Bolsonaro anuncia PL sobre excludente de ilicitude e diz que 'ladrão tem de ir pro pau'


Projeto beneficia militares e agentes de segurança pública para que possam agir sem ter de responder criminalmente em operações de Garantia da Lei e da Ordem (GLO)

Por Renato Onofre e Tania Monteiro

BRASÍLIA - O presidente Jair Bolsonaro quer isentar de eventuais punições militares e integrantes de forças de segurança que atuam em operações de Garantia da Lei e da Ordem (GLO). O texto ressuscita o chamado excludente de ilicitude que a Câmara dos Deputados já rejeitou por duas vezes este ano, sob o argumento que seria uma espécie de “licença para matar”. Para especialistas, o texto é vago e pode ser usado em casos que a GLO for convocada para reprimir manifestações.

A proposta é uma promessa de campanha de Bolsonaro que, nesta quinta-feira, 21, ao anunciar a medida, afirmou que era um marco importante na luta contra a criminalidade. Ele também disse que “ladrão de celular tem de ir pro pau”, numa referência a uma fala do ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva. Uma semana atrás, o petista disse que "não aguenta mais um jovem ser morto porque roubou um celular".

Apoiadores de Bolsonaro fazem gesto de arma com os dedos durante o lançamento do novo partido, Aliança pelo Brasil, em Brasília Foto: Eraldo Peres / AP Photo
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O novo texto do governo restringe o benefício em casos que o presidente autorize o uso da GLO. Pela Constituição, as operações de  Garantia da Lei e da Ordem só podem ocorrer nos casos em que há "esgotamento das forças tradicionais de segurança pública" como, por exemplo, na crise da greve da Polícia Militar no Espírito Santo, em 2018, ou em eventos especiais que requerem mais efetivos como no caso das Olimpíadas do Rio, em 2016, e da Copa do Mundo  de 2014.

O projeto de lei diz que o agente de segurança será isento de punição ou terá sua pena abrandada em casos de legítima defesa ou para “repelir injusta agressão” mesmo que façam o uso da força preventivamente. Na prática, um policial vai poder atirar sem que o suspeito tenha feito qualquer tipo de ataque direto a ele ou a um civil.

O governo classifica, no texto, como “injusta agressão” atos de terrorismo; qualquer tipo de conduta capaz de gerar morte ou lesão corporal; a restrição de liberdade da vítima, mediante violência ou grave ameaça; ou até portar ou utilizar ostensivamente arma de fogo.

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Militares participam de operação durante intervenção federal no Rio em 2018 Foto: Fabio Motta/Estadão

Nesses casos, o militar ou o policial usa da força durante uma GLO, mesmo que ocorre uma morte, responderá somente pelo excesso doloso e o juiz poderá, ainda, atenuar a pena. O texto ainda afasta a possibilidade de prisão em flagrante ou de qualquer outra medida restritiva caso a reação se encaixe em um dos pontos do excludente de ilicitude. E obriga a União a defender o agente.

Especialistas em Direito Penal criticam texto; coronel defende

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Para especialistas, o texto fere o direito à vida, previsto no artigo 5º da Constituição. “A legítima defesa e estrito cumprimento do dever legal não se presumem. Verificam-se a partir de fatos da vida real e condutas concretas. O que se pretende é emitir um salvo-conduto, autorização geral para as forças de segurança. Isso é absolutamente inconstitucional e humanamente inadmissível”, afirmou o criminalista José Carlos Cal Garcia Filho.

“O texto é marcado por total falta de técnica legislativa, contem expressões vagas e serve, tão somente, para estimular a ação violenta que, infelizmente, na maioria dos casos, já é impune, das forças policiais. A depender da situação, é possível que as excludentes sejam aplicadas em atos e manifestações políticas, o que indica a possibilidade de que coloquem em risco liberdades públicas essenciais ao regime democrático”, afirmou Conrado Gontijo, doutor em Direito Penal pela Universidade de São Paulo (USP).

