápis, bolando palavras pra dar o cruzamento, vertical e horizontal. Depois que você bolava as palavras e botava, encaixava, daí você ia, eu ia no dicionário e tinha palavra difícil, por exemplo, que eu não sabia o significado, e buscava um sinônimo. Eu ia ao dicionário, pegava o sinônimo mais adequado e botava embaixo. Número um. Uma palavra qualquer, tá certo? Produto do cafezal. Café. Botava uma coisa assim. Aí botava e mandava. E mandava prontinha para o jornal O Estado de S.Paulo. E O Estado de S.Paulo publicava.

Eu estou com uma aqui na mão. O diagrama era copiava na mão ou já tinha um molde?

Não... não... não, não. Eu bolava. O diagrama você bolava. Tinha que ser uma figura geométrica. Tá certo? E a gente bolava isso daí e mandava. Não tinha, não tinha mistério. Logicamente, quanto mais você faz um diagrama para menos palavras, o tamanho é o mesmo. Mas de acordo com a fonte, para as palavras curtas é mais fácil. O problema do jornal O Estado de S.Paulo, de certa forma, é que é diferente. Você pega hoje em dia uma palavra-cruzada qualquer de revista na rua, ali, não tem uma forma geométrica. Então, é fácil você fazer palavras cruzadas. Até bolar, é muito fácil, tá certo? E naquele tempo não. E não tinha, naquele tempo também, não lembro direito, mas, tinha umas regras. Você não podia botar, por exemplo, botar abreviatura de nome de pessoa que você bota hoje.

Tem uma advertência ao senhor na seção de cruzadas no jornal por ter proposto uma resposta com três iniciais de uma pessoa desconhecida. [veja]

Eu lembro que tinha algumas regras. Não é como hoje em dia tão aberto como os coquetéis por aí.

Fazia em papel sulfite ou folha de caderno?

Não. Deixa eu ver aqui. Era folha de caderno. Se eu não me engano, era folha de caderno. Não tinha esse papel A4 que você compra hoje em dia, A4, era no caderno mesmo. E eu aproveitava. Porque as linhas do caderno eram mais ou menos 7 milímetros na horizontal e eu também fazia 0,7 na vertical para ficar um quadrado, um quadrado... um quadrado é perfeito. Um quadrado.

As primeiras palavras cruzadas foram publicadas em 1971, quando tinha 16 anos. Já estava se preparando para a carreira militar?

Já, já tava. O Lamarca passou na minha cidade em 1970. Quando eu conheci o Exército. E um militar me deu um documento, um papel chamado ICAM, Instrução de Concurso, Admissão e Matrícula. E, então, naquele ICAM, tinha ali, algumas matérias. E, eu comecei a me interessar mais por isso tudo aí, porque eu queria passar no concurso para a escola de cadetes do Exército. Também digo que o Português, o fato de você fazer palavras-cruzadas, né, ajuda, e muito no seu raciocínio, no desenvolvimento, na sua bagagem cultural.

E como eu disse à você, eu tinha dificuldade em Português, e em Eletricidade. Também fiz o IUB, o Instituto Universal Brasileiro por correspondência de Eletricidade. Você quando fazia essas provinhas, esse concurso, eu lembro, tinham poucas pessoas que faziam em Eldorado, minha cidade, e chegavam as provas para você. Chegavam as provas de Português. A gente fazia as provas e mandava de volta para São Paulo. Sem colar! Então, de vez em quando, tirava uns oito e meio, nove, não tirava dez. Então a gente firma a responsabilidade de não colar na sua via do Instituto Universal Brasileiro.

Uma exigência pessoal?

Até porque, pode ver. Tanto na escola preparatória de cadetes quanto na Academia Militar de Resende, o aluno que cola, que for flagradao colando, ele é desligado. Eu não tive essa preocupação, porque eu nunca colei na minha vida. Então, nunca tive essa preocupação.

Em 1971 estava em que série?

Em 1971 eu estava cursando… é... chamava de Científico, naquela época, né? Tinha o Grupo , por 4 anos, Ginásio, 4 anos, e Científico, 3 anos. Era assim.... e depois ia para o Curso superior, era assim o ensino naquela época. É … eu estava no Científico quando comecei, quando comecei a escrever para O Estado de S.Paulo.

Se formou no Científico em 1971 ou 1972 ?

