Delfim Netto: “Eu assinei o AI-5 e assinaria de novo se as condições fossem aquelas”


Ministro que comandou economia brasileira no período mais duro da ditadura militar justificou sua atuação em documentário sobre a censura ao Estadão

Por Edmundo Leite, Liz Batista e Carlos Eduardo Entini
Atualização:
“Eu assinei o AI-5 e assinaria de novo. Se as condições fossem aquelas vigentes naquele instante.”

Delfim Netto, no documentário "Estranhos na Noite - Mordaça no Estadão em tempos de censura"

Delfim Netto no documentário sobre censura no Estadão: “Eu assinei o AI-5 e assinaria de novo. Se as condições fossem aquelas vigentes naquele instante”. Foto: Acervo Estadão

Um dos mais controversos personagens da política econômica brasileira, Delfim Netto [1928-2024] foi protagonista de momentos decisivos do País durante a ditadura militar. Com seu reconhecido brilhantismo no conhecimento econômico acadêmico, ocupou um dos cargos mais importantes do governo militar, o de ministro da Fazenda, de 1967 a 1974, justamente um dos períodos de grande crescimento econômico e também da violência institucional contra opositores do regime.

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Foi nessa condição de ministro civil de um regime militar que participou da fatídica reunião que decidiu e decretou o AI-5, o Ato Institucional número 5. Decretado em 13 de dezembro de 168, o AI-5 é o mais duro e violento conjunto de medidas imposto pelo governo militar no Brasil, instituindo a censura à imprensa, o fim do habeas corpus para presos políticos, o fechamento do Congresso e outras medidas de repressão.

“Eu assinei o AI-5 e assinaria de novo. Se as condições fossem aquelas vigentes naquele instante”. Com essa frase o ex-ministro justificou seu apoio ao ato baixado pelo presidente militar da vez, o general Costa e Silva. Delfim fez essa declaração ao repórter José Maria Mayrink e ao cineasta Camilo Tavares nas filmagens do documentário “Estranhos na Noite, Mordaça no Estadão em tempos de censura”, sobre a censura ao Estadão na ditadura militar. [Clique e assista à frase de Delfim]

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Delfim aceitou participar do documentário para falar sobre sua participação num dos episódios mais emblemáticos da censura ao jornal - o da queda do ministro da Agricultura Cirne Lima em maio de 1973 - quando ele foi apontado como o pivô da queda e responsável por pressionar pela censura do noticiário do Estadão.

“Não teve censura nenhuma! O Estadão publicou errado, que tinha havido uma briga. Nunca tive rixa pessoal com ninguém. Divergência de opinião, outra coisa. Ele se sentiu incomodado e foi embora. E foi embora com dignidade, Não tem briga nenhuma”, diz sobre o episódio no documentário.

JORNAL CENSURADO - AGORA É SAMBA

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Estadão - 10 de maio de 1973

Páginas censuradas sobre a demissão do ministro Cirne Lima em 1973. Foto: Acervo Estadão
Páginas censuradas sobre a demissão do ministro Cirne Lima em 1973. Foto: Acervo Estadão
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A edição de 10 de maio de 1973 que daria a notícia e os bastidores da demissão de Cirne Lima e a crise no governo foi retalhada por cortes dos censores, que impediram até a publicação de uma foto do ministro. No lugar da foto, entrou um anúncio de um programa “Agora é Samba”, da Rádio Eldorado. Na página 6, uma charge sobre o caso foi substituída por fotos de bois no pasto.

O jornal ainda não tinha adotado a prática de publicar poemas no lugar das notícias censuradas. Somente foi permitida na capa a publicação do título “Médici nomeia um novo ministro” com o pequeno adendo “O presidente Emílio Garrastazu Médici assinou ontem decreto, nomeando o sr. José de Moura Cavalcanti ministro da Agricultura”. O texto com a notícia foi substituído por carta de leitores sobre cultivo de rosas e previdência social.

Estadão - 10 de maio de 1973

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Páginas censuradas sobre a demissão do ministro Cirne Lima em 1973. Foto: Acervo Estadão
Páginas censuradas sobre a demissão do ministro Cirne Lima em 1973. Foto: Acervo Estadão

Estadão - 10 de maio de 1973

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Páginas censuradas sobre a demissão do ministro Cirne Lima em 1973. Foto: Acervo Estadão

A censura prosseguiu no dia seguinte, com nova proibição da foto do ministro Cirne Lima.

