Pan de 1963 em São Paulo: abertura no Pacaembu, jogos no Parque Antártica e vila olímpica na USP


Jornalista Luiz Carlos Ramos, na época um estudante, relembra a emoção de assistir à “Olimpíada das Américas” na cidade

Por Luiz Carlos Ramos
Atualização:

O início dos Jogos Pan-Americanos em Santiago, no Chile, leva a memória de alguns paulistanos há 60 anos: em 1963, a competição foi realizada na capital paulista. Uma cidade bastante diferente, como relembra o jornalista Luiz Carlos Ramos, na época um estudante de 19 anos de idade.

Pacaembu lotado prestigiou a cerimônia de abertura do Pan de São Paulo, em 1963 Foto: Arquivo/Estadão

Um esporte menos profissional, uma cidade mais humana

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Por Luiz Carlos Ramos

Naquela tarde de 20 de abril de 1963, ocupei, orgulhoso, meu lugar entre os 50 mil espectadores do Estádio do Pacaembu. O mesmo gramado de tantos grandes jogos de futebol estava, então, invadido por atletas e bandeiras de 22 países e colônias: era a abertura da quarta edição dos Jogos Pan-Americanos. São Paulo, então uma cidade de pouco mais de 3 milhões de habitantes, de bondes e de vida tranqüila, recebia a Olimpíada das Américas e tinha motivos para tanto entusiasmo.

Para mim, estudante de 19 anos que ainda não esperava ser jornalista, aquele Pacaembu colorido era muito especial. Por alguns dias, o Brasil, bicampeão mundial de futebol de 1958 e 1962, abriria espaço para outras modalidades esportivas. Foi a primeira vez em que o País promoveu o Pan, espetáculo que só voltaria ao País em 2007, com sede no Rio de Janeiro, que anos depois, em 2016, também receberia uma Olimpíada.

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O mundo de 60 anos atrás era bem diferente. Tempo dos Beatles, de Brigitte Bardot, dos Fuscas, da minissaia, da pílula anticoncepcional, de Garrincha e Pelé. Alguns meses depois, em 22 de novembro, o presidente americano, John Kennedy seria assassinado.

Aprendi a melodia do Hino dos Estados Unidos, naquele ano. Nem poderia ser de outra forma: meu pai, o engenheiro Luiz Gonzaga Ramos, fanático pelo atletismo, levou-me ao Pacaembu durante toda a última semana de abril para ver corridas, saltos e arremessos. Isso mesmo.

Página do Estadão de 21/4/1963 sobre a abertura dos Jogos Pan-Americanos de São Paulo. Foto: Acervo Estadão
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Abertura dos Jogos Pan-americanos de 1963 no estádio do Pacaembu Foto: Estadão

O Estádio Municipal, inaugurado em 1940, tinha uma pista de atletismo, usada no Campeonato Sul-Americano de 1954 e, é claro, no Pan de 1963. Uma vez que os atletas americanos ganharam quase todas as provas disputadas, as cerimônias de entrega de medalhas entraram numa rotina, com a banda da Polícia Militar de São Paulo impondo os acordes do hino de Tio Sam.

Cuba já era dominada por Fidel Castro e ainda não se tornara potência esportiva. Mesmo assim, a ilha de Fidel acabou ficando em sexto lugar no total de medalhas, graças principalmente aos seus ágeis heróis de corridas de curta distância.

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O panorama geográfico e político das Américas, entretanto, era diferente do atual. Além de Cuba, vários países estavam sob ditadura. O Caribe tinha poucas nações independentes, entre as quais Cuba, Haiti e República Dominicana. Assim, o Pan de São Paulo recebeu atletas de colônias britânicas, holandesas e francesas, assim como as delegações mais numerosas, que acabaram ficando com a maior parte das medalhas.

Os Estados Unidos levaram 187 medalhas, sendo 101 de ouro, 51 de prata e 35 de bronze. O Brasil, com a vantagem de disputar todas as modalidades esportivas, apareceu em segundo lugar, com 52 medalhas: 15 de ouro, 20 de prata e 17 de bronze. Em seguida, na classificação, apareceram Canadá, Argentina, Venezuela, Cuba, Uruguai, México, Chile, Trinidad-Tobago, Guiana, Antilhas Holandesas, Porto Rico, Jamaica, Guatemala, Panamá, Peru e Barbados.

Cartazes alusivos a realização dos Jogos Pan-americanos de 1963. Foto: Estadão
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Vila Olímpica na Cidade Universitária

Onde alojar os 1.771 atletas inscritos? O Comitê Organizador do Pan, comandado pelo então presidente do Comitê Olímpico Brasileiro (COB), major Sylvio de Magalhães Padilha, conseguiu do Governo do Estado um apoio importante: foram aceleradas as obras dos edifícios destinados a estudantes, na Cidade Universitária da USP, surgindo a Vila Pan-Americana. Cada atleta ganhou uma lembrança simples: um pequeno broche dourado e prateado com o símbolo dos Jogos de 1963.

Se o atletismo usava o Estádio do Pacaembu, o torneio de futebol do Pan ficava com o Parque Antártica. O Brasil, com um time de jovens, ganhou o ouro. Uma outra boa lembrança daqueles dias foi a ocasião em que, no Fusca do meu pai, com o meu amigo Roberto Avallone, que faria carreira brilhante no jornalismo, dei carona a um juiz de futebol do Pan. O árbitro americano acabava de sair do Parque Antártica e estava meio perdido para tomar um táxi. Oferecemos levá-lo ao hotel no centro da cidade e ele aceitou. Como agradecimento, o juiz nos presenteou com broches da equipe americana.

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Outras modalidades esportivas recorriam ao ginásio e às piscinas do complexo do Pacaembu e dos clubes Pinheiros e Paulistano. O vôlei, ainda não tão popular, assegurou ao Brasil as medalhas de ouro do masculino e do feminino. O Ginásio do Ibirapuera, inaugurado em 1957, chegou a receber mais de 12 mil pessoas nos grandes jogos de basquete masculino e feminino.

Os Estados Unidos ficaram com a medalha de ouro tanto no torneio de homens quanto no de mulheres. O time masculino do Brasil perdeu o título do Pan para os americanos, em 4 de maio, mas acabou sendo bicampeão mundial logo depois, em 25 de maio, no Rio. Tendo como técnico o agitado Togo Renan Soares, o Kanela (tio de Jô Soares), a equipe brasileira era excelente: Wlamir, Amaury, Rosa Branca, Victor e Sucar. Naquele tempo, Corinthians, Palmeiras, Sírio e a cidade de Franca disputavam o predomínio no basquete masculino. Oscar Schmidt era, então, um garoto de 6 anos de idade, em Natal.