Deixa eu ver aqui. Deixa eu pegar... 72, 72 eu concluí o Científico. Em 72, eu concluí o Científico. No final do Científico eu prestei concurso para a Escola Preparatória dos Cadetes do Exército, e fui aprovado. Mas o que acontece... eu tinha um desconhecimento. Eu tinha que ter prestado concurso para a Academia Militar das Agulhas Negras. Então, eu passei, cheguei na Escola Preparatória dos Cadetes do Exército e tive que repetir o primeiro ano. Então no final do primeiro ano da escola preparatória de Cadetes do Exército, lá eu prestei concurso para a Academia em Resende, e fui aprovado.

1972 foi o ano que você mais produziu, foram 9 palavras cruzadas publicadas naquele ano, e mais algumas no comecinho de 73. Emplacou em média uma por mês.

Eu já estava em Campinas em 73.

Em 1974 não tem nenhuma. Aí em 1975 tem uma só.

Veja a data que foi, que mês foi?

Foi em 25 de março de 1975.

É, quando eu voltei de Resende, quer dizer, alguma coisa aconteceu.

E aí, em 76, você consegue emplacar 5 palavras-cruzadas.

Em 76, eu estava no 3º ano da Academia em Resende. Agora você falou as datas, mas eu não estou lembrando dessas datas Eu não sei qual foi meu motivo em 76. Devo ter me inspirado ali. Não sei. Não sei como eu arranjei folga para fazer isso daí, porque você demora, às vezes você demora aí umas 5 horas para fazer uma palavra-cruzada. (risos)

Cinco horas?

Para você ver como é complicado, tem que dar um fecho. No começo é fácil, duro é lá embaixo, quando tem que fechar no canto qualquer. Você tem que pesquisar para encontrar uma palavra que caiba naquele fecho ali.

Quando pesquisava, usava só dicionário ou tinha outras fontes também?

Dicionário, de papel. Porque não existia internet lá nesse tempo, não, tá? Era apenas o dicionário. Tinha um dicionário pretão, eu lembro, parecia uma Bíblia, bem altona que eu tinha, né? E era todo marcado, todo judiado. E tinha meu dicionário particular, que eu escrevia as palavras pequenas, fazia fichamento, e depois eu ia aprendendo. Depois não precisava mais. Mas eu fazia o meu dicionário particular com a própria mão, com palavras pequenas, de até 5 letras, para colaborar no fechamento.

Tinha um caderno específico para isso?

Tinha, tinha. Eu fiz um caderno particular. Porque você procura uma palavra difícil, quatro letras, no dicionário, uma palavra difícil, e não dá para você decorar, guardar. Daí eu anotava do lado. Meu caderno tinha um índice de a a z. Então, quando eu procurava uma palavra com a letra L, eu ia no meu caderno na letra L, e encontrava rapidamente essa palavra. E podia encaixar no fechamento.

Um banco de dados próprio?

Tinha, tinha. Eu comecei a internet naquela época (risos)

Ainda existe alguma lembrança disso, algum papel guardado?

Não, não guardei, não guardei. O que eu lembro, que uma vez chegou em casa pelo reembolso, uns oito livros. Deixa ver se eu lembro o nome dele aqui. Era de um escritor do interior de São Paulo, e eu havia botado nas palavras-cruzadas o nome desse escritor. Autor do livro tal, ou o contrário, eu dava o nome dele e entrava o nome do livro, era “Açaí”. O nome do livro era “Açaí”. E esse escritor, por coincidência, correu atrás, deve ter ligado para vocês em São Paulo, deram o endereço, ele me mandou pelo reembolso um montão de livros de autoria dele, tendo em vista eu ter lembrado dele numa palavra cruzada.

Ainda faz palavras cruzadas?

Bolsonaro: Não, não, nem no avião. Quando eu tô no avião eu tô lendo alguma coisa do nosso interesse. Não dá mais tempo, não tenho mais tempo. Faz muito tempo que eu não tenho oportunidade de fazer palavras-cruzadas. É coisa rara. Se já fiz no avião, foi uma ou duas vezes, por ano.

Aí faz com aquelas revistinhas?

Bolsonaro: Não, não, não. No jornal que está na minha frente. Há muito tempo que eu não compro um passatempo, como que chama? O "Coquetel".

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Estadão - 2 de março de 1973

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Página de 30/9/1971 com palavras cruzadas enviadas por Jair Bolsonaro. Foto: Acervo Estadão

Estadão - 11 de novembro de 2018

Versão impressa da reportagem e entrevista sobre as palavras cruzadas enviadas por Jair Bolsonaro ao jornal quando era jovem publicada na página A-12 da edição SP do jornal O Estado de S. Paulo [Estadão] de 11 de novembro de 2018.  Foto: Acervo Estadão

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