A insana aventura brasileira do barão


CCBB abre a mostra Expedição Langsdorff com 120 desenhos de Rugendas, Taunay e Florence e 36 mapas inéditos no Brasil

Por Antonio Gonçalves Filho

VISÃO DO PARAÍSO -

Em 1827, um ano antes de morrer afogado no Guaporé, o francês Aimé-Adrien Taunay fez esta aquarela com buritis no Rio Quilombo, no distrito da Chapada

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Foi uma aventura que, hoje, certamente seria filmada pelo obsessivo Werner Herzog, o cineasta alemão autor de Aguirre e Fitzcarraldo, duas epopeias ambientadas na selva amazônica em que os compulsivos protagonistas buscam, cada um a seu modo, o mítico Eldorado. Como na louca viagem dos dois personagens de Herzog, aconteceu de tudo na expedição do também alemão barão Georg Heinrich von Langsdorff (1774- 1852), que, entre 1821 e 1829, percorreu 17 mil quilômetros do território brasileiro acompanhado de artistas e cientistas, registrando tudo o que viam pela frente, de saguis-da-serra a índios munduruku, passando por peixes exóticos e plantas ainda mais raras. São essas raríssimas imagens que o Centro Cultural Banco do Brasil mostra, a partir de hoje, na exposição Expedição Langsdorff, que traz 120 desenhos e aquarelas do alemão Johann Moritz Rugendas (1802-1858) e dos franceses Aimé-Adrien Taunay (1803-1828) e Hercule Florence (1804-1879), além de 36 mapas desenhados pelo russo Nester Rubtsov (1799-1874).

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Veja mais obras da exposição

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A maior parte das peças reunidas na mostra é inédita no País. Provenientes do arquivo da Academia de Ciências da Rússia em São Petersburgo, onde se encontram 368 dos desenhos e aquarelas da expedição, essas obras rivalizam em importância com os mapas de Rubtsov, hoje no Arquivo Naval Russo, tão precisos que os curadores da mostra resolveram colocá-los à prova, comparando-os aos mapas do Google Earth. Ficaram espantados com o olho clínico de Rubtsov, perfeito como o do satélite usado pela empresa americana online. Cercado de obsessivos como ele, o iluminista Langsdorff, claro, não chegaria ao fim de sua expedição com a cabeça no lugar. Médico, membro de sociedades científicas e ex-cônsul da Rússia no Rio de Janeiro, Langsdorff, antes de ser vitimado pela febre e perder a razão, entrou em choque com os artistas Rugendas e Taunay, fazendo com que o primeiro abandonasse a expedição em 1824. Rugendas levou consigo 500 aquarelas e desenhos já pagos pelo governo russo, que financiou a expedição, gastando, na época, o equivalente à milésima parte do orçamento do Império (algo em torno de 330 milhões de rublos).

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Parte do acervo ilegal de Rugendas foi parar em coleções privadas, destino também de 200 obras de Taunay e Florence. Sobrou para os museus pouco mais de um terço dos mil desenhos e aquarelas realizados nas viagens pelas províncias do Rio de Janeiro, Minas, São Paulo, Mato Grosso, Amazonas e Pará. As imagens são primorosas. Os três artistas eram detalhistas. Do trio, Taunay teve menos tempo para desenvolver seu talento. Morreu afogado, aos 25 anos, ao tentar cruzar o Rio Guaporé a cavalo, em 1828. Rugendas se deu bem: convenceu o naturalista alemão Alexander von Humboldt a publicar um livro com seus trabalhos (Voyage Pitoresque au Brésil, 1835), deixando registrada sua passagem pela expedição. Finalmente, Florence deu sua contribuição com retratos de tribos indígenas hoje em extinção (como os guatós, reduzidos a 500 almas), escrevendo em em seu diário as impressões de viagem. Florence fixou residência no Brasil em 1829. É considerado por alguns historiadores o inventor da fotografia.

