Assassinato da menina Araceli Crespo: crime completa 50 anos sem ninguém punido; relembre


Criança de 8 anos foi raptada em maio de 1973 e corpo apareceu jogado atrás de hospital seis dias depois. Suspeitos acabaram inocentados pela Justiça

Por Rodolpho Paixão
Atualização:

Marco na luta contra o abuso e a exploração sexual de crianças e adolescentes, o assassinato da menina Araceli Cabrera Crespo, de apenas 8 anos de idade, acaba de completar 50 anos sem qualquer conclusão e abre espaço para reflexões sobre a Justiça e a impunidade envolvendo quem comete crimes no Brasil.

Em 18 de maio de 1973, Araceli foi vista pela última vez com vida, no caminho para casa depois da escola em Vitória, no Espírito Santo. A menina, que tinha saído mais cedo da aula, com autorização dos pais, deveria ter entrado em um ônibus que a levaria de um lado ao outro da cidade, mas isso nunca aconteceu. Seis dias depois, em 24 de maio daquele ano, o corpo de Araceli foi encontrado em avançado estado de decomposição, em uma mata nos fundos de um hospital.

Cerca de um ano após a morte de Araceli, as investigações, que já haviam tomado diferentes rumos, chegaram ao ponto em que conhecemos atualmente, onde dois jovens de famílias tradicionais da cidade teriam sequestrado, entorpecido, estuprado, estrangulado e, depois de morta, carbonizado o corpo de Araceli Cabrera Crespo.

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Na acusação, redigida à época pelo promotor Wolmar Bermudes, o pai de um dos jovens, Dante de Brito Michelini, aparece ainda como cúmplice de toda a história, pois teria acobertado o crime do filho Dante de Barros Michelini, o “Dantinho”, e mantido a menina em cárcere dentro de seu bar.

Marco na luta contra o abuso e a exploração sexual de crianças e adolescentes, o assassinato da menina Araceli Cabrera Crespo, de apenas 8 anos de idade, acaba de completar 50 anos Foto: Reprodução/Acervo Estadão

O outro acusado, Paulo Helal, filho de uma importante família de origem Síria, que fez riqueza com comércio no Espírito Santo, teria sido o responsável por raptar a garota. Na época, a acusação disse que Paulo teria levado a menina, de um bar na Avenida César Hilal, próximo à escola onde ela estudava, para o local onde teriam sido cometidos os crimes.

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A acusação apresentou, em sua versão à época, uma sucessão de fatos envolvendo excesso de drogas e violência, que teriam culminado em um quadro de coma apresentado por Araceli. Levada ao Hospital Infantil, a criança já teria chegado morta ao local e foi então abandonada na mata que ficava aos fundos do prédio.

Diante da situação, os acusados teriam, de acordo com a versão do promotor, utilizado de sua influência para dificultar o trabalho de investigação promovido pela polícia da época. Foi só depois de se trocar o presidente do inquérito, um ano após o crime ocorrido, que as investigações chegaram aos três envolvidos.

Apesar da acusação contra os Dantes Michelini e Paulo Helal ser, ainda hoje, a versão mais propagada do caso, os acusados acabaram inocentados pelo juiz Paulo Copolilo, em 1994, um ano após o crime prescrever. Na sentença, o juiz absolve os três homens por “falta de provas”.

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Procurados pelas reportagens da época e atuais, os acusados não se pronunciam. Já a família de Araceli vive reclusa e, recentemente, seu irmão que vive no Canadá deu entrevistas em que falou da saudade que sente da irmã.

Livro aborda história: ‘É um daqueles casos em que não aprendemos com nossa história’

Cinquenta anos após o desaparecimento e morte de Araceli, foi dado pela primeira vez, acesso aos autos do processo para que servisse de base para a construção de um livro sobre o caso. Ficou ao cargo dos jornalistas Felipe Quintino e Katilaine Chagas ler, estudar e retratar o caso através da publicação que recebeu o nome O Caso Araceli - Mistérios, Abusos e Impunidade pela editora Alameda.

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“A proposta, na verdade, era não ser um livro simplesmente o caso pelo caso, mas um olhar mais crítico e atual. Pois é um caso antigo mas, apesar de ser antigo, não ficou lá atrás. É um daqueles casos em que não aprendemos com nossa história. Ficou impune e não há condenados pelo crime ainda hoje”, conta a coautora.