A proposta chega ao Congresso Nacional no momento em que ações de forças policiais e militares em protestos no Chile e na Bolívia estão sendo questionadas pela comunidade internacional por conta da violência da repressão. Na Bolívia, houve nove mortos e 182 feridos em confronto um dia após o governo interino decretar a isenção de responsabilidade penal das forças de seguranças em casos de “cumprimento de suas funções”. Bolsonaro classificou os protestos como "atos terroristas".

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Segundo o coronel Elias Miler da Silva, presidente da Associação de Oficiais da Polícia Militar do Estado de São Paulo (Defenda-PM), a proposta pode dar mais segurança aos agentes que participam de GLO. "Durante a ação, encontrar um indivíduo ostensivamente armado já caracteriza a figura do risco iminente. Já atuei em casos em que eu estava com um (revólver) 38 e o indivíduo com metralhadora. Vou falar: 'em nome da lei, o senhor se renda'?" Pela legislação, a polícia tem de investigar todos os casos de morte decorrente de intervenção policial. Mas cabe ao Ministério Público decidir, com base nas informações do inquérito, se o agente agiu com excesso ou de forma ilegal, caso em que deve oferecer denúncia à Justiça, ou se a ação foi legítima, caso em que a investigação é arquivada.

Ministro entregou proposta pessoalmente a presidente da Câmara

Coube ao ministro da Defesa, general Fernando Azevedo e Silva, entregar o texto pessoalmente ao presidente da Câmara, deputado Rodrigo Maia (DEM-RJ). A estratégia era evitar a contaminação da proposta com a encaminhada pelo ministro Sérgio Moro em fevereiro, a qual Maia classificou como “perigosa”.

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“Para nós, essa lei é importante porque ampara melhor as ações de Garantia da Lei e da Ordem”, disse o ministro ao Estado. “Quando as Forças Armadas entram em uma operação de GLO, é prá resolver. Temos de ter regras claras de engajamento porque quem vai cumprir a missão não pode estar desabrigado”, completou.

Questionado se o excludente de ilicitude era uma autorização para a autoridade policial matar neste tipo de operação, o ministro rechaçou: “não é nada disso. É uma proteção jurídica para o pessoal trabalhar em operações delicadas, que não pode ficar desamparado”. Hoje, o ordenamento jurídico está previsto em decreto presidencial. Para o ministro, é fundamental que esse instrumento de proteção esteja previsto na lei e não apenas em decreto. 

Para o deputado Fábio Trad (PSD-MT), que participou do grupo de trabalho que rejeitou uma das tentativas do governo de aprovar o excludente de ilicitude – a outra foi rejeitada na Comissão de Constituição e Justiça – o texto abre brecha para “abusos” “A proposição cria uma “jabuticaba jurídica” que é a presunção de legítima defesa. Parece-me que presumir uma situação de fato pode servir de estímulo a abusos e excessos." / COLABOROU FELIPE RESK

BRASÍLIA - O presidente Jair Bolsonaro quer isentar de eventuais punições militares e integrantes de forças de segurança que atuam em operações de Garantia da Lei e da Ordem (GLO). O texto ressuscita o chamado excludente de ilicitude que a Câmara dos Deputados já rejeitou por duas vezes este ano, sob o argumento que seria uma espécie de “licença para matar”. Para especialistas, o texto é vago e pode ser usado em casos que a GLO for convocada para reprimir manifestações.

A proposta é uma promessa de campanha de Bolsonaro que, nesta quinta-feira, 21, ao anunciar a medida, afirmou que era um marco importante na luta contra a criminalidade. Ele também disse que “ladrão de celular tem de ir pro pau”, numa referência a uma fala do ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva. Uma semana atrás, o petista disse que "não aguenta mais um jovem ser morto porque roubou um celular".

Apoiadores de Bolsonaro fazem gesto de arma com os dedos durante o lançamento do novo partido, Aliança pelo Brasil, em Brasília Foto: Eraldo Peres / AP Photo

O novo texto do governo restringe o benefício em casos que o presidente autorize o uso da GLO. Pela Constituição, as operações de  Garantia da Lei e da Ordem só podem ocorrer nos casos em que há "esgotamento das forças tradicionais de segurança pública" como, por exemplo, na crise da greve da Polícia Militar no Espírito Santo, em 2018, ou em eventos especiais que requerem mais efetivos como no caso das Olimpíadas do Rio, em 2016, e da Copa do Mundo  de 2014.

