Bloco x bloquinho: Quais as diferenças e rivalidades entre o carnaval de rua do Rio e de SP?


Discussões e brincadeiras nas redes expõem os perfis dos desfiles nas duas capitais; veja o que dizem especialistas e agremiações

Por Priscila Mengue
Atualização:

Seria o novo biscoito x bolacha? Uma discussão sobre o uso do termo “bloquinho” para se referir aos desfiles de carnaval de rua no Rio de Janeiro reacendeu a rivalidade entre cariocas e paulistanos. Até o prefeito Eduardo Paes (PSD) entrou na brincadeira. Ou seria polêmica? Para além da multiplicidade de comentários e memes nas redes sociais, o Estadão procurou especialistas e agremiações para discutir o que aproxima e diferencia a festividade nas duas capitais.

No Rio, o perfil da Prefeitura em redes sociais chegou a publicar um “erramos” em 5 de fevereiro após a postagem com o termo “bloquinho” gerar repercussão. “A Pref vem a público lamentar o uso do diminutivo de ‘bloco’ no tweet acima, em claro desacordo com as tradições cariocas. O funcionário responsável ficará de plantão no carnaval pra aprender”, brincou.

Em resposta a piadas e reclamações de que “bloquinho” é de papel e que em breve as agremiações serão chamadas de “bló” (em referência à tendência paulistana de encurtar palavras), o perfil da Prefeitura respondeu a alguns críticos com desculpas pelo “transtorno” e admitiu o “vacilo” ao não aplicar o “carioquês”. O post com a errata foi compartilhado por Paes, que escreveu: “Eu hein! Bloquinho é o...”, deixando o restante da frase para a imaginação do leitor.

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Desfile do Acadêmicos do Baixo Augusta no domingo de pré-carnaval, 12, em São Paulo Foto: Tiago Queiroz/Estadão

Uma das teorias mais fortes entre especialistas, foliões e blocos é que o termo “bloquinho” teria origem no porte diminuto do carnaval de rua paulistano até dez anos atrás, com algumas centenas de foliões e só. Outra hipótese é que o diminutivo seria uma forma afetuosa de se referir aos cortejos. Ainda mais no contexto de uma cidade que foi de “túmulo do samba” a quase 500 desfiles em uma década.

De celebração proibida até 2013, a festividade paulistana hoje atrai milhões de foliões e a presença até mesmo de agremiações de outros Estados, inclusive dos “rivais” cariocas. Há até quem se atreva a dizer que o carnaval de São Paulo se tornou o maior do País, gerando indignação não só entre vizinhos do Rio, mas também em Salvador e no eixo Recife-Olinda. Alguns lembram ainda que tamanho não é tudo quando no carnaval e que a tradição fala mais alto.

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Se a rivalidade Rio-São Paulo é vista do futebol a discussões sobre purê de batata no cachorro-quente, o carnaval não fugiria à regra. E os estereótipos que permeiam o imaginário das duas capitais se repetem quando parte do público se refere aos carnavais de ambas. Seria o paulistano mais certinho, mais organizado, mais engessado? Seria o carioca mais popular, mais fantasiado, mais “raiz”, como se diz no dialeto da internet?

De todo, os clichês não estão errados. Blocos que desfilam em ambas as cidades acham mais fácil a inscrição e organização de São Paulo, mais com cara de folia “profissionalizada”. Por outro lado, estranham as limitações de horário nos desfiles paulistanos, concentrados entre 9 e 19 horas, sem a espontaneidade e maratona dos cortejos cariocas.

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“A diferença é fato”, atesta Gigante César, um dos fundadores e frontman do Bunytos de Corpo. Voltado a satirizar o culto exagerado à aparência, o bloco faz brincadeiras referentes a atividades físicas. “No Rio, o pessoal se joga mais, compra mais a ideia, vai fantasiado”, afirma.

