Com o Brasil vivendo um dos mais duros períodos da ditadura militar, o governo do general Emílio Garrastazu Médici não poupou esforços para transformar as comemorações dos 150 anos da Independência, em 1972, numa enorme celebração nacional. O ponto alto das festividades oficiais foi a vinda de Portugal dos restos mortais do imperador Dom Pedro I, o proclamador da Independência, em 7 de setembro de 1822.
O monarca estava sepultado no Mosteiro de São Vicente de Fora, em Lisboa. O coração de D. Pedro I, a pedido do próprio ficou preservado numa igreja na cidade do Porto. Um detalhe descoberto na última hora, porém, impediu que os restos mortais fossem seputados na nova morada como planejado.
Quase como uma anedota, daquelas que fazem parte da tradição luso-brasileira, o caixão feito em Portugal não coube no lugar onde deveria ser colocado na Capela Imperial, no Ipiranga.
Apenas quatro anos depois do Sesquicentenário da Independência, em 1976, o sarcófago de D.Pedro I foi devidamente disposto no Mausoléu para ele construído.
"O conjunto formado por um caixão de chumbo com as armas de Portugal colocado dentro de outro caixão esse de madeira, era oito centímetros maior do que o sarcófago que deveria contê-lo, e como as autoridades portuguesas não autorizaram sua redução foi preciso desmontar o sarcófago da cripta e aumentá-lo", relatou o Estado em 5 de setembro de 1976.
A vinda dos restos mortais de D.Pedro I para o Brasil
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A busca por obter os despojos de D. Pedro de Portugal já havia sido empreendida sem sucesso em outras ocasiões. As primeiras negociações para trazê-los foi em 1908, quando a República brasileira já estava consolidada e o governo pronto para estreitar relações com a antiga metrópole. Os despojos viriam com o rei de Portugal, D. Carlos, que programava uma visita ao Brasil, mas o rei foi assassinado antes da viagem.
O projeto foi, então, retomado em 1922, para o centenário da Independência, mas também não obteve sucesso. Em 8 de janeiro de 1921, os restos mortais do imperador Dom Pedro II e de sua esposa, a imperatriz Teresa Cristina, chegavam ao Brasil. A inauguração do Monumento à Independência em 7 de setembro de 1922 foi o marco da celebração do centenário da Independência.
Em 1951, surgiu a ideia de construir um local reservado a abrigar os despojos dos antigos soberanos. Quando foi lembrado que dentro da enorme construção de granito e bronze existia um compartimento totalmente revestido de granito verde, vindo de Ubatuba, um Cenotáfio, concluiu-se que o interior do monumento seria o lugar mais apropriado. Então, em 7 de setembro de 1952, há poucos metros do Museu Paulista, dentro do enorme monumento, perto do Riacho do Ipiranga foi inaugurada no Cenotáfio, uma cripta reservada ao descanso dos monarcas brasileiros.
Foi para lá que, em 12 de outubro de 1954, foram encaminhados os despojos de D. Maria Leopoldina, primeira imperatriz do Brasil, que estavam no Convento Santo Antônio, no Rio. O Cenotáfio, foi convertido em Capela Imperial por decreto expedido pelo então prefeito de São Paulo, Ademar de Barros, em 19 de outubro de 1959.
Em 1971, com a proximidade do aniversário de 150 anos da proclamação de Independência, o Instituto Histórico Geográfico de São Paulo, o Instituto Histórico Geográfico Brasileiro e o Itamaraty retomaram os diálogo junto aos institutos de preservação de memória e ao governo português, que também vivia sob uma ditadura militar, para promover a concessão dos despojos de D. Pedro I.
Figura de suma importância histórica para ambos os países, regente tanto do Brasil como de Portugal - D. Pedro I, imperador do Brasil, e rei D.Pedro IV, de Portugal - estava sepultado ao lado dos demais membros da família real de Bragança, governantes de Portugal de 1641 a 1910, no Panteão da Dinastia de Bragança situado no Mosteiro de São Vicente de Fora na cidade de Lisboa.
