Silvio Santos e o domador de circo: “O povo é uma fera, mas você domina o povo”
Na histórica entrevista ao Estadão em 1987, apresentador falou sobre a carreira no circo, o que pensava sobre o povo do Brasil, do medo que sentia da morte e muito mais
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Por Liz Batista e Edmundo Leite
Atualização:
Difícil de imaginar, masSílvio Santos [1930-2024], um dos maiores comunicadores da História do País, nem sempre esteve à vontade sob os holofotes. Algumas vezes, chegou a emrrubrecer.
“Eu não tinha ainda este desembaraço, tinha vergonha, ficava vermelho”, contou ao Estadão em 1987. Durante as 7 horas em que foi entrevistado pelos repórteres Luiz Fernando Emediato e Marcos Wilson para o Caderno 2, o apresentador falou sobre sua timidez no começo da carreira como animador, quando apresentava o show Caravana do Peru em circos de bairro, ao lado de Manoel da Nóbrega e Ronald Golias.
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Sobre esse tempo, disse que certa vez ouviu de um” domador, meio bêbado” algo que permaneceu em sua lembrança: “O povo é uma fera, mas você domina o povo. O povo sente o que você é, sente a tua firmeza, o teu pulso. Você tem essa facilidade de domar o povo, de domar a fera. Sou domador e sinto isso em você”. O comentário o marcou; “eu nunca mais esqueci isso. Fazem 30 anos. É o que eu faço na televisão”, disse à reportagem.
Na conversa, falou sobre seus gostos musicais (Julio Iglesias e Luís Gonzaga) e literários (livros sobre técnicas de vendas, psicologia e também biografias), o que pensava sobre o povo, do medo que sentia da morte e muito mais. Para ler o conteúdo completo, clique aqui.
Saí pela rua espalhando cartazes e gritando no alto-falante: “Alô, alô, aqui é o peru que fala. Sábado e domingo no circo tal. Eu só perdia para o Tonico e Tinoco
Silvio Santos em entrevista ao Estadão em 1987
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Nessa altura eu já fazia a Caravana do Peru que Fala.
Peru que fala?
É. Eu trabalhava só até meio dia. O Manoel da Nóbrega era o apresentador principal e me gozava muito. Eu não tinha ainda este desembaraço, tinha vergonha, ficava vermelho. O Nóbrega me chamava de Peru. Ele tinha uma caravana — ele, o Ronald Golias e o Carlos Alberto, mais o Canarinho, e a Tânia Castilho — que iam de circo em circo. Às vezes eu ia junto, mas não gostava, pois sempre desconfiei que os donos do circo roubavam na bilheteria. Eu não queria dividir assim.
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Por quê?
O circo estava sempre lotado, mas nossa parte era pequena. Então montei minha caravana, contratei artistas. Humberto Simões era o ventríloquo com dois bonecos, o Solon Sales o Seresteiro da Paullcéia, Joara Gonçalves uma cantora. Tinha uma macaca chita e o Barnabé que contava piadas imitando o Mazzaropi.
Arranjei uma Zilda, linda de morrer. Eu a vi tocando acordeon com o irmão no circo e perguntei: “Esse rapaz, quem é?” E ela: “É meu namorado”. Então disse: “Manda esse cara passear e vem trabalhar comigo. Eu pago”. Aceitou e botei ela pelada, — ai, capeta, — de rumbeira, era o maior show do circo. Aí eu exigia pôr no circo um porteiro meu, para controlar a bilheteria. Esse porteiro trabalha comigo até hoje, é o chefe do setor de carros, o Walter Garcia Filho.
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E como você fazia para anunciar o show?
Saí pela rua espalhando cartazes e gritando no alto-falante: “Alô, alô, aqui é o peru que fala. Sábado e domingo no circo tal. Eu só perdia para o Tonico e Tinoco. Nesse tempo eu fiz também campanha para o deputado Cunha Bueno; na primeira vez, para comprar um jipe. Não tinha gravador, tinha de falar no alto-falante ao vivo, sem parar. Eu tomava Cálcio-Cetiva na veia para aguentar o circo e os comícios. Eu levava mais de dez mil pessoas. E aguentava o público até o Bueno chegar.
