Revolução de 1924: na guerra entre rebeldes e governo, população de São Paulo foi a maior vítima


Levante militar iniciado em 5 de julho de 1924 deixou mais de 500 mortos, a maior parte civis indefesos. População foi alvo da violenta reação das tropas federais por 22 dias; bombardeios e ataques deixaram rastro de destruição pela capital. Saiba como foi o conflito em fotos, textos e páginas do Estadão

Por Liz Batista
Atualização:
Externato Mattoso, na Mooca, metralhado.  Foto: Autoria desconhecida

Nas primeiras horas de 5 de julho de 1924, São Paulo acordou em guerra. O Movimento Tenentista, que durante a década de 1920 mobilizou oficiais do Exército contra oligarquias políticas, deflagrava na capital paulista sua segunda revolta. A primeira ocorreu dois anos antes, no Rio de Janeiro. A Revolução de 1924, deixou um rastro de destruição pela cidade e um saldo de 5 mil feridos, 503 mortos, na maioria civis.

Estadão - 6 de julho de 1924

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Capa do Estadão de julho de 1924 Foto: Acervo Estadão
Ao amanhecer de hontem fomos suprehendidos nesta capital com um movimento subversivo da ordem publica. Aos tiroteios de canhão, ordenados e compassados, succediam-se, de espaço a espaço, o vivo crepitar da fuzilaria (…) Pelo correr do dia e pela noite a dentro prosseguiu, com intervallos, o ruido da metralha e do canhão e repetiram-se, aqui e alli, os encontros entre os grupos armados... Era a luta feroz entre irmãos no recinto desabrigado de uma grande cidade aberta...”

Estadão de 6/7/1924

A revolta se desenrolou dentro das áreas urbanas, causando um enorme prejuízo material, 2 mil prédios foram bombardeados. Os então 700 mil habitantes da capital paulista viram a cidade tomada pelos confrontos, nas ruas centrais, nas linhas de transporte, nas vias que ligavam as diferentes regiões, por toda a parte. A guerra era feita na porta de suas casas, nem igrejas foram poupadas dos ataques.

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Aterrorizadas, cerca de 300 mil pessoas tentaram deixar a capital nos dias subsequentes aos bombardeios aéreos ordenados pelo governo Arthur Bernardes. São Paulo é a única cidade brasileira que sofreu bombardeio aéreo.

Vista geral do bairro do Cambuci, com incêndio no Ipiranga ao fundo.  Foto: Autoria desconhecida

A tomada da cidade

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Por sua localização estratégica, com grande entroncamento de ferrovias e rodovias, e por ser o maior centro industrial brasileiro, a capital paulista foi escolhida pelos líderes tenentistas como ponta de partida para sua insurreição. Buscavam atrair atenção para sua causa e, a partir de São Paulo, incitar o levante em outras capitais desencadeando uma mobilização por todo o País para derrubar o presidente Artur Bernardes.

Sob o comando do General Isidoro Dias Lopes, os revolucionários iniciaram o movimento de ocupação da cidade com a tomada do 4.º Batalhão de Cavalaria de Santana. Em seguida, tomaram diversas posições estratégicas e outros bastiões da defesa governista.

De suas posições no Campo de Marte, os tenentistas bombardearam a residência oficial do presidente do Estado, Carlos de Campos, o Palácio dos Campos Elísios. As tropas fiéis ao governo reagiram. Para conter o levante, bombardeios aéreos e ataques de canhões foram empregados a esmo contra cidade e sua população.

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Tanques nas ruas de São paulo em julho de 1924.  Foto: Autoria desconhecida
Soldados em trincheiras nas ruas de São Paulo em 1924.  Foto: Gustavo Prugner
Mercadinho na Rua 25 de Março incendiado.  Foto: Gustavo Prugner
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A edição do Estadão de 6 de julho de 1924 descreve a surpresa e terror que tomou a cidade:

“Ao amanhecer de hontem fomos suprehendidos nesta capital com um movimento subversivo da ordem publica. Aos tiroteios de canhão, ordenados e compassados, succediam-se, de espaço a espaço, o vivo crepitar da fuzilaria. As ruas encheram-se para logo de povo e grupos armados começaram a mostrar-se nos pontos centraes. Eram os primeiros revolucionarios... À medida que crescia o movimento nas ruas crescia a fermentação das hostes (…) Pelo correr do dia e pela noite a dentro prosseguiu, com intervallos, o ruido da metralha e do canhão e repetiram-se, aqui e alli, os encontros entre os grupos armados...

Era a luta feroz entre irmão no recinto desabrigado de uma grande cidade aberta...Os quadros horrorosos não tardaram a desenrolar-se. Ora, um edificio desabava ao choque explosivo das granadas, soterrando mulheres e crianças, ora por outro penetravam, com a violência de um furacão, abrindo rombos largos e ceifando vidas innocentes, obuzes mortiferos; ora, em plena rua, viandantes inermes caiam mortos, ou feridos, varados por balas de carabina...

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Accrescentem-se as correrias repetidas e exodos de famílias dos bairros mais expostos para os bairros mais afastados, e ter-se-á uma idéa das scenas dolorosas que ante nossos olhos estupefactos se desenrolaram...à tardinha, a impressão de tristeza recresceu com o abandono em que ficaram as ruas e com o fechamento de todas as casas do centro. Para augmentar o desassocego publico não havia quem soubesse explicar a razão determinante e os objectivos do movimento...”

Estadão - 8/7/1924

Capa do Estadão de julho de 1924 Foto: Acervo Estadão

O Estadão só voltou a circular um dia depois, no dia 8, com apenas 3 páginas de noticiário e ainda com escassas informações sobre a liderança ou objetivos do movimento. Estava claro que se tratava de um levante militar, mas sua origem ou extensão ainda eram obscuras.

A população, amedrontada, buscava respostas e abrigo. A confusão se estendia aos combatente, que relatavam aos repórteres do jornal não saber por qual lado combatiam.

