Opinião|‘A sociedade precisa se lembrar do racismo para parar de repeti-lo’


Diretora-geral do Arquivo Nacional defende a importância da memória como instrumento para combate das desigualdades raciais e de gênero

Por Ana Flávia Magalhães Pinto
Atualização:

“Perigo! Nativos, indianos e pessoas de cor. Se vocês entrarem nessas instalações à noite, vocês serão dados como desaparecidos. Guardas armados vão atirar e cães selvagens vão devorar o cadáver. Vocês foram avisados!”. Era o que se lia em sinalizações públicas na África do Sul anos antes do Massacre de Sharpeville, ocorrido em 21 de março de 1960, na cidade de Johanesburgo.

O protesto convocado pelo Congresso Pan-Africano buscava confrontar, pacificamente, violações cometidas por autoridades públicas do apartheid. O regime de segregação racial imposto pelo Partido Nacional, de extrema-direita, entre 1948 e 1994, agravava a aplicação da já antiga Lei do Passe. Pessoas negras eram obrigadas a portar um passaporte por meio do qual se limitavam o espaço e o horário de circulação dentro do próprio país.

Memorial das vítimas do Massacre de Sharpeville, na África, em 1960, no cemitério Phelindaba, que deixou 69 pessoas mortas. (Photo by OLYMPIA DE MAISMONT / AFP) Foto: OLYMPIA DE MAISMONT / AFP
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A brutal reação policial naquele dia resultou na morte de 69 manifestantes, incluindo 8 mulheres e 10 crianças, além de cerca de 180 feridos. A indignação tomou proporções internacionais e, em 1966, a Organização das Nações Unidas (ONU) fez da data o Dia Internacional de Luta pela Eliminação da Discriminação Racial.

Dalí em diante, um número crescente de gente em todo o mundo se somou à luta. Dar fim à legalidade do apartheid, porém, custou mais três décadas. Resultado, a África do Sul e os EUA, por razões próprias, foram tomados como sinônimos de racismo.

Lembrar disso, curiosamente, se tornou fundamental tanto para criticar os casos específicos quanto para anistiar formas dissimuladas de produzir desigualdades até mais severas. No Brasil, muitos tentaram se valer dos dois exemplos para reafirmar o “mito da democracia racial”. Não conseguiram sustentar a farsa.

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A professora Ana Flávia Magalhães Pinto, diretora do Arquivo Nacional, afirma que a sociedade não pode subestimar o poder de destruição social do racismo e do sexismo. FOTO: WILTON JUNIOR/ESTADÃO Foto: Wilton Junior

O protesto de ativistas negras e negros, ao denunciar o racismo brasileiro, falou mais alto. A eloquência dos números e das memórias também tem sido determinante para sustentar o argumento e os embates. Ocorre que, mesmo assim, ainda estamos longe da saída desse impasse que coloca em xeque a própria viabilidade do Brasil como nação, como dito na imprensa negra desde o século 19.

Numa sociedade antirracista de fato, não cabe alimentar a ilusão de que a cidadania e a democracia estão asseguradas quando o quantitativo e a proporção de mortes de pessoas negras em relação a não negras dão os contornos de um genocídio.

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Não podemos subestimar o poder de destruição social do racismo e do sexismo que fundamentam, por exemplo, a absolvição dos policiais que assassinaram e arrastaram o corpo de Cláudia Silva Ferreira, pelas ruas do Rio de Janeiro há exatos dez anos. Justamente em março, mês de todas as mulheres e de luta contra a discriminação racial.

Poder fazer lembrar é disputar futuros e não apenas o passado. Portanto, lembrar apenas não basta. A memória só é efetivo instrumento de promoção de justiça e verdade se servir para a eliminação das desigualdades nos termos em que elas se apresentam.

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Cláudia Ferreira, mulher negra, periférica mãe de quatro filhos, teria hoje 48 anos. Lembraremos.

“Perigo! Nativos, indianos e pessoas de cor. Se vocês entrarem nessas instalações à noite, vocês serão dados como desaparecidos. Guardas armados vão atirar e cães selvagens vão devorar o cadáver. Vocês foram avisados!”. Era o que se lia em sinalizações públicas na África do Sul anos antes do Massacre de Sharpeville, ocorrido em 21 de março de 1960, na cidade de Johanesburgo.

O protesto convocado pelo Congresso Pan-Africano buscava confrontar, pacificamente, violações cometidas por autoridades públicas do apartheid. O regime de segregação racial imposto pelo Partido Nacional, de extrema-direita, entre 1948 e 1994, agravava a aplicação da já antiga Lei do Passe. Pessoas negras eram obrigadas a portar um passaporte por meio do qual se limitavam o espaço e o horário de circulação dentro do próprio país.

