Avanço do garimpo ilegal traz doenças e violência para reserva Yanomami


Invasão de mineradores em área protegida contamina rios, afugenta animais e tira alimento dos indígenas; aumento da malária e da fome é agravado pela desassistência

Por Emilio Sant'Anna e Cyneida Correia

SÃO PAULO E BOA VISTA - Por trás do quadro de desnutrição e dos problemas de saúde que assolam a população Yanomami, na Amazônia, estão as omissões no combate ao garimpo, que teve avanço desenfreado na região nos últimos anos. Entre os efeitos da invasão pela mineração irregular, estão a contaminação dos rios com mercúrio, a destruição das roças das comunidades e a fuga dos animais que servem de alimentos. Além disso, o contato com os homens brancos também resulta na transmissão de doenças que podem ser fatais para os indígenas, como a gripe e a covid-19.

Na semana passada, o governo federal declarou emergência em saúde na reserva Yanomami, que tem 30,4 mil habitantes. No total, são 9,6 milhões de hectares, entre o Brasil (Amazonas e Roraima) e a Venezuela. “É um processo que não pode ser dissociado do garimpo, que levou violência, mudanças culturais, contaminação por mercúrio dos rios e insegurança alimentar”, diz Vinícius Zanatto, do Grupo de Pesquisas em Territorialidade e Segurança Socioambiental na Amazônia, do Instituto Mamirauá, entidade que tem fomento e supervisão do Ministério da Ciência e Tecnologia.

A Força Aérea Brasileira embarcou no início desta tarde de segunda-feira, 23, na Base aérea de Brasília, um grupo de 12 profissionais de saúde, entre eles médicos, enfermeiros e técnicos para ajudar os povos Yanomamis. Foto: Wilton Júnior/Estadão
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“As crianças estão desnutridas de malária, diarreia e verme, porque o governo federal abandonou a população Yanomami”, diz Dário Kopenawa, liderança Yanomami e filho do xamã Davi Kopenawa, um dos principais defensores da demarcação da terra indígena há três décadas. “Não tem medicamentos nem profissionais para dar assistência”, disse. Segundo o governo federal, foram sete mortes de crianças neste mês e 11,5 mil casos de malária no ano passado.

Trata-se da reedição do cenário que marcou a região no início da década de 1990, quando era estimada a presença de até 45 mil garimpeiros ilegais nas terras então não demarcadas dos Yanomami. As projeções indicam hoje cerca de 20 mil garimpeiros.

A presença dos mineradores ilegais tem sido uma constante desde a demarcação do território, em 1992, mas nos últimos quatro anos a irregularidade encontrou espaço para crescer ainda mais, com o enfraquecimento dos órgãos de apoio indígena e do combate aos crimes ambientais na gestão Jair Bolsonaro (PL).

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Segundo dados da plataforma MapBiomas, de 2010 a 2020, a área ocupada pelo garimpo dentro de terras indígenas, no Brasil, cresceu 495%. As maiores áreas de garimpo em terras indígenas estão em território Kayapó (7.602 ha) e Munduruku (1.592 ha), no Pará, e Yanomami (414 ha), no Amazonas e Roraima.

Invasores

A imagem dos Yanomami famélicos e desnutridos é o ponto de convergência do processo de convivência da etnia com, além de garimpeiros, caçadores, o narcotráfico e a violência que impedem que mantenham suas tradições e a, por exemplo, usarem as terras onde costumavam plantar e coletar itens de subsistência, como mandioca e abóbora.

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“O barulho dos maquinários – dragas nos rios, motobombas para a destruição das margens dos rios e da floresta para a extração mineral – afugenta a caça. E a contaminação mata os peixes”, afirma o padre Corrado Dalmonego, do Conselho Indigenista Missionário (Cimi) e há 15 anos envolvido em missões com os Yanomami.

A situação de calamidade se estende para a expansão do uso de mercúrio pelos garimpeiros para separar o ouro da terra do leito dos rios. Estudo da Fiocruz, de 2019, revelou a contaminação por mercúrio em mulheres e crianças, das aldeias de Maturacá e Ariabu, localizadas na região de Maturacá, no Amazonas. Foram analisadas amostras de cabelo de 300 pessoas, 56% delas apresentaram concentrações de mercúrio acima do limite estabelecido pela Organização Mundial da Saúde (OMS), que é de 2 microgramas por grama (ou ppm).