Pois é um caso antigo mas, apesar de ser antigo, não ficou lá atrás. É um daqueles casos em que não aprendemos com nossa história. Ficou impune e não há condenados pelo crime ainda hoje.

Katilaine Chagas, coautora do livro

Durante o processo de reconstrução das memórias do caso, os autores se depararam com situações até então desconhecidas, ou pouco exploradas pelo noticiário da época. É o caso dos relatos de policiais insatisfeitos com o trabalho investigativo, e também a presença de um outro nome, que figura como suspeito central antes do inquérito chegar aos três acusados.

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“É a primeira vez que alguém tem acesso a todo o processo, de dentro. Acesso a todos os depoimentos catalogados. Depoimentos de policiais com reclamações de como a investigação vinha sendo conduzida. Não fica muito claro como as investigações vinham acontecendo. Para se ter uma ideia, houve quatro presidentes do inquérito até ele ser concluído”, comenta.

Os acusados chegaram a receber condenação, ainda na década de 1980, pelos crimes descritos. Apesar disso, nenhum deles cumpriu um dia sequer de pena devido às brechas fornecidas pela legislação da época.

Presidente e pesquisadora do Núcleo de Estudos da Criança e Adolescente (NECA), da Universidade Federal do Espírito Santo, a professora do curso de Assistência Social Maria Emilia Passamani, descreve o livro como “assustador”, principalmente por ser um caso tão atual e ainda sem desfecho.

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“Sobre o caso, li o livro e achei assustador. A gente tem muita conversa atravessada sobre o caso, e que começa a ser esclarecida ali. Havia um medo que rondava a sociedade naquela época, devido ao período militar. Tinha muito poucas condições técnicas para resolver o caso, fora a interferência. Foi de uma violência brutal, mas que infelizmente, acontece todos os dias no nosso país e os criminosos não foram punidos.”

De acordo com Emilia, os estudos hoje dão conta que a maior parte dos crimes sexuais envolvendo crianças no Brasil são voltados a meninas de até 13 anos. Os abusadores, em sua maior parte, são homens inseridos no ciclo social da vítima.

Em homenagem a Araceli Crespo, o Congresso Nacional instituiu, por meio da Lei 9.970, de 2000, o dia 18 de maio como Dia Nacional de Combate ao Abuso e à Exploração Sexual de Crianças e Adolescentes. A data é lembrada hoje por todo o País, e deu origem, em 2022, à celebração do Maio Laranja, um mês inteiro voltado ao combate e à conscientização sobre os crimes de violência contra menores.

Marco na luta contra o abuso e a exploração sexual de crianças e adolescentes, o assassinato da menina Araceli Cabrera Crespo, de apenas 8 anos de idade, acaba de completar 50 anos sem qualquer conclusão e abre espaço para reflexões sobre a Justiça e a impunidade envolvendo quem comete crimes no Brasil.

Em 18 de maio de 1973, Araceli foi vista pela última vez com vida, no caminho para casa depois da escola em Vitória, no Espírito Santo. A menina, que tinha saído mais cedo da aula, com autorização dos pais, deveria ter entrado em um ônibus que a levaria de um lado ao outro da cidade, mas isso nunca aconteceu. Seis dias depois, em 24 de maio daquele ano, o corpo de Araceli foi encontrado em avançado estado de decomposição, em uma mata nos fundos de um hospital.

Cerca de um ano após a morte de Araceli, as investigações, que já haviam tomado diferentes rumos, chegaram ao ponto em que conhecemos atualmente, onde dois jovens de famílias tradicionais da cidade teriam sequestrado, entorpecido, estuprado, estrangulado e, depois de morta, carbonizado o corpo de Araceli Cabrera Crespo.

Na acusação, redigida à época pelo promotor Wolmar Bermudes, o pai de um dos jovens, Dante de Brito Michelini, aparece ainda como cúmplice de toda a história, pois teria acobertado o crime do filho Dante de Barros Michelini, o “Dantinho”, e mantido a menina em cárcere dentro de seu bar.

Marco na luta contra o abuso e a exploração sexual de crianças e adolescentes, o assassinato da menina Araceli Cabrera Crespo, de apenas 8 anos de idade, acaba de completar 50 anos Foto: Reprodução/Acervo Estadão

O outro acusado, Paulo Helal, filho de uma importante família de origem Síria, que fez riqueza com comércio no Espírito Santo, teria sido o responsável por raptar a garota. Na época, a acusação disse que Paulo teria levado a menina, de um bar na Avenida César Hilal, próximo à escola onde ela estudava, para o local onde teriam sido cometidos os crimes.

