Boate Kiss: Julgamento entra na reta final; veja o que disseram os réus e as testemunhas


Jurados devem deliberar nesta sexta-feira sobre a responsabilidade de quatro acusados pelo incêndio que deixou 242 mortos em 2013. Relembre o que ocorreu no julgamento na última semana

Por João Ker

O julgamento de quatro réus acusados por 242 mortes no incêndio da Boate Kiss está chegando ao final. É esperado para esta sexta-feira, 10, o início da deliberação entre os jurados, que vão decidir se condenam ou absolvem os acusados pela tragédia após dez dias de depoimentos das testemunhas. 

O júri, composto por seis homens e uma mulher, julga a responsabilidade de quatro denunciados no caso: Elissandro Callegaro Spohr e Mauro Londero Hoffmann, sócios-proprietários do local; Marcelo de Jesus dos Santos, integrante da banda Gurizada Fandangueira e responsável por acender os fogos que se espalhou pelo local; e Luciano Augusto Bonilha Leão, produtor do grupo.

Luciano Augusto Bonilha Leão é acusado de ter comprado o sinalizador que causou o incêncio na Boate Kiss. Foto: SILVIO AVILA / AFP
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Os quatro réus respondem por homicídio simples, consumado 242 vezes (total de vítimas) e tentado outras 636 (número de sobreviventes). O incêndio na Boate Kiss começou durante o show da banda Gurizada Fandangueira, quando Santos disparou um artefato pirotécnico, atingindo parte do teto do prédio, que era coberto por uma espuma e pegou fogo rapidamente. 

Além do incêndio que provocou a morte de muitos jovens naquela noite, outra parte das vítimas morreu após inalar a fumaça tóxica liberada com a queima da espuma de proteção acústica no teto. Segundo a perícia e relatos de sobreviventes, não havia ventilação adequada ou extintores de incêndio apropriados no local. 

Ao todo, o caso tem mais de 19 mil páginas e é considerado tanto o maior quanto o mais longo da Justiça do Rio Grande do Sul. O julgamento ocorre em Porto Alegre e os depoimentos foram encerrados nesta quinta-feira, 9. Ao todo, foram ouvidas 12 vítimas, 16 testemunhas e um informante.

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Abaixo, veja os principais pontos levantados durante os depoimentos:

‘A Kiss era um labirinto’

A primeira testemunha ouvida foi Kátia Giane Siqueira, sobrevivente da tragédia que trabalhava no bar da boate e teve 40% do corpo queimado. Ela confirmou que foi feita uma reforma para elevar o piso do palco antes do incêndio e disse: “A Kiss era um labirinto, eu mesmo trabalhava lá e quase não consegui sair”.

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Kátia também confirmou que muitas das vítimas confundiram o banheiro com uma saída de emergência e acabaram morrendo ali. A falta de luz na boate também teria contribuído para a confusão geral. Ela ainda afirmou que os extintores de incêndio eram retirados antes das festas porque alguns clientes já teriam brincado com eles e que os shows pirotécnicos eram recorrentes no local e, segundo Márcio André de Jesus dos Santos, percussionista da banda, este tipo de atração era frequente nas apresentações do grupo. 

‘Errei ao bloquear o som’

O operador de áudio da Gurizada Fandangueira à época, Venâncio da Silva Anschau, prestou depoimento na terça-feira, 7, e disse que o grupo já tinha usado artefatos pirotécnicos em apresentações anteriores na Boate Kiss. Ele afirmou que, na noite da tragédia, não percebeu o momento em que o fogo começou. “De repente, a banda parou de tocar.”

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Quando percebeu que havia algo errado e viu uma pessoa subindo ao palco com um extintor de incêndio, ele conta que desabilitou o som, o que teria impedido um anúncio geral sobre o acidente. “Eu não sabia o que estava acontecendo. Errei ao bloquear o som”, disse chorando.

‘Queria ter feito mais, mas não tive força’

Outra sobrevivente da tragédia, Jéssica Montardo Rosado estava com o irmão, Vinícius, na noite do incêndio e prestou depoimento no dia 2. Antes de morrer pela inalação da fumaça tóxica, ele teria ajudado a salvar cerca de 15 pessoas. Ela estava na frente do palco quando o fogo começou e conta que percebeu quando a faísca atingiu o teto.  

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“Me apavorei! Era muita gente saindo”, disse Jéssica, que ao conseguir sair da boate ligou para a família, preocupada com o irmão. Ela lembrou que tentou retornar à Kiss várias vezes para encontrá-lo. “Acho que é o instinto de irmão, de amor, de empatia. Eu queria ter feito mais, mas eu não tive força”, lamentou emocionada.

Questionada pelo advogado de defesa sobre o que os réus são para ela, Jéssica respondeu: “Seres humanos”.

‘Ele achou o isolamento acústico caro’

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Hoje com 72 anos, Miguel Ângelo Teixeira Pedroso foi o engenheiro civil responsável pelo projeto de isolamento acústico da Kiss. Em seu depoimento, ele afirmou ter aconselhado a remoção de uma espuma colocada em uma das paredes e a construção de uma parede na entrada da boate. 

Frente da Boate Kiss no dia seguinte ao incêndio que matou 242 pessoas e deixou outros 636 feridos; julgamento do incêndio começa nesta quarta-feira, 3.230 dias depois da tragédia Foto: Evelson de Freitas/Estadão - 29/01/2013

Pedroso teria sugerido ainda que todas as paredes tivessem uma camada extra de alvenaria (tijolos) e, entre elas, uma de fibra de vidro. O projeto acabou sendo feito com pedra, mas o engenheiro não teria concordado em construir essa estrutura no fundo da boate. “Sugeri, então, gesso acartonado. Ele achou caro. Então, sugeri madeira com uma camada de lã de vidro. Também foi sugerido por mim que se isolasse a laje superior com uma camada de gesso acartonado intermediada por lã de vidro”, disse.

A testemunha informou que gesso acartonado e alvenaria de pedra são absolutamente seguros e que a lã de vidro não é inflamável. Já em relação à espuma, existe no mercado um tipo que não é inflamável e é segura, mas ele não teria indicado o uso do material no local. 