(...) às 18 ½ horas os revoltosos desferiram forte ataque contra o destacamento de bombeiros na alameda Barão de Piracicaba. Não obstante as balas silvavam a todo o momento, aproximou-se um dos nossos redactores de um dos grupos de soldados, ques, postados na rua Duque de Caxias, atiravam tambem contra os bombeiros, interpellando um delles sobre se era revoltoso ou legalista, obteve a seguinte resposta: - “Nós não sabemos: tivemos ordem de atirar sobre os bombeiros”

Estadão de 8/7/1924

Na disputa entre as forças políticas que fizeram da cidade um palco de guerra, se constituiu uma curiosa situação, descrita com precisão por Jorge Caldeira na obra Júlio Mesquita e seu tempo (2015) , era “um movimento militar revoltoso pago pelo poder público e feito por agentes do governo, em nome do Exército, para derrubar o governo legal do país”. Atirando ou fugindo dos tiros, o povo era espectador.

Estadão - 9 de julho de 1924

Capa do Estadão de julho de 1924 Foto: Acervo Estadão

Estadão - 15/7/1924

 
Estrago por bombardeio na rua Helvetia.  Foto: Gustavo Prugner
Instalações do Cotonifício Crespi atingidas por ataques.  Foto: Gustavo Prugner

São Paulo em ruínas

Durante 22 dias a capital dormiu e acordou em meio a tiros e bombardeios. Um terço da população paulistana deixou a cidade em busca de segurança. O próprio presidente do Estado, Carlos de Campos, refugiou-se no interior. Trincheiras foram abertas na Avenida Paulista, no Brás, no Belenzinho, na Vila Mariana, em Perdizes, no Ipiranga, na Vila.

No primeiro bombardeio com vítimas, o Liceu Coração Jesus, que serviu de refúgio para a população desabrigada pelo conflito, teve o telhado de suas oficinas destruído por um tiro de canhão.

Igreja da Nossa Senhora da Glória, no Cambuci, destruída  Foto: Autoria desconhecida

Ocupada pelos rebeldes, a Igreja Nossa Senhora da Glória, no Lavapés, foi praticamente destroçada. Temendo que trabalhadores engrossassem as fileiras dos revoltosos, as forças do governo bombardearam bairros operários, como a Mooca e Brás.

Famílias inteiras morreram dentro das casas atingidas. Até hoje pode-se ver as marcas dos bombardeios de 1924, os buracos de tiro de canhão na parede da chaminé da antiga usina termoelétrica na Rua João Teodoro, na Luz.

Tropas revolucionárias posam para foto.  Foto: Autoria desconhecida

Com sua resistência comprometida, em 28 de julho de 1924, Isidoro Dias Lopes e as remanescentes forças tenentistas deixaram a capital e retiraram-se para Bauru. A proporção das forças prevaleceu no resultado da disputa.

Os rebeldes contavam com cerca de 3 mil homens em suas fileiras, contra 18 mil que compunham os destacamentos que defendiam o governo. Ao final do mês de julho, a cidade estava sob pleno controle das tropas governistas .

Estadão - 28/7/1924

Capa do Estadão de julho de 1924 Foto: Acervo Estadão

Censura e prisão

Durante o conflito, os revolucionários permitiram que o Estadão permanecesse em circulação, mas sob censura. Com a retomada da cidade pelos governistas, o jornal, que já havia elogiado em seus editoriais o idealismo do movimento tenentista e mantinha uma postura crítica em relação aos governantes do Partido Republicano Paulista e à administração federal, sofreu as consequências por manter uma posição de neutralidade.

Durante os dias de confronto, mesmo circulando com apenas 2 páginas, o Estadão procurou manter-se ativo como uma voz da sociedade civil. Em suas edições trazia informações sobre postos de abastecimento, funcionamento bancário para o saque de salários, hospitais em funcionamento, locais de funcionamento de postos da Cruz Vermelha para atendimento aos feridos, horários

Pessoas em fuga para o interior através de ferrovia.  Foto: Autoria desconhecida

Mesmo não tendo apoiado os rebeldes, no dia 29 de julho de 1924, Julio Mesquita, diretor do jornal, foi preso por ordem do governo federal e enviado ao Rio de Janeiro. O Estadão teve sua circulação suspensa por 3 semanas, só voltou às ruas em 17 de agosto daquele ano, sob severa censura. Em suas linhas nada tratou sobre a prisão e nem sobre os eventos políticos que se seguiram.

Julio Mesquita foi libertado em setembro. Na edição do dia 10 daquele mês, o jornal noticiou sua libertação e publicou uma pequena entrevista onde ele contou um pouco sobre os dias em que permanecera preso. E prometia que “em seu tempo”, relataria mais e deixaria claro, como dizia o texto, que nem antes, nem durante, nem depois, teve elle, por palavra ou por actos, a menor participação no levante militar.

Somente dois meses depois, em dezembro, ainda sob censura, o jornal arriscou publicar algum comentário sobre o ocorrido.

Os 18 do Forte

A data do início do conflito em São Paulo foi cuidadosamente escolhida para homenagear o primeiro levante tenentista, ocorrido exatamente dois anos antes no Rio de Janeiro, no episódio conhecido como a Revolta dos 18 do Forte. A rebelião foi o primeiro movimento militar armado que pregou o fim do monopólio das oligarquias paulistas e mineiras no poder e questionava a vitória do mineiro Arthur Bernardes nas eleições presidenciais de 1922.

Marcha dos '18 do Forte', durante a revolta do Forte de Copacabana, em 1922. Foto: Zenobio Couto

Estadão - 6/7/1922

Notícia sobre o levante tenentista no Rio em 1922.  

A Revolta de 1922 serviu para mostrar o descontentamento de militares com a política do País. Em 1924, a revolução que se ergueu em São Paulo começou a desenhar um projeto político tenentista mais claro.

