Acidente de Capitólio pressiona autoridades a avaliar riscos geológicos em atrações turísticas


Tragédia com 10 mortos em Minas Gerais faz crescer discussão sobre a fiscalização em cânions, chapadas, escarpas e falésias. No exterior, a Espanha tem um mapa amplo, enquanto os EUA monitoram parques

Por Ítalo Lo Re

O acidente em Capitólio (MG), onde a queda de uma rocha matou dez pessoas no sábado, colocou pressão para que autoridades avaliem riscos geológicos em áreas turísticas, como cânions, chapadas, escarpas e falésias. O governo federal pediu a Estados e municípios que indiquem pontos de visitação prioritários e gestores locais já organizam vistorias. Segundo especialistas, lacunas nas regras para a inspeção dessas áreas levam à falta de medidas preventivas e fiscalização pelo poder público e expõem turistas e profissionais do setor ao perigo de novas tragédias.

Cobrado após as mortes no interior de Minas, o ministro do Turismo, Gilson Machado Neto, se reuniu com secretários estaduais de turismo para discutir o tema. Ele disse que vai pedir laudos sobre eventuais riscos e também buscar maior formalização desse setor econômico – o que facilita o cumprimento de regras de passeios e uso de equipamentos de proteção, por exemplo.

Outra promessa do ministro é defender a inclusão do turismo no Plano Nacional de Proteção e Defesa Civil. Este documento federal, cujo término da elaboração é previsto para junho de 2023, vai reunir diretrizes para a gestão de riscos e a prevenção de desastres.

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Uma das prioridades discutidas na reunião de ministros e secretários é a inspeção na região do Xingó, área com cânions banhada pelo Rio São Francisco que recebe passeios de barco e também abriga pontos de mergulho. Em alguns casos, as embarcações chegam bem perto dos paredões.

O governo de Sergipe relata que os gestores locais têm sido “muito demandados”, juntamente com Alagoas, nos últimos dias.  Segundo o governo alagoano, haverá uma operação integrada no Xingó com a participação das Defesas Civis dos dois Estados, com apoio do Corpo de Bombeiros, Marinha e outros órgãos competentes.

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Professores de universidades públicas ouvidos pelo Estadão já relatam a formação de uma coalizão, convocada por secretários estaduais de Turismo, para inspecionar não só o Xingó, mas outras áreas. As vistorias devem ter suporte do Serviço Geológico do Brasil (CPRM), órgão vinculado ao governo federal responsável por inspeções técnicas.

Após o caso de Capitólio, o CPRM destacou que, conforme a legislação, mapeamentos de risco feitos pelo órgão contemplam exclusivamente regiões com imóveis voltados à ocupação humana, como casas, prédios, hospitais, escolas e comércio. Para vistoriar áreas turísticas não urbanizadas, o órgão precisa ser acionado pelos governos locais. O CPRM diz que a cidade mineira não havia pedido apoio.

Prefeito de Capitólio, Cristiano Geraldo da Silva (PP) afirmou que não foi feito plano de risco geológico pois não houve antes ocorrências do tipo. Especialistas dizem que os mapas são justamente para se antecipar a riscos. Marinha, Polícia Civil e Ministério Público de Minas apuram o caso.  Em 2019, um decreto fixou o número de lanchas permitidas, tempo de permanência, velocidade, entre outros pontos. Após as mortes, o prefeito se reuniu com gestores de cidades vizinhas para discutir a segurança do turismo na região.

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Bombeiros na região do Capitólio onde bloco de rocha desabou no último sábado, 7. Após tragédia, autoridades são pressionadas a monitorar áreas de riscos Foto: Reuters

Responsabilidades

“A fiscalização em espaços turísticos no Brasil é de quem a área pertence. No caso (de sábado), a responsabilidade era da prefeitura de Capitólio, de fiscalização e eventual estudo de risco. O problema é que assim depende muito do que prevê a legislação de cada Estado ou prefeitura”, diz a professora do Instituto de Geociências da Universidade de São Paulo (USP) Maria da Glória Garcia. “Se não há legislação que obrigue a fazer isso, ninguém vai fazer.”