Em 4% da população analisada, havia concentrações acima de 6 microgramas por grama, visto como o limite para o surgimento de efeitos adversos à saúde. A partir dessa concentração de mercúrio no cabelo, sobe o risco de surgirem danos neurológicos graves. “O mercúrio deixa resíduos, que são comidos principalmente por peixes que ficam no leito dos rios e contaminam as pessoas depois”, diz Zanatto.

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Violência

Além do desmate da floresta e da destruição dos rios, casos de violência explodiram. Em 2021, a Associação Yanomami Hutukara denunciou a morte de duas crianças Yanomami na comunidade de Palimiu, em decorrência do conflito com garimpeiros.

Diante da falta de assistência e perspectiva, é comum ver indígenas Yanomami transitando pelas ruas de Boa Vista. Na maioria dos casos, além de estarem em situação de vulnerabilidade, eles não falam português. Nos últimos meses, vários vídeos flagraram indígenas no meio da rua, correndo entre os carros e quase sendo atropelados.

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Jailson Mesquita, presidente do movimento Garimpo é Legal, de Roraima, afirma que o garimpo não é responsável pela crise na saúde na área dos Yanomami. “Garimpo não tem nada a ver com a incompetência do governo em atender a saúde indígena”, afirma.

Dário Kopenawa, vice-presidente da Hutukara Associação Yanomami, em coletiva de imprensa Foto: eliseupaesph

Além da ameaça das atividades irregulares, a gestão da saúde da área Yanomami foi alvo de suspeitas de desvio no uso de verba para compra de remédios, conforme mostrou o Estadão nesta segunda-feira, 23. A suspeita apontada pelo Ministério Público Federal (MPF) era de que só 30% de mais de 90 tipos de medicamentos fornecidos por uma das empresas contratadas pelo distrito sanitário indígena local (DSEI-Y) teriam sido devidamente entregues. O Estadão não conseguiu contato com o ex-ministro da Saúde Marcelo Queiroga para comentar as denúncias.

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Em mensagem na rede Telegram, Bolsonaro chamou a crise na saúde Yanomami de “farsa da esquerda” e disse que a saúde indígena foi uma das prioridades do seu governo, destacando a atuação na pandemia. Nos últimos quatro anos, o ex-presidente defendeu a flexibilização do garimpo em áreas indígenas. O Ministério da Justiça, da gestão Lula (PT), disse que a Polícia Federal vai investigar a atuação do governo Bolsonaro no caso Yanomami. /COLABOROU LEON FERRARI

SÃO PAULO E BOA VISTA - Por trás do quadro de desnutrição e dos problemas de saúde que assolam a população Yanomami, na Amazônia, estão as omissões no combate ao garimpo, que teve avanço desenfreado na região nos últimos anos. Entre os efeitos da invasão pela mineração irregular, estão a contaminação dos rios com mercúrio, a destruição das roças das comunidades e a fuga dos animais que servem de alimentos. Além disso, o contato com os homens brancos também resulta na transmissão de doenças que podem ser fatais para os indígenas, como a gripe e a covid-19.

Na semana passada, o governo federal declarou emergência em saúde na reserva Yanomami, que tem 30,4 mil habitantes. No total, são 9,6 milhões de hectares, entre o Brasil (Amazonas e Roraima) e a Venezuela. “É um processo que não pode ser dissociado do garimpo, que levou violência, mudanças culturais, contaminação por mercúrio dos rios e insegurança alimentar”, diz Vinícius Zanatto, do Grupo de Pesquisas em Territorialidade e Segurança Socioambiental na Amazônia, do Instituto Mamirauá, entidade que tem fomento e supervisão do Ministério da Ciência e Tecnologia.