Em sua lista de demandas, além da deposição do Presidente da República, estavam um conjunto de reformas políticas que visavam a moralização do sistema político. Pediam maior independência do Legislativo e do Judiciário, limitações para o Poder Executivo, o fim do voto de cabresto, a adoção do voto secreto e a instauração do ensino público obrigatório.

ACERVO

Externato Mattoso, na Mooca, metralhado.  Foto: Autoria desconhecida

Nas primeiras horas de 5 de julho de 1924, São Paulo acordou em guerra. O Movimento Tenentista, que durante a década de 1920 mobilizou oficiais do Exército contra oligarquias políticas, deflagrava na capital paulista sua segunda revolta. A primeira ocorreu dois anos antes, no Rio de Janeiro. A Revolução de 1924, deixou um rastro de destruição pela cidade e um saldo de 5 mil feridos, 503 mortos, na maioria civis.

Estadão - 6 de julho de 1924

Capa do Estadão de julho de 1924 Foto: Acervo Estadão
Ao amanhecer de hontem fomos suprehendidos nesta capital com um movimento subversivo da ordem publica. Aos tiroteios de canhão, ordenados e compassados, succediam-se, de espaço a espaço, o vivo crepitar da fuzilaria (…) Pelo correr do dia e pela noite a dentro prosseguiu, com intervallos, o ruido da metralha e do canhão e repetiram-se, aqui e alli, os encontros entre os grupos armados... Era a luta feroz entre irmãos no recinto desabrigado de uma grande cidade aberta...”

Estadão de 6/7/1924

A revolta se desenrolou dentro das áreas urbanas, causando um enorme prejuízo material, 2 mil prédios foram bombardeados. Os então 700 mil habitantes da capital paulista viram a cidade tomada pelos confrontos, nas ruas centrais, nas linhas de transporte, nas vias que ligavam as diferentes regiões, por toda a parte. A guerra era feita na porta de suas casas, nem igrejas foram poupadas dos ataques.

Aterrorizadas, cerca de 300 mil pessoas tentaram deixar a capital nos dias subsequentes aos bombardeios aéreos ordenados pelo governo Arthur Bernardes. São Paulo é a única cidade brasileira que sofreu bombardeio aéreo.

Vista geral do bairro do Cambuci, com incêndio no Ipiranga ao fundo.  Foto: Autoria desconhecida

A tomada da cidade

Por sua localização estratégica, com grande entroncamento de ferrovias e rodovias, e por ser o maior centro industrial brasileiro, a capital paulista foi escolhida pelos líderes tenentistas como ponta de partida para sua insurreição. Buscavam atrair atenção para sua causa e, a partir de São Paulo, incitar o levante em outras capitais desencadeando uma mobilização por todo o País para derrubar o presidente Artur Bernardes.

Sob o comando do General Isidoro Dias Lopes, os revolucionários iniciaram o movimento de ocupação da cidade com a tomada do 4.º Batalhão de Cavalaria de Santana. Em seguida, tomaram diversas posições estratégicas e outros bastiões da defesa governista.

De suas posições no Campo de Marte, os tenentistas bombardearam a residência oficial do presidente do Estado, Carlos de Campos, o Palácio dos Campos Elísios. As tropas fiéis ao governo reagiram. Para conter o levante, bombardeios aéreos e ataques de canhões foram empregados a esmo contra cidade e sua população.

Tanques nas ruas de São paulo em julho de 1924.  Foto: Autoria desconhecida
Soldados em trincheiras nas ruas de São Paulo em 1924.  Foto: Gustavo Prugner
Mercadinho na Rua 25 de Março incendiado.  Foto: Gustavo Prugner

A edição do Estadão de 6 de julho de 1924 descreve a surpresa e terror que tomou a cidade:

“Ao amanhecer de hontem fomos suprehendidos nesta capital com um movimento subversivo da ordem publica. Aos tiroteios de canhão, ordenados e compassados, succediam-se, de espaço a espaço, o vivo crepitar da fuzilaria. As ruas encheram-se para logo de povo e grupos armados começaram a mostrar-se nos pontos centraes. Eram os primeiros revolucionarios... À medida que crescia o movimento nas ruas crescia a fermentação das hostes (…) Pelo correr do dia e pela noite a dentro prosseguiu, com intervallos, o ruido da metralha e do canhão e repetiram-se, aqui e alli, os encontros entre os grupos armados...

Era a luta feroz entre irmão no recinto desabrigado de uma grande cidade aberta...Os quadros horrorosos não tardaram a desenrolar-se. Ora, um edificio desabava ao choque explosivo das granadas, soterrando mulheres e crianças, ora por outro penetravam, com a violência de um furacão, abrindo rombos largos e ceifando vidas innocentes, obuzes mortiferos; ora, em plena rua, viandantes inermes caiam mortos, ou feridos, varados por balas de carabina...

Accrescentem-se as correrias repetidas e exodos de famílias dos bairros mais expostos para os bairros mais afastados, e ter-se-á uma idéa das scenas dolorosas que ante nossos olhos estupefactos se desenrolaram...à tardinha, a impressão de tristeza recresceu com o abandono em que ficaram as ruas e com o fechamento de todas as casas do centro. Para augmentar o desassocego publico não havia quem soubesse explicar a razão determinante e os objectivos do movimento...”

Estadão - 8/7/1924

Capa do Estadão de julho de 1924 Foto: Acervo Estadão

O Estadão só voltou a circular um dia depois, no dia 8, com apenas 3 páginas de noticiário e ainda com escassas informações sobre a liderança ou objetivos do movimento. Estava claro que se tratava de um levante militar, mas sua origem ou extensão ainda eram obscuras.

A população, amedrontada, buscava respostas e abrigo. A confusão se estendia aos combatente, que relatavam aos repórteres do jornal não saber por qual lado combatiam.

