O bispo de Crato, no interior do Ceará, d. Magnus Henrique, anunciou na manhã deste sábado, 20, que a Igreja Católica autorizou o início do processo de beatificação do padre Cícero Romão Batista. A informação foi divulgada aos fiéis em uma missa em celebração ao “patriarca do Nordeste”, como também é chamado o líder religioso. Com a decisão, o padre passa a ter o título de "servo de Deus". O anúncio foi compartilhado pela agência do Vaticano, a Vatican News.
"Romeiros de todo Brasil, é com grande alegria, que vos comunicado, nesta manhã história, que recebemos oficialmente da Santa Sé, por determinação do santo padre, o papa Francisco, uma carta do Dicastério para as Causas dos Santos, datada do dia 24 de junho de 2022. Recebemos a autorização para a abertura do processo de beatificação do processo Cícero Romão Batista, que a partir de agora receberá o título de servo de Deus”, declarou.
Em missa ao ar livre no Largo da Capela do Socorro, em Juazeiro do Norte, o anúncio foi recebido com aplausos e fogos de artifício. "Com a abertura, cumpre-se a profecia feita pelo próprio sacerdote: 'A Igreja que hoje me persegue, amanhã tomará minha defesa'", destacou a diocese em rede social.
O pedido pela beatificação foi solicitado pelo bispo de Crato em uma carta que entregou pessoalmente ao papa Francisco em maio, durante uma visita ao Vaticano. Não há prazo máximo para a conclusão do processo de beatificação.
Ao Estadão, o vigário paroquial da Catedral de Crato, Padre Wesley Barros, atribuiu o reconhecimento a um trabalho de diálogo aberto pela diocese. Na viagem em que entregou a carta, o bispo também se reuniu com autoridades da Santa Sé para tratar do assunto. “Ele encontrou um ambiente bastante favorável."
O vigário destaca que já ocorria um esforço de revisão histórica da imagem de Padre Cícero com a Igreja, especialmente nos últimos 20 anos. “Essa revisão possibilitou que as atitudes do Padre Cícero fossem vistas por um ângulo diferente”, avalia. Ele vê os antigos conflitos com a Igreja, que resultaram na suspensão disciplinar do Padre Cícero, como superados após a emissão do perdão, em 2015. “A Santa Sé fechou a questão.”
Segundo ele, a carta sobre o início do processo de beatificação foi recebida em 7 de agosto. “É um momento de benção, de alegria, de confirmação por parte da Igreja por todo um trabalho de acolhida que damos aos romeiros”, descreve. Como a diocese realiza uma missa celebrativa ao padre Cícero mensalmente no dia 20, às 6 horas, decidiu-se pela data para o anúncio oficial. “Escolhemos porque haveria uma multidão de romeiros e juazerenses, e também para anunciar ao mundo todo, pelas redes sociais”, justifica.
De acordo com o vigário, algumas milhares de pessoas estavam na missa. Uma nova cerimônia de abertura oficial da causa pela beatificação será realizada em uma data a ser definida, possivelmente após outubro.
Além disso, destaca que a diocese será responsável pela causa da beatificação. O próximo passo é montar uma equipe de peritos de formações variadas, entre religiosos e leigos, para avaliar o legado do Padre Cícero. A diocese avalia que há bastante material pronto, de registros históricos a pesquisas acadêmicas diversas.
Santo popular, líder política e figura histórica: relembre a trajetória do Padre Cícero
Padre Cícero nasceu em 1844, em Crato, e morreu em 1934, aos 90 anos, em Juazeiro do Norte, município também cearense onde está a conhecida estátua de 27 metros de altura em sua homenagem, destino de romarias que atraem cerca de 2,5 milhões de pessoas por ano. Considerado um "santo popular", foi celebrado ainda em vida, com a atribuição de milagres pela população, o que lhe rendeu uma suspensão das atribuições sacerdotais pela Igreja. Também exerceu forte poder político na região.
Como em outros casos de "santos populares", o reconhecimento do "Padim Ciço", como é conhecido popularmente, enfrentou resistência no clero. Historiadores contam que a relação do padre com o clero brasileiro da época já não era boa em razão do envolvimento com a política. Além de sacerdote, também foi fazendeiro e político, filiado a partido. Foi o primeiro prefeito de Juazeiro do Norte, em 1911, quando o povoado foi elevado à cidade, e chegou a vice-governador.
Em 1889, a trajetória do padre começou a mudar. Naquele ano, ao colocar a hóstia consagrada na boca da devota Maria de Araújo, o pedaço de trigo teria se transformado em sangue. O "milagre da hóstia" logo se espalhou pela região. O fenômeno teria se repetido diversas vezes durante dois anos. As narrativas de boca em boca apontavam o próprio Cristo se manifestando em Juazeiro através de uma beata e pelas mãos de um padre santo.
Atendendo pedido dele, a diocese formou uma comissão com dois padres, dois médicos e um farmacêutico para investigar o suposto milagre. Em outubro de 1891, a comissão chegou à conclusão de que não havia explicação natural para os fatos, então considerados milagrosos. Insatisfeito, o bispo d. Joaquim José Vieira nomeou outra comissão, composta apenas por um padre e seu secretário, que considerou o "milagre" uma fraude. O bispo acatou esse resultado e suspendeu as ordens sacerdotais do padre Cícero. Ele também determinou que Maria de Araújo fosse afastada da igreja.
Em 1898, padre Cícero foi a Roma e se reuniu com o Papa Leão XIII e com membros da Congregação do Santo Ofício. Ele teria conseguido sua absolvição, mas em seu retorno a Juazeiro, a decisão foi revista pelo Vaticano. Chegou a ser anunciada a excomunhão do religioso, porém, descobriu-se depois que a punição não fora aplicada. Em 2001, quando ainda era cardeal, o papa Bento XVI mandou investigar o caso, vendo a possibilidade de reabilitar o padre brasileiro perante a Igreja. Em 2006, o bispo d. Fernando Panico viajou para o Vaticano com uma comissão de religiosos, políticos e fiéis para defender a reabilitação. Em dezembro de 2015, padre Cícero recebeu o perdão da Igreja./COM INFORMAÇÕES DE JOSÉ MARIA TOMAZELLA