Análise - A extinta CGU, o CNJ e o futuro da transparência


'Dizem que a luz do sol é o melhor dos desinfetantes'. A famosa frase do juiz Louis Brandeis foi publicada em um artigo da Revista americana 'Harper's Weekly' em 1913. A preocupação do juiz ao escrever o artigo era "com a perversidade das pessoas protegendo malfeitores e fazendo-os passar (ou deixando-os passar) por honestos."  A frase é recorrentemente utilizada para defender os benefícios da transparência e acesso à informação pública como ferramentas de prevenção e combate à corrupção. De fato, o acesso à informação pública é responsável pelo revelação de uma série casos de corrupção e malversação de recursos públicos ao redor do globo.  Na Inglaterra, por exemplo, com a entrada em vigor da Lei de Acesso à Informação em 2005, três jornalistas solicitaram à House of Commons acesso detalhado dos gastos públicos com transporte e morada funcional dos parlamentares. Os dados foram disponibilizados apenas em 2009, após uma longa disputa administrativa e judicial. O acesso aos dados levou ao caso conhecido como Expenses Scandal, o Escândalo dos Gastos. Trata-se de um dos maiores escândalos de apropriação indevida de recursos públicos da história da Inglaterra. O escândalo levou à renúncia do presidente da House of Commons (Câmara dos Representantes), de parlamentares do Partido dos Trabalhadores e do Partido Conservador, à desistência de futuras candidaturas à reeleição, e à criação de um órgão dedicado exclusivamente à controlar os gastos dos parlamentares. No Brasil, a Lei de Acesso à Informação (LAI) entrou em vigor há quatro anos. Em maio de 2012, o acesso à informação pública passou a ser a regra, e o sigilo a exceção. Aprovada em novembro de 2011, o período entre a aprovação e a entrada em vigor da LAI no Brasil foi curto. Apenas seis meses. Na Inglaterra, por exemplo, foram cinco anos. Para garantir que a administração federal estaria pronta para assegurar aos cidadãos seu direito de acesso quando a lei entrasse em vigor, um trabalho grande foi realizado. O grau de sigilo das informações públicas precisou ser adequado aos termos da LAI, órgãos e entidades precisaram preparar dados e documentos para serem divulgados de maneira proativa, servidores públicos foram conscientizados e treinados para abandonar a cultura do sigilo e mergulhar na cultura do acesso, ferramentas foram desenvolvidas, cursos preparados, tudo para que a LAI não apenas entrasse em vigor formalmente, mas para que valesse de forma efetiva. No processo de preparação do Executivo federal para entrada em vigor da LAI, a Controladoria Geral da União (hoje extinta e com as funções transferidas ao Ministério da Transparência, Fiscalização e Controle) teve um papel absolutamente central. Não simplesmente por ter se preparado para responder os pedidos de acesso dos cidadãos, mas porque preparou tecnicamente toda a administração pública federal para tanto. O e-SIC, Sistema Eletrônico do Serviço de Informação ao Cidadão, criado pela ex-CGU para receber os pedidos de acesso à informação dos cidadãos, foi disponibilizado para todo Executivo federal. Mais de 192 mil pessoas fizeram solicitações de acesso ao Executivo federal utilizando o sistema. A ex-CGU tornou-se também instância recursal dos pedidos de acesso à informação no âmbito do Executivo federal. Mediante a negativa de acesso à informação pela autoridade máxima de um órgão ou entidade, a instância recursal é a extinta CGU. De maio de 2012 a abril de 2016, dos recursos de acesso à informação interpostos e conhecidos pela extinta CGU (2.627), em 57% dos casos o órgão decidiu em prol do acesso à informação por parte dos cidadãos. Mesmo antes da entrada em vigor da LAI, a ex-CGU incorporava o princípio da transparência e divulgava dados públicos aos cidadãos. Em 2004, o órgão criou o Portal da Transparência, que disponibiliza dados da execução orçamentária do governo federal de maneira facilitada para o cidadão. O portal evoluiu ao longo dos anos e antes de a LAI entrar em vigor, as remunerações individuais de cada servidor público do Executivo federal passaram a ser divulgadas. O compromisso da extinta CGU com a promoção da transparência é inegável, especialmente se o compararmos a instituições de outros poderes da República. Uma comparação possível seria com o Conselho Nacional de Justiça (CNJ). O Conselho Nacional de Justiça pode ser considerado o equivalente funcional no Judiciário da extinta CGU. Apesar de não ser de todo precisa, a comparação é válida quando pensamos no papel do CNJ para promover o acesso à informação e à transparência no âmbito do Poder Judiciário.  