Análise - Represálias ao Ministério Público de Contas e retrocesso no exame das contas públicas
Análise publicada originalmente no Estadão Noite
Paradoxo é um bom termo para definir o momento atual do controle das contas públicas no Brasil. A vinda de mais transparência fez com que alguns gestores busquem, no apagar das luzes de 2015, voltar à opacidade de antes por meio de processos abusivos de restrição da capacidade de atuação autônoma para o controle técnico das contas governamentais.
Enquanto o orçamento público e suas inumeráveis possibilidades de fraude na elaboração e execução vêm à tona, estamos vivendo um cenário que coloca em risco o aprimoramento das nossas instituições responsáveis pelo controle das contas públicas.
Em rota de retrocesso, existem atualmente em curso iniciativas legislativas que reduzem o quantitativo de procuradores do Ministério Público de Contas e, direta ou indiretamente, subjugam seu regime jurídico nos Estados do Paraná, Santa Catarina e Goiás, além de já haver sido recentemente aprovada tal redução de cargos nos Estados do Mato Grosso do Sul e do Ceará.
O que pode justificar a adoção de tais medidas pelos governos estaduais aqui citados? Uma das hipóteses é uma medida de retaliação ao trabalho desenvolvido pelos MPCs nesses Estados. Exemplos como denúncias acerca de pedaladas fiscais envolvendo o governador Beto Richa no Paraná; às obras superfaturadas como a ponte Hercílio Luz em Santa Catarina; aos contratos irregulares de fornecimento de lama asfáltica no Mato Grosso do Sul; ao nepotismo em Goiás e à inauguração de hospitais inacabados com shows pagos com sobrepreço no Ceará, são ilustrativos. Destaca-se que o comando partidário desses governos aqui citados vai do PT ao PSDB e, também, passa pelo PSD.
Sob a falsa justificativa de economia de recursos nesses Estados, querem extinguir cargos de Procuradores do Ministério Público de Contas, diminuindo seus quadros, atentando contra a autonomia desses órgãos e lhes retirando competências.
Além disso, na maioria dos demais Estados, a retaliação ao trabalho autônomo e técnico do Parquet de Contas passa pela ausência de estrutura de apoio adequada e chega ao paroxismo de lhe negar institucionalmente a condição plena de Ministério Público, haja vista até mesmo controversas decisões que os impedem de oficiar aos colegas do MP estadual e do MPF.
Nesse contexto, a questão latente é: a quem interessa um sistema de controle externo enfraquecido tecnicamente e excessivamente poroso às demandas políticas?
Por que o Ministério Público de Contas sofre tamanhas retaliações em diversos Estados da Federação em pleno momento de crise fiscal, a despeito do fortalecimento da agenda republicana do combate à corrupção?
Para que não haja qualquer mitigação do sistema constitucional de freios e contrapesos que confere legitimidade ao processo de avaliação e controle das contas públicas, é preciso que a sociedade entenda tais contradições.
Sem Ministério Público de Contas, o controle externo se esvazia do devido processo e, por conseguinte, afasta-se do seu desiderato constitucional. De nada adianta falar no controle do dinheiro público sem haver quem o faça de forma independente e técnica contra todas as pressões políticas ali incidentes.
A irresponsabilidade fiscal dos governos nos dá prova da falta que faz termos instituições de controle que balizem claramente o que pode ou não ser feito na seara das contas públicas. Talvez a crise realmente nos faça enxergar o tamanho da contradição nas retaliações ao Ministério Público de Contas, na medida em que revela um sistema de controle externo feito para ser mais politizado do que técnico e, por isso, tendente ao não controle efetivo.