‘Colamos espuma a mando do Kiko (Elissandro)

Erico Paulus Garcia foi a última vítima ouvida. À época, ele era barman da Boate Kiss, função que exerceu por três anos. Ele conta que ajudou a colar a espuma de isolamento acústico no local e que o teto tinha uma camada de gesso e outra de lã de vidro. “Exceto no palco. Eu, Rogério e João (falecidos) colamos espuma nas laterais, no fundo e no teto, a mando do Kiko.”

Garcia ainda contou que, após a tragédia, conversou com alguns seguranças do local. Eles teriam dito que impediram a saída das vítimas por acharem que se tratava de uma briga. 

‘Querem me prender, me prendam. Eu não aguento mais!’

Elissandro Callegaro Spohr, conhecido como Kiko e sócio da Kiss à época, foi o primeiro réu ouvido, em um depoimento marcado por gritos e muito choro. “Perdi amigos, funcionários. Por que eu ia fazer isso? Querem me prender, me prendam. Eu não aguento mais”, declarou. 

Segundo Elissandro, ele não teria autorizado o uso de artefatos pirotécnicos pela banda e que houve controle de público naquela noite. A escolha da espuma para o isolamento acústico, afirmou, foi uma sugestão do engenheiro Samir.

‘Fui eu que acionei’

Produtor da banda Gurizada Fandangueira, Luciano Bonilha Leão confessou ter sido a pessoa quem comprou os artefatos pirotécnicos que deram origem ao incêndio. Segundo ele, haviam três fogos de artifício, a pedido de Danilo, líder da banda: dois em cada canto do palco e um na mão de Marcelo, acendido por Leão. “Fui eu que acionei”, disse. 

‘Não me sentia dono da Kiss’

Sócio e proprietário da Kiss com Kiko, Mauro Londero Hoffmann alegou que era apenas um investidor e que não administrava o local. “Eu não me sentia dono, eu era sócio. [...] Nem tinha a chave da boate”, declarou. 

Ele disse ainda que se reunia com Kiko e Ângela Spohr, uma das gerentes da casa, sobre demandas de ordem financeira do estabelecimento. “Todo e qualquer fato administrativo da boate eu não fazia parte.” 

Ele contou que, após Kiko ter dito que a situação do isolamento acústico estava sendo avaliada pelo Ministério Público, ameaçou desfazer a parceria. “A ideia era desfazer o negócio.” O sócio então teria pedido uma chance e afirmado que resolveria a questão com a ajuda do Engenheiro Samir. “Fiquei acompanhando de longe”, disse Hoffman. 

‘Todo mundo sabia’

Marcelo de Jesus dos Santos, vocalista da Gurizada Fandangueira, afirmou em seu depoimento que a banda utilizou artefatos pirotécnicos em todas as apresentações anteriores na Boate Kiss. “Todo mundo sabia, nunca foi escondido de ninguém.”

O artista contou ainda que tentou apagar o fogo quando percebeu o que estava acontecendo. “Larguei o microfone, peguei o extintor na mão. Eu gritei ‘fogo, fogo, sai’. Quando me deram o extintor, eu achei que ia apagar. Só tive uma chance, mas o extintor não funcionou. Alguém gritou: ‘Vai vir mais extintor’. E não veio”, disse. “Dia 27 nunca saiu de mim. Eu acordo e durmo pensando no dia 27. Não tô bem, eu nunca tive bem.”

Ministério Público pede condenação

De acordo com o Ministério Público, a tragédia da Boate Kiss foi homicídio doloso (quando o acusado tem a intenção ou assume o risco de morte) e os acusados deveriam ser condenados. A sustentação foi feita pelos promotores David Medina da Silva e Lúcia Helena Callegari, e pelo assistente de acusação Pedro Barcellos, representando as vítimas.

“Eles não queriam matar, nós nunca dissemos isso”, afirmou Medina. “Não é uma culpa moral que a gente está falando. É uma questão jurídica”. O promotor ainda defendeu que os acusados agiram com "indiferença" em relação à segurança do público, “ganância” por terem comprado artefatos pirotécnicos baratos e ignoraram as orientações do Corpo de Bombeiros. Também disse que a iluminação correta teria evitado mortes e, por fim, chegou a recitar a música “Pedaço de mim”, de Chico Buarque.

O julgamento de quatro réus acusados por 242 mortes no incêndio da Boate Kiss está chegando ao final. É esperado para esta sexta-feira, 10, o início da deliberação entre os jurados, que vão decidir se condenam ou absolvem os acusados pela tragédia após dez dias de depoimentos das testemunhas. 

O júri, composto por seis homens e uma mulher, julga a responsabilidade de quatro denunciados no caso: Elissandro Callegaro Spohr e Mauro Londero Hoffmann, sócios-proprietários do local; Marcelo de Jesus dos Santos, integrante da banda Gurizada Fandangueira e responsável por acender os fogos que se espalhou pelo local; e Luciano Augusto Bonilha Leão, produtor do grupo.

Luciano Augusto Bonilha Leão é acusado de ter comprado o sinalizador que causou o incêncio na Boate Kiss. Foto: SILVIO AVILA / AFP

Os quatro réus respondem por homicídio simples, consumado 242 vezes (total de vítimas) e tentado outras 636 (número de sobreviventes). O incêndio na Boate Kiss começou durante o show da banda Gurizada Fandangueira, quando Santos disparou um artefato pirotécnico, atingindo parte do teto do prédio, que era coberto por uma espuma e pegou fogo rapidamente. 

Além do incêndio que provocou a morte de muitos jovens naquela noite, outra parte das vítimas morreu após inalar a fumaça tóxica liberada com a queima da espuma de proteção acústica no teto. Segundo a perícia e relatos de sobreviventes, não havia ventilação adequada ou extintores de incêndio apropriados no local. 

Ao todo, o caso tem mais de 19 mil páginas e é considerado tanto o maior quanto o mais longo da Justiça do Rio Grande do Sul. O julgamento ocorre em Porto Alegre e os depoimentos foram encerrados nesta quinta-feira, 9. Ao todo, foram ouvidas 12 vítimas, 16 testemunhas e um informante.

Abaixo, veja os principais pontos levantados durante os depoimentos:

‘A Kiss era um labirinto’

A primeira testemunha ouvida foi Kátia Giane Siqueira, sobrevivente da tragédia que trabalhava no bar da boate e teve 40% do corpo queimado. Ela confirmou que foi feita uma reforma para elevar o piso do palco antes do incêndio e disse: “A Kiss era um labirinto, eu mesmo trabalhava lá e quase não consegui sair”.