Um dos curadores da exposição, o russo Boris Komissarov estuda há 51 anos esse acervo que durante muito tempo foi dado como perdido na Rússia. "Os manuscritos de Langsdorff desapareceram e só foram encontrados nos anos 1930", conta, lembrando que eles totalizam 4 mil páginas com informações sobre geografia, botânica, zoologia, economia e etnografia, coletadas em 26 cadernos. Com o colapso mental de Langsdorff, em 1829, esses escritos foram levados para a Rússia e seu nome esquecido - lá e no Brasil. Por causa da morte de Adrien Taunay, o visconde Alfredo de Taunay, seu sobrinho, teria espalhado a lenda de que Langsdorff era louco por empreender uma expedição sem fim. Ele pode não ter sido o Fitzcarraldo de Herzog, que queria construir uma casa de ópera na selva, mas serviu de inspiração para o visconde: Langsdorff é o modelo do naturalista insano de seu romance Inocência.

Serviço

Expedição Langsdorff. Centro Cultural Banco do Brasil. Rua Álvares Penteado, 112, centro, telefone 3113-3651. De 3.ª a domingo, das 10 h às 20 h. Grátis

Os Artistas

RUGENDAS: Em 1823, o alemão fez esta aquarela com um casal de saguis-de-cara-branca, um ano antes do início da expedição. Ele tinha apenas 21 anos e ficaria com Langsdorff apenas um ano mais, brigando com o barão, que via como desonesto. Rugendas voltaria, tornando-se o cronista visual da América Latina.

FLORENCE: A jararaca desenhada em 1826 pelo francês em Rio Pardo é um dos 12 mil animais catalogados no acervo da Expedição Langsdorff. Florence registrou também paisagens, os primeiros habitantes do Brasil (índios guatós, gaunás) e prédios históricos ainda existentes, como o convento dos capuchinhos em Santos (1825).

TAUNAY: Detalhista, o francês, aos 22 anos, fez essa aquarela mostrando como os paulistas se vestiam três anos após a declaração da Independência. Ele substituiu Rugendas quando foi expulso da expedição e herdou do pai, Nicolas-Antoine Taunay, integrante da Missão Francesa, o cromatismo romântico.

VISÃO DO PARAÍSO -

Em 1827, um ano antes de morrer afogado no Guaporé, o francês Aimé-Adrien Taunay fez esta aquarela com buritis no Rio Quilombo, no distrito da Chapada

Foi uma aventura que, hoje, certamente seria filmada pelo obsessivo Werner Herzog, o cineasta alemão autor de Aguirre e Fitzcarraldo, duas epopeias ambientadas na selva amazônica em que os compulsivos protagonistas buscam, cada um a seu modo, o mítico Eldorado. Como na louca viagem dos dois personagens de Herzog, aconteceu de tudo na expedição do também alemão barão Georg Heinrich von Langsdorff (1774- 1852), que, entre 1821 e 1829, percorreu 17 mil quilômetros do território brasileiro acompanhado de artistas e cientistas, registrando tudo o que viam pela frente, de saguis-da-serra a índios munduruku, passando por peixes exóticos e plantas ainda mais raras. São essas raríssimas imagens que o Centro Cultural Banco do Brasil mostra, a partir de hoje, na exposição Expedição Langsdorff, que traz 120 desenhos e aquarelas do alemão Johann Moritz Rugendas (1802-1858) e dos franceses Aimé-Adrien Taunay (1803-1828) e Hercule Florence (1804-1879), além de 36 mapas desenhados pelo russo Nester Rubtsov (1799-1874).

Veja mais obras da exposição

A maior parte das peças reunidas na mostra é inédita no País. Provenientes do arquivo da Academia de Ciências da Rússia em São Petersburgo, onde se encontram 368 dos desenhos e aquarelas da expedição, essas obras rivalizam em importância com os mapas de Rubtsov, hoje no Arquivo Naval Russo, tão precisos que os curadores da mostra resolveram colocá-los à prova, comparando-os aos mapas do Google Earth. Ficaram espantados com o olho clínico de Rubtsov, perfeito como o do satélite usado pela empresa americana online. Cercado de obsessivos como ele, o iluminista Langsdorff, claro, não chegaria ao fim de sua expedição com a cabeça no lugar. Médico, membro de sociedades científicas e ex-cônsul da Rússia no Rio de Janeiro, Langsdorff, antes de ser vitimado pela febre e perder a razão, entrou em choque com os artistas Rugendas e Taunay, fazendo com que o primeiro abandonasse a expedição em 1824. Rugendas levou consigo 500 aquarelas e desenhos já pagos pelo governo russo, que financiou a expedição, gastando, na época, o equivalente à milésima parte do orçamento do Império (algo em torno de 330 milhões de rublos).

