Em 12 de junho de 1969, o músico Sérgio Mendes, recebeu o repórter Arthur Laranjeira do Jornal da Tarde. O encontro ocorreu no apartamento de Danuza Leão em Ipanema, alugado pelo músico por vinte dias. Era a terceira vez que Mendes vinha ao Brasil após o estrondoso sucesso que teve nos Estados Unidos com o seu grupo Brasil 66.
O músico, morto aos 83 anos, estava no país para uma temporada de 30 dias, chegando aqui em 5 de junho. No dia seguinte da entrevista, ele se apresentaria no Teatro Municipal de São Paulo em um show beneficente. Também faria na cidade show no Esporte Clube Pinheiros, em seguida partiria para Belo Horizonte. No Rio de Janeiro, além de se apresentar em sua cidade natal, Niterói, fez o show de despedida no Maracanãzinho. No local se reuniram 20 mil pessoas e contou com a participação de Wilson Simonal, Maysa e Jorge Ben.
Na entrevista, Sérgio Mendes fala do seu processo de criação musical, das diferenças entre o mercado brasileiro e norte-americano e as razões do sucesso nos Estados Unidos. Uma delas é que sua música para eles é um alívio para o barulho do cotidiano:
Sérgio Mendes ao Jornal da Tarde em 1969
A entrevista publicada em 13 de junho de 1969, respeitando a grafia da época, está abaixo. Em seguida, outras reportagens sobre o músico publicadas em diferentes décadas no Estadão, acompanhadas de fotos de diversos shows de Mendes no Brasil.
dividerO SOM DE SÉRGIO, UMA VISITA
Sérgio Mendes quer repetir, em São Paulo, o sucesso das suas apresentações no Rio. Êle chega hoje, às 13:15 horas, Congonhas. Duas horas depois dá uma entrevista coletiva à imprensa, no Hotel Samambaia. Arthur Laranjeira nosso repórter, esteve com Sérgio Mendes no Rio.
Êle não fez sucesso logo que chegou aos Estados Unidos. Foi aos poucos. Hoje é um músico tranquilo, grava o que quer. Está achando o Brasil um pouco melhor, mas nem pensa sme voltar, “porque aqui o mercado é muito pequeno para a música”.
Sérgio Mendes vê o mar do terraço do apartamento de cobertura na avenida Vieira Souto, em Ipanema. Mas depois que chegou ao Brasil ainda não pôde ir à praia. Em casa, o telefone e a campainha tocam sem parar. Quem dá as desculpas é dona Remmy, a empregada brasileira que trabalha na casa de Sérgio, em Los Angeles.
- Êle está dormindo, não pode atender.
Na entrada do apartamento, um painel de acrílico branco com um D bem grande, vermelho. O apartamento é de Danuza Leão, a irmã de Nara, e dona da butique Voom-Voom, em Copacabana. De aluguel, pelos 20 dias que vai ficar no Brasil com sua esposa Marcy, Sérgio paga seis mil cruzeiros novos.
De calça e camisa esporte clara, com listras coloridas, sapatos sem meias, Sérgio é bem diferente do Sérgio das fotos: gordo, parece ter mais que seus 28 anos. O cabelo está sempre muito bem penteado. A barba aparada marca o rosto cansado. Ele conversa pouco. Escuta mais do que fala.
Só êle e Marcy, que nasceu em Ipanema, estão morando no apartamento. Seus três filhos estão com a avó, em Niterói, onde Sérgio nasceu. Mas o apartamento está cheio de amigos. Marcos Valle entra com um gravador para mostrar suas novas músicas a Sérgio. Depois, começam a ouvir a gravação de Viola Enluarada, cantada por Lani Hall, cantora americana do conjunto. É Lani quem faz as traduções das músicas brasileiras para o inglês.
- Preferimos pôr uma nova letra do que fazer versão. Marta-Saré, de Edu Lobo e Gianfrancesco Guarnieri, na letra de Lani, tem o título de Christal llusions (Ilusões de Cristal).