Kátia também confirmou que muitas das vítimas confundiram o banheiro com uma saída de emergência e acabaram morrendo ali. A falta de luz na boate também teria contribuído para a confusão geral. Ela ainda afirmou que os extintores de incêndio eram retirados antes das festas porque alguns clientes já teriam brincado com eles e que os shows pirotécnicos eram recorrentes no local e, segundo Márcio André de Jesus dos Santos, percussionista da banda, este tipo de atração era frequente nas apresentações do grupo. 

‘Errei ao bloquear o som’

O operador de áudio da Gurizada Fandangueira à época, Venâncio da Silva Anschau, prestou depoimento na terça-feira, 7, e disse que o grupo já tinha usado artefatos pirotécnicos em apresentações anteriores na Boate Kiss. Ele afirmou que, na noite da tragédia, não percebeu o momento em que o fogo começou. “De repente, a banda parou de tocar.”

Quando percebeu que havia algo errado e viu uma pessoa subindo ao palco com um extintor de incêndio, ele conta que desabilitou o som, o que teria impedido um anúncio geral sobre o acidente. “Eu não sabia o que estava acontecendo. Errei ao bloquear o som”, disse chorando.

‘Queria ter feito mais, mas não tive força’

Outra sobrevivente da tragédia, Jéssica Montardo Rosado estava com o irmão, Vinícius, na noite do incêndio e prestou depoimento no dia 2. Antes de morrer pela inalação da fumaça tóxica, ele teria ajudado a salvar cerca de 15 pessoas. Ela estava na frente do palco quando o fogo começou e conta que percebeu quando a faísca atingiu o teto.  

“Me apavorei! Era muita gente saindo”, disse Jéssica, que ao conseguir sair da boate ligou para a família, preocupada com o irmão. Ela lembrou que tentou retornar à Kiss várias vezes para encontrá-lo. “Acho que é o instinto de irmão, de amor, de empatia. Eu queria ter feito mais, mas eu não tive força”, lamentou emocionada.

Questionada pelo advogado de defesa sobre o que os réus são para ela, Jéssica respondeu: “Seres humanos”.

‘Ele achou o isolamento acústico caro’

Hoje com 72 anos, Miguel Ângelo Teixeira Pedroso foi o engenheiro civil responsável pelo projeto de isolamento acústico da Kiss. Em seu depoimento, ele afirmou ter aconselhado a remoção de uma espuma colocada em uma das paredes e a construção de uma parede na entrada da boate. 

Frente da Boate Kiss no dia seguinte ao incêndio que matou 242 pessoas e deixou outros 636 feridos; julgamento do incêndio começa nesta quarta-feira, 3.230 dias depois da tragédia Foto: Evelson de Freitas/Estadão - 29/01/2013

Pedroso teria sugerido ainda que todas as paredes tivessem uma camada extra de alvenaria (tijolos) e, entre elas, uma de fibra de vidro. O projeto acabou sendo feito com pedra, mas o engenheiro não teria concordado em construir essa estrutura no fundo da boate. “Sugeri, então, gesso acartonado. Ele achou caro. Então, sugeri madeira com uma camada de lã de vidro. Também foi sugerido por mim que se isolasse a laje superior com uma camada de gesso acartonado intermediada por lã de vidro”, disse.

A testemunha informou que gesso acartonado e alvenaria de pedra são absolutamente seguros e que a lã de vidro não é inflamável. Já em relação à espuma, existe no mercado um tipo que não é inflamável e é segura, mas ele não teria indicado o uso do material no local. 

‘Colamos espuma a mando do Kiko (Elissandro)

Erico Paulus Garcia foi a última vítima ouvida. À época, ele era barman da Boate Kiss, função que exerceu por três anos. Ele conta que ajudou a colar a espuma de isolamento acústico no local e que o teto tinha uma camada de gesso e outra de lã de vidro. “Exceto no palco. Eu, Rogério e João (falecidos) colamos espuma nas laterais, no fundo e no teto, a mando do Kiko.”

Garcia ainda contou que, após a tragédia, conversou com alguns seguranças do local. Eles teriam dito que impediram a saída das vítimas por acharem que se tratava de uma briga. 

‘Querem me prender, me prendam. Eu não aguento mais!’

Elissandro Callegaro Spohr, conhecido como Kiko e sócio da Kiss à época, foi o primeiro réu ouvido, em um depoimento marcado por gritos e muito choro. “Perdi amigos, funcionários. Por que eu ia fazer isso? Querem me prender, me prendam. Eu não aguento mais”, declarou. 

Segundo Elissandro, ele não teria autorizado o uso de artefatos pirotécnicos pela banda e que houve controle de público naquela noite. A escolha da espuma para o isolamento acústico, afirmou, foi uma sugestão do engenheiro Samir.

‘Fui eu que acionei’

Produtor da banda Gurizada Fandangueira, Luciano Bonilha Leão confessou ter sido a pessoa quem comprou os artefatos pirotécnicos que deram origem ao incêndio. Segundo ele, haviam três fogos de artifício, a pedido de Danilo, líder da banda: dois em cada canto do palco e um na mão de Marcelo, acendido por Leão. “Fui eu que acionei”, disse. 

‘Não me sentia dono da Kiss’

Sócio e proprietário da Kiss com Kiko, Mauro Londero Hoffmann alegou que era apenas um investidor e que não administrava o local. “Eu não me sentia dono, eu era sócio. [...] Nem tinha a chave da boate”, declarou. 

Ele disse ainda que se reunia com Kiko e Ângela Spohr, uma das gerentes da casa, sobre demandas de ordem financeira do estabelecimento. “Todo e qualquer fato administrativo da boate eu não fazia parte.” 

Ele contou que, após Kiko ter dito que a situação do isolamento acústico estava sendo avaliada pelo Ministério Público, ameaçou desfazer a parceria. “A ideia era desfazer o negócio.” O sócio então teria pedido uma chance e afirmado que resolveria a questão com a ajuda do Engenheiro Samir. “Fiquei acompanhando de longe”, disse Hoffman. 

‘Todo mundo sabia’

Marcelo de Jesus dos Santos, vocalista da Gurizada Fandangueira, afirmou em seu depoimento que a banda utilizou artefatos pirotécnicos em todas as apresentações anteriores na Boate Kiss. “Todo mundo sabia, nunca foi escondido de ninguém.”