A acusação apresentou, em sua versão à época, uma sucessão de fatos envolvendo excesso de drogas e violência, que teriam culminado em um quadro de coma apresentado por Araceli. Levada ao Hospital Infantil, a criança já teria chegado morta ao local e foi então abandonada na mata que ficava aos fundos do prédio.

Diante da situação, os acusados teriam, de acordo com a versão do promotor, utilizado de sua influência para dificultar o trabalho de investigação promovido pela polícia da época. Foi só depois de se trocar o presidente do inquérito, um ano após o crime ocorrido, que as investigações chegaram aos três envolvidos.

Apesar da acusação contra os Dantes Michelini e Paulo Helal ser, ainda hoje, a versão mais propagada do caso, os acusados acabaram inocentados pelo juiz Paulo Copolilo, em 1994, um ano após o crime prescrever. Na sentença, o juiz absolve os três homens por “falta de provas”.

Procurados pelas reportagens da época e atuais, os acusados não se pronunciam. Já a família de Araceli vive reclusa e, recentemente, seu irmão que vive no Canadá deu entrevistas em que falou da saudade que sente da irmã.

Livro aborda história: ‘É um daqueles casos em que não aprendemos com nossa história’

Cinquenta anos após o desaparecimento e morte de Araceli, foi dado pela primeira vez, acesso aos autos do processo para que servisse de base para a construção de um livro sobre o caso. Ficou ao cargo dos jornalistas Felipe Quintino e Katilaine Chagas ler, estudar e retratar o caso através da publicação que recebeu o nome O Caso Araceli - Mistérios, Abusos e Impunidade pela editora Alameda.

“A proposta, na verdade, era não ser um livro simplesmente o caso pelo caso, mas um olhar mais crítico e atual. Pois é um caso antigo mas, apesar de ser antigo, não ficou lá atrás. É um daqueles casos em que não aprendemos com nossa história. Ficou impune e não há condenados pelo crime ainda hoje”, conta a coautora.

Pois é um caso antigo mas, apesar de ser antigo, não ficou lá atrás. É um daqueles casos em que não aprendemos com nossa história. Ficou impune e não há condenados pelo crime ainda hoje.

Katilaine Chagas, coautora do livro

Durante o processo de reconstrução das memórias do caso, os autores se depararam com situações até então desconhecidas, ou pouco exploradas pelo noticiário da época. É o caso dos relatos de policiais insatisfeitos com o trabalho investigativo, e também a presença de um outro nome, que figura como suspeito central antes do inquérito chegar aos três acusados.

“É a primeira vez que alguém tem acesso a todo o processo, de dentro. Acesso a todos os depoimentos catalogados. Depoimentos de policiais com reclamações de como a investigação vinha sendo conduzida. Não fica muito claro como as investigações vinham acontecendo. Para se ter uma ideia, houve quatro presidentes do inquérito até ele ser concluído”, comenta.

Os acusados chegaram a receber condenação, ainda na década de 1980, pelos crimes descritos. Apesar disso, nenhum deles cumpriu um dia sequer de pena devido às brechas fornecidas pela legislação da época.

Presidente e pesquisadora do Núcleo de Estudos da Criança e Adolescente (NECA), da Universidade Federal do Espírito Santo, a professora do curso de Assistência Social Maria Emilia Passamani, descreve o livro como “assustador”, principalmente por ser um caso tão atual e ainda sem desfecho.

“Sobre o caso, li o livro e achei assustador. A gente tem muita conversa atravessada sobre o caso, e que começa a ser esclarecida ali. Havia um medo que rondava a sociedade naquela época, devido ao período militar. Tinha muito poucas condições técnicas para resolver o caso, fora a interferência. Foi de uma violência brutal, mas que infelizmente, acontece todos os dias no nosso país e os criminosos não foram punidos.”

De acordo com Emilia, os estudos hoje dão conta que a maior parte dos crimes sexuais envolvendo crianças no Brasil são voltados a meninas de até 13 anos. Os abusadores, em sua maior parte, são homens inseridos no ciclo social da vítima.

Em homenagem a Araceli Crespo, o Congresso Nacional instituiu, por meio da Lei 9.970, de 2000, o dia 18 de maio como Dia Nacional de Combate ao Abuso e à Exploração Sexual de Crianças e Adolescentes. A data é lembrada hoje por todo o País, e deu origem, em 2022, à celebração do Maio Laranja, um mês inteiro voltado ao combate e à conscientização sobre os crimes de violência contra menores.

