"A cidade apresenta um aspecto tristíssimo, deverdadeira praça de guerra”, assim começa adescrição da situação no Rio no jornal de 15 denovembro de 1904. Nas edições dos meses queantecederam a revolta, o jornal relatou as disputas de interesses políticos em torno da lei da vacina e mostrou o crescentedescontentamento da população com asmedidas sanitárias implementadas pelo médico Oswaldo Cruz, diretor-geral da Saúde Pública, e com a reforma urbanística conduzida pelo prefeito Pereira Passos, fatores que confluírampara formar a onda de insatisfação que instaurou adesordem nas ruas.
Bonde é depredado durante Revolta daVacina, 1904. Reprodução
Epidemia e política. Assim como a peste e a febre amarela, a varíola era uma entre muitas das doenças que assolavam o Rio de Janeiro no início do século 20. Mas o aumento no número de casos de óbito pelo mal no primeiro semestre de 1904 - cerca de 4 mil pessoa morreram em uma população de 200 mil - fizeram da epidemia de varíola uma situação de emergência. O médico Oswaldo Cruz, indicado diretor-geral da Saúde Pública pelo presidente Rodrigues Alves, defendia que a vacinação obrigatória era o único meio de controlar a epidemia e afirmava que a imunização deveria ser realizada mesmo com o emprego de métodos autoritários.
Cientes da impopularidade de Oswaldo Cruz e de suas medidas, a oposição aproveitava para ganhar terreno na Câmara e no Senado. A eficácia da imunização era questionada em discursos inflamados que lembravam os cidadãos da ingerência do Estado ao impor a vacinação. No jornal Correio da Manhã os agentes de Saúde Pública eram chamados de forças do “Santo Officio de Tortura Pública”, numa clara alusão ao período da Inquisição. Na mesma notícia sobre a lei da vacinação o texto terminava dizendo que “o povo do Rio de Janeiro, cuja provada mansidão anima a que pratiquem contra elle todas as violencias e lhe inflijam todas as humilhações, é que terá de experimentar as novas torturas consignadas no capitulio agora addicionado maldito código, que o fanatismo imperioso do sr. Oswaldo Cruz impôz à insensensibilidade do sr. Rodrigues Alves.”
No Senado, Barata Ribeiro discursava contra o governo e inflamava a revolta na população: “Ao que parece, o governo tem o proposito de alimentar a epidemia desprezando a prophylaxia afim de obrigar o povo a estender o braço à lanceta homicida. Queria que o sr. Rodrigues Alves saísse da mudez de seu palacio e viesse para o meio da população escutar os seus lamentos. Elle coraria tambem vendo tanta desgraça(...)”, como mostrou o Estado de 28 de setembro de 1904. A solução proposta pelo senador, que também era médico, era a abertura de mais leis de crédito para construção de hospitais.
A situação se agravou quando militares que conspiravam contra o governo de Rodrigues Alves aproveitaram a situação de anarquia nas ruas e se sublerevaram na Escola Militar da Praia Vermelha. O Rio viveu dias de batalha campal e teve estado de sítio declarado. A cidade só retornou à normalidade após a queda da lei da vacinação obrigatória. Trinta mortos,110 feridos e mais de 1500 presos e deportados constam nos números oficiais.
A Revolta da Vacina é considerada uma das primeiras iniciativas de luta pelos direitos civis do Brasil republicano. Capítulo importante na formação da cidadania, o episódio revela tensões históricas profundas e a latente insatisfação popular num período em que a jovem república buscava se consolidar - o Brasil era governado pelo seu 5º presidente, Rodrigues Alves. E ele era apenas o 3º eleito pelo voto direto. O sentimento de descrença e desconfiança dos cidadãos em relação aos políticos e autoridades públicas estava presentes no cerne da rebelião. #Assine |# Licenciamento de conteúdos Estadão | # Siga: twitter@estadaoacervo | facebook/arquivoestadao | Instagram |