Senna encontra a morte numa curva de Ímola. Leia o texto do repórter do Estadão na Fórmula 1 em 1994


Livio Oricchio relatou o acidente de Ayrton Senna, o socorro e o momento em que a morte do piloto foi declarada no hospital italiano

Por Acervo Estadão
Atualização:

A tragédia sem precedentes de um campeão mundial morrer em um acidente numa corrida de Fórmula 1 foi acompanhada in loco no domingo de 1 de maio de 1994 pelo repórter do Estadão no autódromo de Ímola, Livio Oricchio.

O jornalista relatou o segundo dramático entre a pane no carro e a colisão de Ayrton Senna com o muro, explicou como a energia do impacto foi quase toda absorvida pela cabeça do piloto brasileiro e, no hospital, narrou a emoção que tomou conta de todos quando a médica responsável pelos boletins apareceu na porta do pronto-socorro para falar com uma multidão que se aproximou dela:

“Com dificuldade e olhos marejados, ela disse: ‘Senhores, por favor’. A reação foi um empurra-empurra sem precedentes. Todos que estavam na sala de conferência queriam ouvir para poder acreditar no que já se esperava: ‘Às 18:40 (13h40 no Brasil) Ayrton Senna não apresentava mais atividade cardíaca. Ele está morto’. ”

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Leia a íntegra dos textos do repórter Livio Oricchio e veja as páginas do caderno extra publicado pelo Estadão no dia seguinte ao acidente.

Estadão - 2 de maio de 1994

Reportagem sobre a morte de Ayrton Senna no Estadão de 2 de maio de 1994. Foto: Acervo Estadão
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Senna encontra a morte numa curva de Ímola

Na 7ª volta, quando era líder, sua Williams escapa na Tamburello e bate a 280 km/h contra o muro

LIVIO ORICCHIO

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Ayrton Senna é o pole position do 14º GP de San Marino. Ao seu lado, na primeira fila, está o alemão Michael Schumacher, da Benetton. O diretor de prova, Roland Brunseraede, dá o sinal verde exatamente às 14 horas. Senna larga bem e salta na frente de Schumacher. Mas Lehto, que é o quinto no grid, deixa sua Benetton morrer. Fretzen larga logo atrás dele consegue evitar a batida, mas o português Pedro Lamy, que está no pelotão de trás, não. Resultado: colide violentamente sua Lotus com a traseira do carro de Lehto.

O diretor de prova autoriza a entrada do Safety Car na pista, conduzindo a velocidade dos carros até que a pista seja limpa. Completada a quinta volta, Brunseraede sinaliza com a bandeira verde na linha de partida, autorizando o reinicio da competição. Mais uma vez Senna assume a liderança. Mantém-se em primeiro, com Schumacher perto, perdendo terreno para ele, e Berger em terceiro. Duas voltas mais tarde a tragédia: a Williams de Senna escapa da pista, na entrada da fatídica curva Tamburello, onde Nelson Piquet se acidentou em 1987, Gerhard Berger em 1989 e Riccardo Patrese em 1992, num treino da Williams.

Com certeza Senna teve algum problema no seu carro. De natureza mecânica, aerodinâmica ou de origem nos pneus. Na hora, no circuito, havia muita gente apostando numa quebra da suspensão traseira. Mas isso foi apenas uma impressão geral. Vale recordar que a suspensão traseira da Williams FW16 do brasileiro adota um sistema revolucionário, com apenas um triângulo conectando a roda ao restante do carro. O outro elemento de fixação é o semi-eixo de tração. Todos os outros modelos de Fórmula 1 têm dois triângulos, um em baixo, outro em cima, ligando a roda ao monoposto.

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O sistema é a grande novidade da Williams para esta temporada. Também convém recordar que no primeiro treino do novo Williams, em Silverstone, Senna experimentou urna pane nesse sistema, a ponto de ele ter de ser reforçado para os testes realizados em Ímola no início de março. O piloto Nelson Piquet, falando a uma rádio na Itália, teve ao assistir pela televisão, o mesmo diagnóstico de vários espectadores em Ímola: quebra da suspensão traseira.

A Tamburello é uma curva percorrida em 6 marcha, a cerca de, naquele ponto, mais de 280 km/h. O piloto apenas gira levemente o volante para o lado esquerdo e o carro a supera. Não é necessário ter um chassi por demais equilibrado para contorná-la de pé em baixo. Todos os outros pilotos, independente do monoposto que têm à mão, fazem a curva assim. Portanto, escapar naquele lugar só se o carro apresentar uma pane.

No caso de Nelson Piquet, acredita-se que tenha sido um pneu furado e no de Gerhard Berger, a perda do aerofólio dianteiro. Riccardo Patrese teve também um problema num dos pneus. Quanto a Ayrton Senna, não se sabe ainda. Um comissário de pista lembra que ali existe uma ondulação em razão de um pedaço e asfalto novo e disse que via como os carros balançavam ao passar por lá. A Williams de Senna seguiu reto, ele sequer esboçou iniciar a curva. Entre o asfalto e o muro de concreto há quatro metros de cimento no chão, ou seja, nada que contenha a velocidade do carro antes do choque.

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O brasileiro não teve tempo de reagir com nenhuma manobra. Entre a pane e po choque não decorreu mais de um segundo. O FW16 colidiu a cerca de 280 km/h num ângulo próximo dos 50 graus o que é uma incidência bastante perigosa, pela desaceleração provocada.

O doutor Domenico Cosco disse no Hospital de Bolonha que Senna bateu a cabeça no muro e seu corpo não apresentava traumatimos toráxicos ou nos membros. A Williams bateu e ricocheteou mas a maior parte da energia do choque ficou mesmo no carro e no piloto porque pela velocidade do acidente ele deveria ter percorrido um espaço bem maior que a trajetória descrita.

Essa diferença de energia danificou o veículo e o corpo de Senna. O monocoque se manteve íntegro, mas o piloto não. Este é o grande tema que a engenharia deverá estudar em maior profundidade agora: conseguiu-se construir automóveis de uma resistência notável, mas a natureza, os efeitos da transferência de energia do carro para o piloto, ainda não foram dominados. Alguns exemplos recentes das consequências desse efeito foram sentidas por Christian Fittipaldi, JJ Lehto, Jean Alesi, Roland Ratzemberger e Ayrton Senna.

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O atendimento médico foi demorado. O doutor Sid Watkins, da FIA, depois do socorro equivocado em Rubens Barrichello, na sexta-feira, quando desviraram sua Jordan na pista como um saco de batatas com o piloto dentro, quis comandar essas operações em Ímola. Mas não havia muito o que fazer para reverter o quadro de coma profunda estabelecido ainda no autódromo, segundo o doutor Cosco que o seguiu no helicóptero até Bolonha.

A Fórmula 1 perdera um piloto que agora vai ter de achar o seu lugar correto na história: possivelmente o maior de todos os tempos.

Estadão - 2 de maio de 1994

Página do Estadão de 2 de maio de 1994 sobre a morte de Ayrton Senna. Foto: Acervo Estadão

Morte foi causada por traumatismo craniano

Senna morreu às 13h40 (hora de Brasília), quatro horas e meia depois da batida

LIVIO ORICCHIO

Em condições de assistência precária, Ayrton Senna teria morrido na própria pista. Essa é a opinião de um dos médicos que o acompanhou boa parte do tempo, o doutor Doménico Cosco. É também o que acredita a equipe que o assistiu no Hospital Maggiore, de Bolonha, formada pelos doutores Andreolli, neurocirurgião, Gordini, anestesista, Fiandri, especialista em reanimação, e Baldoni, cirurgião-geral.

O quadro que Ayrton Senna apresentava ao chegar ao centro de animação do hospital era este, de acordo com o primeiro boletim lido pela doutora Maria Tereza Fiandri, às 16:30, no centro de imprensa e conferência: “O senhor Ayrton Senna apresenta um traumatismo craniano, choque hemorrágico e coma profundo. Não constatamos nenhuma lesão toráxica ou no abdomen. A hemorrogia provém do rompimento da artéria temporal superficial.”

Em seguida, falou o neurocirurgião: “O caso não permite nenhuma intervenção cirúrgica porque a lesão é generalizada na caixa craniana Não há um hematoma específico que justifique a cirurgia. Os danos são os piores possíveis e generalizados.”

Transfusão - O doutor Servadei, que também acompanhou Senna no helicóptero para o hospital, falou mais, depois, em separado: “Senna teve um afundamento da caixa craniana proveniente do impacto frontal de sua face contra o muro de proteção. Já na pista, o piloto perdeu quantidade significativa de líquidos das camadas nervosas do crânio e sangue. Desde o autódromo até aqui nós lhe injetamos 4,5 litros de sangue, o quer dizer que praticamente fizemos uma transfusão total, já que temos seis litros no corpo.”

O doutor Gordíni deu outras declarações, afirmando que Senna teve uma depressão respiratória grave ainda no helicóptero, já com possíveis danos para o cérebro, se ele não tivesse sido atingido como fora pelo choque. No centro de reanimação, o piloto teve uma parada, quadro que foi revertido pela equipe, segundo Gordini.

As 17h42, horário local (às 12h42 no Brasil), entrou um homem de terno, na sala de conferência, abrindo espaço. Os médicos só chegaram às 17h55 (12h55). A doutora Fiandri, visivelmente emocionada, leu outro comunicado, às 18h05 (13h05). “O eletroencefalograma de Ayrton Senna não registra nenhuma atividade. Continuamos com a ventilação pulmonar. Senna tem morte cerebral. O mantemos vivo apenas porque a lei italiana ainda assim o exige (existe um projeto para alterá-la em discussão no Congresso). Não há mais esperanças.”