Os cariocas vão ao desfile com roupas neon, macacões e outros itens que remetem ao universo das academias, mas a situação não se repete na mesma proporção em São Paulo — onde o bloco também desfila desde 2020. “O pessoal de São Paulo não tem a cultura de carnaval há tanto tempo”, diz, porém avalia que a situação tem mudado. “Acho que esse ano vai ser mais interativo.”

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Ele cita o exemplo de outro bloco que participava, que tinha referências ao Egito e gerou reclamações do público quando não desfilou. Os foliões não apenas ficaram indignados como também improvisaram a fundação de uma agremiação com proposta semelhante. Tudo isso para não perder a oportunidade de se reunir com outros faraós e fantasiados ao estilo egípcio.

Já sobre a polêmica uso do diminutivo paulista em terras cariocas, Gigante César avalia que o “inho” paulistano não é uma forma de desprezar o carnaval. “Carnaval é tudo, é bloquinho, é blocão...”

Bloco Simpatia é Quase Amor desfilou na orla de Ipanema no sábado, 11, durante o pré-carnaval Foto: Gabriel Vasconcelos/Estadão
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Outro ponto que diferencia as duas experiências é o folião. No Rio, parte mais significativa do público planeja fantasias, às vezes alinhadas com a proposta dos blocos ou com assuntos do momento. No pré-carnaval carioca, por exemplo, diferentes pessoas se vestiram de geleia da Shakira em referência ao episódio que teria sido chave para a cantora descobrir que era traída pelo marido, o jogador Piqué.

Já os paulistanos não são tão afeitos a produzir fantasias personalizadas. Nos blocos, o mais comum é encontrar foliões com acessórios e maquiagem brilhante e algum adereço na cabeça, às vezes uma plaquinha com um trocadilho ou similar. Para além disso, fantasias mais criativas não são tão comuns de encontrar entre o público de São Paulo, embora também ocorram.

Foliões no desfile do Acadêmicos do Baixo Augusta de 2023 Foto: Tiago Queiroz/Estadão
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Outro que desfila nas duas cidades é o Quizomba, igualmente nascido no Rio e que começou a realizar oficinas e cortejos entre os paulistanos há mais de 10 anos. Hoje, o maestro e diretor do bloco, André Schmidt, avalia que a experiência é semelhante em ambas as capitais, mas ainda com algumas diferenças.

“O Rio tem mais cultura de carnaval, há mais tempo”, diz ao citar a retomada dos desfiles de rua cariocas no começo dos anos 2000. “É mais popular que em São Paulo. Até 10 anos atrás, era feito em São Paulo apenas por grupos antigos, mais tradicionais.”

Por outro lado, o músico diz que hoje a animação é semelhante. “O público que curte. São Paulo está agora bem abastecido de carnaval”, diz. “Acho que cada vez mais o carnaval de São Paulo se aproxima em entusiasmo e alegria do Rio de Janeiro. As baterias estão tão boas quanto.”

Entre os pontos que aproximaram as duas cidades, Schmidt cita a colaboração de blocos cariocas com os paulistanos (o Quizomba tocou, por exemplo, em edições do Acadêmicos do Baixo Augusta) e a realização de oficinas de percussão em São Paulo.

“Como a gente forma todo ano de 100 a 120 batuqueiros, eles se encontram e criam blocos. As oficinas acabam incentivando essa galera”, aponta. “O blocos do Rio ajudaram bastante, sem querer puxar brasa. Teve essa passagem do know-how.”

Para ele, a forma de se referir às agremiações no diminutivo é cultural. “É uma maneira do paulistano se referir com carinho ao bloco. Não é uma coisa pejorativa. Antigamente, eram bloquinhos pequenos, com 200, 300 pessoas. Acho charmoso, que nem falar ‘vou no sambinha’.”

Pesquisador de carnaval e doutorando em Sociologia na USP, Vinicius Ribeiro Teixeira avalia que o debate sobre o que caracteriza um bloco e um bloquinho é complexo. Ainda mais pela multiplicidade de portes e propostas do carnaval, que abrange em ambas as cidades do desfile de bairro a megaeventos, com centenas de milhares de foliões.