O projeto de lei diz que o agente de segurança será isento de punição ou terá sua pena abrandada em casos de legítima defesa ou para “repelir injusta agressão” mesmo que façam o uso da força preventivamente. Na prática, um policial vai poder atirar sem que o suspeito tenha feito qualquer tipo de ataque direto a ele ou a um civil.

O governo classifica, no texto, como “injusta agressão” atos de terrorismo; qualquer tipo de conduta capaz de gerar morte ou lesão corporal; a restrição de liberdade da vítima, mediante violência ou grave ameaça; ou até portar ou utilizar ostensivamente arma de fogo.

Militares participam de operação durante intervenção federal no Rio em 2018 Foto: Fabio Motta/Estadão

Nesses casos, o militar ou o policial usa da força durante uma GLO, mesmo que ocorre uma morte, responderá somente pelo excesso doloso e o juiz poderá, ainda, atenuar a pena. O texto ainda afasta a possibilidade de prisão em flagrante ou de qualquer outra medida restritiva caso a reação se encaixe em um dos pontos do excludente de ilicitude. E obriga a União a defender o agente.

Especialistas em Direito Penal criticam texto; coronel defende

Para especialistas, o texto fere o direito à vida, previsto no artigo 5º da Constituição. “A legítima defesa e estrito cumprimento do dever legal não se presumem. Verificam-se a partir de fatos da vida real e condutas concretas. O que se pretende é emitir um salvo-conduto, autorização geral para as forças de segurança. Isso é absolutamente inconstitucional e humanamente inadmissível”, afirmou o criminalista José Carlos Cal Garcia Filho.

“O texto é marcado por total falta de técnica legislativa, contem expressões vagas e serve, tão somente, para estimular a ação violenta que, infelizmente, na maioria dos casos, já é impune, das forças policiais. A depender da situação, é possível que as excludentes sejam aplicadas em atos e manifestações políticas, o que indica a possibilidade de que coloquem em risco liberdades públicas essenciais ao regime democrático”, afirmou Conrado Gontijo, doutor em Direito Penal pela Universidade de São Paulo (USP).

A proposta chega ao Congresso Nacional no momento em que ações de forças policiais e militares em protestos no Chile e na Bolívia estão sendo questionadas pela comunidade internacional por conta da violência da repressão. Na Bolívia, houve nove mortos e 182 feridos em confronto um dia após o governo interino decretar a isenção de responsabilidade penal das forças de seguranças em casos de “cumprimento de suas funções”. Bolsonaro classificou os protestos como "atos terroristas".

Segundo o coronel Elias Miler da Silva, presidente da Associação de Oficiais da Polícia Militar do Estado de São Paulo (Defenda-PM), a proposta pode dar mais segurança aos agentes que participam de GLO. "Durante a ação, encontrar um indivíduo ostensivamente armado já caracteriza a figura do risco iminente. Já atuei em casos em que eu estava com um (revólver) 38 e o indivíduo com metralhadora. Vou falar: 'em nome da lei, o senhor se renda'?" Pela legislação, a polícia tem de investigar todos os casos de morte decorrente de intervenção policial. Mas cabe ao Ministério Público decidir, com base nas informações do inquérito, se o agente agiu com excesso ou de forma ilegal, caso em que deve oferecer denúncia à Justiça, ou se a ação foi legítima, caso em que a investigação é arquivada.

Ministro entregou proposta pessoalmente a presidente da Câmara

Coube ao ministro da Defesa, general Fernando Azevedo e Silva, entregar o texto pessoalmente ao presidente da Câmara, deputado Rodrigo Maia (DEM-RJ). A estratégia era evitar a contaminação da proposta com a encaminhada pelo ministro Sérgio Moro em fevereiro, a qual Maia classificou como “perigosa”.

“Para nós, essa lei é importante porque ampara melhor as ações de Garantia da Lei e da Ordem”, disse o ministro ao Estado. “Quando as Forças Armadas entram em uma operação de GLO, é prá resolver. Temos de ter regras claras de engajamento porque quem vai cumprir a missão não pode estar desabrigado”, completou.

