A PEC do voto impresso será decidida pelos deputados através de voto eletrônico. O sistema de votação eletrônica - agora digital - da Câmara funciona com certa regularidade desde os anos 1980, mas já estava pronto desde o começo da década anterior. Muito antes da implantação da urna eletrônica nas eleições brasileiras, quando informática, computação ou qualquer ideia de tecnologia digital estavam bem distante do dia a dia da população, e até mesmo de empresas, a Câmara dos Deputados já contava com a tecnologia de um sistema eletrônico de votação no plenário. Previsto desde 1971 e instalado em 1972, seu uso, porém, foi postergado por anos a espera de uma mudança de regimento que permitiria sua utilização. Somente a partir da década seguinte passaria a ser plenamente usado para computar os votos dos deputados federais.
A ideia de um sistema que agilizasse e desse mais segurança às votações dos parlamentares, além de ser um registro de presença dos cabuladores de sessões que não comparecem ao plenário - começou em 1971, na gestão do deputado Pereira Lopes (Arena) na presidência da casa. Segundo ele, que vinha da iniciativa privada e tentava de alguma forma modernizar a Câmara pelo menos administrativamente - já que politicamente a casa era submissa ao governo da vez da ditadura militar - não havia sentido em perder de 30 a 40 minutos somente para a chamada nominal dos presentes.
Em março do ano seguinte, o novo plenário foi inaugurado já com espaço para o novo sistema que estava em estudo. Na edição de 24 de março de 1972, o Estadão informava na nota "Deputado marcará o ponto", que o início do funcionamento do sistema era previsto para setembro. "Desaparecerá então o "apontador de presenças", personagem muito cortejada na Câmara, mas também muito detestada".
Em 29 de outubro, o Estadão noticiava com destaque na página 5 que naquele dia começava a fase final da instalação dos equipamentos na casa legislativa. Com o título "Cibernética chega à Câmara" e uma foto do dispositivo de votação na bancada dos deputados, a reportagem detalhava o funcionamento do novo sistema.
"É a era da cibernética que chega à Câmara dos Deputados, com a instalação de um computador eletrônico destinado a apurar os resultados da votação em cinco segundos, o que, atualemente, conforme o tipo de votação, pode consumir 30, ou mais minutos, com todas as vantagens, inclusive eventuais erros ou omissões. Quando o computador AEG chegar à Brasília amanhã, procedente da Alemanha, de onde foi embarcado por via aérea sexta-feira última, toda a infra-estrutura para os eu funcionamento estará praticamente concluída, restando apenas os pormenores de ligações e interligações com as bancadas e os paineis luminosos registradores no plenário e com uma especie de central destinada a assinalar através de um cartão especial perfurado, a presença do parlamentar na Casa.
Para votar, durante a ordem do dia, bastará ao deputado levantar a tampa de uma pequena caixa de duralumínio embutida em sua bancada e, depois de assinalar o seu número, comprimir um dos três botões, conforme o seu voto: "Sim", "abstenção" ou "não". Com a outra mão comprimirá um segundo botão, fora da caixinha, para fechar o circuito e ligar sua bancada com o computador. A utilização de ambas as mãos para acionar o dispositivo eletrônico impede, desde logo, qualquer tentativa de fraude, como por exemplo o voto duplo."
Regimento interno - Apesar de todo o investimento, dos testes e do treinamento dos parlamentares, um ano depois, o sistema eletrônico de votação ainda não era usado, pois precisava de uma mudança no regimento interno da Câmara. Pereira Lopes terminou seu mandato na presidência da Casa sem conseguir alterar as regras da casa. Sob alegação de que o voto eletrônico acabaria com o direito do líder votar pela bancada, as lideranças do governo resistiram ao voto eletrônico e empurraram com a barriga a alteração do regimento da casa mesmo com o esforço do novo presidente da Câmara, Flavio Marcilio. O sistema previa essa modalidade de voto, mas mesmo assim exigia a presença dos deputados no plenário ao menos na hora das votações, a verdadeira barreira que fez com o que o sistema não vingasse.