“Tem aspectos que são próprios das cidades. O carnaval é um reflexo da sociedade”, pontua. “O Rio, por exemplo, tem uma tendência maior a um certo desregramento, de questionar regras.”

Ele destaca que antes havia um entendimento de que o carnaval de rua não teria potencial para crescer em São Paulo. A situação mudou com o crescimento de alguns blocos e a consequente liberação dos desfiles a partir de 2013, com o início das inscrições centralizadas na Prefeitura no ano seguinte.

“Tinha a ideia de que São Paulo talvez não fosse um lugar do carnaval, então as pessoas saiam, viajavam”, explica. “Havia uma demanda de gente interessada em participar e fazer o carnaval. A partir daí se começa a pensar em política pública. São Paulo virou uma referência”, comenta, embora ressalte problemas narrados por blocos hoje, como o diálogo com a Prefeitura e as dificuldades de autofinanciamento.

“Tem a questão da geografia, do clima, da cidade. A forma como a cidade acontece ao longo do ano. Em cidades litorâneas, as pessoas tendem a viver mais a cidade. Por isso, foi um desafio para São Paulo conseguir colocar pessoas na rua”, compara.

Ele comenta da associação que havia (ainda há?) de que o lazer do paulistano é em locais fechados, como em shoppings e festas privadas, sem ter uma relação tão forte com a rua, como no Rio. “Apesar disso, é inegável que o carnaval transformou o imaginário que se tem da cidade de São Paulo. Era o túmulo do samba até outro dia e virou uma das capitais mais procuradas do carnaval.”

Seria o novo biscoito x bolacha? Uma discussão sobre o uso do termo “bloquinho” para se referir aos desfiles de carnaval de rua no Rio de Janeiro reacendeu a rivalidade entre cariocas e paulistanos. Até o prefeito Eduardo Paes (PSD) entrou na brincadeira. Ou seria polêmica? Para além da multiplicidade de comentários e memes nas redes sociais, o Estadão procurou especialistas e agremiações para discutir o que aproxima e diferencia a festividade nas duas capitais.

No Rio, o perfil da Prefeitura em redes sociais chegou a publicar um “erramos” em 5 de fevereiro após a postagem com o termo “bloquinho” gerar repercussão. “A Pref vem a público lamentar o uso do diminutivo de ‘bloco’ no tweet acima, em claro desacordo com as tradições cariocas. O funcionário responsável ficará de plantão no carnaval pra aprender”, brincou.

Em resposta a piadas e reclamações de que “bloquinho” é de papel e que em breve as agremiações serão chamadas de “bló” (em referência à tendência paulistana de encurtar palavras), o perfil da Prefeitura respondeu a alguns críticos com desculpas pelo “transtorno” e admitiu o “vacilo” ao não aplicar o “carioquês”. O post com a errata foi compartilhado por Paes, que escreveu: “Eu hein! Bloquinho é o...”, deixando o restante da frase para a imaginação do leitor.

Desfile do Acadêmicos do Baixo Augusta no domingo de pré-carnaval, 12, em São Paulo Foto: Tiago Queiroz/Estadão

Uma das teorias mais fortes entre especialistas, foliões e blocos é que o termo “bloquinho” teria origem no porte diminuto do carnaval de rua paulistano até dez anos atrás, com algumas centenas de foliões e só. Outra hipótese é que o diminutivo seria uma forma afetuosa de se referir aos cortejos. Ainda mais no contexto de uma cidade que foi de “túmulo do samba” a quase 500 desfiles em uma década.

De celebração proibida até 2013, a festividade paulistana hoje atrai milhões de foliões e a presença até mesmo de agremiações de outros Estados, inclusive dos “rivais” cariocas. Há até quem se atreva a dizer que o carnaval de São Paulo se tornou o maior do País, gerando indignação não só entre vizinhos do Rio, mas também em Salvador e no eixo Recife-Olinda. Alguns lembram ainda que tamanho não é tudo quando no carnaval e que a tradição fala mais alto.

