ENVIADA ESPECIAL A PORTO ALEGRE - Da janela do Asilo Padre Cacique é possível vigiar o transbordo das águas do Rio Guaíba. A rua cheia de lama diante da escadaria da instituição e o gerador a postos indicam que há alguns dias o prédio centenário diante do estádio do Beira-rio era uma ilha, isolado do resto da cidade por conta da enchente. Nesta segunda-feira, 13, enquanto o Guaíba batia a marca dos 5 metros, galões de água potável chegavam para abastecer o asilo e garantir insumos básicos aos 100 idosos que vivem no local, caso a enchente volte a invadir as ruas ao redor.
Construído em 1898, quando o Guaíba era ainda mais próximo, já que o local ainda não havia sido aterrado, o projeto garantiu ao edifício uma escadaria, para mantê-lo a salvo de cheias. Ainda assim, as mudanças climáticas tornaram essa barreira um obstáculo frágil. A previsão das autoridades é de que, devido ao atual volume de chuvas no Rio Grande do Sul, a cota do Guaíba chegue ao pico de 5,5 metros na terça-feira, 14. O recorde histórico é de 5,35 metros, registrados no último dia 5.
Sob a ameaça da proximidade do rio e protegidos apenas em parte pela arquitetura do prédio, um receio comum entre internos e funcionários é que a inundação force a evacuação do local. O temor de não ter para onde ir, um sentimento constante entre os desalojados, nesse caso ganha contornos diferenciados. Para os idosos, depois de custar a tornar o asilo um lar, é difícil imaginar a possibilidade de se ver mais uma vez longe dessa nova ideia de casa.
Na semana passada, o asilo ficou sem luz e água após o alagamento do entorno. Diante disso, a instituição conseguiu um novo gerador para que a casa estivesse minimamente preparada para enfrentar uma nova cheia a partir desta semana.
“Entre esses 100 idosos há aqueles que são acamados. Como vamos levar essas pessoas? Foi uma semana de pânico. Estamos preocupados (com aumento do nível do rio). O gerador veio como um empréstimo e deixamos aqui em cima, porque dizem que o nível da água vai aumentar bastante e vai ser pior”, diz Eliziane Albuquerque, gerente administrativa do Asilo.
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A direção convocou os profissionais de saúde e assistência social que trabalham no asilo para uma reunião com os idosos a fim de tranquilizá-los. Na ocasião, Altair Capes Guedes, de 78 anos, o “seu Altair”, se apegou a uma informação, que fez questão de repassar à reportagem enquanto falava sobre a possibilidade de uma nova cheia do rio vizinho.
“A nossa médica fez reunião conosco para acalmar aqueles que estavam mais apreensivos e nos posicionar de maneira que a gente entendesse que estava a salvo, que não precisava ter essa agonia toda. Porque a gente estava enxergando a água ali e imaginando ‘amanhã está aqui dentro’“, contou seu Altair.
Ele lamenta o fato de as chuvas constantes estarem apagando a beleza das flores que plantou nos jardins do Asilo Padre Cacique. Apesar da aparente tranquilidade na conversa com a reportagem, seu Altair, foi um dos que teve receio de uma saída forçada.
“Ele veio me dizer: quando vocês chamaram a gente (para reunião), eu pensei que fosse para a gente evacuar o prédio. Mas, depois ele disse que deu um alívio quando começaram a cantar e brincar”, disse a gerente do asilo ao Estadão.
Para evitar um estado de estresse, os idosos foram orientados a não ficarem o tempo todo em contato com notícias, seja pelo celular, pela televisão, ou pelo rádio, meio favorito de boa parte deles. Ainda assim, uma volta pelos corredores revelava que o tema é presente nas conversas, mesmo entre aqueles que já não contam com a mesma memória que tinham no passado, evidenciando a força da tragédia pela qual passa o Rio Grande do Sul.
“Eu sou de 1945, tenho 78 anos. Nunca passei por uma situação dessa de ver as cidades totalmente destruídas. Nunca vi isso. Sempre considerei nosso Estado um Estado pujante, muito reconhecido pelas lutas que teve, e agora vejo ele destruído. Isso aí me dói”, afirmou seu Altair.