O povo
O povo, infelizmente, é assim, fica satisfeito com um bife.
Silvio Santos em entrevista ao Estadão em 1987
Você acha que os políticos estão administrando direito este país?
Não sei. O nosso povo é muito, muito... não vou dizer amável. O povo é manso. Comem feijão com farinha com a mão, assim tranquilo, bom demais. Tem seu sobradinho e não ambiciona nada mais. Perde o barraco e aceita. O povo não é lutador, como o povo dos Estados Unidos. Não estou falando da classe média. O meu diretor, o meu gerente luta por 10% de salário. O povo não. O povo, infelizmente, é assim, fica satisfeito com um bife.
Até domingo passado, na parada do Dia da Criança, eu fiquei pensando em morte, morte, morte
Silvio Santos em entrevista ao Estadão
Você tem medo de morrer?
Muito. Tanto que já perguntei a meu médico se devo ir a um psiquiatra. Ele respondeu que pode piorar. Agora, como vocês sabem, estou rouco, com um calo na garganta. Estou proibido de falar muito, e fazendo exercícios vocais, tomando remédio. Não vou fazer biópsia, e se der câncer? Tenho pavor de câncer. Então prefiro não saber. É a idade. Garganta, coração, próstata, pressão. Daqui para a frente só vai piorar. Até domingo passado, na parada do Dia da Criança, eu fiquei pensando em morte, morte, morte.
Pesquisa, digitalização, tratamento de imagens, transcrição, indexação, redação e edição: Equipe Acervo Estadão - Andrio Feijó, Carlos Eduardo Entini, Cristal da Rocha, Edmundo Leite, Gabriela Figueiredo e Liz Batista.
Difícil de imaginar, masSílvio Santos [1930-2024], um dos maiores comunicadores da História do País, nem sempre esteve à vontade sob os holofotes. Algumas vezes, chegou a emrrubrecer.
“Eu não tinha ainda este desembaraço, tinha vergonha, ficava vermelho”, contou ao Estadão em 1987. Durante as 7 horas em que foi entrevistado pelos repórteres Luiz Fernando Emediato e Marcos Wilson para o Caderno 2, o apresentador falou sobre sua timidez no começo da carreira como animador, quando apresentava o show Caravana do Peru em circos de bairro, ao lado de Manoel da Nóbrega e Ronald Golias.
Sobre esse tempo, disse que certa vez ouviu de um” domador, meio bêbado” algo que permaneceu em sua lembrança: “O povo é uma fera, mas você domina o povo. O povo sente o que você é, sente a tua firmeza, o teu pulso. Você tem essa facilidade de domar o povo, de domar a fera. Sou domador e sinto isso em você”. O comentário o marcou; “eu nunca mais esqueci isso. Fazem 30 anos. É o que eu faço na televisão”, disse à reportagem.
Na conversa, falou sobre seus gostos musicais (Julio Iglesias e Luís Gonzaga) e literários (livros sobre técnicas de vendas, psicologia e também biografias), o que pensava sobre o povo, do medo que sentia da morte e muito mais. Para ler o conteúdo completo, clique aqui.
Saí pela rua espalhando cartazes e gritando no alto-falante: “Alô, alô, aqui é o peru que fala. Sábado e domingo no circo tal. Eu só perdia para o Tonico e Tinoco
Silvio Santos em entrevista ao Estadão em 1987
Nessa altura eu já fazia a Caravana do Peru que Fala.
Peru que fala?
É. Eu trabalhava só até meio dia. O Manoel da Nóbrega era o apresentador principal e me gozava muito. Eu não tinha ainda este desembaraço, tinha vergonha, ficava vermelho. O Nóbrega me chamava de Peru. Ele tinha uma caravana — ele, o Ronald Golias e o Carlos Alberto, mais o Canarinho, e a Tânia Castilho — que iam de circo em circo. Às vezes eu ia junto, mas não gostava, pois sempre desconfiei que os donos do circo roubavam na bilheteria. Eu não queria dividir assim.
Por quê?
O circo estava sempre lotado, mas nossa parte era pequena. Então montei minha caravana, contratei artistas. Humberto Simões era o ventríloquo com dois bonecos, o Solon Sales o Seresteiro da Paullcéia, Joara Gonçalves uma cantora. Tinha uma macaca chita e o Barnabé que contava piadas imitando o Mazzaropi.