Questionado se o excludente de ilicitude era uma autorização para a autoridade policial matar neste tipo de operação, o ministro rechaçou: “não é nada disso. É uma proteção jurídica para o pessoal trabalhar em operações delicadas, que não pode ficar desamparado”. Hoje, o ordenamento jurídico está previsto em decreto presidencial. Para o ministro, é fundamental que esse instrumento de proteção esteja previsto na lei e não apenas em decreto. 

Para o deputado Fábio Trad (PSD-MT), que participou do grupo de trabalho que rejeitou uma das tentativas do governo de aprovar o excludente de ilicitude – a outra foi rejeitada na Comissão de Constituição e Justiça – o texto abre brecha para “abusos” “A proposição cria uma “jabuticaba jurídica” que é a presunção de legítima defesa. Parece-me que presumir uma situação de fato pode servir de estímulo a abusos e excessos." / COLABOROU FELIPE RESK

BRASÍLIA - O presidente Jair Bolsonaro quer isentar de eventuais punições militares e integrantes de forças de segurança que atuam em operações de Garantia da Lei e da Ordem (GLO). O texto ressuscita o chamado excludente de ilicitude que a Câmara dos Deputados já rejeitou por duas vezes este ano, sob o argumento que seria uma espécie de “licença para matar”. Para especialistas, o texto é vago e pode ser usado em casos que a GLO for convocada para reprimir manifestações.

A proposta é uma promessa de campanha de Bolsonaro que, nesta quinta-feira, 21, ao anunciar a medida, afirmou que era um marco importante na luta contra a criminalidade. Ele também disse que “ladrão de celular tem de ir pro pau”, numa referência a uma fala do ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva. Uma semana atrás, o petista disse que "não aguenta mais um jovem ser morto porque roubou um celular".

Apoiadores de Bolsonaro fazem gesto de arma com os dedos durante o lançamento do novo partido, Aliança pelo Brasil, em Brasília Foto: Eraldo Peres / AP Photo

O novo texto do governo restringe o benefício em casos que o presidente autorize o uso da GLO. Pela Constituição, as operações de  Garantia da Lei e da Ordem só podem ocorrer nos casos em que há "esgotamento das forças tradicionais de segurança pública" como, por exemplo, na crise da greve da Polícia Militar no Espírito Santo, em 2018, ou em eventos especiais que requerem mais efetivos como no caso das Olimpíadas do Rio, em 2016, e da Copa do Mundo  de 2014.

O projeto de lei diz que o agente de segurança será isento de punição ou terá sua pena abrandada em casos de legítima defesa ou para “repelir injusta agressão” mesmo que façam o uso da força preventivamente. Na prática, um policial vai poder atirar sem que o suspeito tenha feito qualquer tipo de ataque direto a ele ou a um civil.

O governo classifica, no texto, como “injusta agressão” atos de terrorismo; qualquer tipo de conduta capaz de gerar morte ou lesão corporal; a restrição de liberdade da vítima, mediante violência ou grave ameaça; ou até portar ou utilizar ostensivamente arma de fogo.

Militares participam de operação durante intervenção federal no Rio em 2018 Foto: Fabio Motta/Estadão

Nesses casos, o militar ou o policial usa da força durante uma GLO, mesmo que ocorre uma morte, responderá somente pelo excesso doloso e o juiz poderá, ainda, atenuar a pena. O texto ainda afasta a possibilidade de prisão em flagrante ou de qualquer outra medida restritiva caso a reação se encaixe em um dos pontos do excludente de ilicitude. E obriga a União a defender o agente.

Especialistas em Direito Penal criticam texto; coronel defende

Para especialistas, o texto fere o direito à vida, previsto no artigo 5º da Constituição. “A legítima defesa e estrito cumprimento do dever legal não se presumem. Verificam-se a partir de fatos da vida real e condutas concretas. O que se pretende é emitir um salvo-conduto, autorização geral para as forças de segurança. Isso é absolutamente inconstitucional e humanamente inadmissível”, afirmou o criminalista José Carlos Cal Garcia Filho.