Atleta salta de trampolim no clubePalmeiras nas provasclassificatórias de saltos ornamentaispara os Jogos Pan-americanos de 1963, realizados em São Paulo Foto: Domício Pinheiro/Estadão

Vi alguns jogos de basquete do Pan no Ibirapuera, sem precisar pagar: na tentativa de garantir público em todas as disputas, o Comitê Organizador fez um acordo com a Secretaria da Educação do Estado, pelo qual os estudantes paulistanos receberam carnês que davam direito a assistir várias provas e jogos.

Também foi gratuitamente que vi um jogo de beisebol pela primeira vez em minha vida. E era um verdadeiro clássico: Cuba contra Venezuela. Os cubanos foram os campeões do Pan. O torneio foi disputado no Estádio Municipal de Beisebol do Bom Retiro, ao lado da Marginal do Tietê e do lugar onde hoje existe a sede da Gaviões da Fiel. Esporte popular nos Estados Unidos, no Caribe e em alguns países da América Central, o beisebol do Brasil era praticamente restrito à colônia japonesa. Não entendi direito as regras, mas valeu a pena.

Maria Esther Bueno

No tênis, a campeã do Pan foi a brasileira Maria Esther Bueno, uma das melhores jogadoras do mundo em todos os tempos. Em 1959, ela havia conquistado pela primeira vez o título de simples do lendário torneio de Wimbledon, que voltaria a ganhar nos anos 60. No masculino, outra medalha de ouro para o Brasil, garantida por Ronald Barnes. Tempos em que a avó de Gustavo Kuerten era moça.

Maria Esther Buenoganhadora de três medalhas no IV Jogos Pan-Americanos de 1963 realizado em São Paulo. Esther Bueno ganhou ouro na simples de tênis e prata de dupla feminina e prata de dupla mista, maio de 1963. Foto: Acervo/ Estadão

As provas de remo não usaram o Rio Tietê, então já bastante poluído: construiu-se a Raia Olímpica, ao lado da Cidade Universitária e da Marginal do Pinheiros. O ciclismo de pista utilizou o Velódromo do Ibirapuera, que não existe mais: ficava onde hoje surge o Estádio de Atletismo, ao lado do ginásio. A Represa de Guarapiranga recebeu o iatismo, a Sociedade Hípica Paulista e o Clube Hípico de Santo Amaro ficaram com o hipismo.

A cerimônia de encerramento do Pan de 1963 também foi no Pacaembu, onde havia uma concha acústica e não as arquibancadas do “tobogã”. Em 5 de maio, a mensagem foi “Até Winnipeg, em 1967″. Winnipeg, no Canadá, tornou-se uma das duas únicas cidades a abrigar o Pan duas vezes: o de 1967 e o de 1999. A outra foi a Cidade do México, com as disputas de 1955 e 1975. Na verdade, São Paulo poderia ter promovido também o Pan de 1975, mas desistiu da sede alegando oficialmente a existência de um “surto de meningite”.

A meningite, de fato, preocupava às autoridades. Entretanto, o motivo real da desistência seria mais tarde revelado pelo presidente do COB, major Sylvio de Magalhães Padilha: uma vez que os governos federal e estadual não garantiam dinheiro para obras básicas de infra-estrutura, os dirigentes brasileiros abriram mão da sede, que acabou ficando com a Cidade do México. O Pan de 1975, aliás, mudou de mãos duas vezes. A sede original era Santiago do Chile, mas, com o golpe militar que provocou a destituição e a morte do presidente Salvador Allende, os chilenos desistiram, surgindo a chance de São Paulo, mais tarde transferida aos mexicanos.

O primeiro Pan foi realizado em Buenos Aires, de 25 de fevereiro a 8 de março de 1951. A Argentina, dominada pelo populismo de Juan Domingo Perón e Evita, teve sua quinzena de potência esportiva, terminando a competição em primeiro lugar, com 147 medalhas. Os Estados Unidos ganharam 84. O Brasil ficou em quinto lugar, com 31. Depois do Pan de 1955 na Cidade do México, foi a vez da americana Chicago, em 1959. No decorrer destes anos, o Pan tem crescido, apesar de os americanos não usarem nele a força máxima, geralmente reservada para as Olimpíadas.

Para os paulistanos de 60 anos de idade ou mais, os Jogos de 1963 remetem à saudade de um esporte menos profissionalizado e de uma cidade mais humana.

Luiz Carlos Ramos, jornalista, trabalhou por 40 anos no Estadão e no Jornal da Tarde e acaba de lançar o livro “Vida de Jornalista”.

[Texto publicado originalmente no Estadao.com.br em 2003]

O início dos Jogos Pan-Americanos em Santiago, no Chile, leva a memória de alguns paulistanos há 60 anos: em 1963, a competição foi realizada na capital paulista. Uma cidade bastante diferente, como relembra o jornalista Luiz Carlos Ramos, na época um estudante de 19 anos de idade.

Pacaembu lotado prestigiou a cerimônia de abertura do Pan de São Paulo, em 1963 Foto: Arquivo/Estadão

Um esporte menos profissional, uma cidade mais humana

Por Luiz Carlos Ramos

Naquela tarde de 20 de abril de 1963, ocupei, orgulhoso, meu lugar entre os 50 mil espectadores do Estádio do Pacaembu. O mesmo gramado de tantos grandes jogos de futebol estava, então, invadido por atletas e bandeiras de 22 países e colônias: era a abertura da quarta edição dos Jogos Pan-Americanos. São Paulo, então uma cidade de pouco mais de 3 milhões de habitantes, de bondes e de vida tranqüila, recebia a Olimpíada das Américas e tinha motivos para tanto entusiasmo.

Para mim, estudante de 19 anos que ainda não esperava ser jornalista, aquele Pacaembu colorido era muito especial. Por alguns dias, o Brasil, bicampeão mundial de futebol de 1958 e 1962, abriria espaço para outras modalidades esportivas. Foi a primeira vez em que o País promoveu o Pan, espetáculo que só voltaria ao País em 2007, com sede no Rio de Janeiro, que anos depois, em 2016, também receberia uma Olimpíada.

O mundo de 60 anos atrás era bem diferente. Tempo dos Beatles, de Brigitte Bardot, dos Fuscas, da minissaia, da pílula anticoncepcional, de Garrincha e Pelé. Alguns meses depois, em 22 de novembro, o presidente americano, John Kennedy seria assassinado.

Aprendi a melodia do Hino dos Estados Unidos, naquele ano. Nem poderia ser de outra forma: meu pai, o engenheiro Luiz Gonzaga Ramos, fanático pelo atletismo, levou-me ao Pacaembu durante toda a última semana de abril para ver corridas, saltos e arremessos. Isso mesmo.

Página do Estadão de 21/4/1963 sobre a abertura dos Jogos Pan-Americanos de São Paulo. Foto: Acervo Estadão
Abertura dos Jogos Pan-americanos de 1963 no estádio do Pacaembu Foto: Estadão

O Estádio Municipal, inaugurado em 1940, tinha uma pista de atletismo, usada no Campeonato Sul-Americano de 1954 e, é claro, no Pan de 1963. Uma vez que os atletas americanos ganharam quase todas as provas disputadas, as cerimônias de entrega de medalhas entraram numa rotina, com a banda da Polícia Militar de São Paulo impondo os acordes do hino de Tio Sam.