Parte do acervo ilegal de Rugendas foi parar em coleções privadas, destino também de 200 obras de Taunay e Florence. Sobrou para os museus pouco mais de um terço dos mil desenhos e aquarelas realizados nas viagens pelas províncias do Rio de Janeiro, Minas, São Paulo, Mato Grosso, Amazonas e Pará. As imagens são primorosas. Os três artistas eram detalhistas. Do trio, Taunay teve menos tempo para desenvolver seu talento. Morreu afogado, aos 25 anos, ao tentar cruzar o Rio Guaporé a cavalo, em 1828. Rugendas se deu bem: convenceu o naturalista alemão Alexander von Humboldt a publicar um livro com seus trabalhos (Voyage Pitoresque au Brésil, 1835), deixando registrada sua passagem pela expedição. Finalmente, Florence deu sua contribuição com retratos de tribos indígenas hoje em extinção (como os guatós, reduzidos a 500 almas), escrevendo em em seu diário as impressões de viagem. Florence fixou residência no Brasil em 1829. É considerado por alguns historiadores o inventor da fotografia.

Um dos curadores da exposição, o russo Boris Komissarov estuda há 51 anos esse acervo que durante muito tempo foi dado como perdido na Rússia. "Os manuscritos de Langsdorff desapareceram e só foram encontrados nos anos 1930", conta, lembrando que eles totalizam 4 mil páginas com informações sobre geografia, botânica, zoologia, economia e etnografia, coletadas em 26 cadernos. Com o colapso mental de Langsdorff, em 1829, esses escritos foram levados para a Rússia e seu nome esquecido - lá e no Brasil. Por causa da morte de Adrien Taunay, o visconde Alfredo de Taunay, seu sobrinho, teria espalhado a lenda de que Langsdorff era louco por empreender uma expedição sem fim. Ele pode não ter sido o Fitzcarraldo de Herzog, que queria construir uma casa de ópera na selva, mas serviu de inspiração para o visconde: Langsdorff é o modelo do naturalista insano de seu romance Inocência.

Serviço

Expedição Langsdorff. Centro Cultural Banco do Brasil. Rua Álvares Penteado, 112, centro, telefone 3113-3651. De 3.ª a domingo, das 10 h às 20 h. Grátis

Os Artistas

RUGENDAS: Em 1823, o alemão fez esta aquarela com um casal de saguis-de-cara-branca, um ano antes do início da expedição. Ele tinha apenas 21 anos e ficaria com Langsdorff apenas um ano mais, brigando com o barão, que via como desonesto. Rugendas voltaria, tornando-se o cronista visual da América Latina.

FLORENCE: A jararaca desenhada em 1826 pelo francês em Rio Pardo é um dos 12 mil animais catalogados no acervo da Expedição Langsdorff. Florence registrou também paisagens, os primeiros habitantes do Brasil (índios guatós, gaunás) e prédios históricos ainda existentes, como o convento dos capuchinhos em Santos (1825).

TAUNAY: Detalhista, o francês, aos 22 anos, fez essa aquarela mostrando como os paulistas se vestiam três anos após a declaração da Independência. Ele substituiu Rugendas quando foi expulso da expedição e herdou do pai, Nicolas-Antoine Taunay, integrante da Missão Francesa, o cromatismo romântico.

VISÃO DO PARAÍSO -

Em 1827, um ano antes de morrer afogado no Guaporé, o francês Aimé-Adrien Taunay fez esta aquarela com buritis no Rio Quilombo, no distrito da Chapada

