Opinião|‘A produção de arte e a curadoria de negras e negros vão além da discussão sobre diversidade’


Professora e curadora da exposição ‘Pequenas Áfricas’ afirma que exposições são projetos de resistência e existência capazes de criar novos imaginários sociais

Por Angelica Ferrarez

Na filosofia africana, nos fala o filósofo anglo-ganês Appiah, a identidade africana não é um processo homogêneo: “Não há uma identidade final acabada, logo há um mito de um mundo africano entre nós”. Se há uma ideia desenvolvida pelo colonizador de um “mundo africano entre nós”, de quais identidades estamos falando quando pensamos no “mundo africano” deste lado do Atlântico? Como pensar o desenvolvimento de uma nação a partir da cristalização de um mito de um mundo africano forjado na Diáspora?

Esta foi uma das perguntas que animou o projeto curatorial para a exposição Pequenas Áfricas: o Rio que o samba inventou, que não só trouxe a reflexão da dimensão do mito na perspectiva da Diáspora, como ressignificou o mito ao apontar e flexionar a construção política presente no conceito expressão “pequena África”. A ideia de pensar uma “África em miniatura”, expressão de Heitor dos Prazeres ao flanar pelas ruas da então cidade do Rio de Janeiro, nos chamou atenção para a perspectiva da cultura, da política, do trabalho de quem foi mão de obra na edificação desse Brasil, que são Brasis.

A pesquisadora e professora Angelica Ferrarez afirma que exposições e movimentos artísticos negros ultrapassam a questão de identidade étnica  Foto: Taba Benedicto/Estadão
continua após a publicidade

Muito se fala do povo negro como mão de obra escravizada, mas ser mão de obra não é uma operação simples. Requer conhecimento, técnica, tecnologia, estratégias, inteligência. Mão de obra forçada e desumanizada então, aciona ainda as dimensões das resistências, resiliências, jogo de corpo, dribles e uma certa expertise visando a manutenção da vida.

A tarefa de provocar o público a pensar no protagonismo de quem desenvolveu as urbanicidades deste lado do Atlântico, e fazer essa leitura a partir de uma linguagem expositiva que tem o arquivo documental como fonte originária, coube a uma curadoria pensada, sobretudo, por pessoas negras.

É como tocar em duas questões sensíveis em seu nascedouro, educar uma nação racista do ponto de vista do público e do ponto de vista da cultura institucional. Afinal sabemos que documentar, classificar, identificar, dizer o que é ou não relevante, ou mesmo, a própria produção documental, a formação dos acervos, a seleção em curadoria, são movimentos intencionais dos herdeiros das instituições museológicas e de memórias neste país.

continua após a publicidade

Logo, a oportunidade que Pequenas Áfricas nos dá também se refere a educar, mexer, provocar a própria estrutura branca que detém os meios de produção. E não só a nível local com Pequenas Áfricas, ou Um defeito de cor, ou Dos Brasis ou Negros na piscina ou ainda Lélia em nós, só para citar algumas exposições assinadas por curadores negros e negras.

Mas mesmo a 35ª Bienal de São Paulo de 2023 ou a já anunciada 36ª Bienal de 2025 que terá protagonismo de artistas e curadores negros ou mesmo a atual Bienal de Veneza que tem o primeiro curador brasileiro (não negro) na sua 60ª edição, indica movimentos do contemporâneo que precisam ser visualizados por outros olhares.

Movimentos do contemporâneo, atos políticos, estratégias do poder para se manter poder ou versatilidade do capital, o que quer que seja é caminho sem volta. Pensar a autenticidade das exposições artísticas e/ou arquivísticas só será possível com o olhar de pessoas negras e, aqui amplio, pessoas queer, indígenas, operários, camponeses, ciganos, feministas; esses que protagonizam, de fato, a modernidade.

continua após a publicidade

Movimento novo? Não, se considerarmos o trabalho de arte e curadoria desenvolvido por intelectuais negros desde a década de 1970, tais como: Beatriz Nascimento, Lélia Gonzalez, Filó, Abdias Nascimento e tantos outros que desempenham ou desempenharam papel fundamental nas políticas de memória.

O que há de novo? A intencionalidade de emergir, de ganhar o campo de atuação e fazer com que essas vozes insurgentes pautem narrativas não apenas de diversidade e visibilidade, regimes que escondem as opressões do sistema dominante; mas mais que isso que pressione os meios de produção para ampliar as políticas públicas de cultura e de bem viver.

continua após a publicidade

Curadorias negras já ultrapassaram a pauta identitária e tem buscado apresentar projetos de resistência, mas sobretudo de existências. Reimaginando uma outra sociedade, propondo novos futuros possíveis, recobrindo o imaginário social com movimentos artísticos, curatoriais, educativos e formativos através de uma mão de obra refinada que há séculos atua na dobra do tempo devolvendo em arte o acúmulo de dor.

