Uma briga interna na organização criminosa Família do Norte (FDN), que teve início no domingo, deixou um total de 55 mortos em quatro presídios de Manaus em menos de 48 horas. As execuções ocorrem em meio a uma disputa entre os líderes da facção José Roberto Barbosa, o Zé Roberto da Compensa, e João Pinto Carioca, o João Branco, pelo comando do grupo. Ambos estão em presídios federais. O Ministério da Justiça e da Segurança Pública enviou tropas de reforço.
Apenas nesta segunda, agentes penitenciários encontraram 40 presos mortos durante vistorias nas quatro unidades, a maior parte por asfixia. Quatro desses corpos estavam no Complexo Penitenciário Anísio Jobim (Compaj). No domingo, uma briga entre internos deixou 15 mortos durante o horário de visita dos familiares. Todos os executados no domingo seriam alinhados a Zé Roberto da Compensa. O ataque desencadeou confrontos dentro das celas no Centro de Detenção Provisória Masculino 1 (5 óbitos), na Unidade do Puraquequara (6 vítimas) e no Instituto Penal Antônio Trindade (Ipat, 25 mortos). Há relatos de que tentativas de homicídio foram flagradas por agentes penitenciários em vistorias.
Uma triagem ocorreu após as primeiras mortes no Compaj para separar os grupos rivais. O Estado diz que isolou cerca de 200 presos nas quatro unidades. Eles seriam alvo de novas execuções. Oficialmente, a administração estadual não reconhece a FDN. Segundo o governo, uma dupla de detentos tentou fazer dois funcionários reféns, mas não teve sucesso e foi contida a tiros. Não houve agentes penitenciários ou parentes de presos feridos, conforme o Estado.
No Compaj, na frente de familiares, presos foram mortos com escovas de dente e asfixiados com golpes “mata-leão”. A chacina em dia de visita descumpriu uma regra entre os criminosos, segundo o secretário de Administração Penitenciária do Amazonas, Marcus Vinícius de Almeida. “Foi a primeira vez no Estado (que houve mortes durante o horário de visita).”
As escovas de dente foram raspadas até ficarem pontiagudas, segundo o secretário. Entre os mortos encontrados no dia seguinte, a maior parte foi enforcada. Segundo o governo, as escovas foram retiradas das unidades após o ataque.
“Quanto a evitar 100% que uma morte acontecesse, temos de ter a maturidade de entender que, em qualquer prisão do mundo, quando se quer matar, infelizmente vai se matar, como mataram. Enforcados, alguns com mata-leão. Então, isso o Estado não tem como evitar”, declarou Almeida.
A situação teria sido controlada por volta das 15 horas, mas a falta de informações sobre as vítimas deixou dezenas de familiares sob tensão na entrada dos presídios. Por segurança, visitas nas cadeias foram suspensas por 30 dias.
Reforço federal
Após os massacres, o governo Jair Bolsonaro decidiu enviar um reforço de segurança ao Amazonas, a pedido do Estado. A Força-tarefa de Intervenção Penitenciária servirá para reforçar a atuação dos agentes carcerários. O Amazonas já tem a presença da Força Nacional de Segurança, que atua no policiamento ostensivo e no entorno das penitenciárias.
Segundo o governador Wilson Lima (PSC), haverá cerca de cem homens para reforçar a segurança dos presídios. A chegada deles é aguardada, de acordo com ele, para esta terça-feira, 28.
Enquanto isso, a Secretaria de Administração Penitenciária amazonense pediu a transferência de nove líderes para presídios federais de segurança máxima. Desses, três já tiveram a mudança autorizada nesta segunda-feira. O governo aguarda a liberação dos outros seis para hoje, e deve solicitar a transferência de outros 20 detentos envolvidos em massacres. Ao Estado, Lima disse que o sistema prisional está “controlado” e que as mortes eram inevitáveis.
No entanto, a carência de pessoal - por causa do excesso de detentos - foi o problema mais comum encontrado pelo Conselho Nacional de Justiça (CNJ) nos quatro presídios, conforme inspeções feitas mês passado. O conselho recomendou como medida “imprescindível” que o Estado redimensionasse o efetivo previsto no contrato com a empresa que gere os presídios.
Em abril, a superlotação levou à transferência de 200 internos do Ipat - onde faltava policiamento. O CNJ ainda classificou como alto o índice de apreensão de celulares e facas artesanais nos outros três presídios que tiveram mortes.
‘É preciso conter a violência nas ruas’
Após o massacre, é importante conter possível efeito cascata da violência no Estado, segundo Bruno Paes Manso, especialista em segurança pública da Universidade de São Paulo (USP). Em 2017, quando houve uma série de ataques em presídios do País, notou-se incremento dos crimes nas ruas.
“É preciso identificar os focos dos conflitos e evitar que se espalhe para as ruas”, diz Paes Manso. Para evitar mais violência nas celas, de acordo com ele, é importante transferir e isolar líderes da facção criminosa.
O promotor Edinaldo Medeiros, que atuou no Complexo Penitenciário Anísio Jobim (Compaj) em 2017, disse ser “intolerável” a explicação do governo de que não era possível prevenir as brigas dentro das celas. “Essa filosofia de manter a ‘paz’ em certas unidades à custa de ceder o controle a uma facção não é aceitável.”/COLABOROU JÚLIA MARQUES