Cuba já era dominada por Fidel Castro e ainda não se tornara potência esportiva. Mesmo assim, a ilha de Fidel acabou ficando em sexto lugar no total de medalhas, graças principalmente aos seus ágeis heróis de corridas de curta distância.

O panorama geográfico e político das Américas, entretanto, era diferente do atual. Além de Cuba, vários países estavam sob ditadura. O Caribe tinha poucas nações independentes, entre as quais Cuba, Haiti e República Dominicana. Assim, o Pan de São Paulo recebeu atletas de colônias britânicas, holandesas e francesas, assim como as delegações mais numerosas, que acabaram ficando com a maior parte das medalhas.

Os Estados Unidos levaram 187 medalhas, sendo 101 de ouro, 51 de prata e 35 de bronze. O Brasil, com a vantagem de disputar todas as modalidades esportivas, apareceu em segundo lugar, com 52 medalhas: 15 de ouro, 20 de prata e 17 de bronze. Em seguida, na classificação, apareceram Canadá, Argentina, Venezuela, Cuba, Uruguai, México, Chile, Trinidad-Tobago, Guiana, Antilhas Holandesas, Porto Rico, Jamaica, Guatemala, Panamá, Peru e Barbados.

Cartazes alusivos a realização dos Jogos Pan-americanos de 1963. Foto: Estadão

Vila Olímpica na Cidade Universitária

Onde alojar os 1.771 atletas inscritos? O Comitê Organizador do Pan, comandado pelo então presidente do Comitê Olímpico Brasileiro (COB), major Sylvio de Magalhães Padilha, conseguiu do Governo do Estado um apoio importante: foram aceleradas as obras dos edifícios destinados a estudantes, na Cidade Universitária da USP, surgindo a Vila Pan-Americana. Cada atleta ganhou uma lembrança simples: um pequeno broche dourado e prateado com o símbolo dos Jogos de 1963.

Se o atletismo usava o Estádio do Pacaembu, o torneio de futebol do Pan ficava com o Parque Antártica. O Brasil, com um time de jovens, ganhou o ouro. Uma outra boa lembrança daqueles dias foi a ocasião em que, no Fusca do meu pai, com o meu amigo Roberto Avallone, que faria carreira brilhante no jornalismo, dei carona a um juiz de futebol do Pan. O árbitro americano acabava de sair do Parque Antártica e estava meio perdido para tomar um táxi. Oferecemos levá-lo ao hotel no centro da cidade e ele aceitou. Como agradecimento, o juiz nos presenteou com broches da equipe americana.

Outras modalidades esportivas recorriam ao ginásio e às piscinas do complexo do Pacaembu e dos clubes Pinheiros e Paulistano. O vôlei, ainda não tão popular, assegurou ao Brasil as medalhas de ouro do masculino e do feminino. O Ginásio do Ibirapuera, inaugurado em 1957, chegou a receber mais de 12 mil pessoas nos grandes jogos de basquete masculino e feminino.

Os Estados Unidos ficaram com a medalha de ouro tanto no torneio de homens quanto no de mulheres. O time masculino do Brasil perdeu o título do Pan para os americanos, em 4 de maio, mas acabou sendo bicampeão mundial logo depois, em 25 de maio, no Rio. Tendo como técnico o agitado Togo Renan Soares, o Kanela (tio de Jô Soares), a equipe brasileira era excelente: Wlamir, Amaury, Rosa Branca, Victor e Sucar. Naquele tempo, Corinthians, Palmeiras, Sírio e a cidade de Franca disputavam o predomínio no basquete masculino. Oscar Schmidt era, então, um garoto de 6 anos de idade, em Natal.

Atleta salta de trampolim no clubePalmeiras nas provasclassificatórias de saltos ornamentaispara os Jogos Pan-americanos de 1963, realizados em São Paulo Foto: Domício Pinheiro/Estadão

Vi alguns jogos de basquete do Pan no Ibirapuera, sem precisar pagar: na tentativa de garantir público em todas as disputas, o Comitê Organizador fez um acordo com a Secretaria da Educação do Estado, pelo qual os estudantes paulistanos receberam carnês que davam direito a assistir várias provas e jogos.

Também foi gratuitamente que vi um jogo de beisebol pela primeira vez em minha vida. E era um verdadeiro clássico: Cuba contra Venezuela. Os cubanos foram os campeões do Pan. O torneio foi disputado no Estádio Municipal de Beisebol do Bom Retiro, ao lado da Marginal do Tietê e do lugar onde hoje existe a sede da Gaviões da Fiel. Esporte popular nos Estados Unidos, no Caribe e em alguns países da América Central, o beisebol do Brasil era praticamente restrito à colônia japonesa. Não entendi direito as regras, mas valeu a pena.

Maria Esther Bueno

No tênis, a campeã do Pan foi a brasileira Maria Esther Bueno, uma das melhores jogadoras do mundo em todos os tempos. Em 1959, ela havia conquistado pela primeira vez o título de simples do lendário torneio de Wimbledon, que voltaria a ganhar nos anos 60. No masculino, outra medalha de ouro para o Brasil, garantida por Ronald Barnes. Tempos em que a avó de Gustavo Kuerten era moça.

Maria Esther Buenoganhadora de três medalhas no IV Jogos Pan-Americanos de 1963 realizado em São Paulo. Esther Bueno ganhou ouro na simples de tênis e prata de dupla feminina e prata de dupla mista, maio de 1963. Foto: Acervo/ Estadão

As provas de remo não usaram o Rio Tietê, então já bastante poluído: construiu-se a Raia Olímpica, ao lado da Cidade Universitária e da Marginal do Pinheiros. O ciclismo de pista utilizou o Velódromo do Ibirapuera, que não existe mais: ficava onde hoje surge o Estádio de Atletismo, ao lado do ginásio. A Represa de Guarapiranga recebeu o iatismo, a Sociedade Hípica Paulista e o Clube Hípico de Santo Amaro ficaram com o hipismo.

A cerimônia de encerramento do Pan de 1963 também foi no Pacaembu, onde havia uma concha acústica e não as arquibancadas do “tobogã”. Em 5 de maio, a mensagem foi “Até Winnipeg, em 1967″. Winnipeg, no Canadá, tornou-se uma das duas únicas cidades a abrigar o Pan duas vezes: o de 1967 e o de 1999. A outra foi a Cidade do México, com as disputas de 1955 e 1975. Na verdade, São Paulo poderia ter promovido também o Pan de 1975, mas desistiu da sede alegando oficialmente a existência de um “surto de meningite”.

