Atualizado em 13/10/2021, às 15:00
Um ponto fora da curva na conduta de líderes mundiais no combate à pandemia de covid-19, o presidente Jair Bolsonaro também é exceção no que se refere à posição de presidentes brasileiros frente à imunização contra outras doenças no passado. Com declarações que contrariam as recomendações sanitárias e uma postura errática quanto à vacinação - Bolsonaro chegou a usar de ironia ao falar, sem base científica, sobre possíveis efeitos adversos das vacinas e cunhou a frase que ficou famosa sobre o risco de pessoas virarem jacaré ao tomarem o imunizante.
Diferente de Bolsonaro, o histórico de seus antecessores nessa área revela um franco apoio à Saúde e à Ciência, com investimento na comunicação para esclarecer os benefícios das vacinas e alertar sobre os riscos da sua não utilização. Além dos tradicionais pronunciamentos pedindo à população que se vacinasse, não foram poucas as vezes que os presidentes, buscando demonstrar a segurança e estimular a vacinação, foram eles próprios “garotos propaganda” nas campanhas. Os mandatários fizeram do ato de se vacinar eventos publicitários. Já Bolsonaro declarou que talvez só vá se vacinar depois que o último brasileiro for vacinado, pois esse seria o "exemplo que um chefe tem que dar." Em entrevista à rádio Jovem Pan, na terça-feira, dia 12, o presidente disse ter decidido por não tomar a vacina. Dois dias antes, dia 10, ele desistiu de ir ao estádio para ver o jogo do Santos na Vila Belmiro, como não vacinado, sua entrada seria proibida no estádio. Na ocasião, Bolsonaro criticou o passaporte da vacina, comprovante de vacinação necessário para entrada no evento esportivo. Fora do País, a não imunização do presidente também trouxe constrangimentos na viagem para a abertura na 76ª Assembleia Geral da ONU, em Nova York, em setembro deste ano. O prefeito da cidade americana, Bill de Blasio, pelo Twitter, pediu que o mandatário brasileiro se vacinasse para “Assim ele pode parar de ser um perigo para os outros.” Bolsonaro foi o único líder do G-20 presente na ONU e que declarou publicamente não ter se vacinado.
Até mesmo durante os anos da ditadura militar no Brasil, com os dispositivos de censura à imprensa atuando para impedir a circulação de notícias sobre o avanço da epidemia de meningite, a ideia de que a vacina era a principal aliada na contenção da doença nunca foi contestada, mas, sim, defendida pelo governo. Em 1975, a foto do então ministro da Saúde, Paulo de Almeida Machado, aplicando a vacina contra meningite no presidente Ernesto Geisel foi amplamente divulgada como parte da campanha de imunização. Na década de 1990, o caso de sucesso de políticas que ampliaram a vacinação infantil no Brasil tornou-se um ativo diplomático. Em 1992, o presidente Fernando Collor ofereceu, em uma reunião de países ibero-americanos, ajuda na implementação de campanhas de imunização a mais de 21 países. Confira essas e outras ações de Saúde Pública de presidências passadas.
Costa e Silva e vacina em dose dupla. Na década de 1950, a Organização Panamericana de Saúde desenvolveu uma ampla campanha para erradicar a varíola no continente americano. Em 1952 , toda América do Norte se viu livre do mal, que conta com método de imunização desde 1796. Em 1962, o Equador registrou o último caso em seu território. Mas, apesar dos esforços empregados, países como o Brasil ainda sofreram com a circulação da doença durante toda a década de 1960. Em 1967, o País chegou a ocupar o 3º lugar no mundo com maior incidência de varíola. Sozinho, o Brasil concentrava 98,6% do total de casos nas Américas.>> Estadão - 24/6/1967
Na mesma época, o Ministério da Saúde investiu em campanhas de vacinação. Para estimular a ida aos postos de Saúde e dissipar temores levantadas por informações falsas sobre os males causados pela vacina, o então ministro da Saúde, Leonel Miranda, teve a ideia de fotografar o presidente, Artur da Costa e Silva, o segundo general a ocupar a Presidência durante a ditadura militar no País, sendo imunizado. Costa e Silva, que já havia sido vacinado contra a doença, se dispôs a tomar novamente a vacina para atestar sua segurança. Em abril de 1971, o Brasil conseguiu erradicar a doença.