A Força Aérea Brasileira embarcou no início desta tarde de segunda-feira, 23, na Base aérea de Brasília, um grupo de 12 profissionais de saúde, entre eles médicos, enfermeiros e técnicos para ajudar os povos Yanomamis. Foto: Wilton Júnior/Estadão

“As crianças estão desnutridas de malária, diarreia e verme, porque o governo federal abandonou a população Yanomami”, diz Dário Kopenawa, liderança Yanomami e filho do xamã Davi Kopenawa, um dos principais defensores da demarcação da terra indígena há três décadas. “Não tem medicamentos nem profissionais para dar assistência”, disse. Segundo o governo federal, foram sete mortes de crianças neste mês e 11,5 mil casos de malária no ano passado.

Trata-se da reedição do cenário que marcou a região no início da década de 1990, quando era estimada a presença de até 45 mil garimpeiros ilegais nas terras então não demarcadas dos Yanomami. As projeções indicam hoje cerca de 20 mil garimpeiros.

A presença dos mineradores ilegais tem sido uma constante desde a demarcação do território, em 1992, mas nos últimos quatro anos a irregularidade encontrou espaço para crescer ainda mais, com o enfraquecimento dos órgãos de apoio indígena e do combate aos crimes ambientais na gestão Jair Bolsonaro (PL).

Segundo dados da plataforma MapBiomas, de 2010 a 2020, a área ocupada pelo garimpo dentro de terras indígenas, no Brasil, cresceu 495%. As maiores áreas de garimpo em terras indígenas estão em território Kayapó (7.602 ha) e Munduruku (1.592 ha), no Pará, e Yanomami (414 ha), no Amazonas e Roraima.

Invasores

A imagem dos Yanomami famélicos e desnutridos é o ponto de convergência do processo de convivência da etnia com, além de garimpeiros, caçadores, o narcotráfico e a violência que impedem que mantenham suas tradições e a, por exemplo, usarem as terras onde costumavam plantar e coletar itens de subsistência, como mandioca e abóbora.

“O barulho dos maquinários – dragas nos rios, motobombas para a destruição das margens dos rios e da floresta para a extração mineral – afugenta a caça. E a contaminação mata os peixes”, afirma o padre Corrado Dalmonego, do Conselho Indigenista Missionário (Cimi) e há 15 anos envolvido em missões com os Yanomami.

A situação de calamidade se estende para a expansão do uso de mercúrio pelos garimpeiros para separar o ouro da terra do leito dos rios. Estudo da Fiocruz, de 2019, revelou a contaminação por mercúrio em mulheres e crianças, das aldeias de Maturacá e Ariabu, localizadas na região de Maturacá, no Amazonas. Foram analisadas amostras de cabelo de 300 pessoas, 56% delas apresentaram concentrações de mercúrio acima do limite estabelecido pela Organização Mundial da Saúde (OMS), que é de 2 microgramas por grama (ou ppm).

Em 4% da população analisada, havia concentrações acima de 6 microgramas por grama, visto como o limite para o surgimento de efeitos adversos à saúde. A partir dessa concentração de mercúrio no cabelo, sobe o risco de surgirem danos neurológicos graves. “O mercúrio deixa resíduos, que são comidos principalmente por peixes que ficam no leito dos rios e contaminam as pessoas depois”, diz Zanatto.

Violência

Além do desmate da floresta e da destruição dos rios, casos de violência explodiram. Em 2021, a Associação Yanomami Hutukara denunciou a morte de duas crianças Yanomami na comunidade de Palimiu, em decorrência do conflito com garimpeiros.

Diante da falta de assistência e perspectiva, é comum ver indígenas Yanomami transitando pelas ruas de Boa Vista. Na maioria dos casos, além de estarem em situação de vulnerabilidade, eles não falam português. Nos últimos meses, vários vídeos flagraram indígenas no meio da rua, correndo entre os carros e quase sendo atropelados.

Jailson Mesquita, presidente do movimento Garimpo é Legal, de Roraima, afirma que o garimpo não é responsável pela crise na saúde na área dos Yanomami. “Garimpo não tem nada a ver com a incompetência do governo em atender a saúde indígena”, afirma.