O artista contou ainda que tentou apagar o fogo quando percebeu o que estava acontecendo. “Larguei o microfone, peguei o extintor na mão. Eu gritei ‘fogo, fogo, sai’. Quando me deram o extintor, eu achei que ia apagar. Só tive uma chance, mas o extintor não funcionou. Alguém gritou: ‘Vai vir mais extintor’. E não veio”, disse. “Dia 27 nunca saiu de mim. Eu acordo e durmo pensando no dia 27. Não tô bem, eu nunca tive bem.”

Ministério Público pede condenação

De acordo com o Ministério Público, a tragédia da Boate Kiss foi homicídio doloso (quando o acusado tem a intenção ou assume o risco de morte) e os acusados deveriam ser condenados. A sustentação foi feita pelos promotores David Medina da Silva e Lúcia Helena Callegari, e pelo assistente de acusação Pedro Barcellos, representando as vítimas.

“Eles não queriam matar, nós nunca dissemos isso”, afirmou Medina. “Não é uma culpa moral que a gente está falando. É uma questão jurídica”. O promotor ainda defendeu que os acusados agiram com "indiferença" em relação à segurança do público, “ganância” por terem comprado artefatos pirotécnicos baratos e ignoraram as orientações do Corpo de Bombeiros. Também disse que a iluminação correta teria evitado mortes e, por fim, chegou a recitar a música “Pedaço de mim”, de Chico Buarque.

O julgamento de quatro réus acusados por 242 mortes no incêndio da Boate Kiss está chegando ao final. É esperado para esta sexta-feira, 10, o início da deliberação entre os jurados, que vão decidir se condenam ou absolvem os acusados pela tragédia após dez dias de depoimentos das testemunhas. 

O júri, composto por seis homens e uma mulher, julga a responsabilidade de quatro denunciados no caso: Elissandro Callegaro Spohr e Mauro Londero Hoffmann, sócios-proprietários do local; Marcelo de Jesus dos Santos, integrante da banda Gurizada Fandangueira e responsável por acender os fogos que se espalhou pelo local; e Luciano Augusto Bonilha Leão, produtor do grupo.

Luciano Augusto Bonilha Leão é acusado de ter comprado o sinalizador que causou o incêncio na Boate Kiss. Foto: SILVIO AVILA / AFP

Os quatro réus respondem por homicídio simples, consumado 242 vezes (total de vítimas) e tentado outras 636 (número de sobreviventes). O incêndio na Boate Kiss começou durante o show da banda Gurizada Fandangueira, quando Santos disparou um artefato pirotécnico, atingindo parte do teto do prédio, que era coberto por uma espuma e pegou fogo rapidamente. 

Além do incêndio que provocou a morte de muitos jovens naquela noite, outra parte das vítimas morreu após inalar a fumaça tóxica liberada com a queima da espuma de proteção acústica no teto. Segundo a perícia e relatos de sobreviventes, não havia ventilação adequada ou extintores de incêndio apropriados no local. 

Ao todo, o caso tem mais de 19 mil páginas e é considerado tanto o maior quanto o mais longo da Justiça do Rio Grande do Sul. O julgamento ocorre em Porto Alegre e os depoimentos foram encerrados nesta quinta-feira, 9. Ao todo, foram ouvidas 12 vítimas, 16 testemunhas e um informante.

Abaixo, veja os principais pontos levantados durante os depoimentos:

‘A Kiss era um labirinto’

A primeira testemunha ouvida foi Kátia Giane Siqueira, sobrevivente da tragédia que trabalhava no bar da boate e teve 40% do corpo queimado. Ela confirmou que foi feita uma reforma para elevar o piso do palco antes do incêndio e disse: “A Kiss era um labirinto, eu mesmo trabalhava lá e quase não consegui sair”.

Kátia também confirmou que muitas das vítimas confundiram o banheiro com uma saída de emergência e acabaram morrendo ali. A falta de luz na boate também teria contribuído para a confusão geral. Ela ainda afirmou que os extintores de incêndio eram retirados antes das festas porque alguns clientes já teriam brincado com eles e que os shows pirotécnicos eram recorrentes no local e, segundo Márcio André de Jesus dos Santos, percussionista da banda, este tipo de atração era frequente nas apresentações do grupo. 

‘Errei ao bloquear o som’

O operador de áudio da Gurizada Fandangueira à época, Venâncio da Silva Anschau, prestou depoimento na terça-feira, 7, e disse que o grupo já tinha usado artefatos pirotécnicos em apresentações anteriores na Boate Kiss. Ele afirmou que, na noite da tragédia, não percebeu o momento em que o fogo começou. “De repente, a banda parou de tocar.”

Quando percebeu que havia algo errado e viu uma pessoa subindo ao palco com um extintor de incêndio, ele conta que desabilitou o som, o que teria impedido um anúncio geral sobre o acidente. “Eu não sabia o que estava acontecendo. Errei ao bloquear o som”, disse chorando.

‘Queria ter feito mais, mas não tive força’

Outra sobrevivente da tragédia, Jéssica Montardo Rosado estava com o irmão, Vinícius, na noite do incêndio e prestou depoimento no dia 2. Antes de morrer pela inalação da fumaça tóxica, ele teria ajudado a salvar cerca de 15 pessoas. Ela estava na frente do palco quando o fogo começou e conta que percebeu quando a faísca atingiu o teto.  

“Me apavorei! Era muita gente saindo”, disse Jéssica, que ao conseguir sair da boate ligou para a família, preocupada com o irmão. Ela lembrou que tentou retornar à Kiss várias vezes para encontrá-lo. “Acho que é o instinto de irmão, de amor, de empatia. Eu queria ter feito mais, mas eu não tive força”, lamentou emocionada.

Questionada pelo advogado de defesa sobre o que os réus são para ela, Jéssica respondeu: “Seres humanos”.

‘Ele achou o isolamento acústico caro’

Hoje com 72 anos, Miguel Ângelo Teixeira Pedroso foi o engenheiro civil responsável pelo projeto de isolamento acústico da Kiss. Em seu depoimento, ele afirmou ter aconselhado a remoção de uma espuma colocada em uma das paredes e a construção de uma parede na entrada da boate. 