Se a rivalidade Rio-São Paulo é vista do futebol a discussões sobre purê de batata no cachorro-quente, o carnaval não fugiria à regra. E os estereótipos que permeiam o imaginário das duas capitais se repetem quando parte do público se refere aos carnavais de ambas. Seria o paulistano mais certinho, mais organizado, mais engessado? Seria o carioca mais popular, mais fantasiado, mais “raiz”, como se diz no dialeto da internet?

De todo, os clichês não estão errados. Blocos que desfilam em ambas as cidades acham mais fácil a inscrição e organização de São Paulo, mais com cara de folia “profissionalizada”. Por outro lado, estranham as limitações de horário nos desfiles paulistanos, concentrados entre 9 e 19 horas, sem a espontaneidade e maratona dos cortejos cariocas.

“A diferença é fato”, atesta Gigante César, um dos fundadores e frontman do Bunytos de Corpo. Voltado a satirizar o culto exagerado à aparência, o bloco faz brincadeiras referentes a atividades físicas. “No Rio, o pessoal se joga mais, compra mais a ideia, vai fantasiado”, afirma.

Os cariocas vão ao desfile com roupas neon, macacões e outros itens que remetem ao universo das academias, mas a situação não se repete na mesma proporção em São Paulo — onde o bloco também desfila desde 2020. “O pessoal de São Paulo não tem a cultura de carnaval há tanto tempo”, diz, porém avalia que a situação tem mudado. “Acho que esse ano vai ser mais interativo.”

Ele cita o exemplo de outro bloco que participava, que tinha referências ao Egito e gerou reclamações do público quando não desfilou. Os foliões não apenas ficaram indignados como também improvisaram a fundação de uma agremiação com proposta semelhante. Tudo isso para não perder a oportunidade de se reunir com outros faraós e fantasiados ao estilo egípcio.

Já sobre a polêmica uso do diminutivo paulista em terras cariocas, Gigante César avalia que o “inho” paulistano não é uma forma de desprezar o carnaval. “Carnaval é tudo, é bloquinho, é blocão...”

Bloco Simpatia é Quase Amor desfilou na orla de Ipanema no sábado, 11, durante o pré-carnaval Foto: Gabriel Vasconcelos/Estadão

Outro ponto que diferencia as duas experiências é o folião. No Rio, parte mais significativa do público planeja fantasias, às vezes alinhadas com a proposta dos blocos ou com assuntos do momento. No pré-carnaval carioca, por exemplo, diferentes pessoas se vestiram de geleia da Shakira em referência ao episódio que teria sido chave para a cantora descobrir que era traída pelo marido, o jogador Piqué.

Já os paulistanos não são tão afeitos a produzir fantasias personalizadas. Nos blocos, o mais comum é encontrar foliões com acessórios e maquiagem brilhante e algum adereço na cabeça, às vezes uma plaquinha com um trocadilho ou similar. Para além disso, fantasias mais criativas não são tão comuns de encontrar entre o público de São Paulo, embora também ocorram.

Foliões no desfile do Acadêmicos do Baixo Augusta de 2023 Foto: Tiago Queiroz/Estadão

Outro que desfila nas duas cidades é o Quizomba, igualmente nascido no Rio e que começou a realizar oficinas e cortejos entre os paulistanos há mais de 10 anos. Hoje, o maestro e diretor do bloco, André Schmidt, avalia que a experiência é semelhante em ambas as capitais, mas ainda com algumas diferenças.

“O Rio tem mais cultura de carnaval, há mais tempo”, diz ao citar a retomada dos desfiles de rua cariocas no começo dos anos 2000. “É mais popular que em São Paulo. Até 10 anos atrás, era feito em São Paulo apenas por grupos antigos, mais tradicionais.”

Por outro lado, o músico diz que hoje a animação é semelhante. “O público que curte. São Paulo está agora bem abastecido de carnaval”, diz. “Acho que cada vez mais o carnaval de São Paulo se aproxima em entusiasmo e alegria do Rio de Janeiro. As baterias estão tão boas quanto.”