Na edição de 21 de outubro de 1973, numa reportagem que mostrava uma Câmara dos Deputados "frágil e passiva", o subtitulo "Um painel iluminado" resumia o destino do sistema eletrônico de votação. "Nem mesmo o sistema eletrônico de votação foi aproveitado, transformando-se num mero painel iluminado com os nomes dos deputados figurando nas duas paredes laterais do plenário" As alterações do Regimento Interno permitrão o seu uso e, mais que isso, talvez acabem em definitivo com um dos maois melancólicos espetáculos que a Câmara dos Deputados consegue oferecer na maioria das tardes de Brasília: o plenário vazio, com cinco ou seis deputados sentados no plenário e apenas aparentemente acompanhando os pronunciamentos das tribunas.
Em 1975, até mesmo deputados governistas da Arena que formavam uma ala renovadora do partido após a derrota nas eleições do ano anterior, elaboraram um documento que, entre outras coisas, exigia a imediata utilização do sistema eletrônico de votação. então ocioso há três anos.
Pacote da abril - A esperada homolagação do sistema eletrônico viria com o famoso pacote de abril de 1977, mas o caro sistema seria usado poquíssimas vezes, pois ficaria obsoleto em breve com o aumento do número de parlamentares.
A década virou, os anos 80 chegaram com novos ares, mas o sistema continua ocioso. Em 17 de abril de 1981, a reportagem "Volta voto eletrônico na Câmara" noticiava uma nova tentativa de colocar o sistema em funcionamento. Desta vez, quase dez anos depois de suas instalação, as dificuldades eram técnicas, para atualização do sistema ocioso, que precisava de up-grade para comportar um número maior de parlamentares, ampliado de 310 para 420 deputados desde o pacote de abril de 1977 na legislatura que começou em 1979.
"O sofisticado sistema de votação eletrônica da Câmara dos Deputados está pronto novamente para ser utilizado, depois da demorada readaptação que duplicou o número de sinais de sua "memória" e o deixou em condições de atender à ampliação do número de deputados estabelecida pelo "pacote de abril" - mas alguns dos próprios dirigentes da casa vêem com ceticismo a possibilidade d colocá-la em funcionamento. Parece que continuará na ociosidade em que se encontra há quase oito anos.
O sistema foi utilizado poucas vezes, desde que o então presidente da Câmara, ex-deputado Pereira Lopes mandou instalá-lo, em 1973. Nem os cinco funcionários que o operam sabem informar com precisão quantas oportunidades isso aconteceu, "poucas", "raras", respondem. O número pode ir, talvez, de cinco a dez."
Ar condicionado - A empresa alemã AEG-Telefunken, a mesma que implantou o sistema no parlamento germânico em Bonn, foi chamada para trabalhar nos períodos de recesso do Congresso e concluiu a ampliação do sistema para até 500 terminais de votação. A Câmara testou os serviços, deu o seu "aceite", mas em seguida outro problema técnico surgiu: uma avaria no ar-condicionado não permitia que a sala de operações funcionasse na temperatura estabelecida, de 18 a 24 graus. Problema pequeno, que logo seria solucionado, diante de outro muito maior: a histórica resistência dos gazeteiros do planalto, como mostrava a reportagem.
"Enquanto não se se instalam os aparelhos de ar condicionado já solicitados, o sistema continuará na sua costumeira ociosidade - só sendo utilizado para registrar a "presença" dos deputados e mesmo assim sem contribuir com sua eficiência, porque os parlamentares se recusaram a registrar, eles próprios, sua presença, por meio de pequenos cartões individuais contendo seus respectivos códigos... A ociosidade do sistema de votação, porém, parece predestinada a continuar, pois aguns dos atuais dirigentes da Câmara consideram difícil reunir os deputados num determinado momento, sobretudo depois que o novo prédio onde estão localizados seus gabinetes os colocou mais distantes."