(...) às 18 ½ horas os revoltosos desferiram forte ataque contra o destacamento de bombeiros na alameda Barão de Piracicaba. Não obstante as balas silvavam a todo o momento, aproximou-se um dos nossos redactores de um dos grupos de soldados, ques, postados na rua Duque de Caxias, atiravam tambem contra os bombeiros, interpellando um delles sobre se era revoltoso ou legalista, obteve a seguinte resposta: - “Nós não sabemos: tivemos ordem de atirar sobre os bombeiros”

Estadão de 8/7/1924

Na disputa entre as forças políticas que fizeram da cidade um palco de guerra, se constituiu uma curiosa situação, descrita com precisão por Jorge Caldeira na obra Júlio Mesquita e seu tempo (2015) , era “um movimento militar revoltoso pago pelo poder público e feito por agentes do governo, em nome do Exército, para derrubar o governo legal do país”. Atirando ou fugindo dos tiros, o povo era espectador.

Estadão - 9 de julho de 1924

Capa do Estadão de julho de 1924 Foto: Acervo Estadão

Estadão - 15/7/1924

 
Estrago por bombardeio na rua Helvetia.  Foto: Gustavo Prugner
Instalações do Cotonifício Crespi atingidas por ataques.  Foto: Gustavo Prugner

São Paulo em ruínas

Durante 22 dias a capital dormiu e acordou em meio a tiros e bombardeios. Um terço da população paulistana deixou a cidade em busca de segurança. O próprio presidente do Estado, Carlos de Campos, refugiou-se no interior. Trincheiras foram abertas na Avenida Paulista, no Brás, no Belenzinho, na Vila Mariana, em Perdizes, no Ipiranga, na Vila.

No primeiro bombardeio com vítimas, o Liceu Coração Jesus, que serviu de refúgio para a população desabrigada pelo conflito, teve o telhado de suas oficinas destruído por um tiro de canhão.

Igreja da Nossa Senhora da Glória, no Cambuci, destruída  Foto: Autoria desconhecida

Ocupada pelos rebeldes, a Igreja Nossa Senhora da Glória, no Lavapés, foi praticamente destroçada. Temendo que trabalhadores engrossassem as fileiras dos revoltosos, as forças do governo bombardearam bairros operários, como a Mooca e Brás.

Famílias inteiras morreram dentro das casas atingidas. Até hoje pode-se ver as marcas dos bombardeios de 1924, os buracos de tiro de canhão na parede da chaminé da antiga usina termoelétrica na Rua João Teodoro, na Luz.

Tropas revolucionárias posam para foto.  Foto: Autoria desconhecida

Com sua resistência comprometida, em 28 de julho de 1924, Isidoro Dias Lopes e as remanescentes forças tenentistas deixaram a capital e retiraram-se para Bauru. A proporção das forças prevaleceu no resultado da disputa.

Os rebeldes contavam com cerca de 3 mil homens em suas fileiras, contra 18 mil que compunham os destacamentos que defendiam o governo. Ao final do mês de julho, a cidade estava sob pleno controle das tropas governistas .

Estadão - 28/7/1924

Capa do Estadão de julho de 1924 Foto: Acervo Estadão

Censura e prisão

Durante o conflito, os revolucionários permitiram que o Estadão permanecesse em circulação, mas sob censura. Com a retomada da cidade pelos governistas, o jornal, que já havia elogiado em seus editoriais o idealismo do movimento tenentista e mantinha uma postura crítica em relação aos governantes do Partido Republicano Paulista e à administração federal, sofreu as consequências por manter uma posição de neutralidade.

Durante os dias de confronto, mesmo circulando com apenas 2 páginas, o Estadão procurou manter-se ativo como uma voz da sociedade civil. Em suas edições trazia informações sobre postos de abastecimento, funcionamento bancário para o saque de salários, hospitais em funcionamento, locais de funcionamento de postos da Cruz Vermelha para atendimento aos feridos, horários

Pessoas em fuga para o interior através de ferrovia.  Foto: Autoria desconhecida

Mesmo não tendo apoiado os rebeldes, no dia 29 de julho de 1924, Julio Mesquita, diretor do jornal, foi preso por ordem do governo federal e enviado ao Rio de Janeiro. O Estadão teve sua circulação suspensa por 3 semanas, só voltou às ruas em 17 de agosto daquele ano, sob severa censura. Em suas linhas nada tratou sobre a prisão e nem sobre os eventos políticos que se seguiram.

Julio Mesquita foi libertado em setembro. Na edição do dia 10 daquele mês, o jornal noticiou sua libertação e publicou uma pequena entrevista onde ele contou um pouco sobre os dias em que permanecera preso. E prometia que “em seu tempo”, relataria mais e deixaria claro, como dizia o texto, que nem antes, nem durante, nem depois, teve elle, por palavra ou por actos, a menor participação no levante militar.

Somente dois meses depois, em dezembro, ainda sob censura, o jornal arriscou publicar algum comentário sobre o ocorrido.

Os 18 do Forte

A data do início do conflito em São Paulo foi cuidadosamente escolhida para homenagear o primeiro levante tenentista, ocorrido exatamente dois anos antes no Rio de Janeiro, no episódio conhecido como a Revolta dos 18 do Forte. A rebelião foi o primeiro movimento militar armado que pregou o fim do monopólio das oligarquias paulistas e mineiras no poder e questionava a vitória do mineiro Arthur Bernardes nas eleições presidenciais de 1922.

Marcha dos '18 do Forte', durante a revolta do Forte de Copacabana, em 1922. Foto: Zenobio Couto

Estadão - 6/7/1922

Notícia sobre o levante tenentista no Rio em 1922.  

A Revolta de 1922 serviu para mostrar o descontentamento de militares com a política do País. Em 1924, a revolução que se ergueu em São Paulo começou a desenhar um projeto político tenentista mais claro.

