As dores de mães da etnia yanomami: a morte dos bebês e o sumiço de seus corpos


Órgãos oficiais não entram em acordo sobre onde os corpos podem estar enterrados nem de quem é a responsabilidade pelo sepultamento

Por Paola Carvalho
Atualização:

BOA VISTA - Na morte de uma criança indígena da etnia yanomami, o ritual de luto passa por várias etapas. Primeiro, a comunidade nomeia duas pessoas, um homem e uma mulher, que ficam responsáveis pela movimentação do corpo, levado para a floresta cerca de 400 metros da aldeia, onde ficará por 15 dias. Outras comunidades são chamadas para participar da cerimônia. 

Missionários negam que estejam tentando entrar em contato com povos isolados Foto: DIDA SAMPAIO/ESTADAO

Em outra data, os ossos são cremados e as cinzas são depositadas em uma urna que fica guardada por meses ou até anos - alguns processos demoram até 20 anos. Após isso, as demais comunidades são novamente convocadas para a finalização do ritual: as cinzas dos ossos são enterradas próximo ao local onde a vítima nasceu. Em Roraima, duas mães da etnia yanomami são atravessadas por muitas dores: a de ver seus bebês morrerem, a de não saberem onde estão seus corpos e, por isso, de não poderem realizar as despedidas como indica sua cultura. 

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As duas mulheres, uma brasileira e outra venezuelana, aguardam há mais de um mês pelos corpos dos filhos recém-nascidos vítimas da 'xawara' - ou do novo coronavírus. As crianças foram levadas para Boa Vista para atendimento médico. A suspeita é de que os corpos tenham sido enterrados em cemitérios da Capital.

Uma das mães é Lucita Sanumã, da comunidade Selipe, localizada próximo à fronteira do Brasil com a Venezuela. O filho de Lucita nasceu no dia 22 de maio e foi removido para o Hospital Infantil Santo Antônio, administrado pela Prefeitura de Boa Vista, às 16h30 do dia seguinte. Ele foi diagnosticado inicialmente com pneumonia grave e sintomas de cansaço. Às 12h45 do dia 25 de maio, registrou-se a morte.

A outra mãe é Taisa Sanumã, da comunidade Flexal, no município de Uiramutã, também próximo à divisa dos dois países. A filha de Taisa nasceu na madrugada do dia 23 de maio. Por estar muito debilitada, a criança foi levada ao Hospital Materno Infantil Nossa Senhora de Nazaré, administrado pelo governo estadual. Às 07h30 da manhã do dia 25 de maio, a criança não resistiu. 

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Ambas as mulheres estão alocadas na Casa de Saúde Indígena (Casai), de administração do Ministério da Saúde em Boa VIsta. "Essa questão de voltar sem o corpo é muito difícil. É difícil demais para mim. Eu cheguei aqui com o meu bebê e preciso de ajuda para levar ele de volta", lamentou Lucita, que deve retornar à comunidade na próxima semana. 

A reportagem conseguiu contato com a indígena por intermédio de Júnior Hekurari Yanomami, presidente do Conselho Distrital de Saúde Indígena (Condisi) do Distrito Sanitário Especial Yanomami e Ye'kuana (DSEI-Y). Júnior traduziu a dor da mãe. Taisa, ele conta, somente chora, sem conseguir falar. "As mães estão muito tristes. Querem o corpo das crianças. Querem levar para fazer o ritual de luto na sua comunidade", afirmou ele. 

O Condisi reuniu o relato das mães e vai encaminhar nesta segunda-feira, 29, documentos aos órgãos responsáveis cobrando explicações. Segundo a liderança indígena, a Casai é responsável pelo translado dos corpos dos bebês indígenas até as funerárias, mas afirma que nos casos de óbitos por covid-19, a tratativa é feita pelo Estado e pela Prefeitura de Boa Vista. "Quando é de covid, quando morre é a responsabilidade do Estado e do Município", disse.

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Os órgãos oficiais não entram em acordo sobre onde os corpos das crianças podem estar enterrados nem de quem é a responsabilidade pelo sepultamento. Em nota oficial, a Prefeitura de Boa Vista defende que em caso de óbito, o Distrito Sanitário Indígena é acionado pela unidade hospitalar e que o encaminhamento dos óbitos passa a ser de responsabilidade do órgão federal, com o acompanhamento dos familiares.

Apesar disso, a gestão municipal informou que realizou um levantamento junto às funerárias da cidade e das certidões dos óbitos e identificou que a criança indígena que faleceu no Hospital Santo Antônio (filho de Lucita) foi sepultada pela Funerária Boa Vista. "Cuidamos das crianças no hospital e depois disso não podemos definir o que acontece por se tratar de questão indígena, de responsabilidade do DSEI. Estou querendo respostas", afirmou a prefeita de Boa Vista, Teresa Surita (MDB), nas redes sociais.

