Umas das figuras mais queridas dos brasileiros, o apresentador Sílvio Santos [1930-2024] comandava os domingos na TV com seus programas de auditório, onde as palavras de ordem eram sua alegria e a intimidade com o público.
Ao escolher alguém do auditório, com seu clássico “Ma, oê!...Ma,vem aqui!”, invariavelmente convidava a família do escolhido a participar do show, em extensão convidava todas as famílias que o assistiam pela televisão. Perguntava o nome, de onde era, se era casada (o), nome do marido ou da esposa; quantos filhos ou “quem está te assistindo em casa?”. Terminava mandando um beijo para os familiares.
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No ar, Silvio Santos sempre tratava de temas relacionados à família. Falava sobre a esposa Íris, seu segundo casamento, e também sobre suas 6 filhas: Cíntia,do primeiro casamento; Silvia, adotada por ele e a primeira esposa e Daniela, Patrícia, Rebeca e Renata, da união com Íris.
Estadão - 18 de outubro de 1987
Em entrevista exclusiva ao Estadão em 1987, uma das raras concedidas pelo apresentador, Silvio Santos abriu as portas da sua casa, falou sobre seus pais, sua criação, o casamento com Íris, os desafios de educar suas filhas em uma época com uma mentalidade diferente da com que cresceu.
A entrevista revela um lado do ícone da televisão desconhecido até mesmo para seus mais fiéis telespectadores. Confira abaixo trechos da entrevista de Luiz Fernando Emediato e Marcos Wilson ao Caderno 2. Se quiser ler o conteúdo completo, clique aqui.
Estadão - Caderno 2 - 18 de outubro de 1987
Os pais de Senior
Silvio Santos em 1987
Caderno 2 - Onde você nasceu, e quando?
Sílvio Santos — No Rio de Janeiro no dia 12 de dezembro de 1930. Tenho 56 anos. Meu pai veio da Grécia, era o chefe dos jornaleiros lá em Atenas. Pegou o navio e foi para Marselha, mas foi expulso da Europa porque vendia amendoim, pistache, nos bares. Era proibido, então veio para o Brasil.
Ele vendia amendoim aqui também?
Não. Ele falava uma porção de idiomas e foi trabalhar no cais do porto. Era camelô, vendia coisas para os tripulantes. Depois ele abriu uma lojinha na praça Mauá. Eu tinha 14 anos quando ele perdeu a loja.
Sua mãe é brasileira?
Não. Mau pai era grego de Salônica. Minha mãe é turca, de Smirna. Ainda é viva. Eles se conheceram no Rio. Meu pai se chamava Alberto. Minha mãe se chama Rebeca.
Grego e se chamava Alberto?
Alberto Abravanel. O meu nome é Senor pelo seguinte... Em mil quinhentos e quarenta e pouco havia na corte dos reis católicos de Espanha, Isabel e Fernando, um certo Dom Isaac Abravanel, que tinha sido ministro das Finanças de Portugal. Salvou Portugal da bancarrota e aí os reis de Espanha o chamaram. Mas teve de sair de lá, com a Inquisição. Os reis chamaram-no e disseram que garantiriam a vida dele, mas não do povo judeu que vivia na Espanha. Dom Isaac Abravanel preferiu sair com o povo, e foram para Salônica. Viróu teólogo, escritor, mas depois foi para Veneza e lá voltou a ser financista. Mais tarde foi de novo para Salônica. Meu pai — que descende de dom Isaac — chamava-se Alberto Dom Abravanel, e eu deveria me chamar Dom Abravanel. Mas disseram a ele que no Brasil não havia dom, mas senhor. Aí fiquei Senor.
O que aconteceu com a família Abravanel ao longo desses 400 anos para que empobrecesse e seu pai chegasse pobre ao Brasil?
Ah, não sei, essa história tem mais de 400 anos. Um dia, se eu reclamar o título na Espanha, eles devem me dar, mas vou fazer o que com o título? Não dá nem para entrar para o Corinthians ... Bom, meu pai perdeu a loja porque perdia todo o dinheiro no jogo. O que ganhava de dia ele perdia no cassino, à noite.
Você gostava dele?
Ah, era legal. Minha mãe sim, era brava. Era fogo. Com ela era no tapa.
Ela batia muito em você?
Ah, eu apanhei. Minha mãe era fogo!