Meningite e censura. Durante os anos de chumbo da ditadura militar, no início década de 1970, o Brasil registrou os primeiros surtos da mais letal epidemia de meningite que atingiu o País. Sob o governo do general Emílio Garrastazu Médici, diretrizes básicas de controle da doença - como ações para orientar a população sobre como se proteger e sobre os seus riscos da meningite - foram ignoradas. O governo ocultou e proibiu a divulgação de informações sobre a epidemia, alegando risco à segurança nacional. (As marcas da censura do período estão registradas nas páginas preservadas pelo Acervo Estadão, e podem ser vistas aqui.) A desinformação e a falta de adoção de medidas sanitárias para conter a epidemia levaram ao aumento das morte e aumentaram a disseminação da doença.
>> Estadão - 18/11/1973 >> Estadão - 23/7/1974
Ao final de 1974, a Grande São Paulo registrou 25 mil casos e 1.796 mortes. Naquele ano, o general Ernesto Geisel assumiu a Presidência e adotou uma nova política de enfrentamento à epidemia. A Comissão Nacional de Controle de Meningite foi criada para coordenar junto aos Estados e Municípios a ajuda do governo federal, os casos passaram a ser monitorados e o governo investiu na habilitação de técnicos e laboratórios para testagem, na produção de imunizantes e de medicamentos, além de firmar acordos de importação de vacinas para ampliar as campanhas de imunização. Em maio de 1975, para incentivar a vacinação, Geisel foi fotografado sendo vacinado pelo ministro da Saúde, Paulo de Almeida Machado.
Sabin, a pólio e dados sob suspeita. Em 1980, o Brasil conseguiu uma ajuda de peso no combate à poliomielite. O cientista Albert Sabin, criador da vacina oral contra o vírus da pólio, as famosas “gotinhas que salvam vidas”, aceitou o convite do governo militar para trabalhar como consultor na campanha de imunização contra a doença no País. O momento era propício, a ditadura militar estava em seus anos finais, o País passava pelo período da abertura política e redemocratização e o governo do general João Baptista Figueiredo enxergava o avanço de campanhas de saúde pública como um legado social de sua administração.À frente do Ministério da Saúde, Waldir Arcoverde desenvolvia o programa dos Dias Nacionais de Vacinação, que lançou as bases para as campanhas de imunização anuais realizadas no País até hoje. O programa era acompanhado de perto pelo então presidente João Figueiredo.
Após uma bem sucedida campanha de vacinação em Santa Catarina, que apresentava um surto de pólio na época, a celebrada parceria com Sabin acabou. O médico deixou o programa declarando discordar dos métodos adotados nas campanhas de vacinação e questionando a veracidade dos dados apresentados pelo Ministério da Saúde à OMS na década de 1970. Sabin afirmava que a doença só seria vencida com campanhas de vacinação em massa e programas de imunização permanentes. As acusações atingiram em cheio a gestão Arcoverde, que em contrapartida alegava que o cientista saíra por se sentir contrariado pelo Ministério da Saúde não concordar em atender sua proposta de realizar uma onerosa pesquisa sobre a prevalência da doença.>> Estadão - 02/4/1980
Em 03 de abril de 1980, o Estadão publicou declarações de Mozart de Abreu Lima, secretário geral do Ministério, dizendo ser exageradas as afirmações de Sabin, ele admitiu que a “falta de organização e não de estatísticas ou de vacinas” comprometia a batalha do Brasil contra a pólio. O caso ganhou também as páginas dos jornais internacionais e trouxe prejuízos aos esforços diplomáticos do governo Figueiredo, que tentava reabilitar a imagem do Brasil no exterior. O Ministério da Saúde seguiu investindo na organização e comunicação do seu programa de imunização, alinhando junto aos governos dos Estados a preparação para as bem sucedidas campanhas de Dia Nacional de Vacinação daquele ano. A campanha conseguiu imunizar mais de 20 milhões de crianças e os casos da doença sofreram grande redução. Em 1982, apenas 122 casos de poliomielite foram registrados. Com a falta de saneamento básico, a continuidade do programa de imunização anual tornou-se fundamental para combater a doença no País. Apesar de quedas pontuais de cobertura vacinal em alguns anos, o Brasil registrou o último caso da doença em 1989. Em 1994 , o Brasil recebeu certificado de erradicação da pólio.
