Em seus mais de três mil textos publicados em 35 anos na seção ‘Coisas da Cidade’, no Estadão, José Martins Pinheiro Junior abordou diversas vezes o tema barulho na cidade de São Paulo. As origens da poluição sonora são várias: os carros, as obras, o barulho dos rádios, o carnaval.
E nessa carta enviada por um leitor, publicada na sua coluna em 5 de junho de 1930, a origem do barulho que atrapalhava o sossego público são os sinos das igrejas, os estouros dos escapamentos das motocicletas e de uma serralheria nos fundos de um hospital.
Além de soar curioso, visto com os olhos de hoje, um morador reclamar dos sinos das igrejas que não davam trégua tocando à meia-noite e logo depois, às cinco da manhã, a carta publicada na coluna de ‘P.’, como ele assinava, vai de contra a nostalgia da existência de uma cidade sossegada e livre de problemas.
Além dos textos de ‘P.’ trazerem ao leitor de hoje detalhes do cotidiano pouco conhecidos atualmente, os textos do colunistas nos abrem uma nova visão de como realmente era a cidade de São Paulo.
Leia abaixo a íntegra do texto com a grafia original da época.
COISAS DA CIDADE
SOCEGO PUBLICO
Abrimos espaço para a seguinte carta que, com outras, nos chegou ás mãos: “Sr. P. - Tem toda a procedencia a campanha em favor do socego publico, nesta barulhentissima capital. Ha urgencia de medidas severas, com o fim de acabar com os ruildos desnecessarios. E como o publico deve ser chamado a collaborar com os jornaes e com as autoridades, não hesito em dirigir-lhe estas mal traçadas linhas com algumas suggestões e interrogações. Antes de mais nada, queria que me dissessem porque se toleram sinos á meia noite ou ás cinco da madrugada.
Digo isso porque ha egrejas que os bimbalham a valer, a deshoras, sacrificando a tranquillidade dos fleis ou infieis que deve dormir, com o somno solto, depois um dia trabalhosо. Contra as motocycletas devia haver a maior severidade, prohibindo-se o transito de taes machinas enfernaes nas proximidades dos hospitaes, ou mesmo traçando-lhes regras que impedissem o espipocar asucrinante que fasem, por onde passam.
E já que falamos em hospitaes, permitta-me o sr. redactor que lhe manifeste minha estranhesa, e a de todos os meus visinhos, que somos tambem visinhos de um hospital e casa de saude, por via de uma serraria, provisoria ao que parece, installada nos fundos desse hospital. Pois, se nós, que não somos doentes, nos sentimos amofinados, enervados com o ruido insuportavel da serra, o que não será com os doentes do hospital e da casa de saude, ouvindo aquelle ranger rascante que arranha os nervos e a alma?... Uma serra a funccionar, ao lado de uma casa de saude, eis ahi a ultima novidade, neste capitulo do barulho em nossa cidade e é coisa que se póde facilmente ver a dois passos da avenida Paulista, bem perto do Trianon.
Quero crer que isso se faz sem que o saibam os directores do conhecido hospital, como tambem devem ignorar os pequenos mas Iamentaveis desastres a que tem dado logar, nos fundos do mesmo, o escoamento dos seus esgotos nos passeios, onde têm escorregado e caido e muita gente por causa dessa irregularidade, que precisa desapparecer quanto antes. Agradeço-lhe a attenção que der a estas linhas, e sou etc.” P.
‘P’: Um cronista da cidade de São Paulo
José Martins Pinheiro Junior, ou ‘P’, como assinava, nasceu em 12 de abril de 1884 em Silveiras (SP). Formou-se em Direito pela Faculdade de Direito de São Paulo, em 1907. Dois anos depois, entrou para o jornal ‘O Estado de São Paulo’ como redator, cargo que exerceu durante 35 anos. No jornal, além de redigir a seção ‘Coisas da Cidade’ ocupou-se da também da coluna “Revista das Revistas”. Também foi um dos fundadores da ‘Revista do Brasil’ (1916) e do Diário da Noite (1926).
Como advogado foi nomeado, em 1931, para o cargo de Curador Fiscal das Massas Falidas da cidade de São Paulo, que ocupou até 1954 quando se aposentou. Pinheiro Junior faleceu em 2 de outubro de 1958. No Acervo Estadão estão registrados 3.311 textos publicados por ele entre os anos 1910 e 1945.
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