Marco na luta contra o abuso e a exploração sexual de crianças e adolescentes, o assassinato da menina Araceli Cabrera Crespo, de apenas 8 anos de idade, acaba de completar 50 anos sem qualquer conclusão e abre espaço para reflexões sobre a Justiça e a impunidade envolvendo quem comete crimes no Brasil.

Em 18 de maio de 1973, Araceli foi vista pela última vez com vida, no caminho para casa depois da escola em Vitória, no Espírito Santo. A menina, que tinha saído mais cedo da aula, com autorização dos pais, deveria ter entrado em um ônibus que a levaria de um lado ao outro da cidade, mas isso nunca aconteceu. Seis dias depois, em 24 de maio daquele ano, o corpo de Araceli foi encontrado em avançado estado de decomposição, em uma mata nos fundos de um hospital.

Cerca de um ano após a morte de Araceli, as investigações, que já haviam tomado diferentes rumos, chegaram ao ponto em que conhecemos atualmente, onde dois jovens de famílias tradicionais da cidade teriam sequestrado, entorpecido, estuprado, estrangulado e, depois de morta, carbonizado o corpo de Araceli Cabrera Crespo.

Na acusação, redigida à época pelo promotor Wolmar Bermudes, o pai de um dos jovens, Dante de Brito Michelini, aparece ainda como cúmplice de toda a história, pois teria acobertado o crime do filho Dante de Barros Michelini, o “Dantinho”, e mantido a menina em cárcere dentro de seu bar.

Marco na luta contra o abuso e a exploração sexual de crianças e adolescentes, o assassinato da menina Araceli Cabrera Crespo, de apenas 8 anos de idade, acaba de completar 50 anos Foto: Reprodução/Acervo Estadão

O outro acusado, Paulo Helal, filho de uma importante família de origem Síria, que fez riqueza com comércio no Espírito Santo, teria sido o responsável por raptar a garota. Na época, a acusação disse que Paulo teria levado a menina, de um bar na Avenida César Hilal, próximo à escola onde ela estudava, para o local onde teriam sido cometidos os crimes.

A acusação apresentou, em sua versão à época, uma sucessão de fatos envolvendo excesso de drogas e violência, que teriam culminado em um quadro de coma apresentado por Araceli. Levada ao Hospital Infantil, a criança já teria chegado morta ao local e foi então abandonada na mata que ficava aos fundos do prédio.

Diante da situação, os acusados teriam, de acordo com a versão do promotor, utilizado de sua influência para dificultar o trabalho de investigação promovido pela polícia da época. Foi só depois de se trocar o presidente do inquérito, um ano após o crime ocorrido, que as investigações chegaram aos três envolvidos.

Apesar da acusação contra os Dantes Michelini e Paulo Helal ser, ainda hoje, a versão mais propagada do caso, os acusados acabaram inocentados pelo juiz Paulo Copolilo, em 1994, um ano após o crime prescrever. Na sentença, o juiz absolve os três homens por “falta de provas”.

Procurados pelas reportagens da época e atuais, os acusados não se pronunciam. Já a família de Araceli vive reclusa e, recentemente, seu irmão que vive no Canadá deu entrevistas em que falou da saudade que sente da irmã.

Livro aborda história: ‘É um daqueles casos em que não aprendemos com nossa história’

Cinquenta anos após o desaparecimento e morte de Araceli, foi dado pela primeira vez, acesso aos autos do processo para que servisse de base para a construção de um livro sobre o caso. Ficou ao cargo dos jornalistas Felipe Quintino e Katilaine Chagas ler, estudar e retratar o caso através da publicação que recebeu o nome O Caso Araceli - Mistérios, Abusos e Impunidade pela editora Alameda.

“A proposta, na verdade, era não ser um livro simplesmente o caso pelo caso, mas um olhar mais crítico e atual. Pois é um caso antigo mas, apesar de ser antigo, não ficou lá atrás. É um daqueles casos em que não aprendemos com nossa história. Ficou impune e não há condenados pelo crime ainda hoje”, conta a coautora.

Pois é um caso antigo mas, apesar de ser antigo, não ficou lá atrás. É um daqueles casos em que não aprendemos com nossa história. Ficou impune e não há condenados pelo crime ainda hoje.