A meningite, de fato, preocupava às autoridades. Entretanto, o motivo real da desistência seria mais tarde revelado pelo presidente do COB, major Sylvio de Magalhães Padilha: uma vez que os governos federal e estadual não garantiam dinheiro para obras básicas de infra-estrutura, os dirigentes brasileiros abriram mão da sede, que acabou ficando com a Cidade do México. O Pan de 1975, aliás, mudou de mãos duas vezes. A sede original era Santiago do Chile, mas, com o golpe militar que provocou a destituição e a morte do presidente Salvador Allende, os chilenos desistiram, surgindo a chance de São Paulo, mais tarde transferida aos mexicanos.

O primeiro Pan foi realizado em Buenos Aires, de 25 de fevereiro a 8 de março de 1951. A Argentina, dominada pelo populismo de Juan Domingo Perón e Evita, teve sua quinzena de potência esportiva, terminando a competição em primeiro lugar, com 147 medalhas. Os Estados Unidos ganharam 84. O Brasil ficou em quinto lugar, com 31. Depois do Pan de 1955 na Cidade do México, foi a vez da americana Chicago, em 1959. No decorrer destes anos, o Pan tem crescido, apesar de os americanos não usarem nele a força máxima, geralmente reservada para as Olimpíadas.

Para os paulistanos de 60 anos de idade ou mais, os Jogos de 1963 remetem à saudade de um esporte menos profissionalizado e de uma cidade mais humana.

Luiz Carlos Ramos, jornalista, trabalhou por 40 anos no Estadão e no Jornal da Tarde e acaba de lançar o livro “Vida de Jornalista”.

[Texto publicado originalmente no Estadao.com.br em 2003]

O início dos Jogos Pan-Americanos em Santiago, no Chile, leva a memória de alguns paulistanos há 60 anos: em 1963, a competição foi realizada na capital paulista. Uma cidade bastante diferente, como relembra o jornalista Luiz Carlos Ramos, na época um estudante de 19 anos de idade.

Pacaembu lotado prestigiou a cerimônia de abertura do Pan de São Paulo, em 1963 Foto: Arquivo/Estadão

Um esporte menos profissional, uma cidade mais humana

Por Luiz Carlos Ramos

Naquela tarde de 20 de abril de 1963, ocupei, orgulhoso, meu lugar entre os 50 mil espectadores do Estádio do Pacaembu. O mesmo gramado de tantos grandes jogos de futebol estava, então, invadido por atletas e bandeiras de 22 países e colônias: era a abertura da quarta edição dos Jogos Pan-Americanos. São Paulo, então uma cidade de pouco mais de 3 milhões de habitantes, de bondes e de vida tranqüila, recebia a Olimpíada das Américas e tinha motivos para tanto entusiasmo.

Para mim, estudante de 19 anos que ainda não esperava ser jornalista, aquele Pacaembu colorido era muito especial. Por alguns dias, o Brasil, bicampeão mundial de futebol de 1958 e 1962, abriria espaço para outras modalidades esportivas. Foi a primeira vez em que o País promoveu o Pan, espetáculo que só voltaria ao País em 2007, com sede no Rio de Janeiro, que anos depois, em 2016, também receberia uma Olimpíada.

O mundo de 60 anos atrás era bem diferente. Tempo dos Beatles, de Brigitte Bardot, dos Fuscas, da minissaia, da pílula anticoncepcional, de Garrincha e Pelé. Alguns meses depois, em 22 de novembro, o presidente americano, John Kennedy seria assassinado.

Aprendi a melodia do Hino dos Estados Unidos, naquele ano. Nem poderia ser de outra forma: meu pai, o engenheiro Luiz Gonzaga Ramos, fanático pelo atletismo, levou-me ao Pacaembu durante toda a última semana de abril para ver corridas, saltos e arremessos. Isso mesmo.

Página do Estadão de 21/4/1963 sobre a abertura dos Jogos Pan-Americanos de São Paulo. Foto: Acervo Estadão
Abertura dos Jogos Pan-americanos de 1963 no estádio do Pacaembu Foto: Estadão

O Estádio Municipal, inaugurado em 1940, tinha uma pista de atletismo, usada no Campeonato Sul-Americano de 1954 e, é claro, no Pan de 1963. Uma vez que os atletas americanos ganharam quase todas as provas disputadas, as cerimônias de entrega de medalhas entraram numa rotina, com a banda da Polícia Militar de São Paulo impondo os acordes do hino de Tio Sam.

Cuba já era dominada por Fidel Castro e ainda não se tornara potência esportiva. Mesmo assim, a ilha de Fidel acabou ficando em sexto lugar no total de medalhas, graças principalmente aos seus ágeis heróis de corridas de curta distância.

O panorama geográfico e político das Américas, entretanto, era diferente do atual. Além de Cuba, vários países estavam sob ditadura. O Caribe tinha poucas nações independentes, entre as quais Cuba, Haiti e República Dominicana. Assim, o Pan de São Paulo recebeu atletas de colônias britânicas, holandesas e francesas, assim como as delegações mais numerosas, que acabaram ficando com a maior parte das medalhas.

Os Estados Unidos levaram 187 medalhas, sendo 101 de ouro, 51 de prata e 35 de bronze. O Brasil, com a vantagem de disputar todas as modalidades esportivas, apareceu em segundo lugar, com 52 medalhas: 15 de ouro, 20 de prata e 17 de bronze. Em seguida, na classificação, apareceram Canadá, Argentina, Venezuela, Cuba, Uruguai, México, Chile, Trinidad-Tobago, Guiana, Antilhas Holandesas, Porto Rico, Jamaica, Guatemala, Panamá, Peru e Barbados.

Cartazes alusivos a realização dos Jogos Pan-americanos de 1963. Foto: Estadão

Vila Olímpica na Cidade Universitária

Onde alojar os 1.771 atletas inscritos? O Comitê Organizador do Pan, comandado pelo então presidente do Comitê Olímpico Brasileiro (COB), major Sylvio de Magalhães Padilha, conseguiu do Governo do Estado um apoio importante: foram aceleradas as obras dos edifícios destinados a estudantes, na Cidade Universitária da USP, surgindo a Vila Pan-Americana. Cada atleta ganhou uma lembrança simples: um pequeno broche dourado e prateado com o símbolo dos Jogos de 1963.

Se o atletismo usava o Estádio do Pacaembu, o torneio de futebol do Pan ficava com o Parque Antártica. O Brasil, com um time de jovens, ganhou o ouro. Uma outra boa lembrança daqueles dias foi a ocasião em que, no Fusca do meu pai, com o meu amigo Roberto Avallone, que faria carreira brilhante no jornalismo, dei carona a um juiz de futebol do Pan. O árbitro americano acabava de sair do Parque Antártica e estava meio perdido para tomar um táxi. Oferecemos levá-lo ao hotel no centro da cidade e ele aceitou. Como agradecimento, o juiz nos presenteou com broches da equipe americana.