“O texto é marcado por total falta de técnica legislativa, contem expressões vagas e serve, tão somente, para estimular a ação violenta que, infelizmente, na maioria dos casos, já é impune, das forças policiais. A depender da situação, é possível que as excludentes sejam aplicadas em atos e manifestações políticas, o que indica a possibilidade de que coloquem em risco liberdades públicas essenciais ao regime democrático”, afirmou Conrado Gontijo, doutor em Direito Penal pela Universidade de São Paulo (USP).

A proposta chega ao Congresso Nacional no momento em que ações de forças policiais e militares em protestos no Chile e na Bolívia estão sendo questionadas pela comunidade internacional por conta da violência da repressão. Na Bolívia, houve nove mortos e 182 feridos em confronto um dia após o governo interino decretar a isenção de responsabilidade penal das forças de seguranças em casos de “cumprimento de suas funções”. Bolsonaro classificou os protestos como "atos terroristas".

Segundo o coronel Elias Miler da Silva, presidente da Associação de Oficiais da Polícia Militar do Estado de São Paulo (Defenda-PM), a proposta pode dar mais segurança aos agentes que participam de GLO. "Durante a ação, encontrar um indivíduo ostensivamente armado já caracteriza a figura do risco iminente. Já atuei em casos em que eu estava com um (revólver) 38 e o indivíduo com metralhadora. Vou falar: 'em nome da lei, o senhor se renda'?" Pela legislação, a polícia tem de investigar todos os casos de morte decorrente de intervenção policial. Mas cabe ao Ministério Público decidir, com base nas informações do inquérito, se o agente agiu com excesso ou de forma ilegal, caso em que deve oferecer denúncia à Justiça, ou se a ação foi legítima, caso em que a investigação é arquivada.

Ministro entregou proposta pessoalmente a presidente da Câmara

Coube ao ministro da Defesa, general Fernando Azevedo e Silva, entregar o texto pessoalmente ao presidente da Câmara, deputado Rodrigo Maia (DEM-RJ). A estratégia era evitar a contaminação da proposta com a encaminhada pelo ministro Sérgio Moro em fevereiro, a qual Maia classificou como “perigosa”.

“Para nós, essa lei é importante porque ampara melhor as ações de Garantia da Lei e da Ordem”, disse o ministro ao Estado. “Quando as Forças Armadas entram em uma operação de GLO, é prá resolver. Temos de ter regras claras de engajamento porque quem vai cumprir a missão não pode estar desabrigado”, completou.

Questionado se o excludente de ilicitude era uma autorização para a autoridade policial matar neste tipo de operação, o ministro rechaçou: “não é nada disso. É uma proteção jurídica para o pessoal trabalhar em operações delicadas, que não pode ficar desamparado”. Hoje, o ordenamento jurídico está previsto em decreto presidencial. Para o ministro, é fundamental que esse instrumento de proteção esteja previsto na lei e não apenas em decreto. 

Para o deputado Fábio Trad (PSD-MT), que participou do grupo de trabalho que rejeitou uma das tentativas do governo de aprovar o excludente de ilicitude – a outra foi rejeitada na Comissão de Constituição e Justiça – o texto abre brecha para “abusos” “A proposição cria uma “jabuticaba jurídica” que é a presunção de legítima defesa. Parece-me que presumir uma situação de fato pode servir de estímulo a abusos e excessos." / COLABOROU FELIPE RESK

BRASÍLIA - O presidente Jair Bolsonaro quer isentar de eventuais punições militares e integrantes de forças de segurança que atuam em operações de Garantia da Lei e da Ordem (GLO). O texto ressuscita o chamado excludente de ilicitude que a Câmara dos Deputados já rejeitou por duas vezes este ano, sob o argumento que seria uma espécie de “licença para matar”. Para especialistas, o texto é vago e pode ser usado em casos que a GLO for convocada para reprimir manifestações.

A proposta é uma promessa de campanha de Bolsonaro que, nesta quinta-feira, 21, ao anunciar a medida, afirmou que era um marco importante na luta contra a criminalidade. Ele também disse que “ladrão de celular tem de ir pro pau”, numa referência a uma fala do ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva. Uma semana atrás, o petista disse que "não aguenta mais um jovem ser morto porque roubou um celular".