Entre os pontos que aproximaram as duas cidades, Schmidt cita a colaboração de blocos cariocas com os paulistanos (o Quizomba tocou, por exemplo, em edições do Acadêmicos do Baixo Augusta) e a realização de oficinas de percussão em São Paulo.

“Como a gente forma todo ano de 100 a 120 batuqueiros, eles se encontram e criam blocos. As oficinas acabam incentivando essa galera”, aponta. “O blocos do Rio ajudaram bastante, sem querer puxar brasa. Teve essa passagem do know-how.”

Para ele, a forma de se referir às agremiações no diminutivo é cultural. “É uma maneira do paulistano se referir com carinho ao bloco. Não é uma coisa pejorativa. Antigamente, eram bloquinhos pequenos, com 200, 300 pessoas. Acho charmoso, que nem falar ‘vou no sambinha’.”

Pesquisador de carnaval e doutorando em Sociologia na USP, Vinicius Ribeiro Teixeira avalia que o debate sobre o que caracteriza um bloco e um bloquinho é complexo. Ainda mais pela multiplicidade de portes e propostas do carnaval, que abrange em ambas as cidades do desfile de bairro a megaeventos, com centenas de milhares de foliões.

“Tem aspectos que são próprios das cidades. O carnaval é um reflexo da sociedade”, pontua. “O Rio, por exemplo, tem uma tendência maior a um certo desregramento, de questionar regras.”

Ele destaca que antes havia um entendimento de que o carnaval de rua não teria potencial para crescer em São Paulo. A situação mudou com o crescimento de alguns blocos e a consequente liberação dos desfiles a partir de 2013, com o início das inscrições centralizadas na Prefeitura no ano seguinte.

“Tinha a ideia de que São Paulo talvez não fosse um lugar do carnaval, então as pessoas saiam, viajavam”, explica. “Havia uma demanda de gente interessada em participar e fazer o carnaval. A partir daí se começa a pensar em política pública. São Paulo virou uma referência”, comenta, embora ressalte problemas narrados por blocos hoje, como o diálogo com a Prefeitura e as dificuldades de autofinanciamento.

“Tem a questão da geografia, do clima, da cidade. A forma como a cidade acontece ao longo do ano. Em cidades litorâneas, as pessoas tendem a viver mais a cidade. Por isso, foi um desafio para São Paulo conseguir colocar pessoas na rua”, compara.

Ele comenta da associação que havia (ainda há?) de que o lazer do paulistano é em locais fechados, como em shoppings e festas privadas, sem ter uma relação tão forte com a rua, como no Rio. “Apesar disso, é inegável que o carnaval transformou o imaginário que se tem da cidade de São Paulo. Era o túmulo do samba até outro dia e virou uma das capitais mais procuradas do carnaval.”

Seria o novo biscoito x bolacha? Uma discussão sobre o uso do termo “bloquinho” para se referir aos desfiles de carnaval de rua no Rio de Janeiro reacendeu a rivalidade entre cariocas e paulistanos. Até o prefeito Eduardo Paes (PSD) entrou na brincadeira. Ou seria polêmica? Para além da multiplicidade de comentários e memes nas redes sociais, o Estadão procurou especialistas e agremiações para discutir o que aproxima e diferencia a festividade nas duas capitais.

No Rio, o perfil da Prefeitura em redes sociais chegou a publicar um “erramos” em 5 de fevereiro após a postagem com o termo “bloquinho” gerar repercussão. “A Pref vem a público lamentar o uso do diminutivo de ‘bloco’ no tweet acima, em claro desacordo com as tradições cariocas. O funcionário responsável ficará de plantão no carnaval pra aprender”, brincou.

Em resposta a piadas e reclamações de que “bloquinho” é de papel e que em breve as agremiações serão chamadas de “bló” (em referência à tendência paulistana de encurtar palavras), o perfil da Prefeitura respondeu a alguns críticos com desculpas pelo “transtorno” e admitiu o “vacilo” ao não aplicar o “carioquês”. O post com a errata foi compartilhado por Paes, que escreveu: “Eu hein! Bloquinho é o...”, deixando o restante da frase para a imaginação do leitor.