Em nota oficial, o Governo de Roraima informou que o acompanhamento dos enterros de pessoas que morreram em consequência da covid-19 é realizado pelo Município, independentemente da unidade hospitalar que a vítima tenha falecido. "Para garantir que sejam seguidas todas as regras de biossegurança neste momento de pandemia, o acompanhamento dos enterros é feito pela Vigilância Sanitária Municipal. Esta é uma ação pactuada e independe de onde o óbito ocorreu, ou seja, se foi em hospital estadual ou municipal."

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Também nas redes sociais, o governador de Roraima, Antonio Denarium (PSL), reforçou que a tratativa é de responsabilidade do Município. "O Governo do Estado não tem participação nesta situação, mas se solidariza com a perda das crianças."

O Ministério Público Federal em Roraima disse, em nota de esclarecimento, que foi informado de três óbitos de bebês por covid-19, sepultados no cemitério Campo da Saudade em Boa Vista, e um outro óbito, não relacionado à doença, que aguarda liberação para retorno à comunidade de origem junto com os pais. A instituição, porém, não esclareceu de quais etnias eram os bebês e se algum dos óbitos se tratava de uma criança yanomami. "O MPF/RR segue acompanhando todas as notícias de óbitos, para garantir a identificação do corpo e posterior retorno à terra indígena quando for sanitariamente seguro e se assim desejar a comunidade de origem."

O Estadão entrou em contato com a Funerária Boa Vista. O estabelecimento disse que, por ordem de contrato, as informações sobre sepultamento não poderiam ser repassadas. A reportagem também procurou a Coordenação Regional da Fundação Nacional do Índio em Roraima (Funai) e da Casai, mas não obteve retorno.

BOA VISTA - Na morte de uma criança indígena da etnia yanomami, o ritual de luto passa por várias etapas. Primeiro, a comunidade nomeia duas pessoas, um homem e uma mulher, que ficam responsáveis pela movimentação do corpo, levado para a floresta cerca de 400 metros da aldeia, onde ficará por 15 dias. Outras comunidades são chamadas para participar da cerimônia. 

Missionários negam que estejam tentando entrar em contato com povos isolados Foto: DIDA SAMPAIO/ESTADAO

Em outra data, os ossos são cremados e as cinzas são depositadas em uma urna que fica guardada por meses ou até anos - alguns processos demoram até 20 anos. Após isso, as demais comunidades são novamente convocadas para a finalização do ritual: as cinzas dos ossos são enterradas próximo ao local onde a vítima nasceu. Em Roraima, duas mães da etnia yanomami são atravessadas por muitas dores: a de ver seus bebês morrerem, a de não saberem onde estão seus corpos e, por isso, de não poderem realizar as despedidas como indica sua cultura. 

As duas mulheres, uma brasileira e outra venezuelana, aguardam há mais de um mês pelos corpos dos filhos recém-nascidos vítimas da 'xawara' - ou do novo coronavírus. As crianças foram levadas para Boa Vista para atendimento médico. A suspeita é de que os corpos tenham sido enterrados em cemitérios da Capital.

Uma das mães é Lucita Sanumã, da comunidade Selipe, localizada próximo à fronteira do Brasil com a Venezuela. O filho de Lucita nasceu no dia 22 de maio e foi removido para o Hospital Infantil Santo Antônio, administrado pela Prefeitura de Boa Vista, às 16h30 do dia seguinte. Ele foi diagnosticado inicialmente com pneumonia grave e sintomas de cansaço. Às 12h45 do dia 25 de maio, registrou-se a morte.

A outra mãe é Taisa Sanumã, da comunidade Flexal, no município de Uiramutã, também próximo à divisa dos dois países. A filha de Taisa nasceu na madrugada do dia 23 de maio. Por estar muito debilitada, a criança foi levada ao Hospital Materno Infantil Nossa Senhora de Nazaré, administrado pelo governo estadual. Às 07h30 da manhã do dia 25 de maio, a criança não resistiu. 

Ambas as mulheres estão alocadas na Casa de Saúde Indígena (Casai), de administração do Ministério da Saúde em Boa VIsta. "Essa questão de voltar sem o corpo é muito difícil. É difícil demais para mim. Eu cheguei aqui com o meu bebê e preciso de ajuda para levar ele de volta", lamentou Lucita, que deve retornar à comunidade na próxima semana. 

A reportagem conseguiu contato com a indígena por intermédio de Júnior Hekurari Yanomami, presidente do Conselho Distrital de Saúde Indígena (Condisi) do Distrito Sanitário Especial Yanomami e Ye'kuana (DSEI-Y). Júnior traduziu a dor da mãe. Taisa, ele conta, somente chora, sem conseguir falar. "As mães estão muito tristes. Querem o corpo das crianças. Querem levar para fazer o ritual de luto na sua comunidade", afirmou ele. 