Apoiadores de Bolsonaro fazem gesto de arma com os dedos durante o lançamento do novo partido, Aliança pelo Brasil, em Brasília Foto: Eraldo Peres / AP Photo

O novo texto do governo restringe o benefício em casos que o presidente autorize o uso da GLO. Pela Constituição, as operações de  Garantia da Lei e da Ordem só podem ocorrer nos casos em que há "esgotamento das forças tradicionais de segurança pública" como, por exemplo, na crise da greve da Polícia Militar no Espírito Santo, em 2018, ou em eventos especiais que requerem mais efetivos como no caso das Olimpíadas do Rio, em 2016, e da Copa do Mundo  de 2014.

O projeto de lei diz que o agente de segurança será isento de punição ou terá sua pena abrandada em casos de legítima defesa ou para “repelir injusta agressão” mesmo que façam o uso da força preventivamente. Na prática, um policial vai poder atirar sem que o suspeito tenha feito qualquer tipo de ataque direto a ele ou a um civil.

O governo classifica, no texto, como “injusta agressão” atos de terrorismo; qualquer tipo de conduta capaz de gerar morte ou lesão corporal; a restrição de liberdade da vítima, mediante violência ou grave ameaça; ou até portar ou utilizar ostensivamente arma de fogo.

Militares participam de operação durante intervenção federal no Rio em 2018 Foto: Fabio Motta/Estadão

Nesses casos, o militar ou o policial usa da força durante uma GLO, mesmo que ocorre uma morte, responderá somente pelo excesso doloso e o juiz poderá, ainda, atenuar a pena. O texto ainda afasta a possibilidade de prisão em flagrante ou de qualquer outra medida restritiva caso a reação se encaixe em um dos pontos do excludente de ilicitude. E obriga a União a defender o agente.

Especialistas em Direito Penal criticam texto; coronel defende

Para especialistas, o texto fere o direito à vida, previsto no artigo 5º da Constituição. “A legítima defesa e estrito cumprimento do dever legal não se presumem. Verificam-se a partir de fatos da vida real e condutas concretas. O que se pretende é emitir um salvo-conduto, autorização geral para as forças de segurança. Isso é absolutamente inconstitucional e humanamente inadmissível”, afirmou o criminalista José Carlos Cal Garcia Filho.

“O texto é marcado por total falta de técnica legislativa, contem expressões vagas e serve, tão somente, para estimular a ação violenta que, infelizmente, na maioria dos casos, já é impune, das forças policiais. A depender da situação, é possível que as excludentes sejam aplicadas em atos e manifestações políticas, o que indica a possibilidade de que coloquem em risco liberdades públicas essenciais ao regime democrático”, afirmou Conrado Gontijo, doutor em Direito Penal pela Universidade de São Paulo (USP).

A proposta chega ao Congresso Nacional no momento em que ações de forças policiais e militares em protestos no Chile e na Bolívia estão sendo questionadas pela comunidade internacional por conta da violência da repressão. Na Bolívia, houve nove mortos e 182 feridos em confronto um dia após o governo interino decretar a isenção de responsabilidade penal das forças de seguranças em casos de “cumprimento de suas funções”. Bolsonaro classificou os protestos como "atos terroristas".

Segundo o coronel Elias Miler da Silva, presidente da Associação de Oficiais da Polícia Militar do Estado de São Paulo (Defenda-PM), a proposta pode dar mais segurança aos agentes que participam de GLO. "Durante a ação, encontrar um indivíduo ostensivamente armado já caracteriza a figura do risco iminente. Já atuei em casos em que eu estava com um (revólver) 38 e o indivíduo com metralhadora. Vou falar: 'em nome da lei, o senhor se renda'?" Pela legislação, a polícia tem de investigar todos os casos de morte decorrente de intervenção policial. Mas cabe ao Ministério Público decidir, com base nas informações do inquérito, se o agente agiu com excesso ou de forma ilegal, caso em que deve oferecer denúncia à Justiça, ou se a ação foi legítima, caso em que a investigação é arquivada.