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Diretor executivo da Associação Brasileira de Empresas de Ecoturismo e Turismo de Aventura, Luiz Del Vigna diz que, por mais que haja 42 normas técnicas voltadas ao turismo de aventura no País, “não há comprometimento” de grande parte dos prefeitos.

No Parque Nacional da Chapada dos Guimarães (MT), órgãos federal, estadual e municipal fizeram na segunda-feira vistoria técnica no Portão do Inferno, área com mirante, a mais de 70 metros de altura e muito buscada por turistas. Foram constatados pequenos deslizamentos de terra – considerados normais para a época de chuva. A Defesa Civil participará da criação de grupo para propor medidas preventivas.

Chefe do parque, Cintia Brazão diz que o Instituto Chico Mendes, órgão do Ministério do Meio Ambiente já tem monitorado áreas de risco na unidade, principalmente nas áreas de visitação. “Mudamos trilhas de posição para reforçar a segurança dos visitantes e, quando necessário, pedimos ajuda aos nossos parceiros para realizar vistorias e assim dispor de melhores opções nas decisões técnicas.”

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O ICMBio informou também que nos parques nacionais das Chapadas dos Veadeiros (GO) e Diamantina (BA), há interdições temporárias, sinalizações e recuperações de trilha quando há e deslizamentos, pequenos acidentes ou outras situações que demandem ações de segurança. Em locais com riscos, “há cordas que isolam o acesso, além das sinalizações e mapas para orientação dos visitantes”, diz o instituto.

Na Baía dos Golfinhos, uma das praias mais movimentadas do distrito de Pipa (RN), um trecho de falésia desmoronou nesta semana. Não houve vítimas e a área foi isolada pela Defesa Civil da cidade de Tibau do Sul. Pedaços de pedra ruíram perto do local onde um casal e um bebê morreram soterrados em novembro de 2020, após grande volume de terra e material rochoso se desprenderem.

Estudo geológico sobre 28 empreendimentos erguidos em cima e no entorno das falésias, feito por uma empresa contratada pela prefeitura, deve ficar pronto até o fim do mês. As estruturas podem ser até demolidas, a depender da recomendação técnica.

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Na quarta-feira, equipe coordenada pelo professor de Geografia Rodrigo Amorim, da Universidade Federal do Rio Grande do Norte (UFRN), fez vistoria no local. A parceria com técnicos da universidade foi feita após a morte da família. Segundo Amorim, novos pontos críticos foram mapeados na região.

“Não se pode ficar muito perto da base nem das extremidades. Modificações na estrutura causadas pelas construções irregulares, sem licenciamento adequado, também se transformam em potenciais causadores de acidentes como deslizamentos e desmoronamentos”, explica o professor.

O trabalho da equipe vai embasar ações do Ministério de Desenvolvimento Regional, que deve financiar obras de reestruturação da área. O Ministério Público Federal também acompanha o caso. 

Monitoramento

“Essas paisagens têm de ser contempladas com devidos cuidados. Existem áreas mais instáveis; outras, nem tanto. Mas não se sabe o que é o que, porque não há mapeamento de risco sistemático no Brasil”, afirma o doutor em Geodinâmica e Geofísica e professor da Universidade Federal do Ceará (UFC) Rubson Maia. Em algumas áreas no Nordeste, exemplifica, bugues transitam bem na beirada das falésias. “E do ponto de vista jurídico, é uma confusão. A legislação federal diz uma coisa, o Código Florestal diz outra, pode ter legislação estadual...”, diz.

Para Allaoua Saadi, do Instituto de Geociências da Federal de Minas (UFMG), o monitoramento de locais iguais a Capitólio deve incluir três frentes: delimitar áreas acessíveis; divulgar riscos e sua localização; e acompanhamento do estado da paisagem. “Em toda região com relevo parecido com o do cânion, as rochas podem apresentar suscetibilidade a desenvolver escorregamentos.”

Espanha tem mapa amplo, enquanto EUA monitoram parques

Diferentemente do Brasil, em outros países há políticas públicas estruturadas para monitorar os riscos de forma proativa não só em áreas residenciais, mas também em pontos turísticos. Segundo especialistas, embora o tamanho do nosso território dificulte fazer mapeamentos tão detalhados quanto em alguns países europeus, seria importante ter esse trabalho ao menos nas áreas principais.