Katilaine Chagas, coautora do livro

Durante o processo de reconstrução das memórias do caso, os autores se depararam com situações até então desconhecidas, ou pouco exploradas pelo noticiário da época. É o caso dos relatos de policiais insatisfeitos com o trabalho investigativo, e também a presença de um outro nome, que figura como suspeito central antes do inquérito chegar aos três acusados.

“É a primeira vez que alguém tem acesso a todo o processo, de dentro. Acesso a todos os depoimentos catalogados. Depoimentos de policiais com reclamações de como a investigação vinha sendo conduzida. Não fica muito claro como as investigações vinham acontecendo. Para se ter uma ideia, houve quatro presidentes do inquérito até ele ser concluído”, comenta.

Os acusados chegaram a receber condenação, ainda na década de 1980, pelos crimes descritos. Apesar disso, nenhum deles cumpriu um dia sequer de pena devido às brechas fornecidas pela legislação da época.

Presidente e pesquisadora do Núcleo de Estudos da Criança e Adolescente (NECA), da Universidade Federal do Espírito Santo, a professora do curso de Assistência Social Maria Emilia Passamani, descreve o livro como “assustador”, principalmente por ser um caso tão atual e ainda sem desfecho.

“Sobre o caso, li o livro e achei assustador. A gente tem muita conversa atravessada sobre o caso, e que começa a ser esclarecida ali. Havia um medo que rondava a sociedade naquela época, devido ao período militar. Tinha muito poucas condições técnicas para resolver o caso, fora a interferência. Foi de uma violência brutal, mas que infelizmente, acontece todos os dias no nosso país e os criminosos não foram punidos.”

De acordo com Emilia, os estudos hoje dão conta que a maior parte dos crimes sexuais envolvendo crianças no Brasil são voltados a meninas de até 13 anos. Os abusadores, em sua maior parte, são homens inseridos no ciclo social da vítima.

Em homenagem a Araceli Crespo, o Congresso Nacional instituiu, por meio da Lei 9.970, de 2000, o dia 18 de maio como Dia Nacional de Combate ao Abuso e à Exploração Sexual de Crianças e Adolescentes. A data é lembrada hoje por todo o País, e deu origem, em 2022, à celebração do Maio Laranja, um mês inteiro voltado ao combate e à conscientização sobre os crimes de violência contra menores.

Marco na luta contra o abuso e a exploração sexual de crianças e adolescentes, o assassinato da menina Araceli Cabrera Crespo, de apenas 8 anos de idade, acaba de completar 50 anos sem qualquer conclusão e abre espaço para reflexões sobre a Justiça e a impunidade envolvendo quem comete crimes no Brasil.

Em 18 de maio de 1973, Araceli foi vista pela última vez com vida, no caminho para casa depois da escola em Vitória, no Espírito Santo. A menina, que tinha saído mais cedo da aula, com autorização dos pais, deveria ter entrado em um ônibus que a levaria de um lado ao outro da cidade, mas isso nunca aconteceu. Seis dias depois, em 24 de maio daquele ano, o corpo de Araceli foi encontrado em avançado estado de decomposição, em uma mata nos fundos de um hospital.

Cerca de um ano após a morte de Araceli, as investigações, que já haviam tomado diferentes rumos, chegaram ao ponto em que conhecemos atualmente, onde dois jovens de famílias tradicionais da cidade teriam sequestrado, entorpecido, estuprado, estrangulado e, depois de morta, carbonizado o corpo de Araceli Cabrera Crespo.

Na acusação, redigida à época pelo promotor Wolmar Bermudes, o pai de um dos jovens, Dante de Brito Michelini, aparece ainda como cúmplice de toda a história, pois teria acobertado o crime do filho Dante de Barros Michelini, o “Dantinho”, e mantido a menina em cárcere dentro de seu bar.

Marco na luta contra o abuso e a exploração sexual de crianças e adolescentes, o assassinato da menina Araceli Cabrera Crespo, de apenas 8 anos de idade, acaba de completar 50 anos Foto: Reprodução/Acervo Estadão

O outro acusado, Paulo Helal, filho de uma importante família de origem Síria, que fez riqueza com comércio no Espírito Santo, teria sido o responsável por raptar a garota. Na época, a acusação disse que Paulo teria levado a menina, de um bar na Avenida César Hilal, próximo à escola onde ela estudava, para o local onde teriam sido cometidos os crimes.