Ministro entregou proposta pessoalmente a presidente da Câmara

Coube ao ministro da Defesa, general Fernando Azevedo e Silva, entregar o texto pessoalmente ao presidente da Câmara, deputado Rodrigo Maia (DEM-RJ). A estratégia era evitar a contaminação da proposta com a encaminhada pelo ministro Sérgio Moro em fevereiro, a qual Maia classificou como “perigosa”.

“Para nós, essa lei é importante porque ampara melhor as ações de Garantia da Lei e da Ordem”, disse o ministro ao Estado. “Quando as Forças Armadas entram em uma operação de GLO, é prá resolver. Temos de ter regras claras de engajamento porque quem vai cumprir a missão não pode estar desabrigado”, completou.

Questionado se o excludente de ilicitude era uma autorização para a autoridade policial matar neste tipo de operação, o ministro rechaçou: “não é nada disso. É uma proteção jurídica para o pessoal trabalhar em operações delicadas, que não pode ficar desamparado”. Hoje, o ordenamento jurídico está previsto em decreto presidencial. Para o ministro, é fundamental que esse instrumento de proteção esteja previsto na lei e não apenas em decreto. 

Para o deputado Fábio Trad (PSD-MT), que participou do grupo de trabalho que rejeitou uma das tentativas do governo de aprovar o excludente de ilicitude – a outra foi rejeitada na Comissão de Constituição e Justiça – o texto abre brecha para “abusos” “A proposição cria uma “jabuticaba jurídica” que é a presunção de legítima defesa. Parece-me que presumir uma situação de fato pode servir de estímulo a abusos e excessos." / COLABOROU FELIPE RESK

BRASÍLIA - O presidente Jair Bolsonaro quer isentar de eventuais punições militares e integrantes de forças de segurança que atuam em operações de Garantia da Lei e da Ordem (GLO). O texto ressuscita o chamado excludente de ilicitude que a Câmara dos Deputados já rejeitou por duas vezes este ano, sob o argumento que seria uma espécie de “licença para matar”. Para especialistas, o texto é vago e pode ser usado em casos que a GLO for convocada para reprimir manifestações.

A proposta é uma promessa de campanha de Bolsonaro que, nesta quinta-feira, 21, ao anunciar a medida, afirmou que era um marco importante na luta contra a criminalidade. Ele também disse que “ladrão de celular tem de ir pro pau”, numa referência a uma fala do ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva. Uma semana atrás, o petista disse que "não aguenta mais um jovem ser morto porque roubou um celular".

Apoiadores de Bolsonaro fazem gesto de arma com os dedos durante o lançamento do novo partido, Aliança pelo Brasil, em Brasília Foto: Eraldo Peres / AP Photo

O novo texto do governo restringe o benefício em casos que o presidente autorize o uso da GLO. Pela Constituição, as operações de  Garantia da Lei e da Ordem só podem ocorrer nos casos em que há "esgotamento das forças tradicionais de segurança pública" como, por exemplo, na crise da greve da Polícia Militar no Espírito Santo, em 2018, ou em eventos especiais que requerem mais efetivos como no caso das Olimpíadas do Rio, em 2016, e da Copa do Mundo  de 2014.

O projeto de lei diz que o agente de segurança será isento de punição ou terá sua pena abrandada em casos de legítima defesa ou para “repelir injusta agressão” mesmo que façam o uso da força preventivamente. Na prática, um policial vai poder atirar sem que o suspeito tenha feito qualquer tipo de ataque direto a ele ou a um civil.

O governo classifica, no texto, como “injusta agressão” atos de terrorismo; qualquer tipo de conduta capaz de gerar morte ou lesão corporal; a restrição de liberdade da vítima, mediante violência ou grave ameaça; ou até portar ou utilizar ostensivamente arma de fogo.

Militares participam de operação durante intervenção federal no Rio em 2018 Foto: Fabio Motta/Estadão

Nesses casos, o militar ou o policial usa da força durante uma GLO, mesmo que ocorre uma morte, responderá somente pelo excesso doloso e o juiz poderá, ainda, atenuar a pena. O texto ainda afasta a possibilidade de prisão em flagrante ou de qualquer outra medida restritiva caso a reação se encaixe em um dos pontos do excludente de ilicitude. E obriga a União a defender o agente.