Em sua lista de demandas, além da deposição do Presidente da República, estavam um conjunto de reformas políticas que visavam a moralização do sistema político. Pediam maior independência do Legislativo e do Judiciário, limitações para o Poder Executivo, o fim do voto de cabresto, a adoção do voto secreto e a instauração do ensino público obrigatório.

ACERVO

Externato Mattoso, na Mooca, metralhado.  Foto: Autoria desconhecida

Nas primeiras horas de 5 de julho de 1924, São Paulo acordou em guerra. O Movimento Tenentista, que durante a década de 1920 mobilizou oficiais do Exército contra oligarquias políticas, deflagrava na capital paulista sua segunda revolta. A primeira ocorreu dois anos antes, no Rio de Janeiro. A Revolução de 1924, deixou um rastro de destruição pela cidade e um saldo de 5 mil feridos, 503 mortos, na maioria civis.

Estadão - 6 de julho de 1924

Capa do Estadão de julho de 1924 Foto: Acervo Estadão
Ao amanhecer de hontem fomos suprehendidos nesta capital com um movimento subversivo da ordem publica. Aos tiroteios de canhão, ordenados e compassados, succediam-se, de espaço a espaço, o vivo crepitar da fuzilaria (…) Pelo correr do dia e pela noite a dentro prosseguiu, com intervallos, o ruido da metralha e do canhão e repetiram-se, aqui e alli, os encontros entre os grupos armados... Era a luta feroz entre irmãos no recinto desabrigado de uma grande cidade aberta...”

Estadão de 6/7/1924

A revolta se desenrolou dentro das áreas urbanas, causando um enorme prejuízo material, 2 mil prédios foram bombardeados. Os então 700 mil habitantes da capital paulista viram a cidade tomada pelos confrontos, nas ruas centrais, nas linhas de transporte, nas vias que ligavam as diferentes regiões, por toda a parte. A guerra era feita na porta de suas casas, nem igrejas foram poupadas dos ataques.

Aterrorizadas, cerca de 300 mil pessoas tentaram deixar a capital nos dias subsequentes aos bombardeios aéreos ordenados pelo governo Arthur Bernardes. São Paulo é a única cidade brasileira que sofreu bombardeio aéreo.

Vista geral do bairro do Cambuci, com incêndio no Ipiranga ao fundo.  Foto: Autoria desconhecida

A tomada da cidade

Por sua localização estratégica, com grande entroncamento de ferrovias e rodovias, e por ser o maior centro industrial brasileiro, a capital paulista foi escolhida pelos líderes tenentistas como ponta de partida para sua insurreição. Buscavam atrair atenção para sua causa e, a partir de São Paulo, incitar o levante em outras capitais desencadeando uma mobilização por todo o País para derrubar o presidente Artur Bernardes.

Sob o comando do General Isidoro Dias Lopes, os revolucionários iniciaram o movimento de ocupação da cidade com a tomada do 4.º Batalhão de Cavalaria de Santana. Em seguida, tomaram diversas posições estratégicas e outros bastiões da defesa governista.

De suas posições no Campo de Marte, os tenentistas bombardearam a residência oficial do presidente do Estado, Carlos de Campos, o Palácio dos Campos Elísios. As tropas fiéis ao governo reagiram. Para conter o levante, bombardeios aéreos e ataques de canhões foram empregados a esmo contra cidade e sua população.

Tanques nas ruas de São paulo em julho de 1924.  Foto: Autoria desconhecida
Soldados em trincheiras nas ruas de São Paulo em 1924.  Foto: Gustavo Prugner
Mercadinho na Rua 25 de Março incendiado.  Foto: Gustavo Prugner

A edição do Estadão de 6 de julho de 1924 descreve a surpresa e terror que tomou a cidade:

“Ao amanhecer de hontem fomos suprehendidos nesta capital com um movimento subversivo da ordem publica. Aos tiroteios de canhão, ordenados e compassados, succediam-se, de espaço a espaço, o vivo crepitar da fuzilaria. As ruas encheram-se para logo de povo e grupos armados começaram a mostrar-se nos pontos centraes. Eram os primeiros revolucionarios... À medida que crescia o movimento nas ruas crescia a fermentação das hostes (…) Pelo correr do dia e pela noite a dentro prosseguiu, com intervallos, o ruido da metralha e do canhão e repetiram-se, aqui e alli, os encontros entre os grupos armados...

Era a luta feroz entre irmão no recinto desabrigado de uma grande cidade aberta...Os quadros horrorosos não tardaram a desenrolar-se. Ora, um edificio desabava ao choque explosivo das granadas, soterrando mulheres e crianças, ora por outro penetravam, com a violência de um furacão, abrindo rombos largos e ceifando vidas innocentes, obuzes mortiferos; ora, em plena rua, viandantes inermes caiam mortos, ou feridos, varados por balas de carabina...

Accrescentem-se as correrias repetidas e exodos de famílias dos bairros mais expostos para os bairros mais afastados, e ter-se-á uma idéa das scenas dolorosas que ante nossos olhos estupefactos se desenrolaram...à tardinha, a impressão de tristeza recresceu com o abandono em que ficaram as ruas e com o fechamento de todas as casas do centro. Para augmentar o desassocego publico não havia quem soubesse explicar a razão determinante e os objectivos do movimento...”

Estadão - 8/7/1924

Capa do Estadão de julho de 1924 Foto: Acervo Estadão

O Estadão só voltou a circular um dia depois, no dia 8, com apenas 3 páginas de noticiário e ainda com escassas informações sobre a liderança ou objetivos do movimento. Estava claro que se tratava de um levante militar, mas sua origem ou extensão ainda eram obscuras.

A população, amedrontada, buscava respostas e abrigo. A confusão se estendia aos combatente, que relatavam aos repórteres do jornal não saber por qual lado combatiam.