Como se ninguém esperasse, as declarações causaram uma profunda comoção. Alguns choraram, outros saíram correndo da sala. Um policial grita da entrada do hospital, soluçando, com raiva. “É o maior piloto que houve na história.”

Uma multidão superlotava o local, eram jornalistas do mundo inteiro, com câmeras de TV, microfones de rádio, fotógrafos, homens de redação, torcedores, muito deles, alguns acompanhados de crianças de colo, e até alguns doentes, de pijama, querendo saber de Senna.

A doutoraFiandri anunciou também que a partir daquele momento só voltaria a se pronunciar às 21 horas (16 horas no Brasil) ou se Senna deixasse de apresentar batimentos cardíacos. Às 19h05 (14h05), ela surgiu de novo, na porta do pronto-socorro, ainda no andar térreo do hospital. Uma multidão se aproximou para chegar mais perto e ouvi-la, já que não havia microfones no saguão.

Fim - Com dificuldade e olhos marejados, ela disse: “Senhores, por favor.” A reação foi um empurra-empurra sem precedentes. Todos que estavam na sala de conferência queriam ouvir para poder acreditar no que já se esperava: “Às 18:40 (13h40 no Brasil) Ayrton Senna não apresentava mais atividade cardíaca. Ele está morto.”

Muita gente chorou de novo, inclusive jornalistas brasileiros. Não parecia verdade. A morte sempre está perto dos pilo tos na Fórmula 1, mas ninguém quer ver. No 11º andar do hospital, no cen tro de reanimação, onde ele estava, ficaram seu irmão, Leonardo, a assessora de imprensa, Betise Assumpção, e alguns amigos, como Galvão Bueno, da Rede Globo.

Em seguida ao anúncio da morte de Senna, um padre franciscano bem idoso saiu do hospital, quase sem que ninguém o percebesse. Era Padre Amadeo Zuffa. ”Vim de Imola para dar a extrema unção para Senna.” E completou: “Hoje, 1 de maio, é dia de São José da Boa Morte, protetor dos moribundos. Vim até aqui para lhe oferecer a alma de Senna.”

Nesse momento, 19h15 (14h15), apareceram no saguão Betise Assumpção e Gaivão Bueno. “Estou tentando me manter equilibrada”, disse ela. Já Bueno, muito abatido dizia apenas: “Acabou.” Leonardo, segundo os dois, demonstrando estar forte, já tratava da liberação do corpo. Pouco antes da 22 horas (17 horas no Brasil), o hospital enviou o corpo de Senna para o Instituito Médico Legal.

Estadão - 2 de maio de 1994

Página do Estadão de 2 de maio de 1994 sobre a morte de Ayrton Senna. Foto: Acervo Estadão

Ninguém da Williams foi ao hospital

LIVIO ORICCHIO

BOLONHA - Ninguém da equipe Williams-Renault apareceu ontem no Hospital Maggiore, onde Ayrton Senna foi internado depois do acidente nas primeiras voltas do Grande PrÊmio de San Marino, no circuito de Ímola. O único contato foi uma chamada telefônica de Frank Williams, perguntando sobre o estado clínico do piloto, antes que os médicos confirmassem sua morte.

Das outras equipes da Fórmula 1, apenas o austríaco Gerhard Berger, da Ferrari, muito amigo de Senna na época em que ambos foram companheiros na McLaren, apareceu no hospital, entrando e saindo logo depois por uma passagem lateral.

Pela manhã, entre o warm-up e a corrida, o ex-piloto Niki Lauda confirmou que teve uma lon-ga conversa com Senna, analisando os acidentes ocorridos com o brasileiro Rubens Barrichello, na sexta-feira, e com o austríaco Roland Ratzemberger, no sábado. Lauda tentou convencer o brasileiro a constituir uma nova versão da extinta Associação dos Pilotos de Grande Prêmio (GPDA). Principalmente na década de 70, a GPDA foi muito atuante em favor dos interesses dos pilotos em todos os circuitos do mundo.

De acordo com o ex-piloto, apenas Senna, pela condição de tricampeão mundial carismático e por sua grande ascendência sobre os pilotos mais jovens, teria condições de liderar um movimento nesse sentido. Lauda comentou depois que julgava ter convencido o piloto brasileiro, pois ele estava bastante tenso com os acontecimentos no circuito de Imola e disposto a lutar por maior segurança nos carros e nos circuitos.

Veja as páginas do caderno extra Ayrton Senna - Estadão - 2 de maio de 1994

Pista assassina

Página do caderno extra sobre a morte de Ayrton Senna em 1994. Foto: Acervo Estadão

Grandes acidentes

Página do caderno extra sobre a morte de Ayrton Senna em 1994. Foto: Acervo Estadão

Senna havia criticado circuito de Ímola em março

Página do caderno extra sobre a morte de Ayrton Senna em 1994. Foto: Acervo Estadão

Um artista em busca de limites para superar

Página do caderno extra sobre a morte de Ayrton Senna em 1994. Foto: Acervo Estadão

Homenagem de Milton Nascimento no Ibirapuera

Página do caderno extra sobre a morte de Ayrton Senna em 1994. Foto: Acervo Estadão

Para Schumacher, acidentes tiram a satisfação da vitória

Página do caderno extra sobre a morte de Ayrton Senna em 1994. Foto: Acervo Estadão

Álbum de fotos

Página do caderno extra sobre a morte de Ayrton Senna em 1994. Foto: Acervo Estadão
Página do caderno extra sobre a morte de Ayrton Senna em 1994. Foto: Acervo Estadão

Ayrton Senna da Silva [1960-1994]

Página do caderno extra sobre a morte de Ayrton Senna em 1994. Foto: Acervo Estadão

ACERVO

A tragédia sem precedentes de um campeão mundial morrer em um acidente numa corrida de Fórmula 1 foi acompanhada in loco no domingo de 1 de maio de 1994 pelo repórter do Estadão no autódromo de Ímola, Livio Oricchio.

O jornalista relatou o segundo dramático entre a pane no carro e a colisão de Ayrton Senna com o muro, explicou como a energia do impacto foi quase toda absorvida pela cabeça do piloto brasileiro e, no hospital, narrou a emoção que tomou conta de todos quando a médica responsável pelos boletins apareceu na porta do pronto-socorro para falar com uma multidão que se aproximou dela:

“Com dificuldade e olhos marejados, ela disse: ‘Senhores, por favor’. A reação foi um empurra-empurra sem precedentes. Todos que estavam na sala de conferência queriam ouvir para poder acreditar no que já se esperava: ‘Às 18:40 (13h40 no Brasil) Ayrton Senna não apresentava mais atividade cardíaca. Ele está morto’. ”

Leia a íntegra dos textos do repórter Livio Oricchio e veja as páginas do caderno extra publicado pelo Estadão no dia seguinte ao acidente.

Estadão - 2 de maio de 1994

Reportagem sobre a morte de Ayrton Senna no Estadão de 2 de maio de 1994. Foto: Acervo Estadão

Senna encontra a morte numa curva de Ímola

Na 7ª volta, quando era líder, sua Williams escapa na Tamburello e bate a 280 km/h contra o muro

LIVIO ORICCHIO

Ayrton Senna é o pole position do 14º GP de San Marino. Ao seu lado, na primeira fila, está o alemão Michael Schumacher, da Benetton. O diretor de prova, Roland Brunseraede, dá o sinal verde exatamente às 14 horas. Senna larga bem e salta na frente de Schumacher. Mas Lehto, que é o quinto no grid, deixa sua Benetton morrer. Fretzen larga logo atrás dele consegue evitar a batida, mas o português Pedro Lamy, que está no pelotão de trás, não. Resultado: colide violentamente sua Lotus com a traseira do carro de Lehto.

O diretor de prova autoriza a entrada do Safety Car na pista, conduzindo a velocidade dos carros até que a pista seja limpa. Completada a quinta volta, Brunseraede sinaliza com a bandeira verde na linha de partida, autorizando o reinicio da competição. Mais uma vez Senna assume a liderança. Mantém-se em primeiro, com Schumacher perto, perdendo terreno para ele, e Berger em terceiro. Duas voltas mais tarde a tragédia: a Williams de Senna escapa da pista, na entrada da fatídica curva Tamburello, onde Nelson Piquet se acidentou em 1987, Gerhard Berger em 1989 e Riccardo Patrese em 1992, num treino da Williams.

Com certeza Senna teve algum problema no seu carro. De natureza mecânica, aerodinâmica ou de origem nos pneus. Na hora, no circuito, havia muita gente apostando numa quebra da suspensão traseira. Mas isso foi apenas uma impressão geral. Vale recordar que a suspensão traseira da Williams FW16 do brasileiro adota um sistema revolucionário, com apenas um triângulo conectando a roda ao restante do carro. O outro elemento de fixação é o semi-eixo de tração. Todos os outros modelos de Fórmula 1 têm dois triângulos, um em baixo, outro em cima, ligando a roda ao monoposto.

O sistema é a grande novidade da Williams para esta temporada. Também convém recordar que no primeiro treino do novo Williams, em Silverstone, Senna experimentou urna pane nesse sistema, a ponto de ele ter de ser reforçado para os testes realizados em Ímola no início de março. O piloto Nelson Piquet, falando a uma rádio na Itália, teve ao assistir pela televisão, o mesmo diagnóstico de vários espectadores em Ímola: quebra da suspensão traseira.