Feminista negra, professora e organizadora do livro As acadêmicas do samba

Na filosofia africana, nos fala o filósofo anglo-ganês Appiah, a identidade africana não é um processo homogêneo: “Não há uma identidade final acabada, logo há um mito de um mundo africano entre nós”. Se há uma ideia desenvolvida pelo colonizador de um “mundo africano entre nós”, de quais identidades estamos falando quando pensamos no “mundo africano” deste lado do Atlântico? Como pensar o desenvolvimento de uma nação a partir da cristalização de um mito de um mundo africano forjado na Diáspora?

Esta foi uma das perguntas que animou o projeto curatorial para a exposição Pequenas Áfricas: o Rio que o samba inventou, que não só trouxe a reflexão da dimensão do mito na perspectiva da Diáspora, como ressignificou o mito ao apontar e flexionar a construção política presente no conceito expressão “pequena África”. A ideia de pensar uma “África em miniatura”, expressão de Heitor dos Prazeres ao flanar pelas ruas da então cidade do Rio de Janeiro, nos chamou atenção para a perspectiva da cultura, da política, do trabalho de quem foi mão de obra na edificação desse Brasil, que são Brasis.

A pesquisadora e professora Angelica Ferrarez afirma que exposições e movimentos artísticos negros ultrapassam a questão de identidade étnica  Foto: Taba Benedicto/Estadão

Muito se fala do povo negro como mão de obra escravizada, mas ser mão de obra não é uma operação simples. Requer conhecimento, técnica, tecnologia, estratégias, inteligência. Mão de obra forçada e desumanizada então, aciona ainda as dimensões das resistências, resiliências, jogo de corpo, dribles e uma certa expertise visando a manutenção da vida.

A tarefa de provocar o público a pensar no protagonismo de quem desenvolveu as urbanicidades deste lado do Atlântico, e fazer essa leitura a partir de uma linguagem expositiva que tem o arquivo documental como fonte originária, coube a uma curadoria pensada, sobretudo, por pessoas negras.

É como tocar em duas questões sensíveis em seu nascedouro, educar uma nação racista do ponto de vista do público e do ponto de vista da cultura institucional. Afinal sabemos que documentar, classificar, identificar, dizer o que é ou não relevante, ou mesmo, a própria produção documental, a formação dos acervos, a seleção em curadoria, são movimentos intencionais dos herdeiros das instituições museológicas e de memórias neste país.

Logo, a oportunidade que Pequenas Áfricas nos dá também se refere a educar, mexer, provocar a própria estrutura branca que detém os meios de produção. E não só a nível local com Pequenas Áfricas, ou Um defeito de cor, ou Dos Brasis ou Negros na piscina ou ainda Lélia em nós, só para citar algumas exposições assinadas por curadores negros e negras.

Mas mesmo a 35ª Bienal de São Paulo de 2023 ou a já anunciada 36ª Bienal de 2025 que terá protagonismo de artistas e curadores negros ou mesmo a atual Bienal de Veneza que tem o primeiro curador brasileiro (não negro) na sua 60ª edição, indica movimentos do contemporâneo que precisam ser visualizados por outros olhares.

Movimentos do contemporâneo, atos políticos, estratégias do poder para se manter poder ou versatilidade do capital, o que quer que seja é caminho sem volta. Pensar a autenticidade das exposições artísticas e/ou arquivísticas só será possível com o olhar de pessoas negras e, aqui amplio, pessoas queer, indígenas, operários, camponeses, ciganos, feministas; esses que protagonizam, de fato, a modernidade.

Movimento novo? Não, se considerarmos o trabalho de arte e curadoria desenvolvido por intelectuais negros desde a década de 1970, tais como: Beatriz Nascimento, Lélia Gonzalez, Filó, Abdias Nascimento e tantos outros que desempenham ou desempenharam papel fundamental nas políticas de memória.

O que há de novo? A intencionalidade de emergir, de ganhar o campo de atuação e fazer com que essas vozes insurgentes pautem narrativas não apenas de diversidade e visibilidade, regimes que escondem as opressões do sistema dominante; mas mais que isso que pressione os meios de produção para ampliar as políticas públicas de cultura e de bem viver.

Curadorias negras já ultrapassaram a pauta identitária e tem buscado apresentar projetos de resistência, mas sobretudo de existências. Reimaginando uma outra sociedade, propondo novos futuros possíveis, recobrindo o imaginário social com movimentos artísticos, curatoriais, educativos e formativos através de uma mão de obra refinada que há séculos atua na dobra do tempo devolvendo em arte o acúmulo de dor.