(...) às 18 ½ horas os revoltosos desferiram forte ataque contra o destacamento de bombeiros na alameda Barão de Piracicaba. Não obstante as balas silvavam a todo o momento, aproximou-se um dos nossos redactores de um dos grupos de soldados, ques, postados na rua Duque de Caxias, atiravam tambem contra os bombeiros, interpellando um delles sobre se era revoltoso ou legalista, obteve a seguinte resposta: - “Nós não sabemos: tivemos ordem de atirar sobre os bombeiros”

Estadão de 8/7/1924

Na disputa entre as forças políticas que fizeram da cidade um palco de guerra, se constituiu uma curiosa situação, descrita com precisão por Jorge Caldeira na obra Júlio Mesquita e seu tempo (2015) , era “um movimento militar revoltoso pago pelo poder público e feito por agentes do governo, em nome do Exército, para derrubar o governo legal do país”. Atirando ou fugindo dos tiros, o povo era espectador.

Estadão - 9 de julho de 1924

Capa do Estadão de julho de 1924 Foto: Acervo Estadão

Estadão - 15/7/1924

 
Estrago por bombardeio na rua Helvetia.  Foto: Gustavo Prugner
Instalações do Cotonifício Crespi atingidas por ataques.  Foto: Gustavo Prugner

São Paulo em ruínas

Durante 22 dias a capital dormiu e acordou em meio a tiros e bombardeios. Um terço da população paulistana deixou a cidade em busca de segurança. O próprio presidente do Estado, Carlos de Campos, refugiou-se no interior. Trincheiras foram abertas na Avenida Paulista, no Brás, no Belenzinho, na Vila Mariana, em Perdizes, no Ipiranga, na Vila.

No primeiro bombardeio com vítimas, o Liceu Coração Jesus, que serviu de refúgio para a população desabrigada pelo conflito, teve o telhado de suas oficinas destruído por um tiro de canhão.

Igreja da Nossa Senhora da Glória, no Cambuci, destruída  Foto: Autoria desconhecida

Ocupada pelos rebeldes, a Igreja Nossa Senhora da Glória, no Lavapés, foi praticamente destroçada. Temendo que trabalhadores engrossassem as fileiras dos revoltosos, as forças do governo bombardearam bairros operários, como a Mooca e Brás.

Famílias inteiras morreram dentro das casas atingidas. Até hoje pode-se ver as marcas dos bombardeios de 1924, os buracos de tiro de canhão na parede da chaminé da antiga usina termoelétrica na Rua João Teodoro, na Luz.

Tropas revolucionárias posam para foto.  Foto: Autoria desconhecida

Com sua resistência comprometida, em 28 de julho de 1924, Isidoro Dias Lopes e as remanescentes forças tenentistas deixaram a capital e retiraram-se para Bauru. A proporção das forças prevaleceu no resultado da disputa.

Os rebeldes contavam com cerca de 3 mil homens em suas fileiras, contra 18 mil que compunham os destacamentos que defendiam o governo. Ao final do mês de julho, a cidade estava sob pleno controle das tropas governistas .

Estadão - 28/7/1924

Capa do Estadão de julho de 1924 Foto: Acervo Estadão

Censura e prisão

Durante o conflito, os revolucionários permitiram que o Estadão permanecesse em circulação, mas sob censura. Com a retomada da cidade pelos governistas, o jornal, que já havia elogiado em seus editoriais o idealismo do movimento tenentista e mantinha uma postura crítica em relação aos governantes do Partido Republicano Paulista e à administração federal, sofreu as consequências por manter uma posição de neutralidade.

Durante os dias de confronto, mesmo circulando com apenas 2 páginas, o Estadão procurou manter-se ativo como uma voz da sociedade civil. Em suas edições trazia informações sobre postos de abastecimento, funcionamento bancário para o saque de salários, hospitais em funcionamento, locais de funcionamento de postos da Cruz Vermelha para atendimento aos feridos, horários

Pessoas em fuga para o interior através de ferrovia.  Foto: Autoria desconhecida

Mesmo não tendo apoiado os rebeldes, no dia 29 de julho de 1924, Julio Mesquita, diretor do jornal, foi preso por ordem do governo federal e enviado ao Rio de Janeiro. O Estadão teve sua circulação suspensa por 3 semanas, só voltou às ruas em 17 de agosto daquele ano, sob severa censura. Em suas linhas nada tratou sobre a prisão e nem sobre os eventos políticos que se seguiram.

Julio Mesquita foi libertado em setembro. Na edição do dia 10 daquele mês, o jornal noticiou sua libertação e publicou uma pequena entrevista onde ele contou um pouco sobre os dias em que permanecera preso. E prometia que “em seu tempo”, relataria mais e deixaria claro, como dizia o texto, que nem antes, nem durante, nem depois, teve elle, por palavra ou por actos, a menor participação no levante militar.

Somente dois meses depois, em dezembro, ainda sob censura, o jornal arriscou publicar algum comentário sobre o ocorrido.

Os 18 do Forte

A data do início do conflito em São Paulo foi cuidadosamente escolhida para homenagear o primeiro levante tenentista, ocorrido exatamente dois anos antes no Rio de Janeiro, no episódio conhecido como a Revolta dos 18 do Forte. A rebelião foi o primeiro movimento militar armado que pregou o fim do monopólio das oligarquias paulistas e mineiras no poder e questionava a vitória do mineiro Arthur Bernardes nas eleições presidenciais de 1922.

Marcha dos '18 do Forte', durante a revolta do Forte de Copacabana, em 1922. Foto: Zenobio Couto

Estadão - 6/7/1922

Notícia sobre o levante tenentista no Rio em 1922.  

A Revolta de 1922 serviu para mostrar o descontentamento de militares com a política do País. Em 1924, a revolução que se ergueu em São Paulo começou a desenhar um projeto político tenentista mais claro.

Em sua lista de demandas, além da deposição do Presidente da República, estavam um conjunto de reformas políticas que visavam a moralização do sistema político. Pediam maior independência do Legislativo e do Judiciário, limitações para o Poder Executivo, o fim do voto de cabresto, a adoção do voto secreto e a instauração do ensino público obrigatório.

