Caro leitor,
O presidente Jair Bolsonaro sempre apreciou as jogadas do argentino Diego Maradona. Na sua avaliação, porém, aquela “mão de Deus” usada pelo craque no polêmico gol das quartas de final da Copa de 1986, diante da Inglaterra, será ressuscitada na Praça dos Três Poderes, em versão tupiniquim, para deixar o governo na marca do pênalti.
Nos bastidores, Bolsonaro tem dito que o sinal verde dado pelo Supremo Tribunal Federal (STF) para vasculhar quem financiou as manifestações de domingo – na qual seus apoiadores defenderam a intervenção militar – é mais uma peça armada por “inimigos”, na tentativa de derrubá-lo. Além disso, a investigação está a cargo do ministro Alexandre de Moraes, sorteado para cuidar do caso.
“Como diria Maradona: ‘Foi a mão de Deus”, resumiu um magistrado, ao saber que o algoritmo do Supremo deixou, por “acaso”, o inquérito justamente com Moraes.
Conhecido como “linha dura” entre seus pares, Moraes é o mesmo que trata de outra investigação, ainda em curso, desta vez para apurar ameaças, ofensas e calúnias dirigidas a integrantes da Corte e suas respectivas famílias. Esse inquérito, aliás, já identificou empresários bolsonaristas que bancam ataques nas redes sociais. O custo da guerra virtual, como mostrou o Estado, pode chegar a R$ 5 milhões por mês.
Bolsonaro quer passar à população, no entanto, a ideia de que há uma “conspiração” em andamento para tirá-lo do Palácio do Planalto e inclui na lista das ações “orquestradas” a CPI das Fake News, prorrogada até outubro.
“Onde foi que eu errei?”, perguntou o presidente a ministros-generais com quem conversou, ainda no domingo. Depois de ter usado a caçamba de uma caminhonete como palanque diante de aliados pedindo ofechamento do Congresso, do STF e a deposição de governadores que defendem aquarentena para combater o avanço do coronavírus, Bolsonaro disse não ter dirigido uma palavra contra as instituições. “Leiam o meu discurso”, cobrou.
Com três décadas de trajetória política, o presidente sabe muito bem a força e o simbolismo não apenas de suas palavras –proferidas naquele dia diante do Q.G do Exército – , mas de seus gestos. Tenta, porém, driblar a nova crise, que ele mesmo criou, culpando a imprensa e os outros Poderes. Emite sinais trocados e lança balões de ensaio para transmitir a mensagem de que está sendo impedido de governar e desviar o foco da crise do coronavírus, da crise econômica e do apagão do planejamento. Mas, para nos salvar, vem aí agora uma espécie de “Plano Marshall”.
Nessa toada, há movimentos contraditórios, como a busca de apoio em partidos do Centrão - bloco carimbado pelo próprio Bolsonaro como “velha política” –, e distribuição de cargos em troca de votos no Congresso. Há, também, frases inexplicáveis, como o “alerta” feito pelo presidente, depois da demissão de Luiz Henrique Mandetta - que ocupou a Saúde por quase 16 meses – sobre o poder de sua caneta.
“Se tiver que demitir qualquer ministro, demito. Não estou ameaçando. Longe de ameaça (...). Agora, se ele desviar-se daquilo que eu prometi durante a campanha, lamentavelmente está no governo errado”, afirmou Bolsonaro, na segunda-feira, diante de apoiadores, no Palácio da Alvorada. “Vá para outro barco. Vá tentar em 22”, emendou, numa referência às eleições presidenciais de 2022.
De quem ele estava falando? Os jornalistas não puderam perguntar. “Não quero papo com vocês”, avisou o presidente, naquele dia, irritado com as manchetes dos jornais. “Quem não quiser ouvir, que vá embora”.
Há quem aposte que o recado foi para Sérgio Moro (Justiça), o ex-juiz da Lava Jato. Outros, para Paulo Guedes (Economia), o dono da chave do cofre. Nesses tempos nublados, só a mão de Deus para responder...