Para Maria da Glória Garcia, professora do Instituto de Geociências da USP, a Espanha é uma das referências no setor. O Serviço Geológico do país, diz ela, é responsável pelo Inventário do Patrimônio Geológico, que pode ter vários tipos de usos. O geoturístico, reforça, é um deles. O mapa tem boa cobertura do território em termos de análise, o que dá mais segurança a empresas e pessoas na tomada de decisões no setor turístico.

Na França e na Itália, também foram feitos mapas de risco que cobrem boa parte dos pontos turísticos espalhados pelo território, destaca a geóloga Joana Sánchez, professora da Universidade Federal de Goiás (UFG) e integrante do grupo de pesquisadores de geossítios da Unesco, ligada às Nações Unidas (ONU).

O Canadá é outro exemplo de país que se dedica a rastrear riscos em suas unidades de conservação. E as agências americanas, continua Joana, também passaram a monitorar processos de escorregamento dentro de parques nacionais após eventos climáticos mais extremos. “O serviço geológico dos Estados Unidos é um exemplo de mapeamento”, afirma a professora.

“Nos Estados Unidos, existe a cultura da visitação há muito tempo”, explica Rubson Maia, doutor em Geodinâmica e Geofísica e professor da UFC. “Ao mesmo tempo, há um problema que é quase generalizado: a concepção que a população tem acerca das paisagens. Quantos mais íngremes forem as paisagens, mais bonitas elas são, mas ao mesmo tempo mais perigosas. Isso tem de ser comunicado.” / COLABORARAM FÁTIMA LESSA E RICARDO ARAÚJO, ESPECIAIS PARA O ESTADÃO

O acidente em Capitólio (MG), onde a queda de uma rocha matou dez pessoas no sábado, colocou pressão para que autoridades avaliem riscos geológicos em áreas turísticas, como cânions, chapadas, escarpas e falésias. O governo federal pediu a Estados e municípios que indiquem pontos de visitação prioritários e gestores locais já organizam vistorias. Segundo especialistas, lacunas nas regras para a inspeção dessas áreas levam à falta de medidas preventivas e fiscalização pelo poder público e expõem turistas e profissionais do setor ao perigo de novas tragédias.

Cobrado após as mortes no interior de Minas, o ministro do Turismo, Gilson Machado Neto, se reuniu com secretários estaduais de turismo para discutir o tema. Ele disse que vai pedir laudos sobre eventuais riscos e também buscar maior formalização desse setor econômico – o que facilita o cumprimento de regras de passeios e uso de equipamentos de proteção, por exemplo.

Outra promessa do ministro é defender a inclusão do turismo no Plano Nacional de Proteção e Defesa Civil. Este documento federal, cujo término da elaboração é previsto para junho de 2023, vai reunir diretrizes para a gestão de riscos e a prevenção de desastres.

Uma das prioridades discutidas na reunião de ministros e secretários é a inspeção na região do Xingó, área com cânions banhada pelo Rio São Francisco que recebe passeios de barco e também abriga pontos de mergulho. Em alguns casos, as embarcações chegam bem perto dos paredões.

O governo de Sergipe relata que os gestores locais têm sido “muito demandados”, juntamente com Alagoas, nos últimos dias.  Segundo o governo alagoano, haverá uma operação integrada no Xingó com a participação das Defesas Civis dos dois Estados, com apoio do Corpo de Bombeiros, Marinha e outros órgãos competentes.

Professores de universidades públicas ouvidos pelo Estadão já relatam a formação de uma coalizão, convocada por secretários estaduais de Turismo, para inspecionar não só o Xingó, mas outras áreas. As vistorias devem ter suporte do Serviço Geológico do Brasil (CPRM), órgão vinculado ao governo federal responsável por inspeções técnicas.

Após o caso de Capitólio, o CPRM destacou que, conforme a legislação, mapeamentos de risco feitos pelo órgão contemplam exclusivamente regiões com imóveis voltados à ocupação humana, como casas, prédios, hospitais, escolas e comércio. Para vistoriar áreas turísticas não urbanizadas, o órgão precisa ser acionado pelos governos locais. O CPRM diz que a cidade mineira não havia pedido apoio.