Arranjei uma Zilda, linda de morrer. Eu a vi tocando acordeon com o irmão no circo e perguntei: “Esse rapaz, quem é?” E ela: “É meu namorado”. Então disse: “Manda esse cara passear e vem trabalhar comigo. Eu pago”. Aceitou e botei ela pelada, — ai, capeta, — de rumbeira, era o maior show do circo. Aí eu exigia pôr no circo um porteiro meu, para controlar a bilheteria. Esse porteiro trabalha comigo até hoje, é o chefe do setor de carros, o Walter Garcia Filho.
E como você fazia para anunciar o show?
Saí pela rua espalhando cartazes e gritando no alto-falante: “Alô, alô, aqui é o peru que fala. Sábado e domingo no circo tal. Eu só perdia para o Tonico e Tinoco. Nesse tempo eu fiz também campanha para o deputado Cunha Bueno; na primeira vez, para comprar um jipe. Não tinha gravador, tinha de falar no alto-falante ao vivo, sem parar. Eu tomava Cálcio-Cetiva na veia para aguentar o circo e os comícios. Eu levava mais de dez mil pessoas. E aguentava o público até o Bueno chegar.
O povo
O povo, infelizmente, é assim, fica satisfeito com um bife.
Silvio Santos em entrevista ao Estadão em 1987
Você acha que os políticos estão administrando direito este país?
Não sei. O nosso povo é muito, muito... não vou dizer amável. O povo é manso. Comem feijão com farinha com a mão, assim tranquilo, bom demais. Tem seu sobradinho e não ambiciona nada mais. Perde o barraco e aceita. O povo não é lutador, como o povo dos Estados Unidos. Não estou falando da classe média. O meu diretor, o meu gerente luta por 10% de salário. O povo não. O povo, infelizmente, é assim, fica satisfeito com um bife.
Até domingo passado, na parada do Dia da Criança, eu fiquei pensando em morte, morte, morte
Silvio Santos em entrevista ao Estadão
Você tem medo de morrer?
Muito. Tanto que já perguntei a meu médico se devo ir a um psiquiatra. Ele respondeu que pode piorar. Agora, como vocês sabem, estou rouco, com um calo na garganta. Estou proibido de falar muito, e fazendo exercícios vocais, tomando remédio. Não vou fazer biópsia, e se der câncer? Tenho pavor de câncer. Então prefiro não saber. É a idade. Garganta, coração, próstata, pressão. Daqui para a frente só vai piorar. Até domingo passado, na parada do Dia da Criança, eu fiquei pensando em morte, morte, morte.
Pesquisa, digitalização, tratamento de imagens, transcrição, indexação, redação e edição: Equipe Acervo Estadão - Andrio Feijó, Carlos Eduardo Entini, Cristal da Rocha, Edmundo Leite, Gabriela Figueiredo e Liz Batista.
Difícil de imaginar, masSílvio Santos [1930-2024], um dos maiores comunicadores da História do País, nem sempre esteve à vontade sob os holofotes. Algumas vezes, chegou a emrrubrecer.
“Eu não tinha ainda este desembaraço, tinha vergonha, ficava vermelho”, contou ao Estadão em 1987. Durante as 7 horas em que foi entrevistado pelos repórteres Luiz Fernando Emediato e Marcos Wilson para o Caderno 2, o apresentador falou sobre sua timidez no começo da carreira como animador, quando apresentava o show Caravana do Peru em circos de bairro, ao lado de Manoel da Nóbrega e Ronald Golias.
Sobre esse tempo, disse que certa vez ouviu de um” domador, meio bêbado” algo que permaneceu em sua lembrança: “O povo é uma fera, mas você domina o povo. O povo sente o que você é, sente a tua firmeza, o teu pulso. Você tem essa facilidade de domar o povo, de domar a fera. Sou domador e sinto isso em você”. O comentário o marcou; “eu nunca mais esqueci isso. Fazem 30 anos. É o que eu faço na televisão”, disse à reportagem.
Na conversa, falou sobre seus gostos musicais (Julio Iglesias e Luís Gonzaga) e literários (livros sobre técnicas de vendas, psicologia e também biografias), o que pensava sobre o povo, do medo que sentia da morte e muito mais. Para ler o conteúdo completo, clique aqui.