Dário Kopenawa, vice-presidente da Hutukara Associação Yanomami, em coletiva de imprensa Foto: eliseupaesph

Além da ameaça das atividades irregulares, a gestão da saúde da área Yanomami foi alvo de suspeitas de desvio no uso de verba para compra de remédios, conforme mostrou o Estadão nesta segunda-feira, 23. A suspeita apontada pelo Ministério Público Federal (MPF) era de que só 30% de mais de 90 tipos de medicamentos fornecidos por uma das empresas contratadas pelo distrito sanitário indígena local (DSEI-Y) teriam sido devidamente entregues. O Estadão não conseguiu contato com o ex-ministro da Saúde Marcelo Queiroga para comentar as denúncias.

Em mensagem na rede Telegram, Bolsonaro chamou a crise na saúde Yanomami de “farsa da esquerda” e disse que a saúde indígena foi uma das prioridades do seu governo, destacando a atuação na pandemia. Nos últimos quatro anos, o ex-presidente defendeu a flexibilização do garimpo em áreas indígenas. O Ministério da Justiça, da gestão Lula (PT), disse que a Polícia Federal vai investigar a atuação do governo Bolsonaro no caso Yanomami. /COLABOROU LEON FERRARI

SÃO PAULO E BOA VISTA - Por trás do quadro de desnutrição e dos problemas de saúde que assolam a população Yanomami, na Amazônia, estão as omissões no combate ao garimpo, que teve avanço desenfreado na região nos últimos anos. Entre os efeitos da invasão pela mineração irregular, estão a contaminação dos rios com mercúrio, a destruição das roças das comunidades e a fuga dos animais que servem de alimentos. Além disso, o contato com os homens brancos também resulta na transmissão de doenças que podem ser fatais para os indígenas, como a gripe e a covid-19.

Na semana passada, o governo federal declarou emergência em saúde na reserva Yanomami, que tem 30,4 mil habitantes. No total, são 9,6 milhões de hectares, entre o Brasil (Amazonas e Roraima) e a Venezuela. “É um processo que não pode ser dissociado do garimpo, que levou violência, mudanças culturais, contaminação por mercúrio dos rios e insegurança alimentar”, diz Vinícius Zanatto, do Grupo de Pesquisas em Territorialidade e Segurança Socioambiental na Amazônia, do Instituto Mamirauá, entidade que tem fomento e supervisão do Ministério da Ciência e Tecnologia.

A Força Aérea Brasileira embarcou no início desta tarde de segunda-feira, 23, na Base aérea de Brasília, um grupo de 12 profissionais de saúde, entre eles médicos, enfermeiros e técnicos para ajudar os povos Yanomamis. Foto: Wilton Júnior/Estadão

“As crianças estão desnutridas de malária, diarreia e verme, porque o governo federal abandonou a população Yanomami”, diz Dário Kopenawa, liderança Yanomami e filho do xamã Davi Kopenawa, um dos principais defensores da demarcação da terra indígena há três décadas. “Não tem medicamentos nem profissionais para dar assistência”, disse. Segundo o governo federal, foram sete mortes de crianças neste mês e 11,5 mil casos de malária no ano passado.

Trata-se da reedição do cenário que marcou a região no início da década de 1990, quando era estimada a presença de até 45 mil garimpeiros ilegais nas terras então não demarcadas dos Yanomami. As projeções indicam hoje cerca de 20 mil garimpeiros.

A presença dos mineradores ilegais tem sido uma constante desde a demarcação do território, em 1992, mas nos últimos quatro anos a irregularidade encontrou espaço para crescer ainda mais, com o enfraquecimento dos órgãos de apoio indígena e do combate aos crimes ambientais na gestão Jair Bolsonaro (PL).

Segundo dados da plataforma MapBiomas, de 2010 a 2020, a área ocupada pelo garimpo dentro de terras indígenas, no Brasil, cresceu 495%. As maiores áreas de garimpo em terras indígenas estão em território Kayapó (7.602 ha) e Munduruku (1.592 ha), no Pará, e Yanomami (414 ha), no Amazonas e Roraima.

Invasores

A imagem dos Yanomami famélicos e desnutridos é o ponto de convergência do processo de convivência da etnia com, além de garimpeiros, caçadores, o narcotráfico e a violência que impedem que mantenham suas tradições e a, por exemplo, usarem as terras onde costumavam plantar e coletar itens de subsistência, como mandioca e abóbora.