Prefeito de Capitólio, Cristiano Geraldo da Silva (PP) afirmou que não foi feito plano de risco geológico pois não houve antes ocorrências do tipo. Especialistas dizem que os mapas são justamente para se antecipar a riscos. Marinha, Polícia Civil e Ministério Público de Minas apuram o caso.  Em 2019, um decreto fixou o número de lanchas permitidas, tempo de permanência, velocidade, entre outros pontos. Após as mortes, o prefeito se reuniu com gestores de cidades vizinhas para discutir a segurança do turismo na região.

Bombeiros na região do Capitólio onde bloco de rocha desabou no último sábado, 7. Após tragédia, autoridades são pressionadas a monitorar áreas de riscos Foto: Reuters

Responsabilidades

“A fiscalização em espaços turísticos no Brasil é de quem a área pertence. No caso (de sábado), a responsabilidade era da prefeitura de Capitólio, de fiscalização e eventual estudo de risco. O problema é que assim depende muito do que prevê a legislação de cada Estado ou prefeitura”, diz a professora do Instituto de Geociências da Universidade de São Paulo (USP) Maria da Glória Garcia. “Se não há legislação que obrigue a fazer isso, ninguém vai fazer.”

Diretor executivo da Associação Brasileira de Empresas de Ecoturismo e Turismo de Aventura, Luiz Del Vigna diz que, por mais que haja 42 normas técnicas voltadas ao turismo de aventura no País, “não há comprometimento” de grande parte dos prefeitos.

No Parque Nacional da Chapada dos Guimarães (MT), órgãos federal, estadual e municipal fizeram na segunda-feira vistoria técnica no Portão do Inferno, área com mirante, a mais de 70 metros de altura e muito buscada por turistas. Foram constatados pequenos deslizamentos de terra – considerados normais para a época de chuva. A Defesa Civil participará da criação de grupo para propor medidas preventivas.

Chefe do parque, Cintia Brazão diz que o Instituto Chico Mendes, órgão do Ministério do Meio Ambiente já tem monitorado áreas de risco na unidade, principalmente nas áreas de visitação. “Mudamos trilhas de posição para reforçar a segurança dos visitantes e, quando necessário, pedimos ajuda aos nossos parceiros para realizar vistorias e assim dispor de melhores opções nas decisões técnicas.”

O ICMBio informou também que nos parques nacionais das Chapadas dos Veadeiros (GO) e Diamantina (BA), há interdições temporárias, sinalizações e recuperações de trilha quando há e deslizamentos, pequenos acidentes ou outras situações que demandem ações de segurança. Em locais com riscos, “há cordas que isolam o acesso, além das sinalizações e mapas para orientação dos visitantes”, diz o instituto.

Na Baía dos Golfinhos, uma das praias mais movimentadas do distrito de Pipa (RN), um trecho de falésia desmoronou nesta semana. Não houve vítimas e a área foi isolada pela Defesa Civil da cidade de Tibau do Sul. Pedaços de pedra ruíram perto do local onde um casal e um bebê morreram soterrados em novembro de 2020, após grande volume de terra e material rochoso se desprenderem.

Estudo geológico sobre 28 empreendimentos erguidos em cima e no entorno das falésias, feito por uma empresa contratada pela prefeitura, deve ficar pronto até o fim do mês. As estruturas podem ser até demolidas, a depender da recomendação técnica.

Na quarta-feira, equipe coordenada pelo professor de Geografia Rodrigo Amorim, da Universidade Federal do Rio Grande do Norte (UFRN), fez vistoria no local. A parceria com técnicos da universidade foi feita após a morte da família. Segundo Amorim, novos pontos críticos foram mapeados na região.

“Não se pode ficar muito perto da base nem das extremidades. Modificações na estrutura causadas pelas construções irregulares, sem licenciamento adequado, também se transformam em potenciais causadores de acidentes como deslizamentos e desmoronamentos”, explica o professor.

O trabalho da equipe vai embasar ações do Ministério de Desenvolvimento Regional, que deve financiar obras de reestruturação da área. O Ministério Público Federal também acompanha o caso. 