Outras modalidades esportivas recorriam ao ginásio e às piscinas do complexo do Pacaembu e dos clubes Pinheiros e Paulistano. O vôlei, ainda não tão popular, assegurou ao Brasil as medalhas de ouro do masculino e do feminino. O Ginásio do Ibirapuera, inaugurado em 1957, chegou a receber mais de 12 mil pessoas nos grandes jogos de basquete masculino e feminino.

Os Estados Unidos ficaram com a medalha de ouro tanto no torneio de homens quanto no de mulheres. O time masculino do Brasil perdeu o título do Pan para os americanos, em 4 de maio, mas acabou sendo bicampeão mundial logo depois, em 25 de maio, no Rio. Tendo como técnico o agitado Togo Renan Soares, o Kanela (tio de Jô Soares), a equipe brasileira era excelente: Wlamir, Amaury, Rosa Branca, Victor e Sucar. Naquele tempo, Corinthians, Palmeiras, Sírio e a cidade de Franca disputavam o predomínio no basquete masculino. Oscar Schmidt era, então, um garoto de 6 anos de idade, em Natal.

Atleta salta de trampolim no clubePalmeiras nas provasclassificatórias de saltos ornamentaispara os Jogos Pan-americanos de 1963, realizados em São Paulo Foto: Domício Pinheiro/Estadão

Vi alguns jogos de basquete do Pan no Ibirapuera, sem precisar pagar: na tentativa de garantir público em todas as disputas, o Comitê Organizador fez um acordo com a Secretaria da Educação do Estado, pelo qual os estudantes paulistanos receberam carnês que davam direito a assistir várias provas e jogos.

Também foi gratuitamente que vi um jogo de beisebol pela primeira vez em minha vida. E era um verdadeiro clássico: Cuba contra Venezuela. Os cubanos foram os campeões do Pan. O torneio foi disputado no Estádio Municipal de Beisebol do Bom Retiro, ao lado da Marginal do Tietê e do lugar onde hoje existe a sede da Gaviões da Fiel. Esporte popular nos Estados Unidos, no Caribe e em alguns países da América Central, o beisebol do Brasil era praticamente restrito à colônia japonesa. Não entendi direito as regras, mas valeu a pena.

Maria Esther Bueno

No tênis, a campeã do Pan foi a brasileira Maria Esther Bueno, uma das melhores jogadoras do mundo em todos os tempos. Em 1959, ela havia conquistado pela primeira vez o título de simples do lendário torneio de Wimbledon, que voltaria a ganhar nos anos 60. No masculino, outra medalha de ouro para o Brasil, garantida por Ronald Barnes. Tempos em que a avó de Gustavo Kuerten era moça.

Maria Esther Buenoganhadora de três medalhas no IV Jogos Pan-Americanos de 1963 realizado em São Paulo. Esther Bueno ganhou ouro na simples de tênis e prata de dupla feminina e prata de dupla mista, maio de 1963. Foto: Acervo/ Estadão

As provas de remo não usaram o Rio Tietê, então já bastante poluído: construiu-se a Raia Olímpica, ao lado da Cidade Universitária e da Marginal do Pinheiros. O ciclismo de pista utilizou o Velódromo do Ibirapuera, que não existe mais: ficava onde hoje surge o Estádio de Atletismo, ao lado do ginásio. A Represa de Guarapiranga recebeu o iatismo, a Sociedade Hípica Paulista e o Clube Hípico de Santo Amaro ficaram com o hipismo.

A cerimônia de encerramento do Pan de 1963 também foi no Pacaembu, onde havia uma concha acústica e não as arquibancadas do “tobogã”. Em 5 de maio, a mensagem foi “Até Winnipeg, em 1967″. Winnipeg, no Canadá, tornou-se uma das duas únicas cidades a abrigar o Pan duas vezes: o de 1967 e o de 1999. A outra foi a Cidade do México, com as disputas de 1955 e 1975. Na verdade, São Paulo poderia ter promovido também o Pan de 1975, mas desistiu da sede alegando oficialmente a existência de um “surto de meningite”.

A meningite, de fato, preocupava às autoridades. Entretanto, o motivo real da desistência seria mais tarde revelado pelo presidente do COB, major Sylvio de Magalhães Padilha: uma vez que os governos federal e estadual não garantiam dinheiro para obras básicas de infra-estrutura, os dirigentes brasileiros abriram mão da sede, que acabou ficando com a Cidade do México. O Pan de 1975, aliás, mudou de mãos duas vezes. A sede original era Santiago do Chile, mas, com o golpe militar que provocou a destituição e a morte do presidente Salvador Allende, os chilenos desistiram, surgindo a chance de São Paulo, mais tarde transferida aos mexicanos.

O primeiro Pan foi realizado em Buenos Aires, de 25 de fevereiro a 8 de março de 1951. A Argentina, dominada pelo populismo de Juan Domingo Perón e Evita, teve sua quinzena de potência esportiva, terminando a competição em primeiro lugar, com 147 medalhas. Os Estados Unidos ganharam 84. O Brasil ficou em quinto lugar, com 31. Depois do Pan de 1955 na Cidade do México, foi a vez da americana Chicago, em 1959. No decorrer destes anos, o Pan tem crescido, apesar de os americanos não usarem nele a força máxima, geralmente reservada para as Olimpíadas.

Para os paulistanos de 60 anos de idade ou mais, os Jogos de 1963 remetem à saudade de um esporte menos profissionalizado e de uma cidade mais humana.

Luiz Carlos Ramos, jornalista, trabalhou por 40 anos no Estadão e no Jornal da Tarde e acaba de lançar o livro “Vida de Jornalista”.

[Texto publicado originalmente no Estadao.com.br em 2003]

O início dos Jogos Pan-Americanos em Santiago, no Chile, leva a memória de alguns paulistanos há 60 anos: em 1963, a competição foi realizada na capital paulista. Uma cidade bastante diferente, como relembra o jornalista Luiz Carlos Ramos, na época um estudante de 19 anos de idade.

Pacaembu lotado prestigiou a cerimônia de abertura do Pan de São Paulo, em 1963 Foto: Arquivo/Estadão

Um esporte menos profissional, uma cidade mais humana

Por Luiz Carlos Ramos

Naquela tarde de 20 de abril de 1963, ocupei, orgulhoso, meu lugar entre os 50 mil espectadores do Estádio do Pacaembu. O mesmo gramado de tantos grandes jogos de futebol estava, então, invadido por atletas e bandeiras de 22 países e colônias: era a abertura da quarta edição dos Jogos Pan-Americanos. São Paulo, então uma cidade de pouco mais de 3 milhões de habitantes, de bondes e de vida tranqüila, recebia a Olimpíada das Américas e tinha motivos para tanto entusiasmo.