Desfile do Acadêmicos do Baixo Augusta no domingo de pré-carnaval, 12, em São Paulo Foto: Tiago Queiroz/Estadão

Uma das teorias mais fortes entre especialistas, foliões e blocos é que o termo “bloquinho” teria origem no porte diminuto do carnaval de rua paulistano até dez anos atrás, com algumas centenas de foliões e só. Outra hipótese é que o diminutivo seria uma forma afetuosa de se referir aos cortejos. Ainda mais no contexto de uma cidade que foi de “túmulo do samba” a quase 500 desfiles em uma década.

De celebração proibida até 2013, a festividade paulistana hoje atrai milhões de foliões e a presença até mesmo de agremiações de outros Estados, inclusive dos “rivais” cariocas. Há até quem se atreva a dizer que o carnaval de São Paulo se tornou o maior do País, gerando indignação não só entre vizinhos do Rio, mas também em Salvador e no eixo Recife-Olinda. Alguns lembram ainda que tamanho não é tudo quando no carnaval e que a tradição fala mais alto.

Se a rivalidade Rio-São Paulo é vista do futebol a discussões sobre purê de batata no cachorro-quente, o carnaval não fugiria à regra. E os estereótipos que permeiam o imaginário das duas capitais se repetem quando parte do público se refere aos carnavais de ambas. Seria o paulistano mais certinho, mais organizado, mais engessado? Seria o carioca mais popular, mais fantasiado, mais “raiz”, como se diz no dialeto da internet?

De todo, os clichês não estão errados. Blocos que desfilam em ambas as cidades acham mais fácil a inscrição e organização de São Paulo, mais com cara de folia “profissionalizada”. Por outro lado, estranham as limitações de horário nos desfiles paulistanos, concentrados entre 9 e 19 horas, sem a espontaneidade e maratona dos cortejos cariocas.

“A diferença é fato”, atesta Gigante César, um dos fundadores e frontman do Bunytos de Corpo. Voltado a satirizar o culto exagerado à aparência, o bloco faz brincadeiras referentes a atividades físicas. “No Rio, o pessoal se joga mais, compra mais a ideia, vai fantasiado”, afirma.

Os cariocas vão ao desfile com roupas neon, macacões e outros itens que remetem ao universo das academias, mas a situação não se repete na mesma proporção em São Paulo — onde o bloco também desfila desde 2020. “O pessoal de São Paulo não tem a cultura de carnaval há tanto tempo”, diz, porém avalia que a situação tem mudado. “Acho que esse ano vai ser mais interativo.”

Ele cita o exemplo de outro bloco que participava, que tinha referências ao Egito e gerou reclamações do público quando não desfilou. Os foliões não apenas ficaram indignados como também improvisaram a fundação de uma agremiação com proposta semelhante. Tudo isso para não perder a oportunidade de se reunir com outros faraós e fantasiados ao estilo egípcio.

Já sobre a polêmica uso do diminutivo paulista em terras cariocas, Gigante César avalia que o “inho” paulistano não é uma forma de desprezar o carnaval. “Carnaval é tudo, é bloquinho, é blocão...”

Bloco Simpatia é Quase Amor desfilou na orla de Ipanema no sábado, 11, durante o pré-carnaval Foto: Gabriel Vasconcelos/Estadão

Outro ponto que diferencia as duas experiências é o folião. No Rio, parte mais significativa do público planeja fantasias, às vezes alinhadas com a proposta dos blocos ou com assuntos do momento. No pré-carnaval carioca, por exemplo, diferentes pessoas se vestiram de geleia da Shakira em referência ao episódio que teria sido chave para a cantora descobrir que era traída pelo marido, o jogador Piqué.