“O barulho dos maquinários – dragas nos rios, motobombas para a destruição das margens dos rios e da floresta para a extração mineral – afugenta a caça. E a contaminação mata os peixes”, afirma o padre Corrado Dalmonego, do Conselho Indigenista Missionário (Cimi) e há 15 anos envolvido em missões com os Yanomami.

A situação de calamidade se estende para a expansão do uso de mercúrio pelos garimpeiros para separar o ouro da terra do leito dos rios. Estudo da Fiocruz, de 2019, revelou a contaminação por mercúrio em mulheres e crianças, das aldeias de Maturacá e Ariabu, localizadas na região de Maturacá, no Amazonas. Foram analisadas amostras de cabelo de 300 pessoas, 56% delas apresentaram concentrações de mercúrio acima do limite estabelecido pela Organização Mundial da Saúde (OMS), que é de 2 microgramas por grama (ou ppm).

Em 4% da população analisada, havia concentrações acima de 6 microgramas por grama, visto como o limite para o surgimento de efeitos adversos à saúde. A partir dessa concentração de mercúrio no cabelo, sobe o risco de surgirem danos neurológicos graves. “O mercúrio deixa resíduos, que são comidos principalmente por peixes que ficam no leito dos rios e contaminam as pessoas depois”, diz Zanatto.

Violência

Além do desmate da floresta e da destruição dos rios, casos de violência explodiram. Em 2021, a Associação Yanomami Hutukara denunciou a morte de duas crianças Yanomami na comunidade de Palimiu, em decorrência do conflito com garimpeiros.

Diante da falta de assistência e perspectiva, é comum ver indígenas Yanomami transitando pelas ruas de Boa Vista. Na maioria dos casos, além de estarem em situação de vulnerabilidade, eles não falam português. Nos últimos meses, vários vídeos flagraram indígenas no meio da rua, correndo entre os carros e quase sendo atropelados.

Jailson Mesquita, presidente do movimento Garimpo é Legal, de Roraima, afirma que o garimpo não é responsável pela crise na saúde na área dos Yanomami. “Garimpo não tem nada a ver com a incompetência do governo em atender a saúde indígena”, afirma.

Dário Kopenawa, vice-presidente da Hutukara Associação Yanomami, em coletiva de imprensa Foto: eliseupaesph

Além da ameaça das atividades irregulares, a gestão da saúde da área Yanomami foi alvo de suspeitas de desvio no uso de verba para compra de remédios, conforme mostrou o Estadão nesta segunda-feira, 23. A suspeita apontada pelo Ministério Público Federal (MPF) era de que só 30% de mais de 90 tipos de medicamentos fornecidos por uma das empresas contratadas pelo distrito sanitário indígena local (DSEI-Y) teriam sido devidamente entregues. O Estadão não conseguiu contato com o ex-ministro da Saúde Marcelo Queiroga para comentar as denúncias.

Em mensagem na rede Telegram, Bolsonaro chamou a crise na saúde Yanomami de “farsa da esquerda” e disse que a saúde indígena foi uma das prioridades do seu governo, destacando a atuação na pandemia. Nos últimos quatro anos, o ex-presidente defendeu a flexibilização do garimpo em áreas indígenas. O Ministério da Justiça, da gestão Lula (PT), disse que a Polícia Federal vai investigar a atuação do governo Bolsonaro no caso Yanomami. /COLABOROU LEON FERRARI

SÃO PAULO E BOA VISTA - Por trás do quadro de desnutrição e dos problemas de saúde que assolam a população Yanomami, na Amazônia, estão as omissões no combate ao garimpo, que teve avanço desenfreado na região nos últimos anos. Entre os efeitos da invasão pela mineração irregular, estão a contaminação dos rios com mercúrio, a destruição das roças das comunidades e a fuga dos animais que servem de alimentos. Além disso, o contato com os homens brancos também resulta na transmissão de doenças que podem ser fatais para os indígenas, como a gripe e a covid-19.