Feminista negra, professora e organizadora do livro As acadêmicas do samba

Na filosofia africana, nos fala o filósofo anglo-ganês Appiah, a identidade africana não é um processo homogêneo: “Não há uma identidade final acabada, logo há um mito de um mundo africano entre nós”. Se há uma ideia desenvolvida pelo colonizador de um “mundo africano entre nós”, de quais identidades estamos falando quando pensamos no “mundo africano” deste lado do Atlântico? Como pensar o desenvolvimento de uma nação a partir da cristalização de um mito de um mundo africano forjado na Diáspora?

Esta foi uma das perguntas que animou o projeto curatorial para a exposição Pequenas Áfricas: o Rio que o samba inventou, que não só trouxe a reflexão da dimensão do mito na perspectiva da Diáspora, como ressignificou o mito ao apontar e flexionar a construção política presente no conceito expressão “pequena África”. A ideia de pensar uma “África em miniatura”, expressão de Heitor dos Prazeres ao flanar pelas ruas da então cidade do Rio de Janeiro, nos chamou atenção para a perspectiva da cultura, da política, do trabalho de quem foi mão de obra na edificação desse Brasil, que são Brasis.

A pesquisadora e professora Angelica Ferrarez afirma que exposições e movimentos artísticos negros ultrapassam a questão de identidade étnica  Foto: Taba Benedicto/Estadão

Muito se fala do povo negro como mão de obra escravizada, mas ser mão de obra não é uma operação simples. Requer conhecimento, técnica, tecnologia, estratégias, inteligência. Mão de obra forçada e desumanizada então, aciona ainda as dimensões das resistências, resiliências, jogo de corpo, dribles e uma certa expertise visando a manutenção da vida.

A tarefa de provocar o público a pensar no protagonismo de quem desenvolveu as urbanicidades deste lado do Atlântico, e fazer essa leitura a partir de uma linguagem expositiva que tem o arquivo documental como fonte originária, coube a uma curadoria pensada, sobretudo, por pessoas negras.

É como tocar em duas questões sensíveis em seu nascedouro, educar uma nação racista do ponto de vista do público e do ponto de vista da cultura institucional. Afinal sabemos que documentar, classificar, identificar, dizer o que é ou não relevante, ou mesmo, a própria produção documental, a formação dos acervos, a seleção em curadoria, são movimentos intencionais dos herdeiros das instituições museológicas e de memórias neste país.

Logo, a oportunidade que Pequenas Áfricas nos dá também se refere a educar, mexer, provocar a própria estrutura branca que detém os meios de produção. E não só a nível local com Pequenas Áfricas, ou Um defeito de cor, ou Dos Brasis ou Negros na piscina ou ainda Lélia em nós, só para citar algumas exposições assinadas por curadores negros e negras.

Mas mesmo a 35ª Bienal de São Paulo de 2023 ou a já anunciada 36ª Bienal de 2025 que terá protagonismo de artistas e curadores negros ou mesmo a atual Bienal de Veneza que tem o primeiro curador brasileiro (não negro) na sua 60ª edição, indica movimentos do contemporâneo que precisam ser visualizados por outros olhares.

Movimentos do contemporâneo, atos políticos, estratégias do poder para se manter poder ou versatilidade do capital, o que quer que seja é caminho sem volta. Pensar a autenticidade das exposições artísticas e/ou arquivísticas só será possível com o olhar de pessoas negras e, aqui amplio, pessoas queer, indígenas, operários, camponeses, ciganos, feministas; esses que protagonizam, de fato, a modernidade.

Movimento novo? Não, se considerarmos o trabalho de arte e curadoria desenvolvido por intelectuais negros desde a década de 1970, tais como: Beatriz Nascimento, Lélia Gonzalez, Filó, Abdias Nascimento e tantos outros que desempenham ou desempenharam papel fundamental nas políticas de memória.

O que há de novo? A intencionalidade de emergir, de ganhar o campo de atuação e fazer com que essas vozes insurgentes pautem narrativas não apenas de diversidade e visibilidade, regimes que escondem as opressões do sistema dominante; mas mais que isso que pressione os meios de produção para ampliar as políticas públicas de cultura e de bem viver.

Curadorias negras já ultrapassaram a pauta identitária e tem buscado apresentar projetos de resistência, mas sobretudo de existências. Reimaginando uma outra sociedade, propondo novos futuros possíveis, recobrindo o imaginário social com movimentos artísticos, curatoriais, educativos e formativos através de uma mão de obra refinada que há séculos atua na dobra do tempo devolvendo em arte o acúmulo de dor.