A Tamburello é uma curva percorrida em 6 marcha, a cerca de, naquele ponto, mais de 280 km/h. O piloto apenas gira levemente o volante para o lado esquerdo e o carro a supera. Não é necessário ter um chassi por demais equilibrado para contorná-la de pé em baixo. Todos os outros pilotos, independente do monoposto que têm à mão, fazem a curva assim. Portanto, escapar naquele lugar só se o carro apresentar uma pane.

No caso de Nelson Piquet, acredita-se que tenha sido um pneu furado e no de Gerhard Berger, a perda do aerofólio dianteiro. Riccardo Patrese teve também um problema num dos pneus. Quanto a Ayrton Senna, não se sabe ainda. Um comissário de pista lembra que ali existe uma ondulação em razão de um pedaço e asfalto novo e disse que via como os carros balançavam ao passar por lá. A Williams de Senna seguiu reto, ele sequer esboçou iniciar a curva. Entre o asfalto e o muro de concreto há quatro metros de cimento no chão, ou seja, nada que contenha a velocidade do carro antes do choque.

O brasileiro não teve tempo de reagir com nenhuma manobra. Entre a pane e po choque não decorreu mais de um segundo. O FW16 colidiu a cerca de 280 km/h num ângulo próximo dos 50 graus o que é uma incidência bastante perigosa, pela desaceleração provocada.

O doutor Domenico Cosco disse no Hospital de Bolonha que Senna bateu a cabeça no muro e seu corpo não apresentava traumatimos toráxicos ou nos membros. A Williams bateu e ricocheteou mas a maior parte da energia do choque ficou mesmo no carro e no piloto porque pela velocidade do acidente ele deveria ter percorrido um espaço bem maior que a trajetória descrita.

Essa diferença de energia danificou o veículo e o corpo de Senna. O monocoque se manteve íntegro, mas o piloto não. Este é o grande tema que a engenharia deverá estudar em maior profundidade agora: conseguiu-se construir automóveis de uma resistência notável, mas a natureza, os efeitos da transferência de energia do carro para o piloto, ainda não foram dominados. Alguns exemplos recentes das consequências desse efeito foram sentidas por Christian Fittipaldi, JJ Lehto, Jean Alesi, Roland Ratzemberger e Ayrton Senna.

O atendimento médico foi demorado. O doutor Sid Watkins, da FIA, depois do socorro equivocado em Rubens Barrichello, na sexta-feira, quando desviraram sua Jordan na pista como um saco de batatas com o piloto dentro, quis comandar essas operações em Ímola. Mas não havia muito o que fazer para reverter o quadro de coma profunda estabelecido ainda no autódromo, segundo o doutor Cosco que o seguiu no helicóptero até Bolonha.

A Fórmula 1 perdera um piloto que agora vai ter de achar o seu lugar correto na história: possivelmente o maior de todos os tempos.

Estadão - 2 de maio de 1994

Página do Estadão de 2 de maio de 1994 sobre a morte de Ayrton Senna. Foto: Acervo Estadão

Morte foi causada por traumatismo craniano

Senna morreu às 13h40 (hora de Brasília), quatro horas e meia depois da batida

LIVIO ORICCHIO

Em condições de assistência precária, Ayrton Senna teria morrido na própria pista. Essa é a opinião de um dos médicos que o acompanhou boa parte do tempo, o doutor Doménico Cosco. É também o que acredita a equipe que o assistiu no Hospital Maggiore, de Bolonha, formada pelos doutores Andreolli, neurocirurgião, Gordini, anestesista, Fiandri, especialista em reanimação, e Baldoni, cirurgião-geral.

O quadro que Ayrton Senna apresentava ao chegar ao centro de animação do hospital era este, de acordo com o primeiro boletim lido pela doutora Maria Tereza Fiandri, às 16:30, no centro de imprensa e conferência: “O senhor Ayrton Senna apresenta um traumatismo craniano, choque hemorrágico e coma profundo. Não constatamos nenhuma lesão toráxica ou no abdomen. A hemorrogia provém do rompimento da artéria temporal superficial.”

Em seguida, falou o neurocirurgião: “O caso não permite nenhuma intervenção cirúrgica porque a lesão é generalizada na caixa craniana Não há um hematoma específico que justifique a cirurgia. Os danos são os piores possíveis e generalizados.”

Transfusão - O doutor Servadei, que também acompanhou Senna no helicóptero para o hospital, falou mais, depois, em separado: “Senna teve um afundamento da caixa craniana proveniente do impacto frontal de sua face contra o muro de proteção. Já na pista, o piloto perdeu quantidade significativa de líquidos das camadas nervosas do crânio e sangue. Desde o autódromo até aqui nós lhe injetamos 4,5 litros de sangue, o quer dizer que praticamente fizemos uma transfusão total, já que temos seis litros no corpo.”

O doutor Gordíni deu outras declarações, afirmando que Senna teve uma depressão respiratória grave ainda no helicóptero, já com possíveis danos para o cérebro, se ele não tivesse sido atingido como fora pelo choque. No centro de reanimação, o piloto teve uma parada, quadro que foi revertido pela equipe, segundo Gordini.

As 17h42, horário local (às 12h42 no Brasil), entrou um homem de terno, na sala de conferência, abrindo espaço. Os médicos só chegaram às 17h55 (12h55). A doutora Fiandri, visivelmente emocionada, leu outro comunicado, às 18h05 (13h05). “O eletroencefalograma de Ayrton Senna não registra nenhuma atividade. Continuamos com a ventilação pulmonar. Senna tem morte cerebral. O mantemos vivo apenas porque a lei italiana ainda assim o exige (existe um projeto para alterá-la em discussão no Congresso). Não há mais esperanças.”

Como se ninguém esperasse, as declarações causaram uma profunda comoção. Alguns choraram, outros saíram correndo da sala. Um policial grita da entrada do hospital, soluçando, com raiva. “É o maior piloto que houve na história.”

Uma multidão superlotava o local, eram jornalistas do mundo inteiro, com câmeras de TV, microfones de rádio, fotógrafos, homens de redação, torcedores, muito deles, alguns acompanhados de crianças de colo, e até alguns doentes, de pijama, querendo saber de Senna.

A doutoraFiandri anunciou também que a partir daquele momento só voltaria a se pronunciar às 21 horas (16 horas no Brasil) ou se Senna deixasse de apresentar batimentos cardíacos. Às 19h05 (14h05), ela surgiu de novo, na porta do pronto-socorro, ainda no andar térreo do hospital. Uma multidão se aproximou para chegar mais perto e ouvi-la, já que não havia microfones no saguão.

Fim - Com dificuldade e olhos marejados, ela disse: “Senhores, por favor.” A reação foi um empurra-empurra sem precedentes. Todos que estavam na sala de conferência queriam ouvir para poder acreditar no que já se esperava: “Às 18:40 (13h40 no Brasil) Ayrton Senna não apresentava mais atividade cardíaca. Ele está morto.”

Muita gente chorou de novo, inclusive jornalistas brasileiros. Não parecia verdade. A morte sempre está perto dos pilo tos na Fórmula 1, mas ninguém quer ver. No 11º andar do hospital, no cen tro de reanimação, onde ele estava, ficaram seu irmão, Leonardo, a assessora de imprensa, Betise Assumpção, e alguns amigos, como Galvão Bueno, da Rede Globo.

Em seguida ao anúncio da morte de Senna, um padre franciscano bem idoso saiu do hospital, quase sem que ninguém o percebesse. Era Padre Amadeo Zuffa. ”Vim de Imola para dar a extrema unção para Senna.” E completou: “Hoje, 1 de maio, é dia de São José da Boa Morte, protetor dos moribundos. Vim até aqui para lhe oferecer a alma de Senna.”

Nesse momento, 19h15 (14h15), apareceram no saguão Betise Assumpção e Gaivão Bueno. “Estou tentando me manter equilibrada”, disse ela. Já Bueno, muito abatido dizia apenas: “Acabou.” Leonardo, segundo os dois, demonstrando estar forte, já tratava da liberação do corpo. Pouco antes da 22 horas (17 horas no Brasil), o hospital enviou o corpo de Senna para o Instituito Médico Legal.

Estadão - 2 de maio de 1994

Página do Estadão de 2 de maio de 1994 sobre a morte de Ayrton Senna. Foto: Acervo Estadão

Ninguém da Williams foi ao hospital

LIVIO ORICCHIO

BOLONHA - Ninguém da equipe Williams-Renault apareceu ontem no Hospital Maggiore, onde Ayrton Senna foi internado depois do acidente nas primeiras voltas do Grande PrÊmio de San Marino, no circuito de Ímola. O único contato foi uma chamada telefônica de Frank Williams, perguntando sobre o estado clínico do piloto, antes que os médicos confirmassem sua morte.

Das outras equipes da Fórmula 1, apenas o austríaco Gerhard Berger, da Ferrari, muito amigo de Senna na época em que ambos foram companheiros na McLaren, apareceu no hospital, entrando e saindo logo depois por uma passagem lateral.