Foi uma aventura que, hoje, certamente seria filmada pelo obsessivo Werner Herzog, o cineasta alemão autor de Aguirre e Fitzcarraldo, duas epopeias ambientadas na selva amazônica em que os compulsivos protagonistas buscam, cada um a seu modo, o mítico Eldorado. Como na louca viagem dos dois personagens de Herzog, aconteceu de tudo na expedição do também alemão barão Georg Heinrich von Langsdorff (1774- 1852), que, entre 1821 e 1829, percorreu 17 mil quilômetros do território brasileiro acompanhado de artistas e cientistas, registrando tudo o que viam pela frente, de saguis-da-serra a índios munduruku, passando por peixes exóticos e plantas ainda mais raras. São essas raríssimas imagens que o Centro Cultural Banco do Brasil mostra, a partir de hoje, na exposição Expedição Langsdorff, que traz 120 desenhos e aquarelas do alemão Johann Moritz Rugendas (1802-1858) e dos franceses Aimé-Adrien Taunay (1803-1828) e Hercule Florence (1804-1879), além de 36 mapas desenhados pelo russo Nester Rubtsov (1799-1874).

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A maior parte das peças reunidas na mostra é inédita no País. Provenientes do arquivo da Academia de Ciências da Rússia em São Petersburgo, onde se encontram 368 dos desenhos e aquarelas da expedição, essas obras rivalizam em importância com os mapas de Rubtsov, hoje no Arquivo Naval Russo, tão precisos que os curadores da mostra resolveram colocá-los à prova, comparando-os aos mapas do Google Earth. Ficaram espantados com o olho clínico de Rubtsov, perfeito como o do satélite usado pela empresa americana online. Cercado de obsessivos como ele, o iluminista Langsdorff, claro, não chegaria ao fim de sua expedição com a cabeça no lugar. Médico, membro de sociedades científicas e ex-cônsul da Rússia no Rio de Janeiro, Langsdorff, antes de ser vitimado pela febre e perder a razão, entrou em choque com os artistas Rugendas e Taunay, fazendo com que o primeiro abandonasse a expedição em 1824. Rugendas levou consigo 500 aquarelas e desenhos já pagos pelo governo russo, que financiou a expedição, gastando, na época, o equivalente à milésima parte do orçamento do Império (algo em torno de 330 milhões de rublos).

Parte do acervo ilegal de Rugendas foi parar em coleções privadas, destino também de 200 obras de Taunay e Florence. Sobrou para os museus pouco mais de um terço dos mil desenhos e aquarelas realizados nas viagens pelas províncias do Rio de Janeiro, Minas, São Paulo, Mato Grosso, Amazonas e Pará. As imagens são primorosas. Os três artistas eram detalhistas. Do trio, Taunay teve menos tempo para desenvolver seu talento. Morreu afogado, aos 25 anos, ao tentar cruzar o Rio Guaporé a cavalo, em 1828. Rugendas se deu bem: convenceu o naturalista alemão Alexander von Humboldt a publicar um livro com seus trabalhos (Voyage Pitoresque au Brésil, 1835), deixando registrada sua passagem pela expedição. Finalmente, Florence deu sua contribuição com retratos de tribos indígenas hoje em extinção (como os guatós, reduzidos a 500 almas), escrevendo em em seu diário as impressões de viagem. Florence fixou residência no Brasil em 1829. É considerado por alguns historiadores o inventor da fotografia.

Um dos curadores da exposição, o russo Boris Komissarov estuda há 51 anos esse acervo que durante muito tempo foi dado como perdido na Rússia. "Os manuscritos de Langsdorff desapareceram e só foram encontrados nos anos 1930", conta, lembrando que eles totalizam 4 mil páginas com informações sobre geografia, botânica, zoologia, economia e etnografia, coletadas em 26 cadernos. Com o colapso mental de Langsdorff, em 1829, esses escritos foram levados para a Rússia e seu nome esquecido - lá e no Brasil. Por causa da morte de Adrien Taunay, o visconde Alfredo de Taunay, seu sobrinho, teria espalhado a lenda de que Langsdorff era louco por empreender uma expedição sem fim. Ele pode não ter sido o Fitzcarraldo de Herzog, que queria construir uma casa de ópera na selva, mas serviu de inspiração para o visconde: Langsdorff é o modelo do naturalista insano de seu romance Inocência.