Saí pela rua espalhando cartazes e gritando no alto-falante: “Alô, alô, aqui é o peru que fala. Sábado e domingo no circo tal. Eu só perdia para o Tonico e Tinoco
Silvio Santos em entrevista ao Estadão em 1987
Nessa altura eu já fazia a Caravana do Peru que Fala.
Peru que fala?
É. Eu trabalhava só até meio dia. O Manoel da Nóbrega era o apresentador principal e me gozava muito. Eu não tinha ainda este desembaraço, tinha vergonha, ficava vermelho. O Nóbrega me chamava de Peru. Ele tinha uma caravana — ele, o Ronald Golias e o Carlos Alberto, mais o Canarinho, e a Tânia Castilho — que iam de circo em circo. Às vezes eu ia junto, mas não gostava, pois sempre desconfiei que os donos do circo roubavam na bilheteria. Eu não queria dividir assim.
Por quê?
O circo estava sempre lotado, mas nossa parte era pequena. Então montei minha caravana, contratei artistas. Humberto Simões era o ventríloquo com dois bonecos, o Solon Sales o Seresteiro da Paullcéia, Joara Gonçalves uma cantora. Tinha uma macaca chita e o Barnabé que contava piadas imitando o Mazzaropi.
Arranjei uma Zilda, linda de morrer. Eu a vi tocando acordeon com o irmão no circo e perguntei: “Esse rapaz, quem é?” E ela: “É meu namorado”. Então disse: “Manda esse cara passear e vem trabalhar comigo. Eu pago”. Aceitou e botei ela pelada, — ai, capeta, — de rumbeira, era o maior show do circo. Aí eu exigia pôr no circo um porteiro meu, para controlar a bilheteria. Esse porteiro trabalha comigo até hoje, é o chefe do setor de carros, o Walter Garcia Filho.
E como você fazia para anunciar o show?
Saí pela rua espalhando cartazes e gritando no alto-falante: “Alô, alô, aqui é o peru que fala. Sábado e domingo no circo tal. Eu só perdia para o Tonico e Tinoco. Nesse tempo eu fiz também campanha para o deputado Cunha Bueno; na primeira vez, para comprar um jipe. Não tinha gravador, tinha de falar no alto-falante ao vivo, sem parar. Eu tomava Cálcio-Cetiva na veia para aguentar o circo e os comícios. Eu levava mais de dez mil pessoas. E aguentava o público até o Bueno chegar.
O povo
O povo, infelizmente, é assim, fica satisfeito com um bife.
Silvio Santos em entrevista ao Estadão em 1987
Você acha que os políticos estão administrando direito este país?
Não sei. O nosso povo é muito, muito... não vou dizer amável. O povo é manso. Comem feijão com farinha com a mão, assim tranquilo, bom demais. Tem seu sobradinho e não ambiciona nada mais. Perde o barraco e aceita. O povo não é lutador, como o povo dos Estados Unidos. Não estou falando da classe média. O meu diretor, o meu gerente luta por 10% de salário. O povo não. O povo, infelizmente, é assim, fica satisfeito com um bife.
Até domingo passado, na parada do Dia da Criança, eu fiquei pensando em morte, morte, morte
Silvio Santos em entrevista ao Estadão
Você tem medo de morrer?
Muito. Tanto que já perguntei a meu médico se devo ir a um psiquiatra. Ele respondeu que pode piorar. Agora, como vocês sabem, estou rouco, com um calo na garganta. Estou proibido de falar muito, e fazendo exercícios vocais, tomando remédio. Não vou fazer biópsia, e se der câncer? Tenho pavor de câncer. Então prefiro não saber. É a idade. Garganta, coração, próstata, pressão. Daqui para a frente só vai piorar. Até domingo passado, na parada do Dia da Criança, eu fiquei pensando em morte, morte, morte.
Pesquisa, digitalização, tratamento de imagens, transcrição, indexação, redação e edição: Equipe Acervo Estadão - Andrio Feijó, Carlos Eduardo Entini, Cristal da Rocha, Edmundo Leite, Gabriela Figueiredo e Liz Batista.