Estadão - Caderno 2 - 18 de outubro de 1987
Pai de menina
Sílvio Santos em entrevista ao Estadão
Você é autoritário?
Sou.
Bate nas filhas? (Tem seis)
Bater não bato, mas se precisar eu bato.
Suas filhas gostam de você?
Gostam, mas gostam mais da mãe, que faz tudo o que elas querem.
Você é multo moralista em casa?
A Íris, minha mulher, me chama de moralista. Ela é menos do que eu. Gostaria que minhas filhas se casassem virgens, e a Íris acha que não. Sou machista.
Drogas
E as drogas?
Nunca me meti nisso não, não sei. Nunca conheço quem usa. Minha ex-mulher tomava pílulas, drogas nunca vi.
O que você faria se descobrisse que uma filha sua droga?
Já conversamos sobre isto, a Íris e eu. Achei que devia trancar num quarto, por um vigia, não deixar ninguém entrar. Agora mudei de ideia; tem de deixar fazer que bem entender.
Ciúmes
Você tem ciúmes da Íris?
Lógico!
E na televisão, aquelas artistas, mulheres bonitas?
Aquilo é palhaçada.
Você teve muitas mulheres nessa sua vida de aventuras?
Ah, tive sim... Todas que quis. Eu era imaturo.
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Responsabilidade
Sílvio Santos em entrevista ao Estadão
E o caso do Ciam, da assistência de saúde, que foi denunciado por negligência médica?
Pensei que ia ser um negócio bacana, para o povo, eu queria me realizar dando ao povo médico, hospital, saúde. Eu me empolguei. Quase não falava mais do Baú na televisão, só do Ciam. Vendia 2.500 planos, fiz vender 45.000 por mês. Um dia cheguei aqui em casa e tinha um casal esperando na porta. “Senhor Sílvio, o meu filho morreu...” Mas morreu de quê? “Eu tinha o Ciam e ele morreu”. O senhor sabe, eu não tenho culpa, eu não sou médico. “Não, eu sei, mas o meu filho morreu...”
Fiquei sem saber o que falar. Aí fiquei pensando: quando o cara vem reclamar que recebeu uma panela furada, eu ligo para o João Pedro e devolvo a panela. Quando vieram reclamar que o cara vendeu títulos de capitalização e mentiu, dizendo que o comprador ia ganhar uma casa, eu mando devolver o dinheiro. Mas como vou fazer quando vieram na minha casa reclamar uma vida humana? Eu não posso devolver o filho. Aí eu disse: “Vou parar com isso”.
Comecei a ver que a Medicina não era o que eu pensava. Que os médicos não são aquilo que eu pensava. Que os laboratórios não são o que eu pensava. E então falei panela furada eu troco, brinquedo quebrado eu troco, vendedor tapeia freguês e eu mando pagar, mas quando vêm reclamar que o filho morreu, não tenho o que falar.
E o que você vai fazer com o Ciam?
Está atendendo os clientes, deve ter mil ou mil e duzentos, mas não sei quantos sei nem quero saber mais. Estão vendendo uns 400 planos por mês e não faço mais propaganda, não estimulo, não facilito, não faço nada e estou louco para alguém me comprar o Ciam porque não é o mais o meu negócio.
Você acha que não pode ter controle sobre isso?
Essa é a minha dificuldade: Se amanhã o Saad (da Bandeirantes) ou o Marinho (da Globo) vai à falência, normal. É um jogo. Ir à falência faz parte do negócio. Mas eu não. Se eu for à falência, passo a ser ladão. Vou ter quatro milhões de pessoas me apontando como ladrão, vou ter de mudar de País, se quiser viver. Minha responsabilidade como empresário é muito maior que a responsabilidade de qualquer outro. São 15 mil pessoas que trabalham usando o meu nome, vendendo o meu nome. Eu assumo essa responsabilidade.
Gostou deste trecho da entrevista com Silvio Santos? Clique aqui para ler a entrevista completa, na qual ele fala sobre a relação turbulenta com a mãe, o momento em que foi preso no Rio e começo da vida profissional em São Paulo, num bar e no circo.
Pesquisa, digitalização, tratamento de imagens, transcrição, indexação, redação e edição: Equipe Acervo Estadão - Andrio Feijó, Carlos Eduardo Entini, Cristal da Rocha, Edmundo Leite, Gabriela Figueiredo e Liz Batista.
Silvio Santos [1930 - 2024]
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