Especialistas em Direito Penal criticam texto; coronel defende

Para especialistas, o texto fere o direito à vida, previsto no artigo 5º da Constituição. “A legítima defesa e estrito cumprimento do dever legal não se presumem. Verificam-se a partir de fatos da vida real e condutas concretas. O que se pretende é emitir um salvo-conduto, autorização geral para as forças de segurança. Isso é absolutamente inconstitucional e humanamente inadmissível”, afirmou o criminalista José Carlos Cal Garcia Filho.

“O texto é marcado por total falta de técnica legislativa, contem expressões vagas e serve, tão somente, para estimular a ação violenta que, infelizmente, na maioria dos casos, já é impune, das forças policiais. A depender da situação, é possível que as excludentes sejam aplicadas em atos e manifestações políticas, o que indica a possibilidade de que coloquem em risco liberdades públicas essenciais ao regime democrático”, afirmou Conrado Gontijo, doutor em Direito Penal pela Universidade de São Paulo (USP).

A proposta chega ao Congresso Nacional no momento em que ações de forças policiais e militares em protestos no Chile e na Bolívia estão sendo questionadas pela comunidade internacional por conta da violência da repressão. Na Bolívia, houve nove mortos e 182 feridos em confronto um dia após o governo interino decretar a isenção de responsabilidade penal das forças de seguranças em casos de “cumprimento de suas funções”. Bolsonaro classificou os protestos como "atos terroristas".

Segundo o coronel Elias Miler da Silva, presidente da Associação de Oficiais da Polícia Militar do Estado de São Paulo (Defenda-PM), a proposta pode dar mais segurança aos agentes que participam de GLO. "Durante a ação, encontrar um indivíduo ostensivamente armado já caracteriza a figura do risco iminente. Já atuei em casos em que eu estava com um (revólver) 38 e o indivíduo com metralhadora. Vou falar: 'em nome da lei, o senhor se renda'?" Pela legislação, a polícia tem de investigar todos os casos de morte decorrente de intervenção policial. Mas cabe ao Ministério Público decidir, com base nas informações do inquérito, se o agente agiu com excesso ou de forma ilegal, caso em que deve oferecer denúncia à Justiça, ou se a ação foi legítima, caso em que a investigação é arquivada.

Ministro entregou proposta pessoalmente a presidente da Câmara

Coube ao ministro da Defesa, general Fernando Azevedo e Silva, entregar o texto pessoalmente ao presidente da Câmara, deputado Rodrigo Maia (DEM-RJ). A estratégia era evitar a contaminação da proposta com a encaminhada pelo ministro Sérgio Moro em fevereiro, a qual Maia classificou como “perigosa”.

“Para nós, essa lei é importante porque ampara melhor as ações de Garantia da Lei e da Ordem”, disse o ministro ao Estado. “Quando as Forças Armadas entram em uma operação de GLO, é prá resolver. Temos de ter regras claras de engajamento porque quem vai cumprir a missão não pode estar desabrigado”, completou.

Questionado se o excludente de ilicitude era uma autorização para a autoridade policial matar neste tipo de operação, o ministro rechaçou: “não é nada disso. É uma proteção jurídica para o pessoal trabalhar em operações delicadas, que não pode ficar desamparado”. Hoje, o ordenamento jurídico está previsto em decreto presidencial. Para o ministro, é fundamental que esse instrumento de proteção esteja previsto na lei e não apenas em decreto. 

Para o deputado Fábio Trad (PSD-MT), que participou do grupo de trabalho que rejeitou uma das tentativas do governo de aprovar o excludente de ilicitude – a outra foi rejeitada na Comissão de Constituição e Justiça – o texto abre brecha para “abusos” “A proposição cria uma “jabuticaba jurídica” que é a presunção de legítima defesa. Parece-me que presumir uma situação de fato pode servir de estímulo a abusos e excessos." / COLABOROU FELIPE RESK

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