Pela manhã, entre o warm-up e a corrida, o ex-piloto Niki Lauda confirmou que teve uma lon-ga conversa com Senna, analisando os acidentes ocorridos com o brasileiro Rubens Barrichello, na sexta-feira, e com o austríaco Roland Ratzemberger, no sábado. Lauda tentou convencer o brasileiro a constituir uma nova versão da extinta Associação dos Pilotos de Grande Prêmio (GPDA). Principalmente na década de 70, a GPDA foi muito atuante em favor dos interesses dos pilotos em todos os circuitos do mundo.

De acordo com o ex-piloto, apenas Senna, pela condição de tricampeão mundial carismático e por sua grande ascendência sobre os pilotos mais jovens, teria condições de liderar um movimento nesse sentido. Lauda comentou depois que julgava ter convencido o piloto brasileiro, pois ele estava bastante tenso com os acontecimentos no circuito de Imola e disposto a lutar por maior segurança nos carros e nos circuitos.

Veja as páginas do caderno extra Ayrton Senna - Estadão - 2 de maio de 1994

Pista assassina

Página do caderno extra sobre a morte de Ayrton Senna em 1994. Foto: Acervo Estadão

Grandes acidentes

Página do caderno extra sobre a morte de Ayrton Senna em 1994. Foto: Acervo Estadão

Senna havia criticado circuito de Ímola em março

Página do caderno extra sobre a morte de Ayrton Senna em 1994. Foto: Acervo Estadão

Um artista em busca de limites para superar

Página do caderno extra sobre a morte de Ayrton Senna em 1994. Foto: Acervo Estadão

Homenagem de Milton Nascimento no Ibirapuera

Página do caderno extra sobre a morte de Ayrton Senna em 1994. Foto: Acervo Estadão

Para Schumacher, acidentes tiram a satisfação da vitória

Página do caderno extra sobre a morte de Ayrton Senna em 1994. Foto: Acervo Estadão

Álbum de fotos

Página do caderno extra sobre a morte de Ayrton Senna em 1994. Foto: Acervo Estadão
Página do caderno extra sobre a morte de Ayrton Senna em 1994. Foto: Acervo Estadão

Ayrton Senna da Silva [1960-1994]

Página do caderno extra sobre a morte de Ayrton Senna em 1994. Foto: Acervo Estadão

ACERVO

A tragédia sem precedentes de um campeão mundial morrer em um acidente numa corrida de Fórmula 1 foi acompanhada in loco no domingo de 1 de maio de 1994 pelo repórter do Estadão no autódromo de Ímola, Livio Oricchio.

O jornalista relatou o segundo dramático entre a pane no carro e a colisão de Ayrton Senna com o muro, explicou como a energia do impacto foi quase toda absorvida pela cabeça do piloto brasileiro e, no hospital, narrou a emoção que tomou conta de todos quando a médica responsável pelos boletins apareceu na porta do pronto-socorro para falar com uma multidão que se aproximou dela:

“Com dificuldade e olhos marejados, ela disse: ‘Senhores, por favor’. A reação foi um empurra-empurra sem precedentes. Todos que estavam na sala de conferência queriam ouvir para poder acreditar no que já se esperava: ‘Às 18:40 (13h40 no Brasil) Ayrton Senna não apresentava mais atividade cardíaca. Ele está morto’. ”

Leia a íntegra dos textos do repórter Livio Oricchio e veja as páginas do caderno extra publicado pelo Estadão no dia seguinte ao acidente.

Estadão - 2 de maio de 1994

Reportagem sobre a morte de Ayrton Senna no Estadão de 2 de maio de 1994. Foto: Acervo Estadão

Senna encontra a morte numa curva de Ímola

Na 7ª volta, quando era líder, sua Williams escapa na Tamburello e bate a 280 km/h contra o muro

LIVIO ORICCHIO

Ayrton Senna é o pole position do 14º GP de San Marino. Ao seu lado, na primeira fila, está o alemão Michael Schumacher, da Benetton. O diretor de prova, Roland Brunseraede, dá o sinal verde exatamente às 14 horas. Senna larga bem e salta na frente de Schumacher. Mas Lehto, que é o quinto no grid, deixa sua Benetton morrer. Fretzen larga logo atrás dele consegue evitar a batida, mas o português Pedro Lamy, que está no pelotão de trás, não. Resultado: colide violentamente sua Lotus com a traseira do carro de Lehto.

O diretor de prova autoriza a entrada do Safety Car na pista, conduzindo a velocidade dos carros até que a pista seja limpa. Completada a quinta volta, Brunseraede sinaliza com a bandeira verde na linha de partida, autorizando o reinicio da competição. Mais uma vez Senna assume a liderança. Mantém-se em primeiro, com Schumacher perto, perdendo terreno para ele, e Berger em terceiro. Duas voltas mais tarde a tragédia: a Williams de Senna escapa da pista, na entrada da fatídica curva Tamburello, onde Nelson Piquet se acidentou em 1987, Gerhard Berger em 1989 e Riccardo Patrese em 1992, num treino da Williams.

Com certeza Senna teve algum problema no seu carro. De natureza mecânica, aerodinâmica ou de origem nos pneus. Na hora, no circuito, havia muita gente apostando numa quebra da suspensão traseira. Mas isso foi apenas uma impressão geral. Vale recordar que a suspensão traseira da Williams FW16 do brasileiro adota um sistema revolucionário, com apenas um triângulo conectando a roda ao restante do carro. O outro elemento de fixação é o semi-eixo de tração. Todos os outros modelos de Fórmula 1 têm dois triângulos, um em baixo, outro em cima, ligando a roda ao monoposto.

O sistema é a grande novidade da Williams para esta temporada. Também convém recordar que no primeiro treino do novo Williams, em Silverstone, Senna experimentou urna pane nesse sistema, a ponto de ele ter de ser reforçado para os testes realizados em Ímola no início de março. O piloto Nelson Piquet, falando a uma rádio na Itália, teve ao assistir pela televisão, o mesmo diagnóstico de vários espectadores em Ímola: quebra da suspensão traseira.

A Tamburello é uma curva percorrida em 6 marcha, a cerca de, naquele ponto, mais de 280 km/h. O piloto apenas gira levemente o volante para o lado esquerdo e o carro a supera. Não é necessário ter um chassi por demais equilibrado para contorná-la de pé em baixo. Todos os outros pilotos, independente do monoposto que têm à mão, fazem a curva assim. Portanto, escapar naquele lugar só se o carro apresentar uma pane.

No caso de Nelson Piquet, acredita-se que tenha sido um pneu furado e no de Gerhard Berger, a perda do aerofólio dianteiro. Riccardo Patrese teve também um problema num dos pneus. Quanto a Ayrton Senna, não se sabe ainda. Um comissário de pista lembra que ali existe uma ondulação em razão de um pedaço e asfalto novo e disse que via como os carros balançavam ao passar por lá. A Williams de Senna seguiu reto, ele sequer esboçou iniciar a curva. Entre o asfalto e o muro de concreto há quatro metros de cimento no chão, ou seja, nada que contenha a velocidade do carro antes do choque.

O brasileiro não teve tempo de reagir com nenhuma manobra. Entre a pane e po choque não decorreu mais de um segundo. O FW16 colidiu a cerca de 280 km/h num ângulo próximo dos 50 graus o que é uma incidência bastante perigosa, pela desaceleração provocada.

O doutor Domenico Cosco disse no Hospital de Bolonha que Senna bateu a cabeça no muro e seu corpo não apresentava traumatimos toráxicos ou nos membros. A Williams bateu e ricocheteou mas a maior parte da energia do choque ficou mesmo no carro e no piloto porque pela velocidade do acidente ele deveria ter percorrido um espaço bem maior que a trajetória descrita.

Essa diferença de energia danificou o veículo e o corpo de Senna. O monocoque se manteve íntegro, mas o piloto não. Este é o grande tema que a engenharia deverá estudar em maior profundidade agora: conseguiu-se construir automóveis de uma resistência notável, mas a natureza, os efeitos da transferência de energia do carro para o piloto, ainda não foram dominados. Alguns exemplos recentes das consequências desse efeito foram sentidas por Christian Fittipaldi, JJ Lehto, Jean Alesi, Roland Ratzemberger e Ayrton Senna.

O atendimento médico foi demorado. O doutor Sid Watkins, da FIA, depois do socorro equivocado em Rubens Barrichello, na sexta-feira, quando desviraram sua Jordan na pista como um saco de batatas com o piloto dentro, quis comandar essas operações em Ímola. Mas não havia muito o que fazer para reverter o quadro de coma profunda estabelecido ainda no autódromo, segundo o doutor Cosco que o seguiu no helicóptero até Bolonha.

A Fórmula 1 perdera um piloto que agora vai ter de achar o seu lugar correto na história: possivelmente o maior de todos os tempos.

Estadão - 2 de maio de 1994

Página do Estadão de 2 de maio de 1994 sobre a morte de Ayrton Senna. Foto: Acervo Estadão

Morte foi causada por traumatismo craniano

Senna morreu às 13h40 (hora de Brasília), quatro horas e meia depois da batida

LIVIO ORICCHIO

Em condições de assistência precária, Ayrton Senna teria morrido na própria pista. Essa é a opinião de um dos médicos que o acompanhou boa parte do tempo, o doutor Doménico Cosco. É também o que acredita a equipe que o assistiu no Hospital Maggiore, de Bolonha, formada pelos doutores Andreolli, neurocirurgião, Gordini, anestesista, Fiandri, especialista em reanimação, e Baldoni, cirurgião-geral.