Apesar da negativa de Delfim, jornalistas do Estadão na época, como o chefe da sucursal de Brasília, Carlos Chagas, reafirmam a interferência do ministro não só naquela notícia como em outras: “Era proibido denegrir o milagre brasileiro. Então, até o ministro Delfim Netto, todo poderoso, contribuía com sugestões para a censura.”

“Todo poderoso então é por conta da oposição. Eles não conhecem o poder que eu não tinha”, rebate Delfim. “Essa ideia de milagre econômico é uma das coisa mais ridículas, nunca houve milagre coisa nenhuma. O Brasil cresceu 35 anos 7,5% porcento porque os brasileiro trabalharam em vez de fazer fofoca.”

“O que se pode criticar é o seguinte: a distribuição era ruim, mas era mantida constante. Mas isso é perfeitamente aceitável. Eu acho que é assim, você vai ver as estatísticas e vai ver que é isso mesmo”, diz em outro trecho, remetendo à política da feitura de um bolo atribuída a ele, de que era primeiro fazer o bolo crescer para depois distribuir.

No documentário, Delfim Netto não se limitou a falar do caso de censura que afirma não ter interferido. Várias de suas falas são contrapontos ou complementos contextuais sobre o período da ditadura militar, como a do AI-5 que abre esse texto e outras a seguir.

“68 foi um ano que teve uma confusão no mundo. Brasil entrou igual. Se você olhar pra Paris, você via o Rio de Janeiro”, diz logo no início.

“O ato AI-5 era realmente uma tentativa de organizar aquilo que tava caminhando para uma enorme desorganização.”

Ainda sobre o AI-5, ele dá razão a algumas críticas, mas tenta justificar a medida e usa o eufemismo “proteção do Estado” para prisão de opositores.

“As pessoas ficam reclamando, dizendo e até criticando, com uma certa razão, mas a suspensão do habeas corpus não significava que você estava autorizando o Estado a punir pessoas ou a fazer abusos contra os direitos humanos de alguém que tivesse sobre a proteção do Estado”.

No final do documentário, Delfim Netto faz uma análise histórica para analisar os acontecimentos do Brasil que protagonizou e testemunhou. “A história é uma sucessão de acidentes. E o acidente de hoje condiciona o acidente de amanhã.”

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Delfim Netto, no documentário "Estranhos na Noite - Mordaça no Estadão em tempos de censura"

Delfim Netto no documentário sobre censura no Estadão: “Eu assinei o AI-5 e assinaria de novo. Se as condições fossem aquelas vigentes naquele instante”. Foto: Acervo Estadão

Um dos mais controversos personagens da política econômica brasileira, Delfim Netto [1928-2024] foi protagonista de momentos decisivos do País durante a ditadura militar. Com seu reconhecido brilhantismo no conhecimento econômico acadêmico, ocupou um dos cargos mais importantes do governo militar, o de ministro da Fazenda, de 1967 a 1974, justamente um dos períodos de grande crescimento econômico e também da violência institucional contra opositores do regime.

Foi nessa condição de ministro civil de um regime militar que participou da fatídica reunião que decidiu e decretou o AI-5, o Ato Institucional número 5. Decretado em 13 de dezembro de 168, o AI-5 é o mais duro e violento conjunto de medidas imposto pelo governo militar no Brasil, instituindo a censura à imprensa, o fim do habeas corpus para presos políticos, o fechamento do Congresso e outras medidas de repressão.

“Eu assinei o AI-5 e assinaria de novo. Se as condições fossem aquelas vigentes naquele instante”. Com essa frase o ex-ministro justificou seu apoio ao ato baixado pelo presidente militar da vez, o general Costa e Silva. Delfim fez essa declaração ao repórter José Maria Mayrink e ao cineasta Camilo Tavares nas filmagens do documentário “Estranhos na Noite, Mordaça no Estadão em tempos de censura”, sobre a censura ao Estadão na ditadura militar. [Clique e assista à frase de Delfim]

Delfim aceitou participar do documentário para falar sobre sua participação num dos episódios mais emblemáticos da censura ao jornal - o da queda do ministro da Agricultura Cirne Lima em maio de 1973 - quando ele foi apontado como o pivô da queda e responsável por pressionar pela censura do noticiário do Estadão.