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Expedição Langsdorff. Centro Cultural Banco do Brasil. Rua Álvares Penteado, 112, centro, telefone 3113-3651. De 3.ª a domingo, das 10 h às 20 h. Grátis

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RUGENDAS: Em 1823, o alemão fez esta aquarela com um casal de saguis-de-cara-branca, um ano antes do início da expedição. Ele tinha apenas 21 anos e ficaria com Langsdorff apenas um ano mais, brigando com o barão, que via como desonesto. Rugendas voltaria, tornando-se o cronista visual da América Latina.

FLORENCE: A jararaca desenhada em 1826 pelo francês em Rio Pardo é um dos 12 mil animais catalogados no acervo da Expedição Langsdorff. Florence registrou também paisagens, os primeiros habitantes do Brasil (índios guatós, gaunás) e prédios históricos ainda existentes, como o convento dos capuchinhos em Santos (1825).

TAUNAY: Detalhista, o francês, aos 22 anos, fez essa aquarela mostrando como os paulistas se vestiam três anos após a declaração da Independência. Ele substituiu Rugendas quando foi expulso da expedição e herdou do pai, Nicolas-Antoine Taunay, integrante da Missão Francesa, o cromatismo romântico.

VISÃO DO PARAÍSO -

Em 1827, um ano antes de morrer afogado no Guaporé, o francês Aimé-Adrien Taunay fez esta aquarela com buritis no Rio Quilombo, no distrito da Chapada

Foi uma aventura que, hoje, certamente seria filmada pelo obsessivo Werner Herzog, o cineasta alemão autor de Aguirre e Fitzcarraldo, duas epopeias ambientadas na selva amazônica em que os compulsivos protagonistas buscam, cada um a seu modo, o mítico Eldorado. Como na louca viagem dos dois personagens de Herzog, aconteceu de tudo na expedição do também alemão barão Georg Heinrich von Langsdorff (1774- 1852), que, entre 1821 e 1829, percorreu 17 mil quilômetros do território brasileiro acompanhado de artistas e cientistas, registrando tudo o que viam pela frente, de saguis-da-serra a índios munduruku, passando por peixes exóticos e plantas ainda mais raras. São essas raríssimas imagens que o Centro Cultural Banco do Brasil mostra, a partir de hoje, na exposição Expedição Langsdorff, que traz 120 desenhos e aquarelas do alemão Johann Moritz Rugendas (1802-1858) e dos franceses Aimé-Adrien Taunay (1803-1828) e Hercule Florence (1804-1879), além de 36 mapas desenhados pelo russo Nester Rubtsov (1799-1874).

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A maior parte das peças reunidas na mostra é inédita no País. Provenientes do arquivo da Academia de Ciências da Rússia em São Petersburgo, onde se encontram 368 dos desenhos e aquarelas da expedição, essas obras rivalizam em importância com os mapas de Rubtsov, hoje no Arquivo Naval Russo, tão precisos que os curadores da mostra resolveram colocá-los à prova, comparando-os aos mapas do Google Earth. Ficaram espantados com o olho clínico de Rubtsov, perfeito como o do satélite usado pela empresa americana online. Cercado de obsessivos como ele, o iluminista Langsdorff, claro, não chegaria ao fim de sua expedição com a cabeça no lugar. Médico, membro de sociedades científicas e ex-cônsul da Rússia no Rio de Janeiro, Langsdorff, antes de ser vitimado pela febre e perder a razão, entrou em choque com os artistas Rugendas e Taunay, fazendo com que o primeiro abandonasse a expedição em 1824. Rugendas levou consigo 500 aquarelas e desenhos já pagos pelo governo russo, que financiou a expedição, gastando, na época, o equivalente à milésima parte do orçamento do Império (algo em torno de 330 milhões de rublos).

Parte do acervo ilegal de Rugendas foi parar em coleções privadas, destino também de 200 obras de Taunay e Florence. Sobrou para os museus pouco mais de um terço dos mil desenhos e aquarelas realizados nas viagens pelas províncias do Rio de Janeiro, Minas, São Paulo, Mato Grosso, Amazonas e Pará. As imagens são primorosas. Os três artistas eram detalhistas. Do trio, Taunay teve menos tempo para desenvolver seu talento. Morreu afogado, aos 25 anos, ao tentar cruzar o Rio Guaporé a cavalo, em 1828. Rugendas se deu bem: convenceu o naturalista alemão Alexander von Humboldt a publicar um livro com seus trabalhos (Voyage Pitoresque au Brésil, 1835), deixando registrada sua passagem pela expedição. Finalmente, Florence deu sua contribuição com retratos de tribos indígenas hoje em extinção (como os guatós, reduzidos a 500 almas), escrevendo em em seu diário as impressões de viagem. Florence fixou residência no Brasil em 1829. É considerado por alguns historiadores o inventor da fotografia.

