Domingo, 5 de março de 1961. Fluminense e Santos jogam no Maracanã pelo Torneio Rio-São Paulo. A equipe santista vencia por um a zero [gol de Pelé aos três minutos], quando o craque recebe a bola ainda em sua intermediária aos 41 minutos e dispara em direção aos adversários, driblando sete jogadores. Quando a jogada terminou com a bola no gol do Fluminense, as duas torcidas, extasiadas com a jogada, aplaudiram em pé aquele que é considerado um dos mais belos gols do futebol: o gol de placa de Pelé.
O Santos venceria o jogo por 3 a 1, com mais um gol de Pepe para o Santos e outro de Valdo para o Fluminense no segundo tempo. O placar, no entanto, não importava. O que ficou para a história foi o magnífico gol de Pelé, como escreveu o Estadão sobre o arremate da jogada: "Pelé marca o segundo ponto do Santos, após dominar Pinheiro, Altair, Edmilson e Clóvis. Castilho ainda tentou cobrir a visão do avante santista, mas o chute foi tão perfeito quanto a jogada que o propiciou".
Poema - No extinto Jornal dos Sports, do Rio de Janeiro, dirigido por Mario Filho, irmão do jornalista e dramaturgo Nelson Rodrigues, que assistia ao jogo e tem participação na história da placa para o gol, sob a foto da bola na rede e o goleiro caído na capa, lia-se : "Êste goal de Pelé valeu o espetáculo e três vezes mais o preço do ingresso". Na segunda página, uma frase do jornalista Teixeira Heizer reproduzida na coluna Som e Imagem descrevia a jogada assim: "O segundo goal foi um poema. Apanhando a bola na sua área, veio caminhando como quis e quando quis - e só resolveu chutar porque se não chutasse não teria graça. E só esse tento pagaria qualquer preço majorado no Maracanã."
Em 2001, o repórter Wagner Vilaron, do Estadão, entrevistou jogadores que participaram da partida e o jornalista Joelmir Beting [1936-2012], que também estava no Maracanã e criou a placa em homenagem a Pelé, para contar como foi o gol que entrou para a História. A reportagem ainda contou com uma ilustração do artista Baptistão para recriar a jogada e a sequência de quatro fotos do gol que acompanhava uma placa que substituiu a original no Maracanã naquela época.
“É o tipo de lance que, para quem gosta de futebol, deve ser admirado, mesmo que seja do time adversário”, observou o ex-meia santista Mengálvio, um dos 22 jogadores que disputaram a histórica partida. Como apenas a conclusão foi registrada em vídeo, há divergências de relatos sobre toda a jogada que originou o gol. Joelmir Beting assegurava que Pelé driblou alguns jogadores por mais de uma vez. Outros, caso de Mengálvio, dizem que o que houve foi destreza na proteção da bola, e não exatamente dribles. “Ele partiu com a bola dominada e, com o corpo, a protegia da marcação. Até que chegou ao gol”.
Até os adversários reconheciam a beleza da jogada de Pelé. “Foi uma jogada que mereceu mesmo uma placa, já que fazer um gol naquela defesa não era missão muito fácil”, observou o ex-zagueiro Jair Marinho em 2001. Mostrando-se dono de memória privilegiada, ele nominou os companheiros que o Atleta do Século deixou para trás. O primeiro da lista foi o meia Edmílson, encarregado da marcação de Pelé. Na seqüência, vieram os meias de ligação Paulinho e Clóvis, o lateral-esquerdo Altair e o zagueiro Pinheiro. “O Pelé me conhecia e quando cheguei na cobertura ele não me driblou. Tocou no canto do Castilho”, garantiu.
Para Altair, um dos driblados, a forma como as equipes jogavam na época possibilitou a realização e conclusão do gol de placa. Segundo ele, não existia a filosofia de interromper a jogada após o primeiro drible, como acontece no futebol atual. “Hoje em dia, fazer uma jogada como aquela seria quase impossível”, afirmou.
A ideia da placa - Por muito tempo, o jornalista Joelmir Beting foi erroneamente citado como o autor da expressão “gol de placa”. Ele próprio esclareceu o assunto na reportagem de 2001. “Na realidade, não criei essa frase. O que aconteceu foi que tive a idéia de fazer uma placa em alusão ao gol marcado pelo Pelé”, explicou. “Depois disso, a cada belo gol, os locutores esportivos passavam a dizer ‘esse também merece uma placa’, criando-se, assim, a famosa expressão.”
O jornalista na época trabalhava no diário esportivo paulista O Esporte, como repórter responsável pela cobertura do Santos. Na época, o Torneio Rio-São Paulo tinha importância e representatividade maiores. Por isso, ele foi escalado para ir ao Rio acompanhar a partida entre Fluminense e Santos. Além de escrever sobre o jogo, o jovem Joelmir devia mencionar em seu texto a forma como o jornalista e dramaturgo Nelson Rodrigues comportava-se na tribuna de imprensa. A estratégia? Sentar-se ao lado do ídolo. “Ele também me admirava e via em mim uma espécie de discípulo”.
Em meio aos aplausos dos torcedores que lotavam o Maracanã, Beting contou a Vilaron que ouviu um lamento solitário. “Essa obra vai ficar sem memória”, bradava Nelson Rodrigues, indignado. “Onde está o Canal 100?”, perguntava a todos, referindo-se à produtora que fazia sucesso gravando imagens dos jogos e exibindo-as nas salas de cinema antes dos filmes. O Canal 100 estava lá, mas como era costume da produção, registrava-se na maioria das vezes apenas as cenas que aconteciam dentro da área. “Mas, naquele caso, isso não era suficiente, pois a virtude da jogada foi a forma como ela foi construída, os dribles. Por isso o Nelson insistia naquela história de que a obra iria ficar sem memória”, contou Joelmir.
O mais bonito da história - A frase do dramaturgo acompanhou o jovem jornalista por dois dias. Até que encontrou a solução para eternizar a jogada: uma placa de bronze que registraria o fato. Rapidamente levou a idéia ao editor de O Esporte, Walter Lacerda, que a aprovou prontamente, assegurando que o jornal arcaria com as despesas. Joelmir, então, providenciou a confecção da peça com a inscrição "Neste campo no dia 5-3-1961 Pelé marcou o tento mais bonito da história do Maracanã", que ficaria exposta no saguão de entrada do Maracanã.
A placa seria descerrada pelo próprio Pelé no domingo seguinte, quando o Santos voltaria ao estádio para enfrentar o Vasco. “Viajei com ela na minha mala. Chegando lá, providenciamos dois pregos, uma toalha de banho, pois não tínhamos aquela cortininha, e barbante. Assim foi feita a cerimônia”, recordou, acrescentando que que não teve as despesas reembolsadas pelo jornal. Em 2001, quando a reportagem foi publicada, a placa original estava recolhida no acervo do extinto Museu do Futebol no Maracanã. Em seu lugar, junto a quatro fotos do gol, uma placa descerrada por Pelé nos 50 anos do estádio a substituía.
Anos depois, Pelé agradeceu a homenagem presenteando o jornalista com uma placa de acrílico com a seguinte inscrição: “Ao Joelmir Beting, o idealizador da placa do Gol de Placa, o reconhecimento de quem fez o gol. Minha gratidão por essa homenagem eterna... Pelé”.
Pelé em 100 fotos do Estadão
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