“Não teve censura nenhuma! O Estadão publicou errado, que tinha havido uma briga. Nunca tive rixa pessoal com ninguém. Divergência de opinião, outra coisa. Ele se sentiu incomodado e foi embora. E foi embora com dignidade, Não tem briga nenhuma”, diz sobre o episódio no documentário.

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Páginas censuradas sobre a demissão do ministro Cirne Lima em 1973. Foto: Acervo Estadão
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A edição de 10 de maio de 1973 que daria a notícia e os bastidores da demissão de Cirne Lima e a crise no governo foi retalhada por cortes dos censores, que impediram até a publicação de uma foto do ministro. No lugar da foto, entrou um anúncio de um programa “Agora é Samba”, da Rádio Eldorado. Na página 6, uma charge sobre o caso foi substituída por fotos de bois no pasto.

O jornal ainda não tinha adotado a prática de publicar poemas no lugar das notícias censuradas. Somente foi permitida na capa a publicação do título “Médici nomeia um novo ministro” com o pequeno adendo “O presidente Emílio Garrastazu Médici assinou ontem decreto, nomeando o sr. José de Moura Cavalcanti ministro da Agricultura”. O texto com a notícia foi substituído por carta de leitores sobre cultivo de rosas e previdência social.

Estadão - 10 de maio de 1973

Páginas censuradas sobre a demissão do ministro Cirne Lima em 1973. Foto: Acervo Estadão
Páginas censuradas sobre a demissão do ministro Cirne Lima em 1973. Foto: Acervo Estadão

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Páginas censuradas sobre a demissão do ministro Cirne Lima em 1973. Foto: Acervo Estadão

A censura prosseguiu no dia seguinte, com nova proibição da foto do ministro Cirne Lima.

Apesar da negativa de Delfim, jornalistas do Estadão na época, como o chefe da sucursal de Brasília, Carlos Chagas, reafirmam a interferência do ministro não só naquela notícia como em outras: “Era proibido denegrir o milagre brasileiro. Então, até o ministro Delfim Netto, todo poderoso, contribuía com sugestões para a censura.”

“Todo poderoso então é por conta da oposição. Eles não conhecem o poder que eu não tinha”, rebate Delfim. “Essa ideia de milagre econômico é uma das coisa mais ridículas, nunca houve milagre coisa nenhuma. O Brasil cresceu 35 anos 7,5% porcento porque os brasileiro trabalharam em vez de fazer fofoca.”

“O que se pode criticar é o seguinte: a distribuição era ruim, mas era mantida constante. Mas isso é perfeitamente aceitável. Eu acho que é assim, você vai ver as estatísticas e vai ver que é isso mesmo”, diz em outro trecho, remetendo à política da feitura de um bolo atribuída a ele, de que era primeiro fazer o bolo crescer para depois distribuir.

No documentário, Delfim Netto não se limitou a falar do caso de censura que afirma não ter interferido. Várias de suas falas são contrapontos ou complementos contextuais sobre o período da ditadura militar, como a do AI-5 que abre esse texto e outras a seguir.

“68 foi um ano que teve uma confusão no mundo. Brasil entrou igual. Se você olhar pra Paris, você via o Rio de Janeiro”, diz logo no início.

“O ato AI-5 era realmente uma tentativa de organizar aquilo que tava caminhando para uma enorme desorganização.”

Ainda sobre o AI-5, ele dá razão a algumas críticas, mas tenta justificar a medida e usa o eufemismo “proteção do Estado” para prisão de opositores.

“As pessoas ficam reclamando, dizendo e até criticando, com uma certa razão, mas a suspensão do habeas corpus não significava que você estava autorizando o Estado a punir pessoas ou a fazer abusos contra os direitos humanos de alguém que tivesse sobre a proteção do Estado”.

No final do documentário, Delfim Netto faz uma análise histórica para analisar os acontecimentos do Brasil que protagonizou e testemunhou. “A história é uma sucessão de acidentes. E o acidente de hoje condiciona o acidente de amanhã.”