Na semana passada, o governo federal declarou emergência em saúde na reserva Yanomami, que tem 30,4 mil habitantes. No total, são 9,6 milhões de hectares, entre o Brasil (Amazonas e Roraima) e a Venezuela. “É um processo que não pode ser dissociado do garimpo, que levou violência, mudanças culturais, contaminação por mercúrio dos rios e insegurança alimentar”, diz Vinícius Zanatto, do Grupo de Pesquisas em Territorialidade e Segurança Socioambiental na Amazônia, do Instituto Mamirauá, entidade que tem fomento e supervisão do Ministério da Ciência e Tecnologia.

A Força Aérea Brasileira embarcou no início desta tarde de segunda-feira, 23, na Base aérea de Brasília, um grupo de 12 profissionais de saúde, entre eles médicos, enfermeiros e técnicos para ajudar os povos Yanomamis. Foto: Wilton Júnior/Estadão

“As crianças estão desnutridas de malária, diarreia e verme, porque o governo federal abandonou a população Yanomami”, diz Dário Kopenawa, liderança Yanomami e filho do xamã Davi Kopenawa, um dos principais defensores da demarcação da terra indígena há três décadas. “Não tem medicamentos nem profissionais para dar assistência”, disse. Segundo o governo federal, foram sete mortes de crianças neste mês e 11,5 mil casos de malária no ano passado.

Trata-se da reedição do cenário que marcou a região no início da década de 1990, quando era estimada a presença de até 45 mil garimpeiros ilegais nas terras então não demarcadas dos Yanomami. As projeções indicam hoje cerca de 20 mil garimpeiros.

A presença dos mineradores ilegais tem sido uma constante desde a demarcação do território, em 1992, mas nos últimos quatro anos a irregularidade encontrou espaço para crescer ainda mais, com o enfraquecimento dos órgãos de apoio indígena e do combate aos crimes ambientais na gestão Jair Bolsonaro (PL).

Segundo dados da plataforma MapBiomas, de 2010 a 2020, a área ocupada pelo garimpo dentro de terras indígenas, no Brasil, cresceu 495%. As maiores áreas de garimpo em terras indígenas estão em território Kayapó (7.602 ha) e Munduruku (1.592 ha), no Pará, e Yanomami (414 ha), no Amazonas e Roraima.

Invasores

A imagem dos Yanomami famélicos e desnutridos é o ponto de convergência do processo de convivência da etnia com, além de garimpeiros, caçadores, o narcotráfico e a violência que impedem que mantenham suas tradições e a, por exemplo, usarem as terras onde costumavam plantar e coletar itens de subsistência, como mandioca e abóbora.

“O barulho dos maquinários – dragas nos rios, motobombas para a destruição das margens dos rios e da floresta para a extração mineral – afugenta a caça. E a contaminação mata os peixes”, afirma o padre Corrado Dalmonego, do Conselho Indigenista Missionário (Cimi) e há 15 anos envolvido em missões com os Yanomami.

A situação de calamidade se estende para a expansão do uso de mercúrio pelos garimpeiros para separar o ouro da terra do leito dos rios. Estudo da Fiocruz, de 2019, revelou a contaminação por mercúrio em mulheres e crianças, das aldeias de Maturacá e Ariabu, localizadas na região de Maturacá, no Amazonas. Foram analisadas amostras de cabelo de 300 pessoas, 56% delas apresentaram concentrações de mercúrio acima do limite estabelecido pela Organização Mundial da Saúde (OMS), que é de 2 microgramas por grama (ou ppm).

Em 4% da população analisada, havia concentrações acima de 6 microgramas por grama, visto como o limite para o surgimento de efeitos adversos à saúde. A partir dessa concentração de mercúrio no cabelo, sobe o risco de surgirem danos neurológicos graves. “O mercúrio deixa resíduos, que são comidos principalmente por peixes que ficam no leito dos rios e contaminam as pessoas depois”, diz Zanatto.

Violência

Além do desmate da floresta e da destruição dos rios, casos de violência explodiram. Em 2021, a Associação Yanomami Hutukara denunciou a morte de duas crianças Yanomami na comunidade de Palimiu, em decorrência do conflito com garimpeiros.

