Em campanha pelo segundo mandato, o presidente Jair Bolsonaro vestiu o figurino de garoto-propaganda do novo “Auxílio Brasil”, de R$ 400, e escolheu o Nordeste para divulgar o programa justamente no dia da leitura do relatório final da CPI da Covid, que pediu o seu indiciamento por crime contra a humanidade em um rol de nove acusações. A estratégia foi planejada para inaugurar obras em dez Estados do Nordeste, mesmo não concluídas, na maratona batizada pelo governo de “Jornada das Águas”. O que Bolsonaro não imaginava é que parte da equipe econômica fosse pedir demissão.
Na cruzada ao celeiro de votos do PT, o presidente tenta virar o jogo com o anúncio de dinheiro para distribuir, mesmo sem fonte de recursos para bancar o novo programa que vai substituir o Bolsa Família. A aventura populista fez com que secretários da Economia, como Bruno Funchal (Tesouro e Orçamento), braço direito do ministro Paulo Guedes, entregassem os cargos. A nova debandada enfraquece Guedes.
A manobra política do bolsonarismo para driblar a crise, com ofertas de “terreno na lua”, já havia sido dissecada pela oposição, tanto que o ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva dobrou a aposta. O Nordeste lidera o ranking de beneficiados pelo Bolsa Família, programa que substituiu o então Fome Zero em 2003, no primeiro ano do governo Lula, e à época teve o nome escolhido pelo publicitário Duda Mendonça, morto em agosto. Dados do Ministério da Cidadania indicam que a região abriga 7,19 milhões de famílias assistidas pelo programa, praticamente a metade do total dos que recebem os repasses do governo.
Como o auxílio emergencial de R$ 300 termina no próximo dia 31 e Bolsonaro tenta a todo custo arrumar um programa social para chamar de seu, em busca da reeleição, tudo foi feito para juntar essas pontas e não deixar a campanha presidencial sem discurso. Acuado pela CPI da Covid, com a popularidade em queda livre e na tentativa desesperada de criar um fato positivo para enfrentar a tempestade perfeita, Bolsonaro comprou briga com a equipe econômica – contrária ao valor de R$ 400 – e disse que quem manda é ele.
Nessa ofensiva, o presidente assumiu os riscos de furar o teto de gastos e de promover estripulias fiscais para pôr de pé o Auxílio Brasil. Para tanto, apesar do voto contrário de Guedes, teve apoio do Centrão e do principal partido do bloco, o Progressistas – legenda que o abrigou durante 11 anos e para a qual ele deve retornar em breve. Mas a derrota da equipe econômica para a ala política pode custar ainda mais caro do que parece. E não à toa que até o mercado fala em aventura populista: o complemento do auxílio, para chegar aos R$ 400, termina em dezembro de 2022, “coincidentemente” depois da eleição.
Com o diagnóstico de que o relator da CPI da Covid, Renan Calheiros (MDB-AL), trabalha “para Lula”, Bolsonaro disse, na Paraíba, que o termo “vagabundo” é “elogio” para o senador. “Não há maracutaia no Brasil que não tenha o nome de Renan”, afirmou ele em São José de Piranhas (PB), durante inauguração de trecho da transposição do São Francisco.
Enquanto o inquilino do Planalto se diz “perseguido” pelo sistema e tenta reembalar um pacote de bondades para tirar votos do PT, principalmente no Nordeste, Lula vai dando a senha dos próximos capítulos da disputa. A ordem no partido é não criticar os R$ 400 do Auxílio Brasil, mas, sim, sustentar que é preciso muito mais, no mínimo R$ 600.
“Ele pode dar R$ 600, R$ 700, R$ 800 porque não é ele que está dando. É o dinheiro do povo que está sendo devolvido”, disse Lula. Na prática, tudo será feito pela oposição para desgastar ainda mais Bolsonaro no momento de sua maior fragilidade política. A ideia é carimbar as atitudes do presidente como “estelionato eleitoral” de quem quer vender terreno na lua. Ou seria na terra plana?