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Delfim Netto no documentário sobre censura no Estadão: “Eu assinei o AI-5 e assinaria de novo. Se as condições fossem aquelas vigentes naquele instante”. Foto: Acervo Estadão

Um dos mais controversos personagens da política econômica brasileira, Delfim Netto [1928-2024] foi protagonista de momentos decisivos do País durante a ditadura militar. Com seu reconhecido brilhantismo no conhecimento econômico acadêmico, ocupou um dos cargos mais importantes do governo militar, o de ministro da Fazenda, de 1967 a 1974, justamente um dos períodos de grande crescimento econômico e também da violência institucional contra opositores do regime.

Foi nessa condição de ministro civil de um regime militar que participou da fatídica reunião que decidiu e decretou o AI-5, o Ato Institucional número 5. Decretado em 13 de dezembro de 168, o AI-5 é o mais duro e violento conjunto de medidas imposto pelo governo militar no Brasil, instituindo a censura à imprensa, o fim do habeas corpus para presos políticos, o fechamento do Congresso e outras medidas de repressão.

“Eu assinei o AI-5 e assinaria de novo. Se as condições fossem aquelas vigentes naquele instante”. Com essa frase o ex-ministro justificou seu apoio ao ato baixado pelo presidente militar da vez, o general Costa e Silva. Delfim fez essa declaração ao repórter José Maria Mayrink e ao cineasta Camilo Tavares nas filmagens do documentário “Estranhos na Noite, Mordaça no Estadão em tempos de censura”, sobre a censura ao Estadão na ditadura militar. [Clique e assista à frase de Delfim]

Delfim aceitou participar do documentário para falar sobre sua participação num dos episódios mais emblemáticos da censura ao jornal - o da queda do ministro da Agricultura Cirne Lima em maio de 1973 - quando ele foi apontado como o pivô da queda e responsável por pressionar pela censura do noticiário do Estadão.

“Não teve censura nenhuma! O Estadão publicou errado, que tinha havido uma briga. Nunca tive rixa pessoal com ninguém. Divergência de opinião, outra coisa. Ele se sentiu incomodado e foi embora. E foi embora com dignidade, Não tem briga nenhuma”, diz sobre o episódio no documentário.

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Páginas censuradas sobre a demissão do ministro Cirne Lima em 1973. Foto: Acervo Estadão
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A edição de 10 de maio de 1973 que daria a notícia e os bastidores da demissão de Cirne Lima e a crise no governo foi retalhada por cortes dos censores, que impediram até a publicação de uma foto do ministro. No lugar da foto, entrou um anúncio de um programa “Agora é Samba”, da Rádio Eldorado. Na página 6, uma charge sobre o caso foi substituída por fotos de bois no pasto.

O jornal ainda não tinha adotado a prática de publicar poemas no lugar das notícias censuradas. Somente foi permitida na capa a publicação do título “Médici nomeia um novo ministro” com o pequeno adendo “O presidente Emílio Garrastazu Médici assinou ontem decreto, nomeando o sr. José de Moura Cavalcanti ministro da Agricultura”. O texto com a notícia foi substituído por carta de leitores sobre cultivo de rosas e previdência social.

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Páginas censuradas sobre a demissão do ministro Cirne Lima em 1973. Foto: Acervo Estadão
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Páginas censuradas sobre a demissão do ministro Cirne Lima em 1973. Foto: Acervo Estadão

A censura prosseguiu no dia seguinte, com nova proibição da foto do ministro Cirne Lima.

Apesar da negativa de Delfim, jornalistas do Estadão na época, como o chefe da sucursal de Brasília, Carlos Chagas, reafirmam a interferência do ministro não só naquela notícia como em outras: “Era proibido denegrir o milagre brasileiro. Então, até o ministro Delfim Netto, todo poderoso, contribuía com sugestões para a censura.”

“Todo poderoso então é por conta da oposição. Eles não conhecem o poder que eu não tinha”, rebate Delfim. “Essa ideia de milagre econômico é uma das coisa mais ridículas, nunca houve milagre coisa nenhuma. O Brasil cresceu 35 anos 7,5% porcento porque os brasileiro trabalharam em vez de fazer fofoca.”

“O que se pode criticar é o seguinte: a distribuição era ruim, mas era mantida constante. Mas isso é perfeitamente aceitável. Eu acho que é assim, você vai ver as estatísticas e vai ver que é isso mesmo”, diz em outro trecho, remetendo à política da feitura de um bolo atribuída a ele, de que era primeiro fazer o bolo crescer para depois distribuir.