Um dos curadores da exposição, o russo Boris Komissarov estuda há 51 anos esse acervo que durante muito tempo foi dado como perdido na Rússia. "Os manuscritos de Langsdorff desapareceram e só foram encontrados nos anos 1930", conta, lembrando que eles totalizam 4 mil páginas com informações sobre geografia, botânica, zoologia, economia e etnografia, coletadas em 26 cadernos. Com o colapso mental de Langsdorff, em 1829, esses escritos foram levados para a Rússia e seu nome esquecido - lá e no Brasil. Por causa da morte de Adrien Taunay, o visconde Alfredo de Taunay, seu sobrinho, teria espalhado a lenda de que Langsdorff era louco por empreender uma expedição sem fim. Ele pode não ter sido o Fitzcarraldo de Herzog, que queria construir uma casa de ópera na selva, mas serviu de inspiração para o visconde: Langsdorff é o modelo do naturalista insano de seu romance Inocência.

Serviço

Expedição Langsdorff. Centro Cultural Banco do Brasil. Rua Álvares Penteado, 112, centro, telefone 3113-3651. De 3.ª a domingo, das 10 h às 20 h. Grátis

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RUGENDAS: Em 1823, o alemão fez esta aquarela com um casal de saguis-de-cara-branca, um ano antes do início da expedição. Ele tinha apenas 21 anos e ficaria com Langsdorff apenas um ano mais, brigando com o barão, que via como desonesto. Rugendas voltaria, tornando-se o cronista visual da América Latina.

FLORENCE: A jararaca desenhada em 1826 pelo francês em Rio Pardo é um dos 12 mil animais catalogados no acervo da Expedição Langsdorff. Florence registrou também paisagens, os primeiros habitantes do Brasil (índios guatós, gaunás) e prédios históricos ainda existentes, como o convento dos capuchinhos em Santos (1825).

TAUNAY: Detalhista, o francês, aos 22 anos, fez essa aquarela mostrando como os paulistas se vestiam três anos após a declaração da Independência. Ele substituiu Rugendas quando foi expulso da expedição e herdou do pai, Nicolas-Antoine Taunay, integrante da Missão Francesa, o cromatismo romântico.

VISÃO DO PARAÍSO -

Em 1827, um ano antes de morrer afogado no Guaporé, o francês Aimé-Adrien Taunay fez esta aquarela com buritis no Rio Quilombo, no distrito da Chapada

Foi uma aventura que, hoje, certamente seria filmada pelo obsessivo Werner Herzog, o cineasta alemão autor de Aguirre e Fitzcarraldo, duas epopeias ambientadas na selva amazônica em que os compulsivos protagonistas buscam, cada um a seu modo, o mítico Eldorado. Como na louca viagem dos dois personagens de Herzog, aconteceu de tudo na expedição do também alemão barão Georg Heinrich von Langsdorff (1774- 1852), que, entre 1821 e 1829, percorreu 17 mil quilômetros do território brasileiro acompanhado de artistas e cientistas, registrando tudo o que viam pela frente, de saguis-da-serra a índios munduruku, passando por peixes exóticos e plantas ainda mais raras. São essas raríssimas imagens que o Centro Cultural Banco do Brasil mostra, a partir de hoje, na exposição Expedição Langsdorff, que traz 120 desenhos e aquarelas do alemão Johann Moritz Rugendas (1802-1858) e dos franceses Aimé-Adrien Taunay (1803-1828) e Hercule Florence (1804-1879), além de 36 mapas desenhados pelo russo Nester Rubtsov (1799-1874).