Monitoramento

“Essas paisagens têm de ser contempladas com devidos cuidados. Existem áreas mais instáveis; outras, nem tanto. Mas não se sabe o que é o que, porque não há mapeamento de risco sistemático no Brasil”, afirma o doutor em Geodinâmica e Geofísica e professor da Universidade Federal do Ceará (UFC) Rubson Maia. Em algumas áreas no Nordeste, exemplifica, bugues transitam bem na beirada das falésias. “E do ponto de vista jurídico, é uma confusão. A legislação federal diz uma coisa, o Código Florestal diz outra, pode ter legislação estadual...”, diz.

Para Allaoua Saadi, do Instituto de Geociências da Federal de Minas (UFMG), o monitoramento de locais iguais a Capitólio deve incluir três frentes: delimitar áreas acessíveis; divulgar riscos e sua localização; e acompanhamento do estado da paisagem. “Em toda região com relevo parecido com o do cânion, as rochas podem apresentar suscetibilidade a desenvolver escorregamentos.”

Espanha tem mapa amplo, enquanto EUA monitoram parques

Diferentemente do Brasil, em outros países há políticas públicas estruturadas para monitorar os riscos de forma proativa não só em áreas residenciais, mas também em pontos turísticos. Segundo especialistas, embora o tamanho do nosso território dificulte fazer mapeamentos tão detalhados quanto em alguns países europeus, seria importante ter esse trabalho ao menos nas áreas principais.

Para Maria da Glória Garcia, professora do Instituto de Geociências da USP, a Espanha é uma das referências no setor. O Serviço Geológico do país, diz ela, é responsável pelo Inventário do Patrimônio Geológico, que pode ter vários tipos de usos. O geoturístico, reforça, é um deles. O mapa tem boa cobertura do território em termos de análise, o que dá mais segurança a empresas e pessoas na tomada de decisões no setor turístico.

Na França e na Itália, também foram feitos mapas de risco que cobrem boa parte dos pontos turísticos espalhados pelo território, destaca a geóloga Joana Sánchez, professora da Universidade Federal de Goiás (UFG) e integrante do grupo de pesquisadores de geossítios da Unesco, ligada às Nações Unidas (ONU).

O Canadá é outro exemplo de país que se dedica a rastrear riscos em suas unidades de conservação. E as agências americanas, continua Joana, também passaram a monitorar processos de escorregamento dentro de parques nacionais após eventos climáticos mais extremos. “O serviço geológico dos Estados Unidos é um exemplo de mapeamento”, afirma a professora.

“Nos Estados Unidos, existe a cultura da visitação há muito tempo”, explica Rubson Maia, doutor em Geodinâmica e Geofísica e professor da UFC. “Ao mesmo tempo, há um problema que é quase generalizado: a concepção que a população tem acerca das paisagens. Quantos mais íngremes forem as paisagens, mais bonitas elas são, mas ao mesmo tempo mais perigosas. Isso tem de ser comunicado.” / COLABORARAM FÁTIMA LESSA E RICARDO ARAÚJO, ESPECIAIS PARA O ESTADÃO

O acidente em Capitólio (MG), onde a queda de uma rocha matou dez pessoas no sábado, colocou pressão para que autoridades avaliem riscos geológicos em áreas turísticas, como cânions, chapadas, escarpas e falésias. O governo federal pediu a Estados e municípios que indiquem pontos de visitação prioritários e gestores locais já organizam vistorias. Segundo especialistas, lacunas nas regras para a inspeção dessas áreas levam à falta de medidas preventivas e fiscalização pelo poder público e expõem turistas e profissionais do setor ao perigo de novas tragédias.

Cobrado após as mortes no interior de Minas, o ministro do Turismo, Gilson Machado Neto, se reuniu com secretários estaduais de turismo para discutir o tema. Ele disse que vai pedir laudos sobre eventuais riscos e também buscar maior formalização desse setor econômico – o que facilita o cumprimento de regras de passeios e uso de equipamentos de proteção, por exemplo.

Outra promessa do ministro é defender a inclusão do turismo no Plano Nacional de Proteção e Defesa Civil. Este documento federal, cujo término da elaboração é previsto para junho de 2023, vai reunir diretrizes para a gestão de riscos e a prevenção de desastres.