No documentário, Delfim Netto não se limitou a falar do caso de censura que afirma não ter interferido. Várias de suas falas são contrapontos ou complementos contextuais sobre o período da ditadura militar, como a do AI-5 que abre esse texto e outras a seguir.

“68 foi um ano que teve uma confusão no mundo. Brasil entrou igual. Se você olhar pra Paris, você via o Rio de Janeiro”, diz logo no início.

“O ato AI-5 era realmente uma tentativa de organizar aquilo que tava caminhando para uma enorme desorganização.”

Ainda sobre o AI-5, ele dá razão a algumas críticas, mas tenta justificar a medida e usa o eufemismo “proteção do Estado” para prisão de opositores.

“As pessoas ficam reclamando, dizendo e até criticando, com uma certa razão, mas a suspensão do habeas corpus não significava que você estava autorizando o Estado a punir pessoas ou a fazer abusos contra os direitos humanos de alguém que tivesse sobre a proteção do Estado”.

No final do documentário, Delfim Netto faz uma análise histórica para analisar os acontecimentos do Brasil que protagonizou e testemunhou. “A história é uma sucessão de acidentes. E o acidente de hoje condiciona o acidente de amanhã.”

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Delfim Netto, no documentário "Estranhos na Noite - Mordaça no Estadão em tempos de censura"

Delfim Netto no documentário sobre censura no Estadão: “Eu assinei o AI-5 e assinaria de novo. Se as condições fossem aquelas vigentes naquele instante”. Foto: Acervo Estadão

Um dos mais controversos personagens da política econômica brasileira, Delfim Netto [1928-2024] foi protagonista de momentos decisivos do País durante a ditadura militar. Com seu reconhecido brilhantismo no conhecimento econômico acadêmico, ocupou um dos cargos mais importantes do governo militar, o de ministro da Fazenda, de 1967 a 1974, justamente um dos períodos de grande crescimento econômico e também da violência institucional contra opositores do regime.

Foi nessa condição de ministro civil de um regime militar que participou da fatídica reunião que decidiu e decretou o AI-5, o Ato Institucional número 5. Decretado em 13 de dezembro de 168, o AI-5 é o mais duro e violento conjunto de medidas imposto pelo governo militar no Brasil, instituindo a censura à imprensa, o fim do habeas corpus para presos políticos, o fechamento do Congresso e outras medidas de repressão.

“Eu assinei o AI-5 e assinaria de novo. Se as condições fossem aquelas vigentes naquele instante”. Com essa frase o ex-ministro justificou seu apoio ao ato baixado pelo presidente militar da vez, o general Costa e Silva. Delfim fez essa declaração ao repórter José Maria Mayrink e ao cineasta Camilo Tavares nas filmagens do documentário “Estranhos na Noite, Mordaça no Estadão em tempos de censura”, sobre a censura ao Estadão na ditadura militar. [Clique e assista à frase de Delfim]

Delfim aceitou participar do documentário para falar sobre sua participação num dos episódios mais emblemáticos da censura ao jornal - o da queda do ministro da Agricultura Cirne Lima em maio de 1973 - quando ele foi apontado como o pivô da queda e responsável por pressionar pela censura do noticiário do Estadão.

“Não teve censura nenhuma! O Estadão publicou errado, que tinha havido uma briga. Nunca tive rixa pessoal com ninguém. Divergência de opinião, outra coisa. Ele se sentiu incomodado e foi embora. E foi embora com dignidade, Não tem briga nenhuma”, diz sobre o episódio no documentário.

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Páginas censuradas sobre a demissão do ministro Cirne Lima em 1973. Foto: Acervo Estadão
Páginas censuradas sobre a demissão do ministro Cirne Lima em 1973. Foto: Acervo Estadão

A edição de 10 de maio de 1973 que daria a notícia e os bastidores da demissão de Cirne Lima e a crise no governo foi retalhada por cortes dos censores, que impediram até a publicação de uma foto do ministro. No lugar da foto, entrou um anúncio de um programa “Agora é Samba”, da Rádio Eldorado. Na página 6, uma charge sobre o caso foi substituída por fotos de bois no pasto.