O Condisi reuniu o relato das mães e vai encaminhar nesta segunda-feira, 29, documentos aos órgãos responsáveis cobrando explicações. Segundo a liderança indígena, a Casai é responsável pelo translado dos corpos dos bebês indígenas até as funerárias, mas afirma que nos casos de óbitos por covid-19, a tratativa é feita pelo Estado e pela Prefeitura de Boa Vista. "Quando é de covid, quando morre é a responsabilidade do Estado e do Município", disse.

Os órgãos oficiais não entram em acordo sobre onde os corpos das crianças podem estar enterrados nem de quem é a responsabilidade pelo sepultamento. Em nota oficial, a Prefeitura de Boa Vista defende que em caso de óbito, o Distrito Sanitário Indígena é acionado pela unidade hospitalar e que o encaminhamento dos óbitos passa a ser de responsabilidade do órgão federal, com o acompanhamento dos familiares.

Apesar disso, a gestão municipal informou que realizou um levantamento junto às funerárias da cidade e das certidões dos óbitos e identificou que a criança indígena que faleceu no Hospital Santo Antônio (filho de Lucita) foi sepultada pela Funerária Boa Vista. "Cuidamos das crianças no hospital e depois disso não podemos definir o que acontece por se tratar de questão indígena, de responsabilidade do DSEI. Estou querendo respostas", afirmou a prefeita de Boa Vista, Teresa Surita (MDB), nas redes sociais.

Em nota oficial, o Governo de Roraima informou que o acompanhamento dos enterros de pessoas que morreram em consequência da covid-19 é realizado pelo Município, independentemente da unidade hospitalar que a vítima tenha falecido. "Para garantir que sejam seguidas todas as regras de biossegurança neste momento de pandemia, o acompanhamento dos enterros é feito pela Vigilância Sanitária Municipal. Esta é uma ação pactuada e independe de onde o óbito ocorreu, ou seja, se foi em hospital estadual ou municipal."

Também nas redes sociais, o governador de Roraima, Antonio Denarium (PSL), reforçou que a tratativa é de responsabilidade do Município. "O Governo do Estado não tem participação nesta situação, mas se solidariza com a perda das crianças."

O Ministério Público Federal em Roraima disse, em nota de esclarecimento, que foi informado de três óbitos de bebês por covid-19, sepultados no cemitério Campo da Saudade em Boa Vista, e um outro óbito, não relacionado à doença, que aguarda liberação para retorno à comunidade de origem junto com os pais. A instituição, porém, não esclareceu de quais etnias eram os bebês e se algum dos óbitos se tratava de uma criança yanomami. "O MPF/RR segue acompanhando todas as notícias de óbitos, para garantir a identificação do corpo e posterior retorno à terra indígena quando for sanitariamente seguro e se assim desejar a comunidade de origem."

O Estadão entrou em contato com a Funerária Boa Vista. O estabelecimento disse que, por ordem de contrato, as informações sobre sepultamento não poderiam ser repassadas. A reportagem também procurou a Coordenação Regional da Fundação Nacional do Índio em Roraima (Funai) e da Casai, mas não obteve retorno.

BOA VISTA - Na morte de uma criança indígena da etnia yanomami, o ritual de luto passa por várias etapas. Primeiro, a comunidade nomeia duas pessoas, um homem e uma mulher, que ficam responsáveis pela movimentação do corpo, levado para a floresta cerca de 400 metros da aldeia, onde ficará por 15 dias. Outras comunidades são chamadas para participar da cerimônia. 

Missionários negam que estejam tentando entrar em contato com povos isolados Foto: DIDA SAMPAIO/ESTADAO

Em outra data, os ossos são cremados e as cinzas são depositadas em uma urna que fica guardada por meses ou até anos - alguns processos demoram até 20 anos. Após isso, as demais comunidades são novamente convocadas para a finalização do ritual: as cinzas dos ossos são enterradas próximo ao local onde a vítima nasceu. Em Roraima, duas mães da etnia yanomami são atravessadas por muitas dores: a de ver seus bebês morrerem, a de não saberem onde estão seus corpos e, por isso, de não poderem realizar as despedidas como indica sua cultura. 

As duas mulheres, uma brasileira e outra venezuelana, aguardam há mais de um mês pelos corpos dos filhos recém-nascidos vítimas da 'xawara' - ou do novo coronavírus. As crianças foram levadas para Boa Vista para atendimento médico. A suspeita é de que os corpos tenham sido enterrados em cemitérios da Capital.