Sarney e Zé Gotinha contra a pólio. Dando continuidade aos programas de imunização, o governo de José Sarney seguiu promovendo Campanhas Nacionais de Vacinação e traçou como meta ampliar a cobertura vacinal em crianças para outras doenças como sarampo, coqueluche e difteria e erradicar a paralisia infantil até o final de seu mandato. Com mais de 90 mil postos de vacinação espalhados pelo País, as campanhas de vacinação antipólio atingiram mais de 20 milhões de crianças com menos de cinco anos de idade. A presença do presidente José Sarney, nos dias de inauguração das campanhas se tornou um compromisso frequente. O Ministério Saúde e o presidente também investiram em comunicação, com pronunciamentos em cadeia de rádio e televisão.
A campanha de 1986, contou com uma dessas ações. Em rede nacional, no rádio Sarney, disse estar pessoalmente envolvido na operação e convocou "brasileiros e brasileiras" a participarem da campanha de vacinação contra pólio para erradicar a doença e assim "proteger o futuro do País, que é o futuro das crianças do Brasil".
Naquele mesmo ano, foi criado o personagem símbolo das campanhas de vacinação, o Zé Gotinha. Idealizado pelo artista plástico Darlan Rosa, o personagem surgiu com o propósito de tornar o dia da vacinação uma “festa, para que as crianças tenham vontade de participar”, como contou seu criador ao Estadão em 2013. O Zé Gotinha tornou-se um case de sucesso de comunicação e é utilizado até hoje nas campanhas de vacinação. Na campanha contra a covid-19, o mascote já foi visto usando máscara ao lado do presidente Jair Bolsonaro, nos banners publicitários do Ministério da Saúde dos postos de vacinação ele é retratado segurando uma seringa com vacina. Tartarugas Ninja no Planalto. Sob a coordenação do ministro da Saúde, Alceni Guerra, o governo Collor ampliou as campanhas de multivacinação e criou mais postos de agentes de saúde comunitários e manteve junto ao Centro Integrados de Apoio à Criança (Ciacs) serviços de vacinação. As campanhas que imunizaram contra a poliomielite, sarampo, coqueluche, difteria e tétano, contaram com a participação ativa do presidente Fernando Collor de Mello. Viagens presidenciais e eventos públicos - principalmente no Norte e Nordeste - passaram a contar com atos de vacinação. Para engajar e conscientizar as crianças, o governo elaborou uma ação com as Tartarugas Ninja e o Zé Gotinha para marcar o primeiro dia da multivacinação em 14 de junho de 1991.
Os personagens infantis subiram a rampa do Planalto ao lado do presidente para divulgar a campanha. Em novembro do mesmo ano, Alcine foi premiado pela Unicef pelo trabalho desenvolvido pelo Ciacs. O sucesso do programa que ampliou a vacinação infantil no Brasil tornou-se uma referência sendo utilizado como exemplo para elaboração de campanhas similares em outros países.>> Estadão - 24/7/1992
Itamar, FHC e Lula. Políticas de conscientização e vacinação em massa foram mantidas nos governos Itamar, FHC, Lula, Dilma e Temer , com as campanhas nacionais anuais e ações de imunização pontuais para conter surtos e epidemias locais, ou quando dados do Ministério da Saúde apontavam queda de cobertura no nível vacinal. O governo FHC chegou a comemorar a marca de 100% de cobertura vacinal infantil no inícios dos anos 2000, uma vitória alcançada com as campanhas de imunização contra doenças transmissíveis como sarampo, tuberculose, poliomielite, tétano, difteria, coqueluche (vacina tríplice viral).
Campanhas de vacinação contra gripe também ganharam destaque nesses anos, com campanhas de rádio e TV voltadas à população-alvo, os idosos. Em 2008, em evento para divulgar a vacinação o presidente Luiz Inácio Lula da Silva foi vacinado pelo então governador de São Paulo, José Serra. A primeira-dama, Marisa Letícia, também recebeu sua dose no posto de vacinação.
A Gripe Suína. Em abril de 2009, a Organização Mundial de Saúde soou o alerta para pandemia de gripe suína (H1N1). No mês seguinte, quando o Brasil contava 8 casos confirmados e 22 suspeitos, o presidente Lula, em uma primeira declaração, chegou a minimizar o impacto da doença, provocando a reação do porta-voz da OMS, Gregory Hart, que alertou que não era o momento de “baixar a guarda”. Em agosto, o Brasil atingiu a marca de país com mais mortes no mundo pela gripe. O Ministério da Saúde, sob a coordenação do médico sanitarista José Gomes Temporão, redobrou a atenção às recomendações da OMS, fazendo testagem em casos suspeitos, isolando os contaminados e fiscalizando a entrada de pessoas no País, com instalação de barreiras sanitárias em todos os aeroportos das capitais. O Comitê de Gerenciamento de Crise para Influenza, criado e coordenado pelo Ministério da Saúde, realizava um monitoramento diário das condições sanitárias de Estados e Municípios.