O quadro que Ayrton Senna apresentava ao chegar ao centro de animação do hospital era este, de acordo com o primeiro boletim lido pela doutora Maria Tereza Fiandri, às 16:30, no centro de imprensa e conferência: “O senhor Ayrton Senna apresenta um traumatismo craniano, choque hemorrágico e coma profundo. Não constatamos nenhuma lesão toráxica ou no abdomen. A hemorrogia provém do rompimento da artéria temporal superficial.”

Em seguida, falou o neurocirurgião: “O caso não permite nenhuma intervenção cirúrgica porque a lesão é generalizada na caixa craniana Não há um hematoma específico que justifique a cirurgia. Os danos são os piores possíveis e generalizados.”

Transfusão - O doutor Servadei, que também acompanhou Senna no helicóptero para o hospital, falou mais, depois, em separado: “Senna teve um afundamento da caixa craniana proveniente do impacto frontal de sua face contra o muro de proteção. Já na pista, o piloto perdeu quantidade significativa de líquidos das camadas nervosas do crânio e sangue. Desde o autódromo até aqui nós lhe injetamos 4,5 litros de sangue, o quer dizer que praticamente fizemos uma transfusão total, já que temos seis litros no corpo.”

O doutor Gordíni deu outras declarações, afirmando que Senna teve uma depressão respiratória grave ainda no helicóptero, já com possíveis danos para o cérebro, se ele não tivesse sido atingido como fora pelo choque. No centro de reanimação, o piloto teve uma parada, quadro que foi revertido pela equipe, segundo Gordini.

As 17h42, horário local (às 12h42 no Brasil), entrou um homem de terno, na sala de conferência, abrindo espaço. Os médicos só chegaram às 17h55 (12h55). A doutora Fiandri, visivelmente emocionada, leu outro comunicado, às 18h05 (13h05). “O eletroencefalograma de Ayrton Senna não registra nenhuma atividade. Continuamos com a ventilação pulmonar. Senna tem morte cerebral. O mantemos vivo apenas porque a lei italiana ainda assim o exige (existe um projeto para alterá-la em discussão no Congresso). Não há mais esperanças.”

Como se ninguém esperasse, as declarações causaram uma profunda comoção. Alguns choraram, outros saíram correndo da sala. Um policial grita da entrada do hospital, soluçando, com raiva. “É o maior piloto que houve na história.”

Uma multidão superlotava o local, eram jornalistas do mundo inteiro, com câmeras de TV, microfones de rádio, fotógrafos, homens de redação, torcedores, muito deles, alguns acompanhados de crianças de colo, e até alguns doentes, de pijama, querendo saber de Senna.

A doutoraFiandri anunciou também que a partir daquele momento só voltaria a se pronunciar às 21 horas (16 horas no Brasil) ou se Senna deixasse de apresentar batimentos cardíacos. Às 19h05 (14h05), ela surgiu de novo, na porta do pronto-socorro, ainda no andar térreo do hospital. Uma multidão se aproximou para chegar mais perto e ouvi-la, já que não havia microfones no saguão.

Fim - Com dificuldade e olhos marejados, ela disse: “Senhores, por favor.” A reação foi um empurra-empurra sem precedentes. Todos que estavam na sala de conferência queriam ouvir para poder acreditar no que já se esperava: “Às 18:40 (13h40 no Brasil) Ayrton Senna não apresentava mais atividade cardíaca. Ele está morto.”

Muita gente chorou de novo, inclusive jornalistas brasileiros. Não parecia verdade. A morte sempre está perto dos pilo tos na Fórmula 1, mas ninguém quer ver. No 11º andar do hospital, no cen tro de reanimação, onde ele estava, ficaram seu irmão, Leonardo, a assessora de imprensa, Betise Assumpção, e alguns amigos, como Galvão Bueno, da Rede Globo.

Em seguida ao anúncio da morte de Senna, um padre franciscano bem idoso saiu do hospital, quase sem que ninguém o percebesse. Era Padre Amadeo Zuffa. ”Vim de Imola para dar a extrema unção para Senna.” E completou: “Hoje, 1 de maio, é dia de São José da Boa Morte, protetor dos moribundos. Vim até aqui para lhe oferecer a alma de Senna.”

Nesse momento, 19h15 (14h15), apareceram no saguão Betise Assumpção e Gaivão Bueno. “Estou tentando me manter equilibrada”, disse ela. Já Bueno, muito abatido dizia apenas: “Acabou.” Leonardo, segundo os dois, demonstrando estar forte, já tratava da liberação do corpo. Pouco antes da 22 horas (17 horas no Brasil), o hospital enviou o corpo de Senna para o Instituito Médico Legal.

Estadão - 2 de maio de 1994

Página do Estadão de 2 de maio de 1994 sobre a morte de Ayrton Senna. Foto: Acervo Estadão

Ninguém da Williams foi ao hospital

LIVIO ORICCHIO

BOLONHA - Ninguém da equipe Williams-Renault apareceu ontem no Hospital Maggiore, onde Ayrton Senna foi internado depois do acidente nas primeiras voltas do Grande PrÊmio de San Marino, no circuito de Ímola. O único contato foi uma chamada telefônica de Frank Williams, perguntando sobre o estado clínico do piloto, antes que os médicos confirmassem sua morte.

Das outras equipes da Fórmula 1, apenas o austríaco Gerhard Berger, da Ferrari, muito amigo de Senna na época em que ambos foram companheiros na McLaren, apareceu no hospital, entrando e saindo logo depois por uma passagem lateral.

Pela manhã, entre o warm-up e a corrida, o ex-piloto Niki Lauda confirmou que teve uma lon-ga conversa com Senna, analisando os acidentes ocorridos com o brasileiro Rubens Barrichello, na sexta-feira, e com o austríaco Roland Ratzemberger, no sábado. Lauda tentou convencer o brasileiro a constituir uma nova versão da extinta Associação dos Pilotos de Grande Prêmio (GPDA). Principalmente na década de 70, a GPDA foi muito atuante em favor dos interesses dos pilotos em todos os circuitos do mundo.

De acordo com o ex-piloto, apenas Senna, pela condição de tricampeão mundial carismático e por sua grande ascendência sobre os pilotos mais jovens, teria condições de liderar um movimento nesse sentido. Lauda comentou depois que julgava ter convencido o piloto brasileiro, pois ele estava bastante tenso com os acontecimentos no circuito de Imola e disposto a lutar por maior segurança nos carros e nos circuitos.

Veja as páginas do caderno extra Ayrton Senna - Estadão - 2 de maio de 1994

Pista assassina

Página do caderno extra sobre a morte de Ayrton Senna em 1994. Foto: Acervo Estadão

Grandes acidentes

Página do caderno extra sobre a morte de Ayrton Senna em 1994. Foto: Acervo Estadão

Senna havia criticado circuito de Ímola em março

Página do caderno extra sobre a morte de Ayrton Senna em 1994. Foto: Acervo Estadão

Um artista em busca de limites para superar

Página do caderno extra sobre a morte de Ayrton Senna em 1994. Foto: Acervo Estadão

Homenagem de Milton Nascimento no Ibirapuera

Página do caderno extra sobre a morte de Ayrton Senna em 1994. Foto: Acervo Estadão

Para Schumacher, acidentes tiram a satisfação da vitória

Página do caderno extra sobre a morte de Ayrton Senna em 1994. Foto: Acervo Estadão

Álbum de fotos

Página do caderno extra sobre a morte de Ayrton Senna em 1994. Foto: Acervo Estadão
Página do caderno extra sobre a morte de Ayrton Senna em 1994. Foto: Acervo Estadão

Ayrton Senna da Silva [1960-1994]

Página do caderno extra sobre a morte de Ayrton Senna em 1994. Foto: Acervo Estadão

ACERVO

A tragédia sem precedentes de um campeão mundial morrer em um acidente numa corrida de Fórmula 1 foi acompanhada in loco no domingo de 1 de maio de 1994 pelo repórter do Estadão no autódromo de Ímola, Livio Oricchio.

O jornalista relatou o segundo dramático entre a pane no carro e a colisão de Ayrton Senna com o muro, explicou como a energia do impacto foi quase toda absorvida pela cabeça do piloto brasileiro e, no hospital, narrou a emoção que tomou conta de todos quando a médica responsável pelos boletins apareceu na porta do pronto-socorro para falar com uma multidão que se aproximou dela:

“Com dificuldade e olhos marejados, ela disse: ‘Senhores, por favor’. A reação foi um empurra-empurra sem precedentes. Todos que estavam na sala de conferência queriam ouvir para poder acreditar no que já se esperava: ‘Às 18:40 (13h40 no Brasil) Ayrton Senna não apresentava mais atividade cardíaca. Ele está morto’. ”

Leia a íntegra dos textos do repórter Livio Oricchio e veja as páginas do caderno extra publicado pelo Estadão no dia seguinte ao acidente.

Estadão - 2 de maio de 1994

Reportagem sobre a morte de Ayrton Senna no Estadão de 2 de maio de 1994. Foto: Acervo Estadão

Senna encontra a morte numa curva de Ímola

Na 7ª volta, quando era líder, sua Williams escapa na Tamburello e bate a 280 km/h contra o muro

LIVIO ORICCHIO

Ayrton Senna é o pole position do 14º GP de San Marino. Ao seu lado, na primeira fila, está o alemão Michael Schumacher, da Benetton. O diretor de prova, Roland Brunseraede, dá o sinal verde exatamente às 14 horas. Senna larga bem e salta na frente de Schumacher. Mas Lehto, que é o quinto no grid, deixa sua Benetton morrer. Fretzen larga logo atrás dele consegue evitar a batida, mas o português Pedro Lamy, que está no pelotão de trás, não. Resultado: colide violentamente sua Lotus com a traseira do carro de Lehto.