Feminista negra, professora e organizadora do livro As acadêmicas do samba

Na filosofia africana, nos fala o filósofo anglo-ganês Appiah, a identidade africana não é um processo homogêneo: “Não há uma identidade final acabada, logo há um mito de um mundo africano entre nós”. Se há uma ideia desenvolvida pelo colonizador de um “mundo africano entre nós”, de quais identidades estamos falando quando pensamos no “mundo africano” deste lado do Atlântico? Como pensar o desenvolvimento de uma nação a partir da cristalização de um mito de um mundo africano forjado na Diáspora?

Esta foi uma das perguntas que animou o projeto curatorial para a exposição Pequenas Áfricas: o Rio que o samba inventou, que não só trouxe a reflexão da dimensão do mito na perspectiva da Diáspora, como ressignificou o mito ao apontar e flexionar a construção política presente no conceito expressão “pequena África”. A ideia de pensar uma “África em miniatura”, expressão de Heitor dos Prazeres ao flanar pelas ruas da então cidade do Rio de Janeiro, nos chamou atenção para a perspectiva da cultura, da política, do trabalho de quem foi mão de obra na edificação desse Brasil, que são Brasis.

A pesquisadora e professora Angelica Ferrarez afirma que exposições e movimentos artísticos negros ultrapassam a questão de identidade étnica  Foto: Taba Benedicto/Estadão

Muito se fala do povo negro como mão de obra escravizada, mas ser mão de obra não é uma operação simples. Requer conhecimento, técnica, tecnologia, estratégias, inteligência. Mão de obra forçada e desumanizada então, aciona ainda as dimensões das resistências, resiliências, jogo de corpo, dribles e uma certa expertise visando a manutenção da vida.

A tarefa de provocar o público a pensar no protagonismo de quem desenvolveu as urbanicidades deste lado do Atlântico, e fazer essa leitura a partir de uma linguagem expositiva que tem o arquivo documental como fonte originária, coube a uma curadoria pensada, sobretudo, por pessoas negras.

É como tocar em duas questões sensíveis em seu nascedouro, educar uma nação racista do ponto de vista do público e do ponto de vista da cultura institucional. Afinal sabemos que documentar, classificar, identificar, dizer o que é ou não relevante, ou mesmo, a própria produção documental, a formação dos acervos, a seleção em curadoria, são movimentos intencionais dos herdeiros das instituições museológicas e de memórias neste país.

Logo, a oportunidade que Pequenas Áfricas nos dá também se refere a educar, mexer, provocar a própria estrutura branca que detém os meios de produção. E não só a nível local com Pequenas Áfricas, ou Um defeito de cor, ou Dos Brasis ou Negros na piscina ou ainda Lélia em nós, só para citar algumas exposições assinadas por curadores negros e negras.

Mas mesmo a 35ª Bienal de São Paulo de 2023 ou a já anunciada 36ª Bienal de 2025 que terá protagonismo de artistas e curadores negros ou mesmo a atual Bienal de Veneza que tem o primeiro curador brasileiro (não negro) na sua 60ª edição, indica movimentos do contemporâneo que precisam ser visualizados por outros olhares.

Movimentos do contemporâneo, atos políticos, estratégias do poder para se manter poder ou versatilidade do capital, o que quer que seja é caminho sem volta. Pensar a autenticidade das exposições artísticas e/ou arquivísticas só será possível com o olhar de pessoas negras e, aqui amplio, pessoas queer, indígenas, operários, camponeses, ciganos, feministas; esses que protagonizam, de fato, a modernidade.

Movimento novo? Não, se considerarmos o trabalho de arte e curadoria desenvolvido por intelectuais negros desde a década de 1970, tais como: Beatriz Nascimento, Lélia Gonzalez, Filó, Abdias Nascimento e tantos outros que desempenham ou desempenharam papel fundamental nas políticas de memória.

O que há de novo? A intencionalidade de emergir, de ganhar o campo de atuação e fazer com que essas vozes insurgentes pautem narrativas não apenas de diversidade e visibilidade, regimes que escondem as opressões do sistema dominante; mas mais que isso que pressione os meios de produção para ampliar as políticas públicas de cultura e de bem viver.

Curadorias negras já ultrapassaram a pauta identitária e tem buscado apresentar projetos de resistência, mas sobretudo de existências. Reimaginando uma outra sociedade, propondo novos futuros possíveis, recobrindo o imaginário social com movimentos artísticos, curatoriais, educativos e formativos através de uma mão de obra refinada que há séculos atua na dobra do tempo devolvendo em arte o acúmulo de dor.

Feminista negra, professora e organizadora do livro As acadêmicas do samba

Opinião por Angelica Ferrarez

Atualizamos nossa política de cookies

Ao utilizar nossos serviços, você aceita a política de monitoramento de cookies.