Veja mais obras da exposição

A maior parte das peças reunidas na mostra é inédita no País. Provenientes do arquivo da Academia de Ciências da Rússia em São Petersburgo, onde se encontram 368 dos desenhos e aquarelas da expedição, essas obras rivalizam em importância com os mapas de Rubtsov, hoje no Arquivo Naval Russo, tão precisos que os curadores da mostra resolveram colocá-los à prova, comparando-os aos mapas do Google Earth. Ficaram espantados com o olho clínico de Rubtsov, perfeito como o do satélite usado pela empresa americana online. Cercado de obsessivos como ele, o iluminista Langsdorff, claro, não chegaria ao fim de sua expedição com a cabeça no lugar. Médico, membro de sociedades científicas e ex-cônsul da Rússia no Rio de Janeiro, Langsdorff, antes de ser vitimado pela febre e perder a razão, entrou em choque com os artistas Rugendas e Taunay, fazendo com que o primeiro abandonasse a expedição em 1824. Rugendas levou consigo 500 aquarelas e desenhos já pagos pelo governo russo, que financiou a expedição, gastando, na época, o equivalente à milésima parte do orçamento do Império (algo em torno de 330 milhões de rublos).

Parte do acervo ilegal de Rugendas foi parar em coleções privadas, destino também de 200 obras de Taunay e Florence. Sobrou para os museus pouco mais de um terço dos mil desenhos e aquarelas realizados nas viagens pelas províncias do Rio de Janeiro, Minas, São Paulo, Mato Grosso, Amazonas e Pará. As imagens são primorosas. Os três artistas eram detalhistas. Do trio, Taunay teve menos tempo para desenvolver seu talento. Morreu afogado, aos 25 anos, ao tentar cruzar o Rio Guaporé a cavalo, em 1828. Rugendas se deu bem: convenceu o naturalista alemão Alexander von Humboldt a publicar um livro com seus trabalhos (Voyage Pitoresque au Brésil, 1835), deixando registrada sua passagem pela expedição. Finalmente, Florence deu sua contribuição com retratos de tribos indígenas hoje em extinção (como os guatós, reduzidos a 500 almas), escrevendo em em seu diário as impressões de viagem. Florence fixou residência no Brasil em 1829. É considerado por alguns historiadores o inventor da fotografia.

Um dos curadores da exposição, o russo Boris Komissarov estuda há 51 anos esse acervo que durante muito tempo foi dado como perdido na Rússia. "Os manuscritos de Langsdorff desapareceram e só foram encontrados nos anos 1930", conta, lembrando que eles totalizam 4 mil páginas com informações sobre geografia, botânica, zoologia, economia e etnografia, coletadas em 26 cadernos. Com o colapso mental de Langsdorff, em 1829, esses escritos foram levados para a Rússia e seu nome esquecido - lá e no Brasil. Por causa da morte de Adrien Taunay, o visconde Alfredo de Taunay, seu sobrinho, teria espalhado a lenda de que Langsdorff era louco por empreender uma expedição sem fim. Ele pode não ter sido o Fitzcarraldo de Herzog, que queria construir uma casa de ópera na selva, mas serviu de inspiração para o visconde: Langsdorff é o modelo do naturalista insano de seu romance Inocência.

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Expedição Langsdorff. Centro Cultural Banco do Brasil. Rua Álvares Penteado, 112, centro, telefone 3113-3651. De 3.ª a domingo, das 10 h às 20 h. Grátis

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RUGENDAS: Em 1823, o alemão fez esta aquarela com um casal de saguis-de-cara-branca, um ano antes do início da expedição. Ele tinha apenas 21 anos e ficaria com Langsdorff apenas um ano mais, brigando com o barão, que via como desonesto. Rugendas voltaria, tornando-se o cronista visual da América Latina.

FLORENCE: A jararaca desenhada em 1826 pelo francês em Rio Pardo é um dos 12 mil animais catalogados no acervo da Expedição Langsdorff. Florence registrou também paisagens, os primeiros habitantes do Brasil (índios guatós, gaunás) e prédios históricos ainda existentes, como o convento dos capuchinhos em Santos (1825).

TAUNAY: Detalhista, o francês, aos 22 anos, fez essa aquarela mostrando como os paulistas se vestiam três anos após a declaração da Independência. Ele substituiu Rugendas quando foi expulso da expedição e herdou do pai, Nicolas-Antoine Taunay, integrante da Missão Francesa, o cromatismo romântico.

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