ACERVO

Externato Mattoso, na Mooca, metralhado.  Foto: Autoria desconhecida

Nas primeiras horas de 5 de julho de 1924, São Paulo acordou em guerra. O Movimento Tenentista, que durante a década de 1920 mobilizou oficiais do Exército contra oligarquias políticas, deflagrava na capital paulista sua segunda revolta. A primeira ocorreu dois anos antes, no Rio de Janeiro. A Revolução de 1924, deixou um rastro de destruição pela cidade e um saldo de 5 mil feridos, 503 mortos, na maioria civis.

Estadão - 6 de julho de 1924

Capa do Estadão de julho de 1924 Foto: Acervo Estadão
Ao amanhecer de hontem fomos suprehendidos nesta capital com um movimento subversivo da ordem publica. Aos tiroteios de canhão, ordenados e compassados, succediam-se, de espaço a espaço, o vivo crepitar da fuzilaria (…) Pelo correr do dia e pela noite a dentro prosseguiu, com intervallos, o ruido da metralha e do canhão e repetiram-se, aqui e alli, os encontros entre os grupos armados... Era a luta feroz entre irmãos no recinto desabrigado de uma grande cidade aberta...”

Estadão de 6/7/1924

A revolta se desenrolou dentro das áreas urbanas, causando um enorme prejuízo material, 2 mil prédios foram bombardeados. Os então 700 mil habitantes da capital paulista viram a cidade tomada pelos confrontos, nas ruas centrais, nas linhas de transporte, nas vias que ligavam as diferentes regiões, por toda a parte. A guerra era feita na porta de suas casas, nem igrejas foram poupadas dos ataques.

Aterrorizadas, cerca de 300 mil pessoas tentaram deixar a capital nos dias subsequentes aos bombardeios aéreos ordenados pelo governo Arthur Bernardes. São Paulo é a única cidade brasileira que sofreu bombardeio aéreo.

Vista geral do bairro do Cambuci, com incêndio no Ipiranga ao fundo.  Foto: Autoria desconhecida

A tomada da cidade

Por sua localização estratégica, com grande entroncamento de ferrovias e rodovias, e por ser o maior centro industrial brasileiro, a capital paulista foi escolhida pelos líderes tenentistas como ponta de partida para sua insurreição. Buscavam atrair atenção para sua causa e, a partir de São Paulo, incitar o levante em outras capitais desencadeando uma mobilização por todo o País para derrubar o presidente Artur Bernardes.

Sob o comando do General Isidoro Dias Lopes, os revolucionários iniciaram o movimento de ocupação da cidade com a tomada do 4.º Batalhão de Cavalaria de Santana. Em seguida, tomaram diversas posições estratégicas e outros bastiões da defesa governista.

De suas posições no Campo de Marte, os tenentistas bombardearam a residência oficial do presidente do Estado, Carlos de Campos, o Palácio dos Campos Elísios. As tropas fiéis ao governo reagiram. Para conter o levante, bombardeios aéreos e ataques de canhões foram empregados a esmo contra cidade e sua população.

Tanques nas ruas de São paulo em julho de 1924.  Foto: Autoria desconhecida
Soldados em trincheiras nas ruas de São Paulo em 1924.  Foto: Gustavo Prugner
Mercadinho na Rua 25 de Março incendiado.  Foto: Gustavo Prugner

A edição do Estadão de 6 de julho de 1924 descreve a surpresa e terror que tomou a cidade:

“Ao amanhecer de hontem fomos suprehendidos nesta capital com um movimento subversivo da ordem publica. Aos tiroteios de canhão, ordenados e compassados, succediam-se, de espaço a espaço, o vivo crepitar da fuzilaria. As ruas encheram-se para logo de povo e grupos armados começaram a mostrar-se nos pontos centraes. Eram os primeiros revolucionarios... À medida que crescia o movimento nas ruas crescia a fermentação das hostes (…) Pelo correr do dia e pela noite a dentro prosseguiu, com intervallos, o ruido da metralha e do canhão e repetiram-se, aqui e alli, os encontros entre os grupos armados...

Era a luta feroz entre irmão no recinto desabrigado de uma grande cidade aberta...Os quadros horrorosos não tardaram a desenrolar-se. Ora, um edificio desabava ao choque explosivo das granadas, soterrando mulheres e crianças, ora por outro penetravam, com a violência de um furacão, abrindo rombos largos e ceifando vidas innocentes, obuzes mortiferos; ora, em plena rua, viandantes inermes caiam mortos, ou feridos, varados por balas de carabina...

Accrescentem-se as correrias repetidas e exodos de famílias dos bairros mais expostos para os bairros mais afastados, e ter-se-á uma idéa das scenas dolorosas que ante nossos olhos estupefactos se desenrolaram...à tardinha, a impressão de tristeza recresceu com o abandono em que ficaram as ruas e com o fechamento de todas as casas do centro. Para augmentar o desassocego publico não havia quem soubesse explicar a razão determinante e os objectivos do movimento...”

Estadão - 8/7/1924

Capa do Estadão de julho de 1924 Foto: Acervo Estadão

O Estadão só voltou a circular um dia depois, no dia 8, com apenas 3 páginas de noticiário e ainda com escassas informações sobre a liderança ou objetivos do movimento. Estava claro que se tratava de um levante militar, mas sua origem ou extensão ainda eram obscuras.

A população, amedrontada, buscava respostas e abrigo. A confusão se estendia aos combatente, que relatavam aos repórteres do jornal não saber por qual lado combatiam.