No ano seguinte, a utilização do sistema continuava em marcha lenta, como mostrou a reportagem "Marchezan procura facilitar votação eletrônica na Câmara", publicada em 24 de março de 1982. A nova tentativa do presidente da Câmara, Nelson Marchezan, instituia a fixação de horários para a votações, "medida que possibilitará a utilização do sistema de votação eletrônica em plenário, construído em 1972 e até hoje praticamente sem uso". "Desde essa data, o equipamento passou por sucesivas reformas, devido ao aumento do número de deputados. Sua manutenção é cara e exige a presença de um engenheiro eletrônico e vários técnicos de computação de dados, cujoj único trabalho até tem sido evitar a deterioração do equipamento.
Reestreia - Apesar da tentativa de Marchezan, demoraria ainda mais um ano para o sistema começar a ser utilizado nas votações. Na edição de 26 de agosto de 1983, uma pequena nota com o título "Votação eletrônica" informava como foi a reestreia do sistema, com o presidente da seesão esquecendo de votar e o deputado Mario Juruna votando errado.
"O presidente da sessão de ontem da Câmara, Paulino Cícero, esqueceu-se de votar - depois de passar 20 minutos lendo as instruções para os deputados - e o deputado Mario Juruna (PDT-RJ) pressionou a tecla errada - em vez de "sim" votou "não". Assim foi a reestreia ontem, depois de cerca de seis anos, do equipamento eletrônico de votação da Câmara. O sistema foi usado só uma vez ontem, porque não havia quorum em plenário para continuar as votações das matérias em pauta na ordem do dia.
A partir dali, o sistema passaria a se incorporarar à rotina da Câmara, com atualizações e melhorias. Mesmo assim, por algum tempo, seria alvo de desprezo e chacota de alguns parlamentares, que alegavam supostas falhas do sistema para tumultuar votações. Em 12 julho de 1985, o Estadão informava que a Câmara investia milhões de cruzeiros para instalar chaves de segurança no sistema para impedir ação dos "pianistas", como eram chamados os deputados que fraudavam votações, votando no lugar de colegas ausentes.
Em outubro daquele ano, outra notícia informava que alguns deputados pretendiam processar a empresa alemã por fornecer um equipamento que não funciona. Acompanhada de uma charge de Hilde, a notícia informava que a Câmara abandonou o sistema definitivamente, voltando ao antigo sistema de chamadas nominais.
Pianistas - Na Constituinte, o sistema voltaria a protagonizar cenas folclóricas entre os paralementares que nãos e habituavam ao sistema. Num teste de votação em 1987, o deputado Amaury Muller (PDT-RS) afirmou o sistema antipiano era humilhante. "Protesto contra essa necessidade de usar as duas mãos (a direita para usar o botão de votação, a esquerda para manter ligado o interruptor de energia). Isso é uma humilhação para quem está fazendo a nova Constitição do País. Porque no passado houve alguns casos dos chamados 'pianistas', a Mesa parte do pressuposto de que todos são desonestos até prova em contrário."
Em 1986, o sistema alemão foi atualizado e exaustivamente testadopor dois meses para ser usado nas votações da Contituinte, como informava a reportagem "Erro não é de painel eletrônico". Após contar como funcionava o ssistema em detalhes técnicos, o texto dizia que a "fraude só é possível se o parlamentar conhecer o número-código de outro constituinte, mas ainda assim somente poderá votar uma só vez, pois suas mãos estarão ocupadas na operação, que não poderá ser reptida a tempo de o painel registrar dois de uma mesma pessoa."
Como dizia a velha piada da área de tecnologia, o problema do sistema eletrônico de votação do plenário da Câmara é a pecinha que fica entre a cadeira e o teclado.
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