O jornal ainda não tinha adotado a prática de publicar poemas no lugar das notícias censuradas. Somente foi permitida na capa a publicação do título “Médici nomeia um novo ministro” com o pequeno adendo “O presidente Emílio Garrastazu Médici assinou ontem decreto, nomeando o sr. José de Moura Cavalcanti ministro da Agricultura”. O texto com a notícia foi substituído por carta de leitores sobre cultivo de rosas e previdência social.

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Páginas censuradas sobre a demissão do ministro Cirne Lima em 1973. Foto: Acervo Estadão
Páginas censuradas sobre a demissão do ministro Cirne Lima em 1973. Foto: Acervo Estadão

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Páginas censuradas sobre a demissão do ministro Cirne Lima em 1973. Foto: Acervo Estadão

A censura prosseguiu no dia seguinte, com nova proibição da foto do ministro Cirne Lima.

Apesar da negativa de Delfim, jornalistas do Estadão na época, como o chefe da sucursal de Brasília, Carlos Chagas, reafirmam a interferência do ministro não só naquela notícia como em outras: “Era proibido denegrir o milagre brasileiro. Então, até o ministro Delfim Netto, todo poderoso, contribuía com sugestões para a censura.”

“Todo poderoso então é por conta da oposição. Eles não conhecem o poder que eu não tinha”, rebate Delfim. “Essa ideia de milagre econômico é uma das coisa mais ridículas, nunca houve milagre coisa nenhuma. O Brasil cresceu 35 anos 7,5% porcento porque os brasileiro trabalharam em vez de fazer fofoca.”

“O que se pode criticar é o seguinte: a distribuição era ruim, mas era mantida constante. Mas isso é perfeitamente aceitável. Eu acho que é assim, você vai ver as estatísticas e vai ver que é isso mesmo”, diz em outro trecho, remetendo à política da feitura de um bolo atribuída a ele, de que era primeiro fazer o bolo crescer para depois distribuir.

No documentário, Delfim Netto não se limitou a falar do caso de censura que afirma não ter interferido. Várias de suas falas são contrapontos ou complementos contextuais sobre o período da ditadura militar, como a do AI-5 que abre esse texto e outras a seguir.

“68 foi um ano que teve uma confusão no mundo. Brasil entrou igual. Se você olhar pra Paris, você via o Rio de Janeiro”, diz logo no início.

“O ato AI-5 era realmente uma tentativa de organizar aquilo que tava caminhando para uma enorme desorganização.”

Ainda sobre o AI-5, ele dá razão a algumas críticas, mas tenta justificar a medida e usa o eufemismo “proteção do Estado” para prisão de opositores.

“As pessoas ficam reclamando, dizendo e até criticando, com uma certa razão, mas a suspensão do habeas corpus não significava que você estava autorizando o Estado a punir pessoas ou a fazer abusos contra os direitos humanos de alguém que tivesse sobre a proteção do Estado”.

No final do documentário, Delfim Netto faz uma análise histórica para analisar os acontecimentos do Brasil que protagonizou e testemunhou. “A história é uma sucessão de acidentes. E o acidente de hoje condiciona o acidente de amanhã.”

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Delfim Netto, no documentário "Estranhos na Noite - Mordaça no Estadão em tempos de censura"

Delfim Netto no documentário sobre censura no Estadão: “Eu assinei o AI-5 e assinaria de novo. Se as condições fossem aquelas vigentes naquele instante”. Foto: Acervo Estadão

Um dos mais controversos personagens da política econômica brasileira, Delfim Netto [1928-2024] foi protagonista de momentos decisivos do País durante a ditadura militar. Com seu reconhecido brilhantismo no conhecimento econômico acadêmico, ocupou um dos cargos mais importantes do governo militar, o de ministro da Fazenda, de 1967 a 1974, justamente um dos períodos de grande crescimento econômico e também da violência institucional contra opositores do regime.

Foi nessa condição de ministro civil de um regime militar que participou da fatídica reunião que decidiu e decretou o AI-5, o Ato Institucional número 5. Decretado em 13 de dezembro de 168, o AI-5 é o mais duro e violento conjunto de medidas imposto pelo governo militar no Brasil, instituindo a censura à imprensa, o fim do habeas corpus para presos políticos, o fechamento do Congresso e outras medidas de repressão.