Sua remoção seria uma perda significativa para o patrimônio nacional português. O Brasil, por sua vez, argumentava que diferente dos demais povos americanos, que têm nos seus panteões seus respectivos libertadores e patriarcas, o país possuía uma túmulo vazio na base do Monumento do Ipiranga.
Em 13 de agosto de 1971 o Estadão publicou a notícia de que o presidente de Portugal, almirante Américo Thomaz, concordara em transladar e presentear o Brasil com os restos mortais do imperador.
Aos portugueses, Thomaz falou sobre o sacrifício em pró de enriquecer e fortalecer os laços entre a comunidade luso-brasileira. “Assim repartidos entre Portugal e o Brasil os despojos de D.Pedro serão bem o símbolo de uma raça que, divida entre duas Pátrias, permanece, todavia, fiel à alma que lhe dá caráter no mundo e inspira pelos tempos afora os destinos lusíadas”, disse Américo Thomaz, deixando claro, que o coração não viria. Permaneceria na cidade do Porto, já que o próprio D.Pedro deixou-o, em testamento, à cidade.
No dia anterior, o presidente Médici expressara, em rede nacional de TV e rádio sua emoção; “brasileiros, não posso esconder minha emoção. Fala por si mesmo este fato que nenhuma eloquência poderia superar: no ano em que celebramos o sesquicentenário da nossa Independência, regressará ao Brasil o corpo daquele que, em sete de setembro, às margens do Ipiranga, com a bravura, o arroubo e a paixão que eram a marca de sua personalidade, proclamou livres estas terras.”
Com a concordância do governo português, vieram os preparativos para o translado. O Estado de 19 de março de 1972 publicou informações sobre a força-tarefa da Marinha brasileira designada para escoltar o translado dos restos mortais do primeiro imperador do Brasil.
Cerca de 800 homens, sob a chefia do almirante Carlos Auto Andrade, formavam as tripulações dos contratorpedeiros Santa Catarina, Paraná e Pernambuco, encarregados de assegurar a viagem do transatlântico português Funchal, que transportava o esquife real, o presidente português Américo Tomaz e sua comitiva de 50 pessoas. Para a cobertura jornalística da viagem a Marinha incluiu alguns jornalistas, Eduardo Barbosa, do Estadão, estava entre os poucos civis que viajavam com a força-tarefa.
Seguindo um cronograma carregado de simbologias e pensado para exaltar o nacionalismo brasileiro, o regime militar organizou um itinerário onde os pontos altos eram duas grandes datas nacionais. Após seguir o longo trajeto de 4.500 milhas percorrido por Cabral, em 22 de abril de 1972, o Funchal chegou à Baía de Guanabara, no Rio de Janeiro.
A urna contendo os despojos de D. Pedro I do Brasil e IV de Portugal foi desembarcada no ancoradouro do Morro da Viúva e conduzida em cortejo num carro de combate do Exército até o Monumento aos Mortos da Segunda Guerra Mundial. No aterro do Flamengo, foi entregue ao presidente Garrastazu Médici pelo presidente Américo Thomaz, de Portugal, em uma cerimônia acompanhada por cerca de 10 mil pessoas e televisionada a cores para todo o País.
Depois de três dias expostos à visitação na sua antiga residência na Quinta da Boa Vista, os despojos deixaram o Rio e seguiram em peregrinação por todas as capitais brasileiras. Até que em 7 de setembro de 1972, vindo de Pindamonhangaba e seguindo o mesmo caminho feito por D. Pedro quando proclamou a independência, seu esquife chegou à sua última morada, a Capela Imperial no Monumento à Independência.
Em 1982, chegaram ao Brasil os restos mortais da segunda esposa de D.Pedro I, nossa segunda imperatriz, D. Amélia. Em 2002, o coração de D. Pedro I é emprestado pelos portugueses para as comemorações dos 200 anos da Independência.
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