Caro leitor,
O governo vai caminhando para seu centésimo dia. Um período muito mais de turbulências que de avanços concretos em todas as áreas. O que vale também, claro, para a economia. Certo, o projeto de reforma da Previdência, apontado quase unanimemente como o mais importante, foi enviado ao Congresso. Mas, depois disso, a tramitação tem sido muito mais turbulenta do que se esperava. E, enquanto a mudança nas aposentadorias não anda, tudo o mais fica à espera.
O ministro da Economia, Paulo Guedes, assumiu propondo uma revolução na economia brasileira. Em seu discurso de posse , prometeu a abertura da economia, privatizações e redução de impostos. Palavras mágicas para o mercado financeiro e para o setor produtivo. Mas é bem pouco provável que essa agenda saia do papel se o governo não mostrar força suficiente para aprovar a Previdência. E a desarticulação do governo, que ainda não conseguiu sequer formar uma base parlamentar no Congresso – o que inviabiliza completamente a aprovação de um projeto de tal magnitude -, vem tornando essa tarefa bem mais complicada. Como apontou o editorial do Estadão, nenhum presidente pode descuidar da articulação política no Congresso.
Na avaliação da nossa colunista Elena Landau, o problema é que, na maior parte desses pouco mais de três meses, “o governo escolheu o confronto: nós os virtuosos contra eles, os corruptos”. Mas já vimos isso antes, lembra a economista. “Bolsonaro não tem o monopólio da virtude como ele quer fazer crer.”
Nesta semana, a estratégia começou a mudar um pouco. Na terça-feira, 2, Paulo Guedes abriu as portas do Ministério da Economia para receber parlamentares – e voltou a ouvir que há enorme resistência no Congresso em relação às mudanças no BPC (benefício de prestação continuada, o auxílio a idosos carentes) e na aposentadoria rural. O gesto do ministro foi bem recebido pelos deputados.
Na quarta-feira, 3, Guedes foi à Comissão de Constituição, Cidadania e Justiça (CCJ) defender o projeto da Previdência. Foi bombardeado quase que ininterruptamente pela oposição, até explodir, seis horas depois, ao ser chamado de “tigrão” e “tchutchuca” pelo deputado Zeca Dirceu (PT-PR). Episódio que deixou evidente, mais uma vez, a desarticulação do governo, que não conseguiu escalar nem parlamentares do PSL, o partido do presidente Jair Bolsonaro, para ajudar o ministro. Como escreveu nossa colunista Eliane Cantanhêde , “a tropa de elite falhou”.
Na quinta-feira, o próprio Bolsonaro resolveu se encontrar com líderes partidários, também para tentar destravar a Previdência. E, segundo o ministro Onyx Lorenzoni, pediu desculpas pelas “caneladas” com o Congresso. Seis partidos participaram da conversa, mais seis estão agendados para a semana que vem. É possível que algo tenha mudado.
Os empresários, cientes da importância da reforma previdenciária e preocupados com as dificuldades que se apresentam, também resolveram entrar efetivamente em campo. Como mostramos aqui no Estadão, o movimento Brasil 200 – que reúne nomes como Flávio Rocha (Riachuelo), Luciano Hang (Havan), Sebastião Bomfim (Centauro) e João Apolinário (Polishop) – resolveu intensificar campanhas nas redes sociais e também a pressão sobre parlamentares.
E o governo também começa a se preocupar em mostrar que a economia não se resume à Previdência. Segundo nos informou o secretário Especial de Produtividade, Emprego e Competitividade, Carlos da Costa, há quatro programas para uma “reanimação” da atividade econômica sendo preparados para os próximos meses, envolvendo de qualificação da mão de obra à eliminação de burocracia. O País anda mesmo precisando de algum estímulo, porque as projeções para o crescimento do PIB deste ano despencam semana após semana e já estão abaixo dos 2%. Mas a grande verdade é que, no final das contas, sem reforma da Previdência, as perspectivas não são mesmo nada boas.