Uma das mães é Lucita Sanumã, da comunidade Selipe, localizada próximo à fronteira do Brasil com a Venezuela. O filho de Lucita nasceu no dia 22 de maio e foi removido para o Hospital Infantil Santo Antônio, administrado pela Prefeitura de Boa Vista, às 16h30 do dia seguinte. Ele foi diagnosticado inicialmente com pneumonia grave e sintomas de cansaço. Às 12h45 do dia 25 de maio, registrou-se a morte.

A outra mãe é Taisa Sanumã, da comunidade Flexal, no município de Uiramutã, também próximo à divisa dos dois países. A filha de Taisa nasceu na madrugada do dia 23 de maio. Por estar muito debilitada, a criança foi levada ao Hospital Materno Infantil Nossa Senhora de Nazaré, administrado pelo governo estadual. Às 07h30 da manhã do dia 25 de maio, a criança não resistiu. 

Ambas as mulheres estão alocadas na Casa de Saúde Indígena (Casai), de administração do Ministério da Saúde em Boa VIsta. "Essa questão de voltar sem o corpo é muito difícil. É difícil demais para mim. Eu cheguei aqui com o meu bebê e preciso de ajuda para levar ele de volta", lamentou Lucita, que deve retornar à comunidade na próxima semana. 

A reportagem conseguiu contato com a indígena por intermédio de Júnior Hekurari Yanomami, presidente do Conselho Distrital de Saúde Indígena (Condisi) do Distrito Sanitário Especial Yanomami e Ye'kuana (DSEI-Y). Júnior traduziu a dor da mãe. Taisa, ele conta, somente chora, sem conseguir falar. "As mães estão muito tristes. Querem o corpo das crianças. Querem levar para fazer o ritual de luto na sua comunidade", afirmou ele. 

O Condisi reuniu o relato das mães e vai encaminhar nesta segunda-feira, 29, documentos aos órgãos responsáveis cobrando explicações. Segundo a liderança indígena, a Casai é responsável pelo translado dos corpos dos bebês indígenas até as funerárias, mas afirma que nos casos de óbitos por covid-19, a tratativa é feita pelo Estado e pela Prefeitura de Boa Vista. "Quando é de covid, quando morre é a responsabilidade do Estado e do Município", disse.

Os órgãos oficiais não entram em acordo sobre onde os corpos das crianças podem estar enterrados nem de quem é a responsabilidade pelo sepultamento. Em nota oficial, a Prefeitura de Boa Vista defende que em caso de óbito, o Distrito Sanitário Indígena é acionado pela unidade hospitalar e que o encaminhamento dos óbitos passa a ser de responsabilidade do órgão federal, com o acompanhamento dos familiares.

Apesar disso, a gestão municipal informou que realizou um levantamento junto às funerárias da cidade e das certidões dos óbitos e identificou que a criança indígena que faleceu no Hospital Santo Antônio (filho de Lucita) foi sepultada pela Funerária Boa Vista. "Cuidamos das crianças no hospital e depois disso não podemos definir o que acontece por se tratar de questão indígena, de responsabilidade do DSEI. Estou querendo respostas", afirmou a prefeita de Boa Vista, Teresa Surita (MDB), nas redes sociais.

Em nota oficial, o Governo de Roraima informou que o acompanhamento dos enterros de pessoas que morreram em consequência da covid-19 é realizado pelo Município, independentemente da unidade hospitalar que a vítima tenha falecido. "Para garantir que sejam seguidas todas as regras de biossegurança neste momento de pandemia, o acompanhamento dos enterros é feito pela Vigilância Sanitária Municipal. Esta é uma ação pactuada e independe de onde o óbito ocorreu, ou seja, se foi em hospital estadual ou municipal."

Também nas redes sociais, o governador de Roraima, Antonio Denarium (PSL), reforçou que a tratativa é de responsabilidade do Município. "O Governo do Estado não tem participação nesta situação, mas se solidariza com a perda das crianças."

O Ministério Público Federal em Roraima disse, em nota de esclarecimento, que foi informado de três óbitos de bebês por covid-19, sepultados no cemitério Campo da Saudade em Boa Vista, e um outro óbito, não relacionado à doença, que aguarda liberação para retorno à comunidade de origem junto com os pais. A instituição, porém, não esclareceu de quais etnias eram os bebês e se algum dos óbitos se tratava de uma criança yanomami. "O MPF/RR segue acompanhando todas as notícias de óbitos, para garantir a identificação do corpo e posterior retorno à terra indígena quando for sanitariamente seguro e se assim desejar a comunidade de origem."

O Estadão entrou em contato com a Funerária Boa Vista. O estabelecimento disse que, por ordem de contrato, as informações sobre sepultamento não poderiam ser repassadas. A reportagem também procurou a Coordenação Regional da Fundação Nacional do Índio em Roraima (Funai) e da Casai, mas não obteve retorno.

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