Frente da Boate Kiss no dia seguinte ao incêndio que matou 242 pessoas e deixou outros 636 feridos; julgamento do incêndio começa nesta quarta-feira, 3.230 dias depois da tragédia Foto: Evelson de Freitas/Estadão - 29/01/2013

Pedroso teria sugerido ainda que todas as paredes tivessem uma camada extra de alvenaria (tijolos) e, entre elas, uma de fibra de vidro. O projeto acabou sendo feito com pedra, mas o engenheiro não teria concordado em construir essa estrutura no fundo da boate. “Sugeri, então, gesso acartonado. Ele achou caro. Então, sugeri madeira com uma camada de lã de vidro. Também foi sugerido por mim que se isolasse a laje superior com uma camada de gesso acartonado intermediada por lã de vidro”, disse.

A testemunha informou que gesso acartonado e alvenaria de pedra são absolutamente seguros e que a lã de vidro não é inflamável. Já em relação à espuma, existe no mercado um tipo que não é inflamável e é segura, mas ele não teria indicado o uso do material no local. 

‘Colamos espuma a mando do Kiko (Elissandro)

Erico Paulus Garcia foi a última vítima ouvida. À época, ele era barman da Boate Kiss, função que exerceu por três anos. Ele conta que ajudou a colar a espuma de isolamento acústico no local e que o teto tinha uma camada de gesso e outra de lã de vidro. “Exceto no palco. Eu, Rogério e João (falecidos) colamos espuma nas laterais, no fundo e no teto, a mando do Kiko.”

Garcia ainda contou que, após a tragédia, conversou com alguns seguranças do local. Eles teriam dito que impediram a saída das vítimas por acharem que se tratava de uma briga. 

‘Querem me prender, me prendam. Eu não aguento mais!’

Elissandro Callegaro Spohr, conhecido como Kiko e sócio da Kiss à época, foi o primeiro réu ouvido, em um depoimento marcado por gritos e muito choro. “Perdi amigos, funcionários. Por que eu ia fazer isso? Querem me prender, me prendam. Eu não aguento mais”, declarou. 

Segundo Elissandro, ele não teria autorizado o uso de artefatos pirotécnicos pela banda e que houve controle de público naquela noite. A escolha da espuma para o isolamento acústico, afirmou, foi uma sugestão do engenheiro Samir.

‘Fui eu que acionei’

Produtor da banda Gurizada Fandangueira, Luciano Bonilha Leão confessou ter sido a pessoa quem comprou os artefatos pirotécnicos que deram origem ao incêndio. Segundo ele, haviam três fogos de artifício, a pedido de Danilo, líder da banda: dois em cada canto do palco e um na mão de Marcelo, acendido por Leão. “Fui eu que acionei”, disse. 

‘Não me sentia dono da Kiss’

Sócio e proprietário da Kiss com Kiko, Mauro Londero Hoffmann alegou que era apenas um investidor e que não administrava o local. “Eu não me sentia dono, eu era sócio. [...] Nem tinha a chave da boate”, declarou. 

Ele disse ainda que se reunia com Kiko e Ângela Spohr, uma das gerentes da casa, sobre demandas de ordem financeira do estabelecimento. “Todo e qualquer fato administrativo da boate eu não fazia parte.” 

Ele contou que, após Kiko ter dito que a situação do isolamento acústico estava sendo avaliada pelo Ministério Público, ameaçou desfazer a parceria. “A ideia era desfazer o negócio.” O sócio então teria pedido uma chance e afirmado que resolveria a questão com a ajuda do Engenheiro Samir. “Fiquei acompanhando de longe”, disse Hoffman. 

‘Todo mundo sabia’

Marcelo de Jesus dos Santos, vocalista da Gurizada Fandangueira, afirmou em seu depoimento que a banda utilizou artefatos pirotécnicos em todas as apresentações anteriores na Boate Kiss. “Todo mundo sabia, nunca foi escondido de ninguém.”

O artista contou ainda que tentou apagar o fogo quando percebeu o que estava acontecendo. “Larguei o microfone, peguei o extintor na mão. Eu gritei ‘fogo, fogo, sai’. Quando me deram o extintor, eu achei que ia apagar. Só tive uma chance, mas o extintor não funcionou. Alguém gritou: ‘Vai vir mais extintor’. E não veio”, disse. “Dia 27 nunca saiu de mim. Eu acordo e durmo pensando no dia 27. Não tô bem, eu nunca tive bem.”

Ministério Público pede condenação

De acordo com o Ministério Público, a tragédia da Boate Kiss foi homicídio doloso (quando o acusado tem a intenção ou assume o risco de morte) e os acusados deveriam ser condenados. A sustentação foi feita pelos promotores David Medina da Silva e Lúcia Helena Callegari, e pelo assistente de acusação Pedro Barcellos, representando as vítimas.

“Eles não queriam matar, nós nunca dissemos isso”, afirmou Medina. “Não é uma culpa moral que a gente está falando. É uma questão jurídica”. O promotor ainda defendeu que os acusados agiram com "indiferença" em relação à segurança do público, “ganância” por terem comprado artefatos pirotécnicos baratos e ignoraram as orientações do Corpo de Bombeiros. Também disse que a iluminação correta teria evitado mortes e, por fim, chegou a recitar a música “Pedaço de mim”, de Chico Buarque.

O julgamento de quatro réus acusados por 242 mortes no incêndio da Boate Kiss está chegando ao final. É esperado para esta sexta-feira, 10, o início da deliberação entre os jurados, que vão decidir se condenam ou absolvem os acusados pela tragédia após dez dias de depoimentos das testemunhas. 

O júri, composto por seis homens e uma mulher, julga a responsabilidade de quatro denunciados no caso: Elissandro Callegaro Spohr e Mauro Londero Hoffmann, sócios-proprietários do local; Marcelo de Jesus dos Santos, integrante da banda Gurizada Fandangueira e responsável por acender os fogos que se espalhou pelo local; e Luciano Augusto Bonilha Leão, produtor do grupo.

Luciano Augusto Bonilha Leão é acusado de ter comprado o sinalizador que causou o incêncio na Boate Kiss. Foto: SILVIO AVILA / AFP

Os quatro réus respondem por homicídio simples, consumado 242 vezes (total de vítimas) e tentado outras 636 (número de sobreviventes). O incêndio na Boate Kiss começou durante o show da banda Gurizada Fandangueira, quando Santos disparou um artefato pirotécnico, atingindo parte do teto do prédio, que era coberto por uma espuma e pegou fogo rapidamente. 