A acusação apresentou, em sua versão à época, uma sucessão de fatos envolvendo excesso de drogas e violência, que teriam culminado em um quadro de coma apresentado por Araceli. Levada ao Hospital Infantil, a criança já teria chegado morta ao local e foi então abandonada na mata que ficava aos fundos do prédio.

Diante da situação, os acusados teriam, de acordo com a versão do promotor, utilizado de sua influência para dificultar o trabalho de investigação promovido pela polícia da época. Foi só depois de se trocar o presidente do inquérito, um ano após o crime ocorrido, que as investigações chegaram aos três envolvidos.

Apesar da acusação contra os Dantes Michelini e Paulo Helal ser, ainda hoje, a versão mais propagada do caso, os acusados acabaram inocentados pelo juiz Paulo Copolilo, em 1994, um ano após o crime prescrever. Na sentença, o juiz absolve os três homens por “falta de provas”.

Procurados pelas reportagens da época e atuais, os acusados não se pronunciam. Já a família de Araceli vive reclusa e, recentemente, seu irmão que vive no Canadá deu entrevistas em que falou da saudade que sente da irmã.

Livro aborda história: ‘É um daqueles casos em que não aprendemos com nossa história’

Cinquenta anos após o desaparecimento e morte de Araceli, foi dado pela primeira vez, acesso aos autos do processo para que servisse de base para a construção de um livro sobre o caso. Ficou ao cargo dos jornalistas Felipe Quintino e Katilaine Chagas ler, estudar e retratar o caso através da publicação que recebeu o nome O Caso Araceli - Mistérios, Abusos e Impunidade pela editora Alameda.

“A proposta, na verdade, era não ser um livro simplesmente o caso pelo caso, mas um olhar mais crítico e atual. Pois é um caso antigo mas, apesar de ser antigo, não ficou lá atrás. É um daqueles casos em que não aprendemos com nossa história. Ficou impune e não há condenados pelo crime ainda hoje”, conta a coautora.

Pois é um caso antigo mas, apesar de ser antigo, não ficou lá atrás. É um daqueles casos em que não aprendemos com nossa história. Ficou impune e não há condenados pelo crime ainda hoje.

Katilaine Chagas, coautora do livro

Durante o processo de reconstrução das memórias do caso, os autores se depararam com situações até então desconhecidas, ou pouco exploradas pelo noticiário da época. É o caso dos relatos de policiais insatisfeitos com o trabalho investigativo, e também a presença de um outro nome, que figura como suspeito central antes do inquérito chegar aos três acusados.

“É a primeira vez que alguém tem acesso a todo o processo, de dentro. Acesso a todos os depoimentos catalogados. Depoimentos de policiais com reclamações de como a investigação vinha sendo conduzida. Não fica muito claro como as investigações vinham acontecendo. Para se ter uma ideia, houve quatro presidentes do inquérito até ele ser concluído”, comenta.

Os acusados chegaram a receber condenação, ainda na década de 1980, pelos crimes descritos. Apesar disso, nenhum deles cumpriu um dia sequer de pena devido às brechas fornecidas pela legislação da época.

Presidente e pesquisadora do Núcleo de Estudos da Criança e Adolescente (NECA), da Universidade Federal do Espírito Santo, a professora do curso de Assistência Social Maria Emilia Passamani, descreve o livro como “assustador”, principalmente por ser um caso tão atual e ainda sem desfecho.

“Sobre o caso, li o livro e achei assustador. A gente tem muita conversa atravessada sobre o caso, e que começa a ser esclarecida ali. Havia um medo que rondava a sociedade naquela época, devido ao período militar. Tinha muito poucas condições técnicas para resolver o caso, fora a interferência. Foi de uma violência brutal, mas que infelizmente, acontece todos os dias no nosso país e os criminosos não foram punidos.”

De acordo com Emilia, os estudos hoje dão conta que a maior parte dos crimes sexuais envolvendo crianças no Brasil são voltados a meninas de até 13 anos. Os abusadores, em sua maior parte, são homens inseridos no ciclo social da vítima.

Em homenagem a Araceli Crespo, o Congresso Nacional instituiu, por meio da Lei 9.970, de 2000, o dia 18 de maio como Dia Nacional de Combate ao Abuso e à Exploração Sexual de Crianças e Adolescentes. A data é lembrada hoje por todo o País, e deu origem, em 2022, à celebração do Maio Laranja, um mês inteiro voltado ao combate e à conscientização sobre os crimes de violência contra menores.

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