Em que pese haja tribunais mais transparentes que outros, o que observamos no CNJ, nas últimas gestões, foi uma disputa interna entre grupos pró e contra a efetiva abertura do Judiciário ao controle público. Por esse motivo, foram necessários três anos para aprovação de norma regulamentadora da LAI, e o resultado é um texto aquém do esperado.  A comparação entre o trabalho de transparência promovido pela ex-CGU e pelo CNJ é no momento pertinente por um motivo adicional. O atual ministro da Transparência, Fiscalização e Controle (ou, ex-CGU) foi o ouvidor do CNJ quando a LAI foi regulamentada no Conselho e participou das sessões de votação da regulamentação da LAI para o Judiciário. Na ocasião, os conselheiros do CNJ debateram extensivamente se os dados remuneratórios dos juízes e servidores do Judiciário deveriam ser disponibilizados na internet, da forma como o fazem o Executivo e o Legislativo federais. O CNJ entendeu que não, que os cidadãos deveriam se identificar para ter acesso a tais dados. Seguiu o entendimento o atual ministro da Transparência, Fiscalização e Controle, explicando que no caso valia uma "bilateralidade [para o acesso] que é sadia, é saudável, é cidadã."  Trata-se, a nosso ver, de uma ideia invertida que impõe ao cidadão o dever de ser transparente para ter acesso à informações de caráter estritamente público. A transparência é um ônus do Estado e não um dever do cidadão. É princípio constitucional a ideia de que a informação pública deve estar acessível a todos cidadãos, independentemente de quem a requisite. É esse princípio que propicia, por exemplo, que as execuções orçamentárias, as licitações, as empresas declaradas inidôneas, e as remunerações dos servidores do Executivo e Legislativo, por exemplo, estejam disponíveis na internet. É esse princípio que libera o cidadão de justificar pedidos de informação ou de comunicar como utilizará a informação. A transparência é um ônus do Estado. Essa é uma questão de princípio. O acesso como regra precisa ser preservado. É preciso continuar abrindo a administração pública, o Estado brasileiro. Precisamos saber mais sobre as agendas das altas autoridades do Executivo, sobre os processos seletivos para os cargos comissionados, sobre os estudos de viabilidade das políticas públicas (se existem e quão robustos são), sobre os custos das viagens presidenciais, e sobre as renúncias fiscais, apenas para dar alguns exemplos. O caminho para o acesso à informação pública está aberto. Transparência é e continuará sendo uma conquista por mais democracia. E conquistas democráticas robustas vêm de baixo para cima. Caberá a nós, cidadãos, lutarmos para que o exercício do poder público seja realizado cada vez mais em público. Também caberá a nós resistir a qualquer retrocesso contra nosso direito de acesso. Em qualquer governo, inclusive interino.* Izabela Corrêa, doutoranda na London School of Economics (LSE) e ex-coordenadora de Transparência, Ética e Integridade na ex-Controladoria Geral da União

Por Izabela Corrêa e Janaína Penalva
Atualização:

** Janaína Penalva é professora de Direito Universidade de Brasília/UnB, ex- diretora-executiva do Departamento de Pesquisas Judiciárias do CNJ e do Centro de Estudos Judiciários do CJF

** Janaína Penalva é professora de Direito Universidade de Brasília/UnB, ex- diretora-executiva do Departamento de Pesquisas Judiciárias do CNJ e do Centro de Estudos Judiciários do CJF

** Janaína Penalva é professora de Direito Universidade de Brasília/UnB, ex- diretora-executiva do Departamento de Pesquisas Judiciárias do CNJ e do Centro de Estudos Judiciários do CJF

** Janaína Penalva é professora de Direito Universidade de Brasília/UnB, ex- diretora-executiva do Departamento de Pesquisas Judiciárias do CNJ e do Centro de Estudos Judiciários do CJF

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