Em outra frente, o governo federal fez investimentos para a aquisição de vacinas (desenvolvidas no segundo semestre de 2009), material de testagem, insumos e equipamentos hospitalares para aumentar o número de leitos de UTI, fechou parceria com laboratórios para adquirir imunizantes e, numa parceria com o Governo de São Paulo, assinou um acordo para transferência de tecnologia da vacina SANOFI Pasteur, que passou a ser produzida pelo Instituto Butantan, com aplicação dos recursos do Programa Nacional de Imunização. Verbas também foram destinadas à Fiocruz para a produção de medicamentos (derivados do Tamiflu) usados no tratamento da H1N1 para atender ao SUS, e para a fabricação de testes no País . O Ministério intensificou e ampliou os grupos alvo da vacinação contra a gripe e investiu em campanhas para estimular a população a se vacinar e para desmentir informações falsas sobre possíveis reações adversas da vacina, como a infundada alegação que ela provocaria a Síndrome de Guillain-Barré.
A campanha de vacinação contra H1N1 teve início em março de 2010 e conseguiu atingir 80% dos grupos prioritários e imunizar 42% da população total do País. Em 2009, o Brasil havia registrado cerca de 2.060 mortes por H1N1 e teve perto de 60 mil casos confirmados, foi o 15º país em número de mortes pela doença no mundo. No ano seguinte, com a vacinação, as mortes caíram para cerca de 100. Produzida pelo Instituto Butantan, a vacina contra H1N1, que também imuniza contra três ou quatro outros tipos de vírus influenza, é anualmente aplicada na rede pública.
Menos transmissível e menos letal que a covid-19, a gripe suína guarda outras diferenças em relação à doença que aflige hoje o mundo. Na época da pandemia de H1N1 eram conhecidos medicamentos antivirais eficazes no combate ao vírus e foi possível adaptar as já existentes vacinas contra gripe para imunizarem também contra outros vírus de influenza, como o H1N1.
Dilma e Temer. Controlar as doenças disseminadas pelo mosquito Aedes aegypti é um desafio que o Brasil enfrenta há séculos. Em 1902, a primeira grande política pública da República na área sanitária foi para combater a febre amarela, transmitida pelo mosquito. Com o desenvolvimento de uma vacina contra a doença na década de 1930, campanhas de vacinação para deter surtos tornaram-se frequentes. Tanto no governo Dilma quanto no governo Temer campanhas de vacinação contra a febre amarela foram promovidas. Além de campanhas de combate à dengue, um dos maiores problemas de Saúde Pública no País.
Em 2015, o surto de zika vírus, também transmitido pelo mosquito, tornou-se uma ameaça sanitária. Desde então o governo federal, em ambas as administrações, ampliou o investimento em campanhas de conscientização e prevenção e no treinamento de agentes de saúde que orientam a população e mostram como eliminar e evitar criadouros do mosquito. As campanhas contaram com peças publicitárias, na TV e no rádio, muitas vezes com a voz dos presidentes chamando a população à agir para combater a propagação da doença. Em 03 de fevereiro de 2016, em meio a profunda crise política e enquanto seu impeachment tramitava no Congresso, a presidente Dilma Rousseff realizou um pronunciamento em cadeia nacional para pedir união no combate ao mosquito transmissor da dengue e do zika. Comunicou que 220 mil homens das Forças Armadas haviam sido convocados para uma operação para acabar com os criadouros e disse que seu governo aplicariatodos os recursos "financeiros, tecnológicos e humanos necessários". O anúncio foi marcado por panelaços contra a presidente.
Tanto no governo da petista quanto no do peemedebista as campanhas de vacinação foram incentivadas e contaram com participação direta dos mandatários. Os presidentes apresentaram-se ao público tomando vacinas, como a da gripe e H1N1, ou ministrando as salvadoras gotinhas contra a poliomielite.
Atualizado em 13/10/2021, às 15:00
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