É também o título do próximo disco de Sérgio Mendes. Apesar das músicas ganharem novas letras em inglês, êle garante que os compositores ou letristas brasileiros continuam recebendo os direitos autorais.
O novo disco vai ser lançado até o fim do mês nos Estados Unidos. No Brasil, logo depois. Vera Cruz, de Milton Nascimento e Márcio Hilton Borges, e Sá Marina, de Antônio Adolfo e Tibério Gaspar são outras músicas que fazem parte do disco.
- Não lembro as outras.
Além dessas, gravou também várias músicas estrangeiras. Por que não existe um critério de seleção para suas gravações? O sucesso das músicas de seus discos? Ele não sabe se é porque foram gravadas pelo seu conjunto ou porque já eram sucesso aqui no Brasil.
- Sempre estou muito bem informado do que acontece na música brasileira. Recebo fitas, muitas gravações de compositores que moram aqui. Nos discos, às vêzes gravo seis brasileiras e seis estrangeiras. Mas não sofro restrição por parte de ninguém. Gravo o que gosto e o que quero.
Com o sucesso das músicas, o sucesso do conjunto. Para êste, êle acha que há uma explicação: o novo som, o ritmo diferente, as letras em inglês.
- O mais importante é a necessidade que todos sentem nos Estados Unidos; um alívio musical para o barulho da vida norte-americana, para uma série de pressões. E isso é o importante: minha música é o descanso para a cabeça de todos.
E enquanto continuar assim não pensa em voltar para o Brasil Isso é impossível, pelo menos por enquanto.
- Não há dinheiro, não há lugar para se fazer carreira e o mercado é muito pequeno.
Mas êle já sentia isso há muito tempo, desde que resolveu ir para os Estados Unidos. Quando foi, tentou acertar: não conseguiu. E foi mudando aos poucos, descobrindo coisas novas. Aprendeu. E hoje a única coisa que tem a dizer para quem quer tentar uma carreira fora do Brasil é insista e não desista.
- Não existe fórmula para se fazer sucesso lá fora. É preciso apenas ter uma atitude profissional, saber que se está começando uma carreira a longo prazo. As coisas não são fáceis.
Fala pausado, mede as palavras. Às vezes, até esquece certas palavras em português. Diz em inglês e logo depois lembra a correspondente em português. Seus amigos acham que êle está muito diferente, antes êle era mais temperamental. Uma moça que o conheceu quando êle só tocava jazz, diz que êle não admitia ninguém dançando enquanto estivesse tocando.
Agora, em seus shows nas boates e clubes do Rio, rapazes e môças pulam, gritam. Sérgio mudou, êle mesmo reconheceu.
- Os Beatles mudaram toda a música popular mundial. Antes dêles, o artista só podia fazer ou tocar música. Nada de falar em negócios.
É um exemplo, mesmo assim acha que sua missão é produzir sons e não cuidar da parte empresarial. Mas está tentando levar Wilson Simonal para os Estados Unidos, apesar de ainda não ter nada planejado. Já quis levar Elis Regina, não deu certo. Mas a primeira cantora de seu conjunto - Wanda Sá - casada com Edu Lobo, está morando em Los Angeles.
A campainha toca. A empregada atende. Sérgio pede um café, acende um cigarro brasileiro. Quase sete horas da noite.
Está calado, Sérgio Mendes, o criador do Brasil 66, está tomando café. (Em seus primeiros discos escreveu o nome do seu conjunto assim: Brazil 66, com z).
- Não houve intenção, tanto que mudei. Mas acho que o norte-americano, em geral, vê na palavra Brazil um pouco de exotismo.
No Brasil, acha que tudo está melhorando. Já há um nível melhor em todos os sentidos, na música principalmente. E também há um grande interêsse dos jovens por todo tipo de arte.
Ele se preocupa demais com seu trabalho, que varia muito. Está sempre fazendo apresentações na televisão ou em universidades. Gravações. E disso, sabe apenas que tudo é marcado com muita antecedência. Em casa, gosta de ouvir música, Frank Sinatra e Tonny Bennett.