Já os paulistanos não são tão afeitos a produzir fantasias personalizadas. Nos blocos, o mais comum é encontrar foliões com acessórios e maquiagem brilhante e algum adereço na cabeça, às vezes uma plaquinha com um trocadilho ou similar. Para além disso, fantasias mais criativas não são tão comuns de encontrar entre o público de São Paulo, embora também ocorram.

Foliões no desfile do Acadêmicos do Baixo Augusta de 2023 Foto: Tiago Queiroz/Estadão

Outro que desfila nas duas cidades é o Quizomba, igualmente nascido no Rio e que começou a realizar oficinas e cortejos entre os paulistanos há mais de 10 anos. Hoje, o maestro e diretor do bloco, André Schmidt, avalia que a experiência é semelhante em ambas as capitais, mas ainda com algumas diferenças.

“O Rio tem mais cultura de carnaval, há mais tempo”, diz ao citar a retomada dos desfiles de rua cariocas no começo dos anos 2000. “É mais popular que em São Paulo. Até 10 anos atrás, era feito em São Paulo apenas por grupos antigos, mais tradicionais.”

Por outro lado, o músico diz que hoje a animação é semelhante. “O público que curte. São Paulo está agora bem abastecido de carnaval”, diz. “Acho que cada vez mais o carnaval de São Paulo se aproxima em entusiasmo e alegria do Rio de Janeiro. As baterias estão tão boas quanto.”

Entre os pontos que aproximaram as duas cidades, Schmidt cita a colaboração de blocos cariocas com os paulistanos (o Quizomba tocou, por exemplo, em edições do Acadêmicos do Baixo Augusta) e a realização de oficinas de percussão em São Paulo.

“Como a gente forma todo ano de 100 a 120 batuqueiros, eles se encontram e criam blocos. As oficinas acabam incentivando essa galera”, aponta. “O blocos do Rio ajudaram bastante, sem querer puxar brasa. Teve essa passagem do know-how.”

Para ele, a forma de se referir às agremiações no diminutivo é cultural. “É uma maneira do paulistano se referir com carinho ao bloco. Não é uma coisa pejorativa. Antigamente, eram bloquinhos pequenos, com 200, 300 pessoas. Acho charmoso, que nem falar ‘vou no sambinha’.”

Pesquisador de carnaval e doutorando em Sociologia na USP, Vinicius Ribeiro Teixeira avalia que o debate sobre o que caracteriza um bloco e um bloquinho é complexo. Ainda mais pela multiplicidade de portes e propostas do carnaval, que abrange em ambas as cidades do desfile de bairro a megaeventos, com centenas de milhares de foliões.

“Tem aspectos que são próprios das cidades. O carnaval é um reflexo da sociedade”, pontua. “O Rio, por exemplo, tem uma tendência maior a um certo desregramento, de questionar regras.”

Ele destaca que antes havia um entendimento de que o carnaval de rua não teria potencial para crescer em São Paulo. A situação mudou com o crescimento de alguns blocos e a consequente liberação dos desfiles a partir de 2013, com o início das inscrições centralizadas na Prefeitura no ano seguinte.

“Tinha a ideia de que São Paulo talvez não fosse um lugar do carnaval, então as pessoas saiam, viajavam”, explica. “Havia uma demanda de gente interessada em participar e fazer o carnaval. A partir daí se começa a pensar em política pública. São Paulo virou uma referência”, comenta, embora ressalte problemas narrados por blocos hoje, como o diálogo com a Prefeitura e as dificuldades de autofinanciamento.

“Tem a questão da geografia, do clima, da cidade. A forma como a cidade acontece ao longo do ano. Em cidades litorâneas, as pessoas tendem a viver mais a cidade. Por isso, foi um desafio para São Paulo conseguir colocar pessoas na rua”, compara.

Ele comenta da associação que havia (ainda há?) de que o lazer do paulistano é em locais fechados, como em shoppings e festas privadas, sem ter uma relação tão forte com a rua, como no Rio. “Apesar disso, é inegável que o carnaval transformou o imaginário que se tem da cidade de São Paulo. Era o túmulo do samba até outro dia e virou uma das capitais mais procuradas do carnaval.”

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