Para mim, estudante de 19 anos que ainda não esperava ser jornalista, aquele Pacaembu colorido era muito especial. Por alguns dias, o Brasil, bicampeão mundial de futebol de 1958 e 1962, abriria espaço para outras modalidades esportivas. Foi a primeira vez em que o País promoveu o Pan, espetáculo que só voltaria ao País em 2007, com sede no Rio de Janeiro, que anos depois, em 2016, também receberia uma Olimpíada.

O mundo de 60 anos atrás era bem diferente. Tempo dos Beatles, de Brigitte Bardot, dos Fuscas, da minissaia, da pílula anticoncepcional, de Garrincha e Pelé. Alguns meses depois, em 22 de novembro, o presidente americano, John Kennedy seria assassinado.

Aprendi a melodia do Hino dos Estados Unidos, naquele ano. Nem poderia ser de outra forma: meu pai, o engenheiro Luiz Gonzaga Ramos, fanático pelo atletismo, levou-me ao Pacaembu durante toda a última semana de abril para ver corridas, saltos e arremessos. Isso mesmo.

Página do Estadão de 21/4/1963 sobre a abertura dos Jogos Pan-Americanos de São Paulo. Foto: Acervo Estadão
Abertura dos Jogos Pan-americanos de 1963 no estádio do Pacaembu Foto: Estadão

O Estádio Municipal, inaugurado em 1940, tinha uma pista de atletismo, usada no Campeonato Sul-Americano de 1954 e, é claro, no Pan de 1963. Uma vez que os atletas americanos ganharam quase todas as provas disputadas, as cerimônias de entrega de medalhas entraram numa rotina, com a banda da Polícia Militar de São Paulo impondo os acordes do hino de Tio Sam.

Cuba já era dominada por Fidel Castro e ainda não se tornara potência esportiva. Mesmo assim, a ilha de Fidel acabou ficando em sexto lugar no total de medalhas, graças principalmente aos seus ágeis heróis de corridas de curta distância.

O panorama geográfico e político das Américas, entretanto, era diferente do atual. Além de Cuba, vários países estavam sob ditadura. O Caribe tinha poucas nações independentes, entre as quais Cuba, Haiti e República Dominicana. Assim, o Pan de São Paulo recebeu atletas de colônias britânicas, holandesas e francesas, assim como as delegações mais numerosas, que acabaram ficando com a maior parte das medalhas.

Os Estados Unidos levaram 187 medalhas, sendo 101 de ouro, 51 de prata e 35 de bronze. O Brasil, com a vantagem de disputar todas as modalidades esportivas, apareceu em segundo lugar, com 52 medalhas: 15 de ouro, 20 de prata e 17 de bronze. Em seguida, na classificação, apareceram Canadá, Argentina, Venezuela, Cuba, Uruguai, México, Chile, Trinidad-Tobago, Guiana, Antilhas Holandesas, Porto Rico, Jamaica, Guatemala, Panamá, Peru e Barbados.

Cartazes alusivos a realização dos Jogos Pan-americanos de 1963. Foto: Estadão

Vila Olímpica na Cidade Universitária

Onde alojar os 1.771 atletas inscritos? O Comitê Organizador do Pan, comandado pelo então presidente do Comitê Olímpico Brasileiro (COB), major Sylvio de Magalhães Padilha, conseguiu do Governo do Estado um apoio importante: foram aceleradas as obras dos edifícios destinados a estudantes, na Cidade Universitária da USP, surgindo a Vila Pan-Americana. Cada atleta ganhou uma lembrança simples: um pequeno broche dourado e prateado com o símbolo dos Jogos de 1963.

Se o atletismo usava o Estádio do Pacaembu, o torneio de futebol do Pan ficava com o Parque Antártica. O Brasil, com um time de jovens, ganhou o ouro. Uma outra boa lembrança daqueles dias foi a ocasião em que, no Fusca do meu pai, com o meu amigo Roberto Avallone, que faria carreira brilhante no jornalismo, dei carona a um juiz de futebol do Pan. O árbitro americano acabava de sair do Parque Antártica e estava meio perdido para tomar um táxi. Oferecemos levá-lo ao hotel no centro da cidade e ele aceitou. Como agradecimento, o juiz nos presenteou com broches da equipe americana.

Outras modalidades esportivas recorriam ao ginásio e às piscinas do complexo do Pacaembu e dos clubes Pinheiros e Paulistano. O vôlei, ainda não tão popular, assegurou ao Brasil as medalhas de ouro do masculino e do feminino. O Ginásio do Ibirapuera, inaugurado em 1957, chegou a receber mais de 12 mil pessoas nos grandes jogos de basquete masculino e feminino.

Os Estados Unidos ficaram com a medalha de ouro tanto no torneio de homens quanto no de mulheres. O time masculino do Brasil perdeu o título do Pan para os americanos, em 4 de maio, mas acabou sendo bicampeão mundial logo depois, em 25 de maio, no Rio. Tendo como técnico o agitado Togo Renan Soares, o Kanela (tio de Jô Soares), a equipe brasileira era excelente: Wlamir, Amaury, Rosa Branca, Victor e Sucar. Naquele tempo, Corinthians, Palmeiras, Sírio e a cidade de Franca disputavam o predomínio no basquete masculino. Oscar Schmidt era, então, um garoto de 6 anos de idade, em Natal.

Atleta salta de trampolim no clubePalmeiras nas provasclassificatórias de saltos ornamentaispara os Jogos Pan-americanos de 1963, realizados em São Paulo Foto: Domício Pinheiro/Estadão

Vi alguns jogos de basquete do Pan no Ibirapuera, sem precisar pagar: na tentativa de garantir público em todas as disputas, o Comitê Organizador fez um acordo com a Secretaria da Educação do Estado, pelo qual os estudantes paulistanos receberam carnês que davam direito a assistir várias provas e jogos.

Também foi gratuitamente que vi um jogo de beisebol pela primeira vez em minha vida. E era um verdadeiro clássico: Cuba contra Venezuela. Os cubanos foram os campeões do Pan. O torneio foi disputado no Estádio Municipal de Beisebol do Bom Retiro, ao lado da Marginal do Tietê e do lugar onde hoje existe a sede da Gaviões da Fiel. Esporte popular nos Estados Unidos, no Caribe e em alguns países da América Central, o beisebol do Brasil era praticamente restrito à colônia japonesa. Não entendi direito as regras, mas valeu a pena.

Maria Esther Bueno

No tênis, a campeã do Pan foi a brasileira Maria Esther Bueno, uma das melhores jogadoras do mundo em todos os tempos. Em 1959, ela havia conquistado pela primeira vez o título de simples do lendário torneio de Wimbledon, que voltaria a ganhar nos anos 60. No masculino, outra medalha de ouro para o Brasil, garantida por Ronald Barnes. Tempos em que a avó de Gustavo Kuerten era moça.

