Claude Miller foi assistente de François Truffaut e Jean-Luc Godard, mas por uma questão de temperamento seu cinema se aproxima mais do primeiro. Ele gosta de contar histórias sobre desejo e sobre o aprendizado sentimental de personagens um tanto imaturos. No fundo, é outro romântico que, mais ainda do que Truffaut, desconfia do romantismo. Prova disso é o filme que agora estreia no Brasil, dois anos depois da França.Um Segredo em Família conta uma história de amor e desejo na França ocupada pelos nazistas. Fiel ao espírito, senão realmente à letra, do livro, Miller inverte o que já virou convenção em narrativas desenroladas em flash-back. O passado, em seu filme, é mostrado em cores, enquanto o presente se desenrola em preto e branco. O próprio diretor diz que não se trata de uma opção estilística, mas conceitual - como o autor Philippe Grimberg, ele quer dizer que há mais vida nesse passado do que jamais haverá no presente (e talvez no futuro) e também que as experiências vividas formam a parte mais real da existência desses personagens.O filme conta a história desse garoto frágil que cria um irmão imaginário e ele possui a vitalidade física que lhe falta. Por meio do irmão imaginário, termina surgindo uma outra história da família, durante a 2ª Grande Guerra, sobre como os judeus franceses reagiram à ocupação. A família é numerosa e seus integrantes revelam uma multiplicidade de reações possíveis, desde a de Maxime (Patrick Bruel), que tenta fugir ao estigma da estrela de Davi, mas termina por ela atingido. Os judeus tentam viver, enfrentando - apesar de tudo - as agruras do cotidiano. Nesse quadro de dificuldade, Maxime vai viver uma paixão fulminante e ela vai precipitar a tragédia familiar dentro da tragédia da Shoah (o Holocausto). Como sua mulher traída vai reagir?O cinema contou algumas vezes a história de Medeia. Pier Paolo Pasolini e Arturo Ripstein, um italiano e outro mexicano, foram dois autores que se voltaram para o mito como forma de entender (e decifrar) a realidade. As Medeias de ambos são bárbaras. A de Claude Miller é tão intimista, tão low profile que visa à (auto)anulação mais do que a qualquer outra coisa. Foi o que, aliás, atraiu o diretor no livro de Philippe Grimbert. Baseado numa história de sua família, o escritor investiga a Shoah como um entomologista preocupado com as pequenas coisas da vida cotidiana.Festas, reuniões na sinagoga, todos os pequenos rituais do dia a dia. E também as misérias materiais, as mentiras e os desejos. Miller pratica um cinema com pé na experiência literária e certamente preocupado com a densidade psicológica dos personagens. Sua preocupação é sempre reverter expectativas. Em seu longa de estreia, o orientador de uma colônia de férias escarnece de um colega que, sendo frágil, passa por homossexual aos seus olhos. Mas a melhor maneira de andar - La Meilleure Façon de Marcher, título original -, segundo Miller, nunca é caminhar pela cadência dos outros. Existe sempre, em seus filmes, o momento em que a máscara cai e os segredos são revelados.Como Truffaut, seu mestre, Miller paga tributo a Jean Renoir e a A Grande Ilusão, o clássico dos clássicos de guerra (e contra ela) do cinema francês. Sem a indignação de Louis Malle em Lacombe Lucien ou de André Halimi em Chantons sous l"Occupation, seu filme traça um retrato pouco lisonjeiro da França da república de Vichy, solidária com o nazismo. Tudo aqui é interiorizado e o segredo não é só de uma família. Tem a ver com um país inteiro, que até hoje não superou essa página de sua história. A cena decisiva é discreta, sem carecer de força. Nenhuma histeria no comportamento de Louise, aliás, Ludivine Sagnier. Claude Miller acerta o tom e faz aqui seu melhor filme em anos. ServiçoUm Segredo em Família (Un Secret, Fr-Ale/2007, 100 min.). Drama. Dir. de Claude Miller. 16 anos. Cotação: Bom