(...) às 18 ½ horas os revoltosos desferiram forte ataque contra o destacamento de bombeiros na alameda Barão de Piracicaba. Não obstante as balas silvavam a todo o momento, aproximou-se um dos nossos redactores de um dos grupos de soldados, ques, postados na rua Duque de Caxias, atiravam tambem contra os bombeiros, interpellando um delles sobre se era revoltoso ou legalista, obteve a seguinte resposta: - “Nós não sabemos: tivemos ordem de atirar sobre os bombeiros”

Estadão de 8/7/1924

Na disputa entre as forças políticas que fizeram da cidade um palco de guerra, se constituiu uma curiosa situação, descrita com precisão por Jorge Caldeira na obra Júlio Mesquita e seu tempo (2015) , era “um movimento militar revoltoso pago pelo poder público e feito por agentes do governo, em nome do Exército, para derrubar o governo legal do país”. Atirando ou fugindo dos tiros, o povo era espectador.

Estadão - 9 de julho de 1924

Capa do Estadão de julho de 1924 Foto: Acervo Estadão

Estadão - 15/7/1924

 
Estrago por bombardeio na rua Helvetia.  Foto: Gustavo Prugner
Instalações do Cotonifício Crespi atingidas por ataques.  Foto: Gustavo Prugner

São Paulo em ruínas

Durante 22 dias a capital dormiu e acordou em meio a tiros e bombardeios. Um terço da população paulistana deixou a cidade em busca de segurança. O próprio presidente do Estado, Carlos de Campos, refugiou-se no interior. Trincheiras foram abertas na Avenida Paulista, no Brás, no Belenzinho, na Vila Mariana, em Perdizes, no Ipiranga, na Vila.

No primeiro bombardeio com vítimas, o Liceu Coração Jesus, que serviu de refúgio para a população desabrigada pelo conflito, teve o telhado de suas oficinas destruído por um tiro de canhão.

Igreja da Nossa Senhora da Glória, no Cambuci, destruída  Foto: Autoria desconhecida

Ocupada pelos rebeldes, a Igreja Nossa Senhora da Glória, no Lavapés, foi praticamente destroçada. Temendo que trabalhadores engrossassem as fileiras dos revoltosos, as forças do governo bombardearam bairros operários, como a Mooca e Brás.

Famílias inteiras morreram dentro das casas atingidas. Até hoje pode-se ver as marcas dos bombardeios de 1924, os buracos de tiro de canhão na parede da chaminé da antiga usina termoelétrica na Rua João Teodoro, na Luz.

Tropas revolucionárias posam para foto.  Foto: Autoria desconhecida

Com sua resistência comprometida, em 28 de julho de 1924, Isidoro Dias Lopes e as remanescentes forças tenentistas deixaram a capital e retiraram-se para Bauru. A proporção das forças prevaleceu no resultado da disputa.

Os rebeldes contavam com cerca de 3 mil homens em suas fileiras, contra 18 mil que compunham os destacamentos que defendiam o governo. Ao final do mês de julho, a cidade estava sob pleno controle das tropas governistas .

Estadão - 28/7/1924

Capa do Estadão de julho de 1924 Foto: Acervo Estadão

Censura e prisão

Durante o conflito, os revolucionários permitiram que o Estadão permanecesse em circulação, mas sob censura. Com a retomada da cidade pelos governistas, o jornal, que já havia elogiado em seus editoriais o idealismo do movimento tenentista e mantinha uma postura crítica em relação aos governantes do Partido Republicano Paulista e à administração federal, sofreu as consequências por manter uma posição de neutralidade.

Durante os dias de confronto, mesmo circulando com apenas 2 páginas, o Estadão procurou manter-se ativo como uma voz da sociedade civil. Em suas edições trazia informações sobre postos de abastecimento, funcionamento bancário para o saque de salários, hospitais em funcionamento, locais de funcionamento de postos da Cruz Vermelha para atendimento aos feridos, horários

Pessoas em fuga para o interior através de ferrovia.  Foto: Autoria desconhecida

Mesmo não tendo apoiado os rebeldes, no dia 29 de julho de 1924, Julio Mesquita, diretor do jornal, foi preso por ordem do governo federal e enviado ao Rio de Janeiro. O Estadão teve sua circulação suspensa por 3 semanas, só voltou às ruas em 17 de agosto daquele ano, sob severa censura. Em suas linhas nada tratou sobre a prisão e nem sobre os eventos políticos que se seguiram.

Julio Mesquita foi libertado em setembro. Na edição do dia 10 daquele mês, o jornal noticiou sua libertação e publicou uma pequena entrevista onde ele contou um pouco sobre os dias em que permanecera preso. E prometia que “em seu tempo”, relataria mais e deixaria claro, como dizia o texto, que nem antes, nem durante, nem depois, teve elle, por palavra ou por actos, a menor participação no levante militar.

Somente dois meses depois, em dezembro, ainda sob censura, o jornal arriscou publicar algum comentário sobre o ocorrido.

Os 18 do Forte

A data do início do conflito em São Paulo foi cuidadosamente escolhida para homenagear o primeiro levante tenentista, ocorrido exatamente dois anos antes no Rio de Janeiro, no episódio conhecido como a Revolta dos 18 do Forte. A rebelião foi o primeiro movimento militar armado que pregou o fim do monopólio das oligarquias paulistas e mineiras no poder e questionava a vitória do mineiro Arthur Bernardes nas eleições presidenciais de 1922.

Marcha dos '18 do Forte', durante a revolta do Forte de Copacabana, em 1922. Foto: Zenobio Couto

Estadão - 6/7/1922

Notícia sobre o levante tenentista no Rio em 1922.  

A Revolta de 1922 serviu para mostrar o descontentamento de militares com a política do País. Em 1924, a revolução que se ergueu em São Paulo começou a desenhar um projeto político tenentista mais claro.

Em sua lista de demandas, além da deposição do Presidente da República, estavam um conjunto de reformas políticas que visavam a moralização do sistema político. Pediam maior independência do Legislativo e do Judiciário, limitações para o Poder Executivo, o fim do voto de cabresto, a adoção do voto secreto e a instauração do ensino público obrigatório.

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