Memorial das vítimas do Massacre de Sharpeville, na África, em 1960, no cemitério Phelindaba, que deixou 69 pessoas mortas. (Photo by OLYMPIA DE MAISMONT / AFP) Foto: OLYMPIA DE MAISMONT / AFP

A brutal reação policial naquele dia resultou na morte de 69 manifestantes, incluindo 8 mulheres e 10 crianças, além de cerca de 180 feridos. A indignação tomou proporções internacionais e, em 1966, a Organização das Nações Unidas (ONU) fez da data o Dia Internacional de Luta pela Eliminação da Discriminação Racial.

Dalí em diante, um número crescente de gente em todo o mundo se somou à luta. Dar fim à legalidade do apartheid, porém, custou mais três décadas. Resultado, a África do Sul e os EUA, por razões próprias, foram tomados como sinônimos de racismo.

Lembrar disso, curiosamente, se tornou fundamental tanto para criticar os casos específicos quanto para anistiar formas dissimuladas de produzir desigualdades até mais severas. No Brasil, muitos tentaram se valer dos dois exemplos para reafirmar o “mito da democracia racial”. Não conseguiram sustentar a farsa.

A professora Ana Flávia Magalhães Pinto, diretora do Arquivo Nacional, afirma que a sociedade não pode subestimar o poder de destruição social do racismo e do sexismo. FOTO: WILTON JUNIOR/ESTADÃO Foto: Wilton Junior

O protesto de ativistas negras e negros, ao denunciar o racismo brasileiro, falou mais alto. A eloquência dos números e das memórias também tem sido determinante para sustentar o argumento e os embates. Ocorre que, mesmo assim, ainda estamos longe da saída desse impasse que coloca em xeque a própria viabilidade do Brasil como nação, como dito na imprensa negra desde o século 19.

Numa sociedade antirracista de fato, não cabe alimentar a ilusão de que a cidadania e a democracia estão asseguradas quando o quantitativo e a proporção de mortes de pessoas negras em relação a não negras dão os contornos de um genocídio.

Não podemos subestimar o poder de destruição social do racismo e do sexismo que fundamentam, por exemplo, a absolvição dos policiais que assassinaram e arrastaram o corpo de Cláudia Silva Ferreira, pelas ruas do Rio de Janeiro há exatos dez anos. Justamente em março, mês de todas as mulheres e de luta contra a discriminação racial.

Poder fazer lembrar é disputar futuros e não apenas o passado. Portanto, lembrar apenas não basta. A memória só é efetivo instrumento de promoção de justiça e verdade se servir para a eliminação das desigualdades nos termos em que elas se apresentam.

Cláudia Ferreira, mulher negra, periférica mãe de quatro filhos, teria hoje 48 anos. Lembraremos.

“Perigo! Nativos, indianos e pessoas de cor. Se vocês entrarem nessas instalações à noite, vocês serão dados como desaparecidos. Guardas armados vão atirar e cães selvagens vão devorar o cadáver. Vocês foram avisados!”. Era o que se lia em sinalizações públicas na África do Sul anos antes do Massacre de Sharpeville, ocorrido em 21 de março de 1960, na cidade de Johanesburgo.

O protesto convocado pelo Congresso Pan-Africano buscava confrontar, pacificamente, violações cometidas por autoridades públicas do apartheid. O regime de segregação racial imposto pelo Partido Nacional, de extrema-direita, entre 1948 e 1994, agravava a aplicação da já antiga Lei do Passe. Pessoas negras eram obrigadas a portar um passaporte por meio do qual se limitavam o espaço e o horário de circulação dentro do próprio país.

Memorial das vítimas do Massacre de Sharpeville, na África, em 1960, no cemitério Phelindaba, que deixou 69 pessoas mortas. (Photo by OLYMPIA DE MAISMONT / AFP) Foto: OLYMPIA DE MAISMONT / AFP

A brutal reação policial naquele dia resultou na morte de 69 manifestantes, incluindo 8 mulheres e 10 crianças, além de cerca de 180 feridos. A indignação tomou proporções internacionais e, em 1966, a Organização das Nações Unidas (ONU) fez da data o Dia Internacional de Luta pela Eliminação da Discriminação Racial.

Dalí em diante, um número crescente de gente em todo o mundo se somou à luta. Dar fim à legalidade do apartheid, porém, custou mais três décadas. Resultado, a África do Sul e os EUA, por razões próprias, foram tomados como sinônimos de racismo.

Lembrar disso, curiosamente, se tornou fundamental tanto para criticar os casos específicos quanto para anistiar formas dissimuladas de produzir desigualdades até mais severas. No Brasil, muitos tentaram se valer dos dois exemplos para reafirmar o “mito da democracia racial”. Não conseguiram sustentar a farsa.

A professora Ana Flávia Magalhães Pinto, diretora do Arquivo Nacional, afirma que a sociedade não pode subestimar o poder de destruição social do racismo e do sexismo. FOTO: WILTON JUNIOR/ESTADÃO Foto: Wilton Junior

O protesto de ativistas negras e negros, ao denunciar o racismo brasileiro, falou mais alto. A eloquência dos números e das memórias também tem sido determinante para sustentar o argumento e os embates. Ocorre que, mesmo assim, ainda estamos longe da saída desse impasse que coloca em xeque a própria viabilidade do Brasil como nação, como dito na imprensa negra desde o século 19.

