O problema começou em abril do ano passado, quando Dilma, depois de receber a lista tríplice enviada pela cúpula da Justiça Federal, escolheu o juiz Marcelo Pereira da Silva para atuar como desembargador no Tribunal Regional Federal (TRF) da 2.ª Região, com jurisdição no Rio de Janeiro e Espírito Santo. Pela sistemática em vigor, o preenchimento das vagas abertas pela aposentadoria ou morte de desembargadores nos tribunais federais se dá em duas etapas. Na primeira, as cortes elaboram uma lista com os nomes de três magistrados que podem ser promovidos por merecimento. Na segunda etapa, o chefe do Executivo escolhe um dos três juízes e o nomeia.
No caso do TRF da 2.ª Região, era a segunda vez seguida que Pereira da Silva integrava a lista de promoção. A mesma lista, contudo, incluía o juiz federal Aluísio Gonçalves de Castro Mendes, cujo nome era indicado pela terceira vez consecutiva. E, pela legislação em vigor, o chefe do Executivo é obrigado a nomear o magistrado que for indicado pela terceira vez seguida ou pela quinta vez, de forma não consecutiva. Dessa forma, Dilma não poderia ter nomeado Pereira da Silva, em detrimento de Castro Mendes.
Contudo, em vez de cumprir o que a legislação determina expressamente, a presidente da República surpreendeu, preterindo Castro Mendes. Fontes do Palácio do Planalto informaram que ela teria tomado essa decisão por causa do apoio dado a esse juiz pelo deputado Jair Bolsonaro (PP-RJ) - um parlamentar polêmico, crítico contundente do PT e que, na campanha presidencial de 2010, fez duas críticas a Dilma. Na primeira, afirmou que ela não poderia ser eleita, por ter participado da luta armada contra a ditadura militar. Na segunda, questionou a sexualidade da candidata.
Alegando que a chefe do Poder Executivo descumpriu a legislação, várias entidades de magistrados recorreram ao STF, questionando a indicação do juiz Pereira da Silva e exigindo a nomeação de Castro Mendes. Em sua defesa, o Palácio do Planalto alegou que a regra que determina a nomeação automática do magistrado que figurar três vezes seguidas ou cinco vezes alternadas numa lista tríplice teria sido revogada pela Emenda Constitucional (EC) n.º 45, que introduziu a reforma do Poder Judiciário, em dezembro de 2004.
Ao julgar o recurso impetrado pelas entidades de juízes, o STF, por unanimidade, derrubou a indicação de Dilma e a obrigou a nomear imediatamente o juiz Castro Mendes, que já tomou posse. A Corte entendeu que, apesar das mudanças introduzidas pela EC n.º 45 no funcionamento do Poder Judiciário, a nomeação automática do magistrado federal que estiver pela terceira vez seguida numa lista tríplice continua sendo obrigatória. Nesse caso, resta ao chefe do Executivo "carimbar" a escolha do TRF.
"O critério técnico se sobrepõe ao político, impedindo a presidente de escolher o nome de sua preferência", afirmou o ministro Ricardo Lewandowski. "Juiz não tem de ficar disputando a simpatia do Executivo", asseverou o ministro Luiz Fux. "A independência do Judiciário, ao elaborar suas listas, se sobrepõe à harmonia entre os Poderes, que garantiria à presidente da República a decisão sobre quem nomear", assegurou o presidente do Supremo, Ayres Britto.
Do ponto de vista jurídico, a mais alta Corte do País não poderia ter decidido de outra forma, uma vez que lhe cabe manter o controle da constitucionalidade das leis. Mas, do ponto de vista político, como disse o ministro Gilmar Mendes, essa decisão pode tirar da presidente da República o poder de indicar os desembargadores dos TRFs, caso a cúpula da magistratura federal de segunda instância passe a incluir, de forma sistemática, nomes de juízes que já constaram de outras listas tríplices. Isso pode acabar alimentando disputas corporativas e troca de favores entre juízes - advertiu Mendes.