Maria Esther Buenoganhadora de três medalhas no IV Jogos Pan-Americanos de 1963 realizado em São Paulo. Esther Bueno ganhou ouro na simples de tênis e prata de dupla feminina e prata de dupla mista, maio de 1963. Foto: Acervo/ Estadão

As provas de remo não usaram o Rio Tietê, então já bastante poluído: construiu-se a Raia Olímpica, ao lado da Cidade Universitária e da Marginal do Pinheiros. O ciclismo de pista utilizou o Velódromo do Ibirapuera, que não existe mais: ficava onde hoje surge o Estádio de Atletismo, ao lado do ginásio. A Represa de Guarapiranga recebeu o iatismo, a Sociedade Hípica Paulista e o Clube Hípico de Santo Amaro ficaram com o hipismo.

A cerimônia de encerramento do Pan de 1963 também foi no Pacaembu, onde havia uma concha acústica e não as arquibancadas do “tobogã”. Em 5 de maio, a mensagem foi “Até Winnipeg, em 1967″. Winnipeg, no Canadá, tornou-se uma das duas únicas cidades a abrigar o Pan duas vezes: o de 1967 e o de 1999. A outra foi a Cidade do México, com as disputas de 1955 e 1975. Na verdade, São Paulo poderia ter promovido também o Pan de 1975, mas desistiu da sede alegando oficialmente a existência de um “surto de meningite”.

A meningite, de fato, preocupava às autoridades. Entretanto, o motivo real da desistência seria mais tarde revelado pelo presidente do COB, major Sylvio de Magalhães Padilha: uma vez que os governos federal e estadual não garantiam dinheiro para obras básicas de infra-estrutura, os dirigentes brasileiros abriram mão da sede, que acabou ficando com a Cidade do México. O Pan de 1975, aliás, mudou de mãos duas vezes. A sede original era Santiago do Chile, mas, com o golpe militar que provocou a destituição e a morte do presidente Salvador Allende, os chilenos desistiram, surgindo a chance de São Paulo, mais tarde transferida aos mexicanos.

O primeiro Pan foi realizado em Buenos Aires, de 25 de fevereiro a 8 de março de 1951. A Argentina, dominada pelo populismo de Juan Domingo Perón e Evita, teve sua quinzena de potência esportiva, terminando a competição em primeiro lugar, com 147 medalhas. Os Estados Unidos ganharam 84. O Brasil ficou em quinto lugar, com 31. Depois do Pan de 1955 na Cidade do México, foi a vez da americana Chicago, em 1959. No decorrer destes anos, o Pan tem crescido, apesar de os americanos não usarem nele a força máxima, geralmente reservada para as Olimpíadas.

Para os paulistanos de 60 anos de idade ou mais, os Jogos de 1963 remetem à saudade de um esporte menos profissionalizado e de uma cidade mais humana.

Luiz Carlos Ramos, jornalista, trabalhou por 40 anos no Estadão e no Jornal da Tarde e acaba de lançar o livro “Vida de Jornalista”.

[Texto publicado originalmente no Estadao.com.br em 2003]

O início dos Jogos Pan-Americanos em Santiago, no Chile, leva a memória de alguns paulistanos há 60 anos: em 1963, a competição foi realizada na capital paulista. Uma cidade bastante diferente, como relembra o jornalista Luiz Carlos Ramos, na época um estudante de 19 anos de idade.

Pacaembu lotado prestigiou a cerimônia de abertura do Pan de São Paulo, em 1963 Foto: Arquivo/Estadão

Um esporte menos profissional, uma cidade mais humana

Por Luiz Carlos Ramos

Naquela tarde de 20 de abril de 1963, ocupei, orgulhoso, meu lugar entre os 50 mil espectadores do Estádio do Pacaembu. O mesmo gramado de tantos grandes jogos de futebol estava, então, invadido por atletas e bandeiras de 22 países e colônias: era a abertura da quarta edição dos Jogos Pan-Americanos. São Paulo, então uma cidade de pouco mais de 3 milhões de habitantes, de bondes e de vida tranqüila, recebia a Olimpíada das Américas e tinha motivos para tanto entusiasmo.

Para mim, estudante de 19 anos que ainda não esperava ser jornalista, aquele Pacaembu colorido era muito especial. Por alguns dias, o Brasil, bicampeão mundial de futebol de 1958 e 1962, abriria espaço para outras modalidades esportivas. Foi a primeira vez em que o País promoveu o Pan, espetáculo que só voltaria ao País em 2007, com sede no Rio de Janeiro, que anos depois, em 2016, também receberia uma Olimpíada.

O mundo de 60 anos atrás era bem diferente. Tempo dos Beatles, de Brigitte Bardot, dos Fuscas, da minissaia, da pílula anticoncepcional, de Garrincha e Pelé. Alguns meses depois, em 22 de novembro, o presidente americano, John Kennedy seria assassinado.

Aprendi a melodia do Hino dos Estados Unidos, naquele ano. Nem poderia ser de outra forma: meu pai, o engenheiro Luiz Gonzaga Ramos, fanático pelo atletismo, levou-me ao Pacaembu durante toda a última semana de abril para ver corridas, saltos e arremessos. Isso mesmo.

Página do Estadão de 21/4/1963 sobre a abertura dos Jogos Pan-Americanos de São Paulo. Foto: Acervo Estadão
Abertura dos Jogos Pan-americanos de 1963 no estádio do Pacaembu Foto: Estadão

O Estádio Municipal, inaugurado em 1940, tinha uma pista de atletismo, usada no Campeonato Sul-Americano de 1954 e, é claro, no Pan de 1963. Uma vez que os atletas americanos ganharam quase todas as provas disputadas, as cerimônias de entrega de medalhas entraram numa rotina, com a banda da Polícia Militar de São Paulo impondo os acordes do hino de Tio Sam.

Cuba já era dominada por Fidel Castro e ainda não se tornara potência esportiva. Mesmo assim, a ilha de Fidel acabou ficando em sexto lugar no total de medalhas, graças principalmente aos seus ágeis heróis de corridas de curta distância.

O panorama geográfico e político das Américas, entretanto, era diferente do atual. Além de Cuba, vários países estavam sob ditadura. O Caribe tinha poucas nações independentes, entre as quais Cuba, Haiti e República Dominicana. Assim, o Pan de São Paulo recebeu atletas de colônias britânicas, holandesas e francesas, assim como as delegações mais numerosas, que acabaram ficando com a maior parte das medalhas.

Os Estados Unidos levaram 187 medalhas, sendo 101 de ouro, 51 de prata e 35 de bronze. O Brasil, com a vantagem de disputar todas as modalidades esportivas, apareceu em segundo lugar, com 52 medalhas: 15 de ouro, 20 de prata e 17 de bronze. Em seguida, na classificação, apareceram Canadá, Argentina, Venezuela, Cuba, Uruguai, México, Chile, Trinidad-Tobago, Guiana, Antilhas Holandesas, Porto Rico, Jamaica, Guatemala, Panamá, Peru e Barbados.