Além do incêndio que provocou a morte de muitos jovens naquela noite, outra parte das vítimas morreu após inalar a fumaça tóxica liberada com a queima da espuma de proteção acústica no teto. Segundo a perícia e relatos de sobreviventes, não havia ventilação adequada ou extintores de incêndio apropriados no local. 

Ao todo, o caso tem mais de 19 mil páginas e é considerado tanto o maior quanto o mais longo da Justiça do Rio Grande do Sul. O julgamento ocorre em Porto Alegre e os depoimentos foram encerrados nesta quinta-feira, 9. Ao todo, foram ouvidas 12 vítimas, 16 testemunhas e um informante.

Abaixo, veja os principais pontos levantados durante os depoimentos:

‘A Kiss era um labirinto’

A primeira testemunha ouvida foi Kátia Giane Siqueira, sobrevivente da tragédia que trabalhava no bar da boate e teve 40% do corpo queimado. Ela confirmou que foi feita uma reforma para elevar o piso do palco antes do incêndio e disse: “A Kiss era um labirinto, eu mesmo trabalhava lá e quase não consegui sair”.

Kátia também confirmou que muitas das vítimas confundiram o banheiro com uma saída de emergência e acabaram morrendo ali. A falta de luz na boate também teria contribuído para a confusão geral. Ela ainda afirmou que os extintores de incêndio eram retirados antes das festas porque alguns clientes já teriam brincado com eles e que os shows pirotécnicos eram recorrentes no local e, segundo Márcio André de Jesus dos Santos, percussionista da banda, este tipo de atração era frequente nas apresentações do grupo. 

‘Errei ao bloquear o som’

O operador de áudio da Gurizada Fandangueira à época, Venâncio da Silva Anschau, prestou depoimento na terça-feira, 7, e disse que o grupo já tinha usado artefatos pirotécnicos em apresentações anteriores na Boate Kiss. Ele afirmou que, na noite da tragédia, não percebeu o momento em que o fogo começou. “De repente, a banda parou de tocar.”

Quando percebeu que havia algo errado e viu uma pessoa subindo ao palco com um extintor de incêndio, ele conta que desabilitou o som, o que teria impedido um anúncio geral sobre o acidente. “Eu não sabia o que estava acontecendo. Errei ao bloquear o som”, disse chorando.

‘Queria ter feito mais, mas não tive força’

Outra sobrevivente da tragédia, Jéssica Montardo Rosado estava com o irmão, Vinícius, na noite do incêndio e prestou depoimento no dia 2. Antes de morrer pela inalação da fumaça tóxica, ele teria ajudado a salvar cerca de 15 pessoas. Ela estava na frente do palco quando o fogo começou e conta que percebeu quando a faísca atingiu o teto.  

“Me apavorei! Era muita gente saindo”, disse Jéssica, que ao conseguir sair da boate ligou para a família, preocupada com o irmão. Ela lembrou que tentou retornar à Kiss várias vezes para encontrá-lo. “Acho que é o instinto de irmão, de amor, de empatia. Eu queria ter feito mais, mas eu não tive força”, lamentou emocionada.

Questionada pelo advogado de defesa sobre o que os réus são para ela, Jéssica respondeu: “Seres humanos”.

‘Ele achou o isolamento acústico caro’

Hoje com 72 anos, Miguel Ângelo Teixeira Pedroso foi o engenheiro civil responsável pelo projeto de isolamento acústico da Kiss. Em seu depoimento, ele afirmou ter aconselhado a remoção de uma espuma colocada em uma das paredes e a construção de uma parede na entrada da boate. 

Frente da Boate Kiss no dia seguinte ao incêndio que matou 242 pessoas e deixou outros 636 feridos; julgamento do incêndio começa nesta quarta-feira, 3.230 dias depois da tragédia Foto: Evelson de Freitas/Estadão - 29/01/2013

Pedroso teria sugerido ainda que todas as paredes tivessem uma camada extra de alvenaria (tijolos) e, entre elas, uma de fibra de vidro. O projeto acabou sendo feito com pedra, mas o engenheiro não teria concordado em construir essa estrutura no fundo da boate. “Sugeri, então, gesso acartonado. Ele achou caro. Então, sugeri madeira com uma camada de lã de vidro. Também foi sugerido por mim que se isolasse a laje superior com uma camada de gesso acartonado intermediada por lã de vidro”, disse.

A testemunha informou que gesso acartonado e alvenaria de pedra são absolutamente seguros e que a lã de vidro não é inflamável. Já em relação à espuma, existe no mercado um tipo que não é inflamável e é segura, mas ele não teria indicado o uso do material no local. 

‘Colamos espuma a mando do Kiko (Elissandro)

Erico Paulus Garcia foi a última vítima ouvida. À época, ele era barman da Boate Kiss, função que exerceu por três anos. Ele conta que ajudou a colar a espuma de isolamento acústico no local e que o teto tinha uma camada de gesso e outra de lã de vidro. “Exceto no palco. Eu, Rogério e João (falecidos) colamos espuma nas laterais, no fundo e no teto, a mando do Kiko.”

Garcia ainda contou que, após a tragédia, conversou com alguns seguranças do local. Eles teriam dito que impediram a saída das vítimas por acharem que se tratava de uma briga. 

‘Querem me prender, me prendam. Eu não aguento mais!’

Elissandro Callegaro Spohr, conhecido como Kiko e sócio da Kiss à época, foi o primeiro réu ouvido, em um depoimento marcado por gritos e muito choro. “Perdi amigos, funcionários. Por que eu ia fazer isso? Querem me prender, me prendam. Eu não aguento mais”, declarou. 

Segundo Elissandro, ele não teria autorizado o uso de artefatos pirotécnicos pela banda e que houve controle de público naquela noite. A escolha da espuma para o isolamento acústico, afirmou, foi uma sugestão do engenheiro Samir.

‘Fui eu que acionei’

Produtor da banda Gurizada Fandangueira, Luciano Bonilha Leão confessou ter sido a pessoa quem comprou os artefatos pirotécnicos que deram origem ao incêndio. Segundo ele, haviam três fogos de artifício, a pedido de Danilo, líder da banda: dois em cada canto do palco e um na mão de Marcelo, acendido por Leão. “Fui eu que acionei”, disse. 