Numa sociedade antirracista de fato, não cabe alimentar a ilusão de que a cidadania e a democracia estão asseguradas quando o quantitativo e a proporção de mortes de pessoas negras em relação a não negras dão os contornos de um genocídio.

Não podemos subestimar o poder de destruição social do racismo e do sexismo que fundamentam, por exemplo, a absolvição dos policiais que assassinaram e arrastaram o corpo de Cláudia Silva Ferreira, pelas ruas do Rio de Janeiro há exatos dez anos. Justamente em março, mês de todas as mulheres e de luta contra a discriminação racial.

Poder fazer lembrar é disputar futuros e não apenas o passado. Portanto, lembrar apenas não basta. A memória só é efetivo instrumento de promoção de justiça e verdade se servir para a eliminação das desigualdades nos termos em que elas se apresentam.

Cláudia Ferreira, mulher negra, periférica mãe de quatro filhos, teria hoje 48 anos. Lembraremos.

“Perigo! Nativos, indianos e pessoas de cor. Se vocês entrarem nessas instalações à noite, vocês serão dados como desaparecidos. Guardas armados vão atirar e cães selvagens vão devorar o cadáver. Vocês foram avisados!”. Era o que se lia em sinalizações públicas na África do Sul anos antes do Massacre de Sharpeville, ocorrido em 21 de março de 1960, na cidade de Johanesburgo.

O protesto convocado pelo Congresso Pan-Africano buscava confrontar, pacificamente, violações cometidas por autoridades públicas do apartheid. O regime de segregação racial imposto pelo Partido Nacional, de extrema-direita, entre 1948 e 1994, agravava a aplicação da já antiga Lei do Passe. Pessoas negras eram obrigadas a portar um passaporte por meio do qual se limitavam o espaço e o horário de circulação dentro do próprio país.

Memorial das vítimas do Massacre de Sharpeville, na África, em 1960, no cemitério Phelindaba, que deixou 69 pessoas mortas. (Photo by OLYMPIA DE MAISMONT / AFP) Foto: OLYMPIA DE MAISMONT / AFP

A brutal reação policial naquele dia resultou na morte de 69 manifestantes, incluindo 8 mulheres e 10 crianças, além de cerca de 180 feridos. A indignação tomou proporções internacionais e, em 1966, a Organização das Nações Unidas (ONU) fez da data o Dia Internacional de Luta pela Eliminação da Discriminação Racial.

Dalí em diante, um número crescente de gente em todo o mundo se somou à luta. Dar fim à legalidade do apartheid, porém, custou mais três décadas. Resultado, a África do Sul e os EUA, por razões próprias, foram tomados como sinônimos de racismo.

Lembrar disso, curiosamente, se tornou fundamental tanto para criticar os casos específicos quanto para anistiar formas dissimuladas de produzir desigualdades até mais severas. No Brasil, muitos tentaram se valer dos dois exemplos para reafirmar o “mito da democracia racial”. Não conseguiram sustentar a farsa.

A professora Ana Flávia Magalhães Pinto, diretora do Arquivo Nacional, afirma que a sociedade não pode subestimar o poder de destruição social do racismo e do sexismo. FOTO: WILTON JUNIOR/ESTADÃO Foto: Wilton Junior

O protesto de ativistas negras e negros, ao denunciar o racismo brasileiro, falou mais alto. A eloquência dos números e das memórias também tem sido determinante para sustentar o argumento e os embates. Ocorre que, mesmo assim, ainda estamos longe da saída desse impasse que coloca em xeque a própria viabilidade do Brasil como nação, como dito na imprensa negra desde o século 19.

Numa sociedade antirracista de fato, não cabe alimentar a ilusão de que a cidadania e a democracia estão asseguradas quando o quantitativo e a proporção de mortes de pessoas negras em relação a não negras dão os contornos de um genocídio.

Não podemos subestimar o poder de destruição social do racismo e do sexismo que fundamentam, por exemplo, a absolvição dos policiais que assassinaram e arrastaram o corpo de Cláudia Silva Ferreira, pelas ruas do Rio de Janeiro há exatos dez anos. Justamente em março, mês de todas as mulheres e de luta contra a discriminação racial.

Poder fazer lembrar é disputar futuros e não apenas o passado. Portanto, lembrar apenas não basta. A memória só é efetivo instrumento de promoção de justiça e verdade se servir para a eliminação das desigualdades nos termos em que elas se apresentam.

Cláudia Ferreira, mulher negra, periférica mãe de quatro filhos, teria hoje 48 anos. Lembraremos.

Opinião por Ana Flávia Magalhães Pinto

Historiadora, professora da UnB, diretora-geral do Arquivo Nacional/MGI

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