“Eu assinei o AI-5 e assinaria de novo. Se as condições fossem aquelas vigentes naquele instante”. Com essa frase o ex-ministro justificou seu apoio ao ato baixado pelo presidente militar da vez, o general Costa e Silva. Delfim fez essa declaração ao repórter José Maria Mayrink e ao cineasta Camilo Tavares nas filmagens do documentário “Estranhos na Noite, Mordaça no Estadão em tempos de censura”, sobre a censura ao Estadão na ditadura militar. [Clique e assista à frase de Delfim]

Delfim aceitou participar do documentário para falar sobre sua participação num dos episódios mais emblemáticos da censura ao jornal - o da queda do ministro da Agricultura Cirne Lima em maio de 1973 - quando ele foi apontado como o pivô da queda e responsável por pressionar pela censura do noticiário do Estadão.

“Não teve censura nenhuma! O Estadão publicou errado, que tinha havido uma briga. Nunca tive rixa pessoal com ninguém. Divergência de opinião, outra coisa. Ele se sentiu incomodado e foi embora. E foi embora com dignidade, Não tem briga nenhuma”, diz sobre o episódio no documentário.

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Páginas censuradas sobre a demissão do ministro Cirne Lima em 1973. Foto: Acervo Estadão
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A edição de 10 de maio de 1973 que daria a notícia e os bastidores da demissão de Cirne Lima e a crise no governo foi retalhada por cortes dos censores, que impediram até a publicação de uma foto do ministro. No lugar da foto, entrou um anúncio de um programa “Agora é Samba”, da Rádio Eldorado. Na página 6, uma charge sobre o caso foi substituída por fotos de bois no pasto.

O jornal ainda não tinha adotado a prática de publicar poemas no lugar das notícias censuradas. Somente foi permitida na capa a publicação do título “Médici nomeia um novo ministro” com o pequeno adendo “O presidente Emílio Garrastazu Médici assinou ontem decreto, nomeando o sr. José de Moura Cavalcanti ministro da Agricultura”. O texto com a notícia foi substituído por carta de leitores sobre cultivo de rosas e previdência social.

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Páginas censuradas sobre a demissão do ministro Cirne Lima em 1973. Foto: Acervo Estadão
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Apesar da negativa de Delfim, jornalistas do Estadão na época, como o chefe da sucursal de Brasília, Carlos Chagas, reafirmam a interferência do ministro não só naquela notícia como em outras: “Era proibido denegrir o milagre brasileiro. Então, até o ministro Delfim Netto, todo poderoso, contribuía com sugestões para a censura.”

“Todo poderoso então é por conta da oposição. Eles não conhecem o poder que eu não tinha”, rebate Delfim. “Essa ideia de milagre econômico é uma das coisa mais ridículas, nunca houve milagre coisa nenhuma. O Brasil cresceu 35 anos 7,5% porcento porque os brasileiro trabalharam em vez de fazer fofoca.”

“O que se pode criticar é o seguinte: a distribuição era ruim, mas era mantida constante. Mas isso é perfeitamente aceitável. Eu acho que é assim, você vai ver as estatísticas e vai ver que é isso mesmo”, diz em outro trecho, remetendo à política da feitura de um bolo atribuída a ele, de que era primeiro fazer o bolo crescer para depois distribuir.

No documentário, Delfim Netto não se limitou a falar do caso de censura que afirma não ter interferido. Várias de suas falas são contrapontos ou complementos contextuais sobre o período da ditadura militar, como a do AI-5 que abre esse texto e outras a seguir.

“68 foi um ano que teve uma confusão no mundo. Brasil entrou igual. Se você olhar pra Paris, você via o Rio de Janeiro”, diz logo no início.

“O ato AI-5 era realmente uma tentativa de organizar aquilo que tava caminhando para uma enorme desorganização.”

Ainda sobre o AI-5, ele dá razão a algumas críticas, mas tenta justificar a medida e usa o eufemismo “proteção do Estado” para prisão de opositores.

“As pessoas ficam reclamando, dizendo e até criticando, com uma certa razão, mas a suspensão do habeas corpus não significava que você estava autorizando o Estado a punir pessoas ou a fazer abusos contra os direitos humanos de alguém que tivesse sobre a proteção do Estado”.

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