‘Não me sentia dono da Kiss’

Sócio e proprietário da Kiss com Kiko, Mauro Londero Hoffmann alegou que era apenas um investidor e que não administrava o local. “Eu não me sentia dono, eu era sócio. [...] Nem tinha a chave da boate”, declarou. 

Ele disse ainda que se reunia com Kiko e Ângela Spohr, uma das gerentes da casa, sobre demandas de ordem financeira do estabelecimento. “Todo e qualquer fato administrativo da boate eu não fazia parte.” 

Ele contou que, após Kiko ter dito que a situação do isolamento acústico estava sendo avaliada pelo Ministério Público, ameaçou desfazer a parceria. “A ideia era desfazer o negócio.” O sócio então teria pedido uma chance e afirmado que resolveria a questão com a ajuda do Engenheiro Samir. “Fiquei acompanhando de longe”, disse Hoffman. 

‘Todo mundo sabia’

Marcelo de Jesus dos Santos, vocalista da Gurizada Fandangueira, afirmou em seu depoimento que a banda utilizou artefatos pirotécnicos em todas as apresentações anteriores na Boate Kiss. “Todo mundo sabia, nunca foi escondido de ninguém.”

O artista contou ainda que tentou apagar o fogo quando percebeu o que estava acontecendo. “Larguei o microfone, peguei o extintor na mão. Eu gritei ‘fogo, fogo, sai’. Quando me deram o extintor, eu achei que ia apagar. Só tive uma chance, mas o extintor não funcionou. Alguém gritou: ‘Vai vir mais extintor’. E não veio”, disse. “Dia 27 nunca saiu de mim. Eu acordo e durmo pensando no dia 27. Não tô bem, eu nunca tive bem.”

Ministério Público pede condenação

De acordo com o Ministério Público, a tragédia da Boate Kiss foi homicídio doloso (quando o acusado tem a intenção ou assume o risco de morte) e os acusados deveriam ser condenados. A sustentação foi feita pelos promotores David Medina da Silva e Lúcia Helena Callegari, e pelo assistente de acusação Pedro Barcellos, representando as vítimas.

“Eles não queriam matar, nós nunca dissemos isso”, afirmou Medina. “Não é uma culpa moral que a gente está falando. É uma questão jurídica”. O promotor ainda defendeu que os acusados agiram com "indiferença" em relação à segurança do público, “ganância” por terem comprado artefatos pirotécnicos baratos e ignoraram as orientações do Corpo de Bombeiros. Também disse que a iluminação correta teria evitado mortes e, por fim, chegou a recitar a música “Pedaço de mim”, de Chico Buarque.

O julgamento de quatro réus acusados por 242 mortes no incêndio da Boate Kiss está chegando ao final. É esperado para esta sexta-feira, 10, o início da deliberação entre os jurados, que vão decidir se condenam ou absolvem os acusados pela tragédia após dez dias de depoimentos das testemunhas. 

O júri, composto por seis homens e uma mulher, julga a responsabilidade de quatro denunciados no caso: Elissandro Callegaro Spohr e Mauro Londero Hoffmann, sócios-proprietários do local; Marcelo de Jesus dos Santos, integrante da banda Gurizada Fandangueira e responsável por acender os fogos que se espalhou pelo local; e Luciano Augusto Bonilha Leão, produtor do grupo.

Luciano Augusto Bonilha Leão é acusado de ter comprado o sinalizador que causou o incêncio na Boate Kiss. Foto: SILVIO AVILA / AFP

Os quatro réus respondem por homicídio simples, consumado 242 vezes (total de vítimas) e tentado outras 636 (número de sobreviventes). O incêndio na Boate Kiss começou durante o show da banda Gurizada Fandangueira, quando Santos disparou um artefato pirotécnico, atingindo parte do teto do prédio, que era coberto por uma espuma e pegou fogo rapidamente. 

Além do incêndio que provocou a morte de muitos jovens naquela noite, outra parte das vítimas morreu após inalar a fumaça tóxica liberada com a queima da espuma de proteção acústica no teto. Segundo a perícia e relatos de sobreviventes, não havia ventilação adequada ou extintores de incêndio apropriados no local. 

Ao todo, o caso tem mais de 19 mil páginas e é considerado tanto o maior quanto o mais longo da Justiça do Rio Grande do Sul. O julgamento ocorre em Porto Alegre e os depoimentos foram encerrados nesta quinta-feira, 9. Ao todo, foram ouvidas 12 vítimas, 16 testemunhas e um informante.

Abaixo, veja os principais pontos levantados durante os depoimentos:

‘A Kiss era um labirinto’

A primeira testemunha ouvida foi Kátia Giane Siqueira, sobrevivente da tragédia que trabalhava no bar da boate e teve 40% do corpo queimado. Ela confirmou que foi feita uma reforma para elevar o piso do palco antes do incêndio e disse: “A Kiss era um labirinto, eu mesmo trabalhava lá e quase não consegui sair”.

Kátia também confirmou que muitas das vítimas confundiram o banheiro com uma saída de emergência e acabaram morrendo ali. A falta de luz na boate também teria contribuído para a confusão geral. Ela ainda afirmou que os extintores de incêndio eram retirados antes das festas porque alguns clientes já teriam brincado com eles e que os shows pirotécnicos eram recorrentes no local e, segundo Márcio André de Jesus dos Santos, percussionista da banda, este tipo de atração era frequente nas apresentações do grupo. 

‘Errei ao bloquear o som’

O operador de áudio da Gurizada Fandangueira à época, Venâncio da Silva Anschau, prestou depoimento na terça-feira, 7, e disse que o grupo já tinha usado artefatos pirotécnicos em apresentações anteriores na Boate Kiss. Ele afirmou que, na noite da tragédia, não percebeu o momento em que o fogo começou. “De repente, a banda parou de tocar.”

Quando percebeu que havia algo errado e viu uma pessoa subindo ao palco com um extintor de incêndio, ele conta que desabilitou o som, o que teria impedido um anúncio geral sobre o acidente. “Eu não sabia o que estava acontecendo. Errei ao bloquear o som”, disse chorando.

‘Queria ter feito mais, mas não tive força’

Outra sobrevivente da tragédia, Jéssica Montardo Rosado estava com o irmão, Vinícius, na noite do incêndio e prestou depoimento no dia 2. Antes de morrer pela inalação da fumaça tóxica, ele teria ajudado a salvar cerca de 15 pessoas. Ela estava na frente do palco quando o fogo começou e conta que percebeu quando a faísca atingiu o teto.  