- Os maiores intérpretes estrangeiros para mim.
Entre Jimmy Hendrix e Aretha Franklin, prefere Aretha. Dos conjuntos norte-americanos, gosta de The Fifeteen Dimension e de Blood, Sweat & Tears.
- Mas Carmem Mcrae é a melhor cantora norte-americana, na sua opinião. Das brasileiras, Gracinha Leporace.
Gosta muito de Simonal, das músicas de Edu Lobo, Milton Nascimento e Marcos Valle. Mas sem deixar de lado Chico Buarque de Holanda, Paulinho da Viola e Nelson Cavaquinho.
- Já o melhor compositor estrangeiro é Bacharach.
Quando perguntaram a Sérgio se tal compositor ou cantor brasileiro pode fazer sucesso nos Estados Unidos, êle ri. Acha engraçado.
- Não sou profeta. Depende.
Atualmente, não tem gravado músicas de Caetano Veloso e Gilberto Gil, apesar de Boa Palavra e Roda fazerem parte de um disco seu.
- Agora não gravo nada dêles porque o que estão fazendo interessa apenas ao Brasil. É isso: o que fazem, funciona como protesto para a realidade brasileira.
O que Sérgio considera muito importante é uma página no Cash Box, que custa de 2 a 3 mil dólares. Cash Box é uma revista lida pelos vendedores de disco e não pelo grande público. Mas isso é tão importante como tocar sua música.
Fica irritado quando dizem que foi tocar no Vietnã, para as tropas norte-americanas:
- Toquei num hospital em Washington, para os mutilados de guerra. Como tocaria em qualquer hospital vietnamita porque sou contra qualquer espécie de guerra.
Televisão, gravações, concertos, tudo isso Sérgio Mendes acha muito importante. E por cada apresentação em televisão, êle cobra 10 mil dólares. Concertos e apresentações em universidades, uma média de 25 mil dólares. Em teatros, de 50 a 100 mil dólares. Para tocar numa boate, em fins-de-semana, ele não vai por menos de 100 mil dólares. Mas não sabe quanto ganha em média, por mês.
- Em apenas três meses, vendi 50 mil discos no Japão, Nos Estados Unidos, a tiragem inicial de um long-play do Brasil-66 é de 400 mil exemplares.
Não acha que está se repetindo.
- Para mim, cada long-play é uma coisa completamente diferente.
Quanto ao arranjo de Zazueira, de Jorge Ben e que foi gravada por Herb Alpert, diz que não sabia de nada antes de chegar ao Brasil. E só aqui ficou sabendo que César Camargo Mariano “não havia gostado” do arranjo de Alpert.
- Não sei se houve cópia. Mas se isso é verdade, acho que o arranjador deveria ficar orgulhoso de ser copiado por Herb Alpert. Se um dia me copiarem, vou ficar contente.
Não sabe quanto Jorge Ben deve receber de direitos autorais. É cedo para se fazer um cálculo, o disco foi lançado há pouco.
- Ainda não atingiu a vendagem de 200 mil exemplares.
Hoje, Sérgio Mendes está em São Paulo. Dia 29 termina a sua temporada com um concerto no Estádio Caio Martins, em Niterói. Mas os seus discos não estão sendo os mais vendidos atualmente. Nem nas lojas de discos em Copacabana, no Rio, ou nas lojas da rua Augusta, em São Paulo.
Em Copacabana, quem vende mais discos é uma cantora baiana que Sérgio Mendes diz não conhecer: Gal Costa. Depois, vem Elis Regina com seu novo LP, Maria Bethânia e o Alegria, Alegria N.o 3, de Simonal. Na música brasileira, só há duas coisas que Sérgio não gosta:
- O tropicalismo e a pilantragem.
Sérgio Mendes [ 1941 - 2024]
Relembre a carreira de Sérgio Mendes através de fotos e páginas do Estadão:
Pesquisa, digitalização, tratamento de imagens, transcrição, indexação, redação e edição: Carlos Eduardo Entini e Liz Batista.
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