O cenário político brasileiro entrou numa nova fase a partir desta segunda-feira, 18, após a decisão da Câmara dos Deputados aceitar ontem a admissibilidade do processo de impeachment - por 367 votos a favor e 137 contrários - para afastar Dilma Rousseff da Presidência da República. O resultado desfavorável da votação na Câmara, que deixou evidente a fragilidade da base de apoio parlamentar do governo no Congresso Nacional, é um forte indicador das dificuldades que Dilma vai enfrentar no Senado, onde vai necessitar na primeira decisão de 41 votos a seu favor para barrar o processo. As projeções do Estadão mostram que desse total, ela conta com apenas 20 votos favoráveis, e que a oposição tem 46 votos a favor da aceitação da denúncia. Diante desse quadro político dramático, a presidente Dilma vem demonstrando um exacerbado inconformismo, sustentando nas suas declarações pós-aceitação da admissibilidade do processo de impeachment pela Câmara que está disposta a lutar pelo seu mandato, pois se sente injustiçada. A reação do Planalto, diante dessa derrota política que colocou a presidente Dilma Rousseff numa trilha sem volta, ocorreu ainda nessa madrugada, por meio da declaração dada pelo ministro da Advocacia-Geral da União (AGU), José Eduardo Cardozo, que assinalou que o governo recebeu com 'indignação e tristeza' o resultado da votação do processo de impeachment na Câmara. Ressaltou que apesar de a Câmara ter autorizado o prosseguimento do processo de impeachment da presidente Dilma, a petista não pretende renunciar ao mandato nem 'fraquejar'. O motivo da indignação do Palácio do Planalto, sustentou Cardozo, é o fato de que ao longo da votação, a maioria dos deputados não usou como justificativa para se posicionar favoravelmente ao afastamento da presidente os motivos que sustentaram o relatório final da comissão especial que analisou o pedido de impeachment na Câmara. Sob a ótica do governo, a razão da tristeza e da indignação é que a decisão da Câmara foi puramente política, e não é isso o que a Constituição prescreve para o impeachment. Nesse sentido, deixou implícita na sua fala que o governo voltará a recorrer ao STF para frear o processo contra Dilma Rousseff. Instado a se manifestar sobre essa insistência do Planalto de tentar judicializar o processo de impeachment de Dilma, o ministro do Supremo Tribunal Federal (STF) Gilmar Mendes afirmou hoje que o governo federal poderá devolver à Corte questionamentos sobre o processo de impeachment da presidente Dilma, mas muitos dos eventuais pontos a serem debatidos já foram analisados pelos onze ministros; ou seja, trata-se de um processo quase todo regulado pelo Supremo. O tribunal, disse Mendes, não discute o mérito se a Câmara ou o Senado estão julgando bem ou não, se estão fazendo um adequado enquadramento. Observa-se que mesmo diante das reiteradas manifestações do STF, no qual aquela Corte vem sinalizando que não pretende se intrometer em atribuições do Congresso Nacional, o advogado de defesa de Dilma continua insistindo nessa estratégia fadada ao fracasso. A decisão da Câmara foi entregue hoje pelo presidente Eduardo Cunha ao presidente do Senado Federal, Renan Calheiros. A sua leitura deverá ser feita em plenário nesta terça-feira, 19, para que seja instalada, em seguida, uma comissão de senadores para analisar o assunto, a quem caberá elaborar um parecer a favor ou contra a instauração do processo no Senado. A decisão pelo prosseguimento do processo impõe que a presidente seja afastada por até 180 dias e, neste período, enquanto o Senado a julgar, Temer assumirá a Presidência da República. Prevê-se que o presidente do Senado deverá se reunir com líderes partidários antes da leitura do processo em plenário, para decidir como será feita a composição da comissão - se por indicações de partidos ou dos blocos partidários. A chapa deve respeitar a proporcionalidade das bancadas no Senado, ou seja, quanto maior o número de senadores, mais integrantes um partido ou bloco poderá indicar. Os demais desdobramentos do processo, como prazos, serão delimitados pelo presidente do Senado com líderes. Caberá ao Senado Federal, depois de aceitas as denúncias, realizar três votações em plenário até a conclusão do processo. O primeiro procedimento previsto é a eleição de uma comissão especial para analisar o caso, cujo colegiado será formado por 21 senadores titulares e 21 suplentes. O colegiado tem até 48 horas para se reunir e eleger o presidente. Por sua vez, o relator terá prazo de até dez dias para apresentar um parecer pela admissibilidade ou não do processo. Depois de votado na comissão, o parecer deve ir para a decisão do plenário, que precisa aprovar por maioria simples (metade dos presentes na sessão mais um). Caso o relatório seja aprovado no plenário, será considerado instaurado o processo e a presidente será notificada. Ela será afastada por até 180 dias para que ocorra o julgamento, e o vice-presidente assumirá a Presidência da República. Neste período, a presidente poderá se defender, e um novo parecer da comissão especial deverá analisar a procedência da acusação com base na análise de provas. De novo, esse parecer terá que ser aprovado por maioria simples. Se aprovado o parecer, inicia a fase de julgamento, que é comandada pelo presidente do Supremo Tribunal Federal. Para que a presidente perca o cargo, o impeachment tem que ser aprovado por dois terços dos senadores - 54 dos 81. Os prazos previstos para cada etapa do processo poderão ser alterados de acordo com decisão do presidente do Senado. Fica explícito, diante desse cenário, que a presidente Dilma está emparedada politicamente pela decisão desfavorável da Câmara dos Deputados. Não é por outro motivo que ela se encontra recolhida no Palácio do Planalto, 'tentando curar as feridas' do trágico desfecho da votação. Considerando o seu perfil político e ideológico, e pelas declarações que vem dando, também está tentando encontrar responsáveis pela derrota elástica que sofreu no plenário da Câmara. Ao lado dos seus talentosos conselheiros políticos e dos líderes dos partidos políticos aliados, procura definir estratégias que permitam reverter a sua periclitante situação no Senado. Trata-se de uma missão praticamente impossível. O exame atento da distribuição, em nível nacional, dos deputados que votaram favoravelmente à admissibilidade do processo de impeachment contra Dilma confirma que a sua instável base parlamentar não existe mais, virou fumaça. Os integrantes dos partidos políticos que outrora participaram da base de apoio parlamentar, sistematicamente desconsiderados pela presidente e humilhados pelo PT, decidiram se afastar definitivamente do governo. Assim, a (ainda) presidente Dilma, desprovida de apoio político e rejeitada pela população, encontra-se agonizando politicamente. A paralisia reinante no País, que vivencia uma inusitada depressão econômica, aumento acelerado do desemprego, inflação e juros elevados, não deixa nenhuma dúvida sobre o fracasso dos governos petistas Lula e Dilma. Os indicadores econômicos e sociais mostram que o lulopetismo fracassou por incompetência, populismo e corrupção. O seu ciclo, que infelicitou o Brasil, está sendo encerrado, aguardando apenas a decisão do Senado para ser sepultado. * José Matias-Pereira, economista e advogado, é doutor em ciência política (área de governo e administração pública) pela Universidade Complutense de Madri, Espanha, e Pós-doutor em administração pela Universidade de São Paulo. Professor de administração pública e pesquisador associado do programa de pós-graduação em contabilidade da Universidade de Brasília. Autor, entre outras obras, do 'Curso de economia política' (2015), publicado pela Atlas