Diante da falta de assistência e perspectiva, é comum ver indígenas Yanomami transitando pelas ruas de Boa Vista. Na maioria dos casos, além de estarem em situação de vulnerabilidade, eles não falam português. Nos últimos meses, vários vídeos flagraram indígenas no meio da rua, correndo entre os carros e quase sendo atropelados.

Jailson Mesquita, presidente do movimento Garimpo é Legal, de Roraima, afirma que o garimpo não é responsável pela crise na saúde na área dos Yanomami. “Garimpo não tem nada a ver com a incompetência do governo em atender a saúde indígena”, afirma.

Dário Kopenawa, vice-presidente da Hutukara Associação Yanomami, em coletiva de imprensa Foto: eliseupaesph

Além da ameaça das atividades irregulares, a gestão da saúde da área Yanomami foi alvo de suspeitas de desvio no uso de verba para compra de remédios, conforme mostrou o Estadão nesta segunda-feira, 23. A suspeita apontada pelo Ministério Público Federal (MPF) era de que só 30% de mais de 90 tipos de medicamentos fornecidos por uma das empresas contratadas pelo distrito sanitário indígena local (DSEI-Y) teriam sido devidamente entregues. O Estadão não conseguiu contato com o ex-ministro da Saúde Marcelo Queiroga para comentar as denúncias.

Em mensagem na rede Telegram, Bolsonaro chamou a crise na saúde Yanomami de “farsa da esquerda” e disse que a saúde indígena foi uma das prioridades do seu governo, destacando a atuação na pandemia. Nos últimos quatro anos, o ex-presidente defendeu a flexibilização do garimpo em áreas indígenas. O Ministério da Justiça, da gestão Lula (PT), disse que a Polícia Federal vai investigar a atuação do governo Bolsonaro no caso Yanomami. /COLABOROU LEON FERRARI

SÃO PAULO E BOA VISTA - Por trás do quadro de desnutrição e dos problemas de saúde que assolam a população Yanomami, na Amazônia, estão as omissões no combate ao garimpo, que teve avanço desenfreado na região nos últimos anos. Entre os efeitos da invasão pela mineração irregular, estão a contaminação dos rios com mercúrio, a destruição das roças das comunidades e a fuga dos animais que servem de alimentos. Além disso, o contato com os homens brancos também resulta na transmissão de doenças que podem ser fatais para os indígenas, como a gripe e a covid-19.

Na semana passada, o governo federal declarou emergência em saúde na reserva Yanomami, que tem 30,4 mil habitantes. No total, são 9,6 milhões de hectares, entre o Brasil (Amazonas e Roraima) e a Venezuela. “É um processo que não pode ser dissociado do garimpo, que levou violência, mudanças culturais, contaminação por mercúrio dos rios e insegurança alimentar”, diz Vinícius Zanatto, do Grupo de Pesquisas em Territorialidade e Segurança Socioambiental na Amazônia, do Instituto Mamirauá, entidade que tem fomento e supervisão do Ministério da Ciência e Tecnologia.

A Força Aérea Brasileira embarcou no início desta tarde de segunda-feira, 23, na Base aérea de Brasília, um grupo de 12 profissionais de saúde, entre eles médicos, enfermeiros e técnicos para ajudar os povos Yanomamis. Foto: Wilton Júnior/Estadão

“As crianças estão desnutridas de malária, diarreia e verme, porque o governo federal abandonou a população Yanomami”, diz Dário Kopenawa, liderança Yanomami e filho do xamã Davi Kopenawa, um dos principais defensores da demarcação da terra indígena há três décadas. “Não tem medicamentos nem profissionais para dar assistência”, disse. Segundo o governo federal, foram sete mortes de crianças neste mês e 11,5 mil casos de malária no ano passado.

Trata-se da reedição do cenário que marcou a região no início da década de 1990, quando era estimada a presença de até 45 mil garimpeiros ilegais nas terras então não demarcadas dos Yanomami. As projeções indicam hoje cerca de 20 mil garimpeiros.

A presença dos mineradores ilegais tem sido uma constante desde a demarcação do território, em 1992, mas nos últimos quatro anos a irregularidade encontrou espaço para crescer ainda mais, com o enfraquecimento dos órgãos de apoio indígena e do combate aos crimes ambientais na gestão Jair Bolsonaro (PL).