“Me apavorei! Era muita gente saindo”, disse Jéssica, que ao conseguir sair da boate ligou para a família, preocupada com o irmão. Ela lembrou que tentou retornar à Kiss várias vezes para encontrá-lo. “Acho que é o instinto de irmão, de amor, de empatia. Eu queria ter feito mais, mas eu não tive força”, lamentou emocionada.

Questionada pelo advogado de defesa sobre o que os réus são para ela, Jéssica respondeu: “Seres humanos”.

‘Ele achou o isolamento acústico caro’

Hoje com 72 anos, Miguel Ângelo Teixeira Pedroso foi o engenheiro civil responsável pelo projeto de isolamento acústico da Kiss. Em seu depoimento, ele afirmou ter aconselhado a remoção de uma espuma colocada em uma das paredes e a construção de uma parede na entrada da boate. 

Frente da Boate Kiss no dia seguinte ao incêndio que matou 242 pessoas e deixou outros 636 feridos; julgamento do incêndio começa nesta quarta-feira, 3.230 dias depois da tragédia Foto: Evelson de Freitas/Estadão - 29/01/2013

Pedroso teria sugerido ainda que todas as paredes tivessem uma camada extra de alvenaria (tijolos) e, entre elas, uma de fibra de vidro. O projeto acabou sendo feito com pedra, mas o engenheiro não teria concordado em construir essa estrutura no fundo da boate. “Sugeri, então, gesso acartonado. Ele achou caro. Então, sugeri madeira com uma camada de lã de vidro. Também foi sugerido por mim que se isolasse a laje superior com uma camada de gesso acartonado intermediada por lã de vidro”, disse.

A testemunha informou que gesso acartonado e alvenaria de pedra são absolutamente seguros e que a lã de vidro não é inflamável. Já em relação à espuma, existe no mercado um tipo que não é inflamável e é segura, mas ele não teria indicado o uso do material no local. 

‘Colamos espuma a mando do Kiko (Elissandro)

Erico Paulus Garcia foi a última vítima ouvida. À época, ele era barman da Boate Kiss, função que exerceu por três anos. Ele conta que ajudou a colar a espuma de isolamento acústico no local e que o teto tinha uma camada de gesso e outra de lã de vidro. “Exceto no palco. Eu, Rogério e João (falecidos) colamos espuma nas laterais, no fundo e no teto, a mando do Kiko.”

Garcia ainda contou que, após a tragédia, conversou com alguns seguranças do local. Eles teriam dito que impediram a saída das vítimas por acharem que se tratava de uma briga. 

‘Querem me prender, me prendam. Eu não aguento mais!’

Elissandro Callegaro Spohr, conhecido como Kiko e sócio da Kiss à época, foi o primeiro réu ouvido, em um depoimento marcado por gritos e muito choro. “Perdi amigos, funcionários. Por que eu ia fazer isso? Querem me prender, me prendam. Eu não aguento mais”, declarou. 

Segundo Elissandro, ele não teria autorizado o uso de artefatos pirotécnicos pela banda e que houve controle de público naquela noite. A escolha da espuma para o isolamento acústico, afirmou, foi uma sugestão do engenheiro Samir.

‘Fui eu que acionei’

Produtor da banda Gurizada Fandangueira, Luciano Bonilha Leão confessou ter sido a pessoa quem comprou os artefatos pirotécnicos que deram origem ao incêndio. Segundo ele, haviam três fogos de artifício, a pedido de Danilo, líder da banda: dois em cada canto do palco e um na mão de Marcelo, acendido por Leão. “Fui eu que acionei”, disse. 

‘Não me sentia dono da Kiss’

Sócio e proprietário da Kiss com Kiko, Mauro Londero Hoffmann alegou que era apenas um investidor e que não administrava o local. “Eu não me sentia dono, eu era sócio. [...] Nem tinha a chave da boate”, declarou. 

Ele disse ainda que se reunia com Kiko e Ângela Spohr, uma das gerentes da casa, sobre demandas de ordem financeira do estabelecimento. “Todo e qualquer fato administrativo da boate eu não fazia parte.” 

Ele contou que, após Kiko ter dito que a situação do isolamento acústico estava sendo avaliada pelo Ministério Público, ameaçou desfazer a parceria. “A ideia era desfazer o negócio.” O sócio então teria pedido uma chance e afirmado que resolveria a questão com a ajuda do Engenheiro Samir. “Fiquei acompanhando de longe”, disse Hoffman. 

‘Todo mundo sabia’

Marcelo de Jesus dos Santos, vocalista da Gurizada Fandangueira, afirmou em seu depoimento que a banda utilizou artefatos pirotécnicos em todas as apresentações anteriores na Boate Kiss. “Todo mundo sabia, nunca foi escondido de ninguém.”

O artista contou ainda que tentou apagar o fogo quando percebeu o que estava acontecendo. “Larguei o microfone, peguei o extintor na mão. Eu gritei ‘fogo, fogo, sai’. Quando me deram o extintor, eu achei que ia apagar. Só tive uma chance, mas o extintor não funcionou. Alguém gritou: ‘Vai vir mais extintor’. E não veio”, disse. “Dia 27 nunca saiu de mim. Eu acordo e durmo pensando no dia 27. Não tô bem, eu nunca tive bem.”

Ministério Público pede condenação

De acordo com o Ministério Público, a tragédia da Boate Kiss foi homicídio doloso (quando o acusado tem a intenção ou assume o risco de morte) e os acusados deveriam ser condenados. A sustentação foi feita pelos promotores David Medina da Silva e Lúcia Helena Callegari, e pelo assistente de acusação Pedro Barcellos, representando as vítimas.

“Eles não queriam matar, nós nunca dissemos isso”, afirmou Medina. “Não é uma culpa moral que a gente está falando. É uma questão jurídica”. O promotor ainda defendeu que os acusados agiram com "indiferença" em relação à segurança do público, “ganância” por terem comprado artefatos pirotécnicos baratos e ignoraram as orientações do Corpo de Bombeiros. Também disse que a iluminação correta teria evitado mortes e, por fim, chegou a recitar a música “Pedaço de mim”, de Chico Buarque.

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