Uma das prioridades discutidas na reunião de ministros e secretários é a inspeção na região do Xingó, área com cânions banhada pelo Rio São Francisco que recebe passeios de barco e também abriga pontos de mergulho. Em alguns casos, as embarcações chegam bem perto dos paredões.

O governo de Sergipe relata que os gestores locais têm sido “muito demandados”, juntamente com Alagoas, nos últimos dias.  Segundo o governo alagoano, haverá uma operação integrada no Xingó com a participação das Defesas Civis dos dois Estados, com apoio do Corpo de Bombeiros, Marinha e outros órgãos competentes.

Professores de universidades públicas ouvidos pelo Estadão já relatam a formação de uma coalizão, convocada por secretários estaduais de Turismo, para inspecionar não só o Xingó, mas outras áreas. As vistorias devem ter suporte do Serviço Geológico do Brasil (CPRM), órgão vinculado ao governo federal responsável por inspeções técnicas.

Após o caso de Capitólio, o CPRM destacou que, conforme a legislação, mapeamentos de risco feitos pelo órgão contemplam exclusivamente regiões com imóveis voltados à ocupação humana, como casas, prédios, hospitais, escolas e comércio. Para vistoriar áreas turísticas não urbanizadas, o órgão precisa ser acionado pelos governos locais. O CPRM diz que a cidade mineira não havia pedido apoio.

Prefeito de Capitólio, Cristiano Geraldo da Silva (PP) afirmou que não foi feito plano de risco geológico pois não houve antes ocorrências do tipo. Especialistas dizem que os mapas são justamente para se antecipar a riscos. Marinha, Polícia Civil e Ministério Público de Minas apuram o caso.  Em 2019, um decreto fixou o número de lanchas permitidas, tempo de permanência, velocidade, entre outros pontos. Após as mortes, o prefeito se reuniu com gestores de cidades vizinhas para discutir a segurança do turismo na região.

Bombeiros na região do Capitólio onde bloco de rocha desabou no último sábado, 7. Após tragédia, autoridades são pressionadas a monitorar áreas de riscos Foto: Reuters

Responsabilidades

“A fiscalização em espaços turísticos no Brasil é de quem a área pertence. No caso (de sábado), a responsabilidade era da prefeitura de Capitólio, de fiscalização e eventual estudo de risco. O problema é que assim depende muito do que prevê a legislação de cada Estado ou prefeitura”, diz a professora do Instituto de Geociências da Universidade de São Paulo (USP) Maria da Glória Garcia. “Se não há legislação que obrigue a fazer isso, ninguém vai fazer.”

Diretor executivo da Associação Brasileira de Empresas de Ecoturismo e Turismo de Aventura, Luiz Del Vigna diz que, por mais que haja 42 normas técnicas voltadas ao turismo de aventura no País, “não há comprometimento” de grande parte dos prefeitos.

No Parque Nacional da Chapada dos Guimarães (MT), órgãos federal, estadual e municipal fizeram na segunda-feira vistoria técnica no Portão do Inferno, área com mirante, a mais de 70 metros de altura e muito buscada por turistas. Foram constatados pequenos deslizamentos de terra – considerados normais para a época de chuva. A Defesa Civil participará da criação de grupo para propor medidas preventivas.

Chefe do parque, Cintia Brazão diz que o Instituto Chico Mendes, órgão do Ministério do Meio Ambiente já tem monitorado áreas de risco na unidade, principalmente nas áreas de visitação. “Mudamos trilhas de posição para reforçar a segurança dos visitantes e, quando necessário, pedimos ajuda aos nossos parceiros para realizar vistorias e assim dispor de melhores opções nas decisões técnicas.”

O ICMBio informou também que nos parques nacionais das Chapadas dos Veadeiros (GO) e Diamantina (BA), há interdições temporárias, sinalizações e recuperações de trilha quando há e deslizamentos, pequenos acidentes ou outras situações que demandem ações de segurança. Em locais com riscos, “há cordas que isolam o acesso, além das sinalizações e mapas para orientação dos visitantes”, diz o instituto.

Na Baía dos Golfinhos, uma das praias mais movimentadas do distrito de Pipa (RN), um trecho de falésia desmoronou nesta semana. Não houve vítimas e a área foi isolada pela Defesa Civil da cidade de Tibau do Sul. Pedaços de pedra ruíram perto do local onde um casal e um bebê morreram soterrados em novembro de 2020, após grande volume de terra e material rochoso se desprenderem.