Cartazes alusivos a realização dos Jogos Pan-americanos de 1963. Foto: Estadão

Vila Olímpica na Cidade Universitária

Onde alojar os 1.771 atletas inscritos? O Comitê Organizador do Pan, comandado pelo então presidente do Comitê Olímpico Brasileiro (COB), major Sylvio de Magalhães Padilha, conseguiu do Governo do Estado um apoio importante: foram aceleradas as obras dos edifícios destinados a estudantes, na Cidade Universitária da USP, surgindo a Vila Pan-Americana. Cada atleta ganhou uma lembrança simples: um pequeno broche dourado e prateado com o símbolo dos Jogos de 1963.

Se o atletismo usava o Estádio do Pacaembu, o torneio de futebol do Pan ficava com o Parque Antártica. O Brasil, com um time de jovens, ganhou o ouro. Uma outra boa lembrança daqueles dias foi a ocasião em que, no Fusca do meu pai, com o meu amigo Roberto Avallone, que faria carreira brilhante no jornalismo, dei carona a um juiz de futebol do Pan. O árbitro americano acabava de sair do Parque Antártica e estava meio perdido para tomar um táxi. Oferecemos levá-lo ao hotel no centro da cidade e ele aceitou. Como agradecimento, o juiz nos presenteou com broches da equipe americana.

Outras modalidades esportivas recorriam ao ginásio e às piscinas do complexo do Pacaembu e dos clubes Pinheiros e Paulistano. O vôlei, ainda não tão popular, assegurou ao Brasil as medalhas de ouro do masculino e do feminino. O Ginásio do Ibirapuera, inaugurado em 1957, chegou a receber mais de 12 mil pessoas nos grandes jogos de basquete masculino e feminino.

Os Estados Unidos ficaram com a medalha de ouro tanto no torneio de homens quanto no de mulheres. O time masculino do Brasil perdeu o título do Pan para os americanos, em 4 de maio, mas acabou sendo bicampeão mundial logo depois, em 25 de maio, no Rio. Tendo como técnico o agitado Togo Renan Soares, o Kanela (tio de Jô Soares), a equipe brasileira era excelente: Wlamir, Amaury, Rosa Branca, Victor e Sucar. Naquele tempo, Corinthians, Palmeiras, Sírio e a cidade de Franca disputavam o predomínio no basquete masculino. Oscar Schmidt era, então, um garoto de 6 anos de idade, em Natal.

Atleta salta de trampolim no clubePalmeiras nas provasclassificatórias de saltos ornamentaispara os Jogos Pan-americanos de 1963, realizados em São Paulo Foto: Domício Pinheiro/Estadão

Vi alguns jogos de basquete do Pan no Ibirapuera, sem precisar pagar: na tentativa de garantir público em todas as disputas, o Comitê Organizador fez um acordo com a Secretaria da Educação do Estado, pelo qual os estudantes paulistanos receberam carnês que davam direito a assistir várias provas e jogos.

Também foi gratuitamente que vi um jogo de beisebol pela primeira vez em minha vida. E era um verdadeiro clássico: Cuba contra Venezuela. Os cubanos foram os campeões do Pan. O torneio foi disputado no Estádio Municipal de Beisebol do Bom Retiro, ao lado da Marginal do Tietê e do lugar onde hoje existe a sede da Gaviões da Fiel. Esporte popular nos Estados Unidos, no Caribe e em alguns países da América Central, o beisebol do Brasil era praticamente restrito à colônia japonesa. Não entendi direito as regras, mas valeu a pena.

Maria Esther Bueno

No tênis, a campeã do Pan foi a brasileira Maria Esther Bueno, uma das melhores jogadoras do mundo em todos os tempos. Em 1959, ela havia conquistado pela primeira vez o título de simples do lendário torneio de Wimbledon, que voltaria a ganhar nos anos 60. No masculino, outra medalha de ouro para o Brasil, garantida por Ronald Barnes. Tempos em que a avó de Gustavo Kuerten era moça.

Maria Esther Buenoganhadora de três medalhas no IV Jogos Pan-Americanos de 1963 realizado em São Paulo. Esther Bueno ganhou ouro na simples de tênis e prata de dupla feminina e prata de dupla mista, maio de 1963. Foto: Acervo/ Estadão

As provas de remo não usaram o Rio Tietê, então já bastante poluído: construiu-se a Raia Olímpica, ao lado da Cidade Universitária e da Marginal do Pinheiros. O ciclismo de pista utilizou o Velódromo do Ibirapuera, que não existe mais: ficava onde hoje surge o Estádio de Atletismo, ao lado do ginásio. A Represa de Guarapiranga recebeu o iatismo, a Sociedade Hípica Paulista e o Clube Hípico de Santo Amaro ficaram com o hipismo.

A cerimônia de encerramento do Pan de 1963 também foi no Pacaembu, onde havia uma concha acústica e não as arquibancadas do “tobogã”. Em 5 de maio, a mensagem foi “Até Winnipeg, em 1967″. Winnipeg, no Canadá, tornou-se uma das duas únicas cidades a abrigar o Pan duas vezes: o de 1967 e o de 1999. A outra foi a Cidade do México, com as disputas de 1955 e 1975. Na verdade, São Paulo poderia ter promovido também o Pan de 1975, mas desistiu da sede alegando oficialmente a existência de um “surto de meningite”.

A meningite, de fato, preocupava às autoridades. Entretanto, o motivo real da desistência seria mais tarde revelado pelo presidente do COB, major Sylvio de Magalhães Padilha: uma vez que os governos federal e estadual não garantiam dinheiro para obras básicas de infra-estrutura, os dirigentes brasileiros abriram mão da sede, que acabou ficando com a Cidade do México. O Pan de 1975, aliás, mudou de mãos duas vezes. A sede original era Santiago do Chile, mas, com o golpe militar que provocou a destituição e a morte do presidente Salvador Allende, os chilenos desistiram, surgindo a chance de São Paulo, mais tarde transferida aos mexicanos.

O primeiro Pan foi realizado em Buenos Aires, de 25 de fevereiro a 8 de março de 1951. A Argentina, dominada pelo populismo de Juan Domingo Perón e Evita, teve sua quinzena de potência esportiva, terminando a competição em primeiro lugar, com 147 medalhas. Os Estados Unidos ganharam 84. O Brasil ficou em quinto lugar, com 31. Depois do Pan de 1955 na Cidade do México, foi a vez da americana Chicago, em 1959. No decorrer destes anos, o Pan tem crescido, apesar de os americanos não usarem nele a força máxima, geralmente reservada para as Olimpíadas.

Para os paulistanos de 60 anos de idade ou mais, os Jogos de 1963 remetem à saudade de um esporte menos profissionalizado e de uma cidade mais humana.

Luiz Carlos Ramos, jornalista, trabalhou por 40 anos no Estadão e no Jornal da Tarde e acaba de lançar o livro “Vida de Jornalista”.

[Texto publicado originalmente no Estadao.com.br em 2003]

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