O diretor de prova autoriza a entrada do Safety Car na pista, conduzindo a velocidade dos carros até que a pista seja limpa. Completada a quinta volta, Brunseraede sinaliza com a bandeira verde na linha de partida, autorizando o reinicio da competição. Mais uma vez Senna assume a liderança. Mantém-se em primeiro, com Schumacher perto, perdendo terreno para ele, e Berger em terceiro. Duas voltas mais tarde a tragédia: a Williams de Senna escapa da pista, na entrada da fatídica curva Tamburello, onde Nelson Piquet se acidentou em 1987, Gerhard Berger em 1989 e Riccardo Patrese em 1992, num treino da Williams.

Com certeza Senna teve algum problema no seu carro. De natureza mecânica, aerodinâmica ou de origem nos pneus. Na hora, no circuito, havia muita gente apostando numa quebra da suspensão traseira. Mas isso foi apenas uma impressão geral. Vale recordar que a suspensão traseira da Williams FW16 do brasileiro adota um sistema revolucionário, com apenas um triângulo conectando a roda ao restante do carro. O outro elemento de fixação é o semi-eixo de tração. Todos os outros modelos de Fórmula 1 têm dois triângulos, um em baixo, outro em cima, ligando a roda ao monoposto.

O sistema é a grande novidade da Williams para esta temporada. Também convém recordar que no primeiro treino do novo Williams, em Silverstone, Senna experimentou urna pane nesse sistema, a ponto de ele ter de ser reforçado para os testes realizados em Ímola no início de março. O piloto Nelson Piquet, falando a uma rádio na Itália, teve ao assistir pela televisão, o mesmo diagnóstico de vários espectadores em Ímola: quebra da suspensão traseira.

A Tamburello é uma curva percorrida em 6 marcha, a cerca de, naquele ponto, mais de 280 km/h. O piloto apenas gira levemente o volante para o lado esquerdo e o carro a supera. Não é necessário ter um chassi por demais equilibrado para contorná-la de pé em baixo. Todos os outros pilotos, independente do monoposto que têm à mão, fazem a curva assim. Portanto, escapar naquele lugar só se o carro apresentar uma pane.

No caso de Nelson Piquet, acredita-se que tenha sido um pneu furado e no de Gerhard Berger, a perda do aerofólio dianteiro. Riccardo Patrese teve também um problema num dos pneus. Quanto a Ayrton Senna, não se sabe ainda. Um comissário de pista lembra que ali existe uma ondulação em razão de um pedaço e asfalto novo e disse que via como os carros balançavam ao passar por lá. A Williams de Senna seguiu reto, ele sequer esboçou iniciar a curva. Entre o asfalto e o muro de concreto há quatro metros de cimento no chão, ou seja, nada que contenha a velocidade do carro antes do choque.

O brasileiro não teve tempo de reagir com nenhuma manobra. Entre a pane e po choque não decorreu mais de um segundo. O FW16 colidiu a cerca de 280 km/h num ângulo próximo dos 50 graus o que é uma incidência bastante perigosa, pela desaceleração provocada.

O doutor Domenico Cosco disse no Hospital de Bolonha que Senna bateu a cabeça no muro e seu corpo não apresentava traumatimos toráxicos ou nos membros. A Williams bateu e ricocheteou mas a maior parte da energia do choque ficou mesmo no carro e no piloto porque pela velocidade do acidente ele deveria ter percorrido um espaço bem maior que a trajetória descrita.

Essa diferença de energia danificou o veículo e o corpo de Senna. O monocoque se manteve íntegro, mas o piloto não. Este é o grande tema que a engenharia deverá estudar em maior profundidade agora: conseguiu-se construir automóveis de uma resistência notável, mas a natureza, os efeitos da transferência de energia do carro para o piloto, ainda não foram dominados. Alguns exemplos recentes das consequências desse efeito foram sentidas por Christian Fittipaldi, JJ Lehto, Jean Alesi, Roland Ratzemberger e Ayrton Senna.

O atendimento médico foi demorado. O doutor Sid Watkins, da FIA, depois do socorro equivocado em Rubens Barrichello, na sexta-feira, quando desviraram sua Jordan na pista como um saco de batatas com o piloto dentro, quis comandar essas operações em Ímola. Mas não havia muito o que fazer para reverter o quadro de coma profunda estabelecido ainda no autódromo, segundo o doutor Cosco que o seguiu no helicóptero até Bolonha.

A Fórmula 1 perdera um piloto que agora vai ter de achar o seu lugar correto na história: possivelmente o maior de todos os tempos.

Estadão - 2 de maio de 1994

Página do Estadão de 2 de maio de 1994 sobre a morte de Ayrton Senna. Foto: Acervo Estadão

Morte foi causada por traumatismo craniano

Senna morreu às 13h40 (hora de Brasília), quatro horas e meia depois da batida

LIVIO ORICCHIO

Em condições de assistência precária, Ayrton Senna teria morrido na própria pista. Essa é a opinião de um dos médicos que o acompanhou boa parte do tempo, o doutor Doménico Cosco. É também o que acredita a equipe que o assistiu no Hospital Maggiore, de Bolonha, formada pelos doutores Andreolli, neurocirurgião, Gordini, anestesista, Fiandri, especialista em reanimação, e Baldoni, cirurgião-geral.

O quadro que Ayrton Senna apresentava ao chegar ao centro de animação do hospital era este, de acordo com o primeiro boletim lido pela doutora Maria Tereza Fiandri, às 16:30, no centro de imprensa e conferência: “O senhor Ayrton Senna apresenta um traumatismo craniano, choque hemorrágico e coma profundo. Não constatamos nenhuma lesão toráxica ou no abdomen. A hemorrogia provém do rompimento da artéria temporal superficial.”

Em seguida, falou o neurocirurgião: “O caso não permite nenhuma intervenção cirúrgica porque a lesão é generalizada na caixa craniana Não há um hematoma específico que justifique a cirurgia. Os danos são os piores possíveis e generalizados.”

Transfusão - O doutor Servadei, que também acompanhou Senna no helicóptero para o hospital, falou mais, depois, em separado: “Senna teve um afundamento da caixa craniana proveniente do impacto frontal de sua face contra o muro de proteção. Já na pista, o piloto perdeu quantidade significativa de líquidos das camadas nervosas do crânio e sangue. Desde o autódromo até aqui nós lhe injetamos 4,5 litros de sangue, o quer dizer que praticamente fizemos uma transfusão total, já que temos seis litros no corpo.”

O doutor Gordíni deu outras declarações, afirmando que Senna teve uma depressão respiratória grave ainda no helicóptero, já com possíveis danos para o cérebro, se ele não tivesse sido atingido como fora pelo choque. No centro de reanimação, o piloto teve uma parada, quadro que foi revertido pela equipe, segundo Gordini.

As 17h42, horário local (às 12h42 no Brasil), entrou um homem de terno, na sala de conferência, abrindo espaço. Os médicos só chegaram às 17h55 (12h55). A doutora Fiandri, visivelmente emocionada, leu outro comunicado, às 18h05 (13h05). “O eletroencefalograma de Ayrton Senna não registra nenhuma atividade. Continuamos com a ventilação pulmonar. Senna tem morte cerebral. O mantemos vivo apenas porque a lei italiana ainda assim o exige (existe um projeto para alterá-la em discussão no Congresso). Não há mais esperanças.”

Como se ninguém esperasse, as declarações causaram uma profunda comoção. Alguns choraram, outros saíram correndo da sala. Um policial grita da entrada do hospital, soluçando, com raiva. “É o maior piloto que houve na história.”

Uma multidão superlotava o local, eram jornalistas do mundo inteiro, com câmeras de TV, microfones de rádio, fotógrafos, homens de redação, torcedores, muito deles, alguns acompanhados de crianças de colo, e até alguns doentes, de pijama, querendo saber de Senna.

A doutoraFiandri anunciou também que a partir daquele momento só voltaria a se pronunciar às 21 horas (16 horas no Brasil) ou se Senna deixasse de apresentar batimentos cardíacos. Às 19h05 (14h05), ela surgiu de novo, na porta do pronto-socorro, ainda no andar térreo do hospital. Uma multidão se aproximou para chegar mais perto e ouvi-la, já que não havia microfones no saguão.

Fim - Com dificuldade e olhos marejados, ela disse: “Senhores, por favor.” A reação foi um empurra-empurra sem precedentes. Todos que estavam na sala de conferência queriam ouvir para poder acreditar no que já se esperava: “Às 18:40 (13h40 no Brasil) Ayrton Senna não apresentava mais atividade cardíaca. Ele está morto.”

Muita gente chorou de novo, inclusive jornalistas brasileiros. Não parecia verdade. A morte sempre está perto dos pilo tos na Fórmula 1, mas ninguém quer ver. No 11º andar do hospital, no cen tro de reanimação, onde ele estava, ficaram seu irmão, Leonardo, a assessora de imprensa, Betise Assumpção, e alguns amigos, como Galvão Bueno, da Rede Globo.