Estudo geológico sobre 28 empreendimentos erguidos em cima e no entorno das falésias, feito por uma empresa contratada pela prefeitura, deve ficar pronto até o fim do mês. As estruturas podem ser até demolidas, a depender da recomendação técnica.

Na quarta-feira, equipe coordenada pelo professor de Geografia Rodrigo Amorim, da Universidade Federal do Rio Grande do Norte (UFRN), fez vistoria no local. A parceria com técnicos da universidade foi feita após a morte da família. Segundo Amorim, novos pontos críticos foram mapeados na região.

“Não se pode ficar muito perto da base nem das extremidades. Modificações na estrutura causadas pelas construções irregulares, sem licenciamento adequado, também se transformam em potenciais causadores de acidentes como deslizamentos e desmoronamentos”, explica o professor.

O trabalho da equipe vai embasar ações do Ministério de Desenvolvimento Regional, que deve financiar obras de reestruturação da área. O Ministério Público Federal também acompanha o caso. 

Monitoramento

“Essas paisagens têm de ser contempladas com devidos cuidados. Existem áreas mais instáveis; outras, nem tanto. Mas não se sabe o que é o que, porque não há mapeamento de risco sistemático no Brasil”, afirma o doutor em Geodinâmica e Geofísica e professor da Universidade Federal do Ceará (UFC) Rubson Maia. Em algumas áreas no Nordeste, exemplifica, bugues transitam bem na beirada das falésias. “E do ponto de vista jurídico, é uma confusão. A legislação federal diz uma coisa, o Código Florestal diz outra, pode ter legislação estadual...”, diz.

Para Allaoua Saadi, do Instituto de Geociências da Federal de Minas (UFMG), o monitoramento de locais iguais a Capitólio deve incluir três frentes: delimitar áreas acessíveis; divulgar riscos e sua localização; e acompanhamento do estado da paisagem. “Em toda região com relevo parecido com o do cânion, as rochas podem apresentar suscetibilidade a desenvolver escorregamentos.”

Espanha tem mapa amplo, enquanto EUA monitoram parques

Diferentemente do Brasil, em outros países há políticas públicas estruturadas para monitorar os riscos de forma proativa não só em áreas residenciais, mas também em pontos turísticos. Segundo especialistas, embora o tamanho do nosso território dificulte fazer mapeamentos tão detalhados quanto em alguns países europeus, seria importante ter esse trabalho ao menos nas áreas principais.

Para Maria da Glória Garcia, professora do Instituto de Geociências da USP, a Espanha é uma das referências no setor. O Serviço Geológico do país, diz ela, é responsável pelo Inventário do Patrimônio Geológico, que pode ter vários tipos de usos. O geoturístico, reforça, é um deles. O mapa tem boa cobertura do território em termos de análise, o que dá mais segurança a empresas e pessoas na tomada de decisões no setor turístico.

Na França e na Itália, também foram feitos mapas de risco que cobrem boa parte dos pontos turísticos espalhados pelo território, destaca a geóloga Joana Sánchez, professora da Universidade Federal de Goiás (UFG) e integrante do grupo de pesquisadores de geossítios da Unesco, ligada às Nações Unidas (ONU).

O Canadá é outro exemplo de país que se dedica a rastrear riscos em suas unidades de conservação. E as agências americanas, continua Joana, também passaram a monitorar processos de escorregamento dentro de parques nacionais após eventos climáticos mais extremos. “O serviço geológico dos Estados Unidos é um exemplo de mapeamento”, afirma a professora.

“Nos Estados Unidos, existe a cultura da visitação há muito tempo”, explica Rubson Maia, doutor em Geodinâmica e Geofísica e professor da UFC. “Ao mesmo tempo, há um problema que é quase generalizado: a concepção que a população tem acerca das paisagens. Quantos mais íngremes forem as paisagens, mais bonitas elas são, mas ao mesmo tempo mais perigosas. Isso tem de ser comunicado.” / COLABORARAM FÁTIMA LESSA E RICARDO ARAÚJO, ESPECIAIS PARA O ESTADÃO

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