Segundo dados da plataforma MapBiomas, de 2010 a 2020, a área ocupada pelo garimpo dentro de terras indígenas, no Brasil, cresceu 495%. As maiores áreas de garimpo em terras indígenas estão em território Kayapó (7.602 ha) e Munduruku (1.592 ha), no Pará, e Yanomami (414 ha), no Amazonas e Roraima.

Invasores

A imagem dos Yanomami famélicos e desnutridos é o ponto de convergência do processo de convivência da etnia com, além de garimpeiros, caçadores, o narcotráfico e a violência que impedem que mantenham suas tradições e a, por exemplo, usarem as terras onde costumavam plantar e coletar itens de subsistência, como mandioca e abóbora.

“O barulho dos maquinários – dragas nos rios, motobombas para a destruição das margens dos rios e da floresta para a extração mineral – afugenta a caça. E a contaminação mata os peixes”, afirma o padre Corrado Dalmonego, do Conselho Indigenista Missionário (Cimi) e há 15 anos envolvido em missões com os Yanomami.

A situação de calamidade se estende para a expansão do uso de mercúrio pelos garimpeiros para separar o ouro da terra do leito dos rios. Estudo da Fiocruz, de 2019, revelou a contaminação por mercúrio em mulheres e crianças, das aldeias de Maturacá e Ariabu, localizadas na região de Maturacá, no Amazonas. Foram analisadas amostras de cabelo de 300 pessoas, 56% delas apresentaram concentrações de mercúrio acima do limite estabelecido pela Organização Mundial da Saúde (OMS), que é de 2 microgramas por grama (ou ppm).

Em 4% da população analisada, havia concentrações acima de 6 microgramas por grama, visto como o limite para o surgimento de efeitos adversos à saúde. A partir dessa concentração de mercúrio no cabelo, sobe o risco de surgirem danos neurológicos graves. “O mercúrio deixa resíduos, que são comidos principalmente por peixes que ficam no leito dos rios e contaminam as pessoas depois”, diz Zanatto.

Violência

Além do desmate da floresta e da destruição dos rios, casos de violência explodiram. Em 2021, a Associação Yanomami Hutukara denunciou a morte de duas crianças Yanomami na comunidade de Palimiu, em decorrência do conflito com garimpeiros.

Diante da falta de assistência e perspectiva, é comum ver indígenas Yanomami transitando pelas ruas de Boa Vista. Na maioria dos casos, além de estarem em situação de vulnerabilidade, eles não falam português. Nos últimos meses, vários vídeos flagraram indígenas no meio da rua, correndo entre os carros e quase sendo atropelados.

Jailson Mesquita, presidente do movimento Garimpo é Legal, de Roraima, afirma que o garimpo não é responsável pela crise na saúde na área dos Yanomami. “Garimpo não tem nada a ver com a incompetência do governo em atender a saúde indígena”, afirma.

Dário Kopenawa, vice-presidente da Hutukara Associação Yanomami, em coletiva de imprensa Foto: eliseupaesph

Além da ameaça das atividades irregulares, a gestão da saúde da área Yanomami foi alvo de suspeitas de desvio no uso de verba para compra de remédios, conforme mostrou o Estadão nesta segunda-feira, 23. A suspeita apontada pelo Ministério Público Federal (MPF) era de que só 30% de mais de 90 tipos de medicamentos fornecidos por uma das empresas contratadas pelo distrito sanitário indígena local (DSEI-Y) teriam sido devidamente entregues. O Estadão não conseguiu contato com o ex-ministro da Saúde Marcelo Queiroga para comentar as denúncias.

Em mensagem na rede Telegram, Bolsonaro chamou a crise na saúde Yanomami de “farsa da esquerda” e disse que a saúde indígena foi uma das prioridades do seu governo, destacando a atuação na pandemia. Nos últimos quatro anos, o ex-presidente defendeu a flexibilização do garimpo em áreas indígenas. O Ministério da Justiça, da gestão Lula (PT), disse que a Polícia Federal vai investigar a atuação do governo Bolsonaro no caso Yanomami. /COLABOROU LEON FERRARI

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