Em seguida ao anúncio da morte de Senna, um padre franciscano bem idoso saiu do hospital, quase sem que ninguém o percebesse. Era Padre Amadeo Zuffa. ”Vim de Imola para dar a extrema unção para Senna.” E completou: “Hoje, 1 de maio, é dia de São José da Boa Morte, protetor dos moribundos. Vim até aqui para lhe oferecer a alma de Senna.”

Nesse momento, 19h15 (14h15), apareceram no saguão Betise Assumpção e Gaivão Bueno. “Estou tentando me manter equilibrada”, disse ela. Já Bueno, muito abatido dizia apenas: “Acabou.” Leonardo, segundo os dois, demonstrando estar forte, já tratava da liberação do corpo. Pouco antes da 22 horas (17 horas no Brasil), o hospital enviou o corpo de Senna para o Instituito Médico Legal.

Estadão - 2 de maio de 1994

Página do Estadão de 2 de maio de 1994 sobre a morte de Ayrton Senna. Foto: Acervo Estadão

Ninguém da Williams foi ao hospital

LIVIO ORICCHIO

BOLONHA - Ninguém da equipe Williams-Renault apareceu ontem no Hospital Maggiore, onde Ayrton Senna foi internado depois do acidente nas primeiras voltas do Grande PrÊmio de San Marino, no circuito de Ímola. O único contato foi uma chamada telefônica de Frank Williams, perguntando sobre o estado clínico do piloto, antes que os médicos confirmassem sua morte.

Das outras equipes da Fórmula 1, apenas o austríaco Gerhard Berger, da Ferrari, muito amigo de Senna na época em que ambos foram companheiros na McLaren, apareceu no hospital, entrando e saindo logo depois por uma passagem lateral.

Pela manhã, entre o warm-up e a corrida, o ex-piloto Niki Lauda confirmou que teve uma lon-ga conversa com Senna, analisando os acidentes ocorridos com o brasileiro Rubens Barrichello, na sexta-feira, e com o austríaco Roland Ratzemberger, no sábado. Lauda tentou convencer o brasileiro a constituir uma nova versão da extinta Associação dos Pilotos de Grande Prêmio (GPDA). Principalmente na década de 70, a GPDA foi muito atuante em favor dos interesses dos pilotos em todos os circuitos do mundo.

De acordo com o ex-piloto, apenas Senna, pela condição de tricampeão mundial carismático e por sua grande ascendência sobre os pilotos mais jovens, teria condições de liderar um movimento nesse sentido. Lauda comentou depois que julgava ter convencido o piloto brasileiro, pois ele estava bastante tenso com os acontecimentos no circuito de Imola e disposto a lutar por maior segurança nos carros e nos circuitos.

Veja as páginas do caderno extra Ayrton Senna - Estadão - 2 de maio de 1994

Pista assassina

Página do caderno extra sobre a morte de Ayrton Senna em 1994. Foto: Acervo Estadão

Grandes acidentes

Página do caderno extra sobre a morte de Ayrton Senna em 1994. Foto: Acervo Estadão

Senna havia criticado circuito de Ímola em março

Página do caderno extra sobre a morte de Ayrton Senna em 1994. Foto: Acervo Estadão

Um artista em busca de limites para superar

Página do caderno extra sobre a morte de Ayrton Senna em 1994. Foto: Acervo Estadão

Homenagem de Milton Nascimento no Ibirapuera

Página do caderno extra sobre a morte de Ayrton Senna em 1994. Foto: Acervo Estadão

Para Schumacher, acidentes tiram a satisfação da vitória

Página do caderno extra sobre a morte de Ayrton Senna em 1994. Foto: Acervo Estadão

Álbum de fotos

Página do caderno extra sobre a morte de Ayrton Senna em 1994. Foto: Acervo Estadão
Página do caderno extra sobre a morte de Ayrton Senna em 1994. Foto: Acervo Estadão

Ayrton Senna da Silva [1960-1994]

Página do caderno extra sobre a morte de Ayrton Senna em 1994. Foto: Acervo Estadão

ACERVO

A tragédia sem precedentes de um campeão mundial morrer em um acidente numa corrida de Fórmula 1 foi acompanhada in loco no domingo de 1 de maio de 1994 pelo repórter do Estadão no autódromo de Ímola, Livio Oricchio.

O jornalista relatou o segundo dramático entre a pane no carro e a colisão de Ayrton Senna com o muro, explicou como a energia do impacto foi quase toda absorvida pela cabeça do piloto brasileiro e, no hospital, narrou a emoção que tomou conta de todos quando a médica responsável pelos boletins apareceu na porta do pronto-socorro para falar com uma multidão que se aproximou dela:

“Com dificuldade e olhos marejados, ela disse: ‘Senhores, por favor’. A reação foi um empurra-empurra sem precedentes. Todos que estavam na sala de conferência queriam ouvir para poder acreditar no que já se esperava: ‘Às 18:40 (13h40 no Brasil) Ayrton Senna não apresentava mais atividade cardíaca. Ele está morto’. ”

Leia a íntegra dos textos do repórter Livio Oricchio e veja as páginas do caderno extra publicado pelo Estadão no dia seguinte ao acidente.

Estadão - 2 de maio de 1994

Reportagem sobre a morte de Ayrton Senna no Estadão de 2 de maio de 1994. Foto: Acervo Estadão

Senna encontra a morte numa curva de Ímola

Na 7ª volta, quando era líder, sua Williams escapa na Tamburello e bate a 280 km/h contra o muro

LIVIO ORICCHIO

Ayrton Senna é o pole position do 14º GP de San Marino. Ao seu lado, na primeira fila, está o alemão Michael Schumacher, da Benetton. O diretor de prova, Roland Brunseraede, dá o sinal verde exatamente às 14 horas. Senna larga bem e salta na frente de Schumacher. Mas Lehto, que é o quinto no grid, deixa sua Benetton morrer. Fretzen larga logo atrás dele consegue evitar a batida, mas o português Pedro Lamy, que está no pelotão de trás, não. Resultado: colide violentamente sua Lotus com a traseira do carro de Lehto.

O diretor de prova autoriza a entrada do Safety Car na pista, conduzindo a velocidade dos carros até que a pista seja limpa. Completada a quinta volta, Brunseraede sinaliza com a bandeira verde na linha de partida, autorizando o reinicio da competição. Mais uma vez Senna assume a liderança. Mantém-se em primeiro, com Schumacher perto, perdendo terreno para ele, e Berger em terceiro. Duas voltas mais tarde a tragédia: a Williams de Senna escapa da pista, na entrada da fatídica curva Tamburello, onde Nelson Piquet se acidentou em 1987, Gerhard Berger em 1989 e Riccardo Patrese em 1992, num treino da Williams.

Com certeza Senna teve algum problema no seu carro. De natureza mecânica, aerodinâmica ou de origem nos pneus. Na hora, no circuito, havia muita gente apostando numa quebra da suspensão traseira. Mas isso foi apenas uma impressão geral. Vale recordar que a suspensão traseira da Williams FW16 do brasileiro adota um sistema revolucionário, com apenas um triângulo conectando a roda ao restante do carro. O outro elemento de fixação é o semi-eixo de tração. Todos os outros modelos de Fórmula 1 têm dois triângulos, um em baixo, outro em cima, ligando a roda ao monoposto.

O sistema é a grande novidade da Williams para esta temporada. Também convém recordar que no primeiro treino do novo Williams, em Silverstone, Senna experimentou urna pane nesse sistema, a ponto de ele ter de ser reforçado para os testes realizados em Ímola no início de março. O piloto Nelson Piquet, falando a uma rádio na Itália, teve ao assistir pela televisão, o mesmo diagnóstico de vários espectadores em Ímola: quebra da suspensão traseira.

A Tamburello é uma curva percorrida em 6 marcha, a cerca de, naquele ponto, mais de 280 km/h. O piloto apenas gira levemente o volante para o lado esquerdo e o carro a supera. Não é necessário ter um chassi por demais equilibrado para contorná-la de pé em baixo. Todos os outros pilotos, independente do monoposto que têm à mão, fazem a curva assim. Portanto, escapar naquele lugar só se o carro apresentar uma pane.

No caso de Nelson Piquet, acredita-se que tenha sido um pneu furado e no de Gerhard Berger, a perda do aerofólio dianteiro. Riccardo Patrese teve também um problema num dos pneus. Quanto a Ayrton Senna, não se sabe ainda. Um comissário de pista lembra que ali existe uma ondulação em razão de um pedaço e asfalto novo e disse que via como os carros balançavam ao passar por lá. A Williams de Senna seguiu reto, ele sequer esboçou iniciar a curva. Entre o asfalto e o muro de concreto há quatro metros de cimento no chão, ou seja, nada que contenha a velocidade do carro antes do choque.

O brasileiro não teve tempo de reagir com nenhuma manobra. Entre a pane e po choque não decorreu mais de um segundo. O FW16 colidiu a cerca de 280 km/h num ângulo próximo dos 50 graus o que é uma incidência bastante perigosa, pela desaceleração provocada.

O doutor Domenico Cosco disse no Hospital de Bolonha que Senna bateu a cabeça no muro e seu corpo não apresentava traumatimos toráxicos ou nos membros. A Williams bateu e ricocheteou mas a maior parte da energia do choque ficou mesmo no carro e no piloto porque pela velocidade do acidente ele deveria ter percorrido um espaço bem maior que a trajetória descrita.

Essa diferença de energia danificou o veículo e o corpo de Senna. O monocoque se manteve íntegro, mas o piloto não. Este é o grande tema que a engenharia deverá estudar em maior profundidade agora: conseguiu-se construir automóveis de uma resistência notável, mas a natureza, os efeitos da transferência de energia do carro para o piloto, ainda não foram dominados. Alguns exemplos recentes das consequências desse efeito foram sentidas por Christian Fittipaldi, JJ Lehto, Jean Alesi, Roland Ratzemberger e Ayrton Senna.

O atendimento médico foi demorado. O doutor Sid Watkins, da FIA, depois do socorro equivocado em Rubens Barrichello, na sexta-feira, quando desviraram sua Jordan na pista como um saco de batatas com o piloto dentro, quis comandar essas operações em Ímola. Mas não havia muito o que fazer para reverter o quadro de coma profunda estabelecido ainda no autódromo, segundo o doutor Cosco que o seguiu no helicóptero até Bolonha.

A Fórmula 1 perdera um piloto que agora vai ter de achar o seu lugar correto na história: possivelmente o maior de todos os tempos.

Estadão - 2 de maio de 1994

Página do Estadão de 2 de maio de 1994 sobre a morte de Ayrton Senna. Foto: Acervo Estadão

Morte foi causada por traumatismo craniano

Senna morreu às 13h40 (hora de Brasília), quatro horas e meia depois da batida

LIVIO ORICCHIO

Em condições de assistência precária, Ayrton Senna teria morrido na própria pista. Essa é a opinião de um dos médicos que o acompanhou boa parte do tempo, o doutor Doménico Cosco. É também o que acredita a equipe que o assistiu no Hospital Maggiore, de Bolonha, formada pelos doutores Andreolli, neurocirurgião, Gordini, anestesista, Fiandri, especialista em reanimação, e Baldoni, cirurgião-geral.

O quadro que Ayrton Senna apresentava ao chegar ao centro de animação do hospital era este, de acordo com o primeiro boletim lido pela doutora Maria Tereza Fiandri, às 16:30, no centro de imprensa e conferência: “O senhor Ayrton Senna apresenta um traumatismo craniano, choque hemorrágico e coma profundo. Não constatamos nenhuma lesão toráxica ou no abdomen. A hemorrogia provém do rompimento da artéria temporal superficial.”

Em seguida, falou o neurocirurgião: “O caso não permite nenhuma intervenção cirúrgica porque a lesão é generalizada na caixa craniana Não há um hematoma específico que justifique a cirurgia. Os danos são os piores possíveis e generalizados.”

Transfusão - O doutor Servadei, que também acompanhou Senna no helicóptero para o hospital, falou mais, depois, em separado: “Senna teve um afundamento da caixa craniana proveniente do impacto frontal de sua face contra o muro de proteção. Já na pista, o piloto perdeu quantidade significativa de líquidos das camadas nervosas do crânio e sangue. Desde o autódromo até aqui nós lhe injetamos 4,5 litros de sangue, o quer dizer que praticamente fizemos uma transfusão total, já que temos seis litros no corpo.”

O doutor Gordíni deu outras declarações, afirmando que Senna teve uma depressão respiratória grave ainda no helicóptero, já com possíveis danos para o cérebro, se ele não tivesse sido atingido como fora pelo choque. No centro de reanimação, o piloto teve uma parada, quadro que foi revertido pela equipe, segundo Gordini.

As 17h42, horário local (às 12h42 no Brasil), entrou um homem de terno, na sala de conferência, abrindo espaço. Os médicos só chegaram às 17h55 (12h55). A doutora Fiandri, visivelmente emocionada, leu outro comunicado, às 18h05 (13h05). “O eletroencefalograma de Ayrton Senna não registra nenhuma atividade. Continuamos com a ventilação pulmonar. Senna tem morte cerebral. O mantemos vivo apenas porque a lei italiana ainda assim o exige (existe um projeto para alterá-la em discussão no Congresso). Não há mais esperanças.”

Como se ninguém esperasse, as declarações causaram uma profunda comoção. Alguns choraram, outros saíram correndo da sala. Um policial grita da entrada do hospital, soluçando, com raiva. “É o maior piloto que houve na história.”

Uma multidão superlotava o local, eram jornalistas do mundo inteiro, com câmeras de TV, microfones de rádio, fotógrafos, homens de redação, torcedores, muito deles, alguns acompanhados de crianças de colo, e até alguns doentes, de pijama, querendo saber de Senna.

A doutoraFiandri anunciou também que a partir daquele momento só voltaria a se pronunciar às 21 horas (16 horas no Brasil) ou se Senna deixasse de apresentar batimentos cardíacos. Às 19h05 (14h05), ela surgiu de novo, na porta do pronto-socorro, ainda no andar térreo do hospital. Uma multidão se aproximou para chegar mais perto e ouvi-la, já que não havia microfones no saguão.

Fim - Com dificuldade e olhos marejados, ela disse: “Senhores, por favor.” A reação foi um empurra-empurra sem precedentes. Todos que estavam na sala de conferência queriam ouvir para poder acreditar no que já se esperava: “Às 18:40 (13h40 no Brasil) Ayrton Senna não apresentava mais atividade cardíaca. Ele está morto.”

Muita gente chorou de novo, inclusive jornalistas brasileiros. Não parecia verdade. A morte sempre está perto dos pilo tos na Fórmula 1, mas ninguém quer ver. No 11º andar do hospital, no cen tro de reanimação, onde ele estava, ficaram seu irmão, Leonardo, a assessora de imprensa, Betise Assumpção, e alguns amigos, como Galvão Bueno, da Rede Globo.

Em seguida ao anúncio da morte de Senna, um padre franciscano bem idoso saiu do hospital, quase sem que ninguém o percebesse. Era Padre Amadeo Zuffa. ”Vim de Imola para dar a extrema unção para Senna.” E completou: “Hoje, 1 de maio, é dia de São José da Boa Morte, protetor dos moribundos. Vim até aqui para lhe oferecer a alma de Senna.”

Nesse momento, 19h15 (14h15), apareceram no saguão Betise Assumpção e Gaivão Bueno. “Estou tentando me manter equilibrada”, disse ela. Já Bueno, muito abatido dizia apenas: “Acabou.” Leonardo, segundo os dois, demonstrando estar forte, já tratava da liberação do corpo. Pouco antes da 22 horas (17 horas no Brasil), o hospital enviou o corpo de Senna para o Instituito Médico Legal.

Estadão - 2 de maio de 1994

Página do Estadão de 2 de maio de 1994 sobre a morte de Ayrton Senna. Foto: Acervo Estadão

Ninguém da Williams foi ao hospital

LIVIO ORICCHIO

BOLONHA - Ninguém da equipe Williams-Renault apareceu ontem no Hospital Maggiore, onde Ayrton Senna foi internado depois do acidente nas primeiras voltas do Grande PrÊmio de San Marino, no circuito de Ímola. O único contato foi uma chamada telefônica de Frank Williams, perguntando sobre o estado clínico do piloto, antes que os médicos confirmassem sua morte.

Das outras equipes da Fórmula 1, apenas o austríaco Gerhard Berger, da Ferrari, muito amigo de Senna na época em que ambos foram companheiros na McLaren, apareceu no hospital, entrando e saindo logo depois por uma passagem lateral.

Pela manhã, entre o warm-up e a corrida, o ex-piloto Niki Lauda confirmou que teve uma lon-ga conversa com Senna, analisando os acidentes ocorridos com o brasileiro Rubens Barrichello, na sexta-feira, e com o austríaco Roland Ratzemberger, no sábado. Lauda tentou convencer o brasileiro a constituir uma nova versão da extinta Associação dos Pilotos de Grande Prêmio (GPDA). Principalmente na década de 70, a GPDA foi muito atuante em favor dos interesses dos pilotos em todos os circuitos do mundo.

De acordo com o ex-piloto, apenas Senna, pela condição de tricampeão mundial carismático e por sua grande ascendência sobre os pilotos mais jovens, teria condições de liderar um movimento nesse sentido. Lauda comentou depois que julgava ter convencido o piloto brasileiro, pois ele estava bastante tenso com os acontecimentos no circuito de Imola e disposto a lutar por maior segurança nos carros e nos circuitos.

Veja as páginas do caderno extra Ayrton Senna - Estadão - 2 de maio de 1994

Pista assassina

Página do caderno extra sobre a morte de Ayrton Senna em 1994. Foto: Acervo Estadão

Grandes acidentes

Página do caderno extra sobre a morte de Ayrton Senna em 1994. Foto: Acervo Estadão

Senna havia criticado circuito de Ímola em março

Página do caderno extra sobre a morte de Ayrton Senna em 1994. Foto: Acervo Estadão

Um artista em busca de limites para superar

Página do caderno extra sobre a morte de Ayrton Senna em 1994. Foto: Acervo Estadão

Homenagem de Milton Nascimento no Ibirapuera

Página do caderno extra sobre a morte de Ayrton Senna em 1994. Foto: Acervo Estadão

Para Schumacher, acidentes tiram a satisfação da vitória

Página do caderno extra sobre a morte de Ayrton Senna em 1994. Foto: Acervo Estadão

Álbum de fotos

Página do caderno extra sobre a morte de Ayrton Senna em 1994. Foto: Acervo Estadão
Página do caderno extra sobre a morte de Ayrton Senna em 1994. Foto: Acervo Estadão

Ayrton Senna da Silva [1960-1994]

Página do caderno extra sobre a morte de Ayrton Senna em 1994. Foto: Acervo Estadão

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